Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
300/11.4TXCBR-J.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL A MEIO DA PENA
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 61.º DO CP
Sumário: I – O instituto da liberdade condicional deve ser entendido, não como uma recompensa por boa conduta prisional mas, antes, como um auxílio e incentivo ao condenado, através da criação de um período de transição entre a prisão e a liberdade, que lhe permita uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais, necessariamente enfraquecida pelo período de reclusão suportado.

II – Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).

III – Para o que ao presente recurso importa, estando em causa a concessão da liberdade condicional ao meio do cumprimento da pena, verificado o consentimento do condenado, ela depende da satisfação das exigências de prevenção especial de socialização – prognose favorável sobre o futuro comportamento em meio livre – e da satisfação das exigências de prevenção geral – compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social.

IV – Tendo o recorrente praticado os factos quando era já um homem maduro, sargento-ajudante de uma força militarizada que é também órgão de polícia criminal, a pluralidade de crimes praticados, e a gravidade de alguns deles, com especial destaque para o crime de tráfico, revela, além do mais, uma personalidade mal formada, não escrupulosa e, seguramente, avessa ao direito, cuja evolução tem, necessariamente, que ser perspectivada com reserva, pelo que seria pouco prudente a formulação de um juízo de prognose favorável, devendo concluir-se pela não verificação da previsão da alínea a), do n.º 2 do art. 61.º do CP.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra



           

I. RELATÓRIO

No Tribunal de Execução de Penas de Coimbra correm termos os autos de concessão da liberdade condicional nº 300/11.4TXCBR-A, relativos ao condenado A... , onde, por despacho de 15 de Novembro de 2017, foi negada a concessão da liberdade condicional.


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            Inconformado com o decidido, recorreu o condenado, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1. O recorrente não se conforma com a douta decisão que não lhe concedeu a liberdade condicional.

2. O recorrente foi condenado a cumprir uma pena de 9 anos e 2 meses de prisão, tendo atingido o meio da pena a 10.11.2017.

3. Como consta dos relatórios juntos aos autos, o recorrente tem 61 anos de idade, aufere de uma reforma no valor de 1220,00 €, é casado, a sua mulher trabalha numa Companhia de Seguros, auferindo um salário de 573,23 €, tem dois filhos maiores e independentes ( B...., com 31 anos, directora numa clínica e C... , com 27 anos, engenheiro informático numa empresa);

4. O recorrente cumpre pena pela primeira vez, não tendo cometido qualquer infracção disciplinar;

5. Tem uma atitude assumida dos crimes, apresenta bom comportamento e bom relacionamento com reclusos e funcionários do E.P, evidenciando responsabilidade e pro actividade no seu processo de readaptação, concluiu o ensino secundário, frequenta ateliers de teatro, de leitura e escrita criativa, desenvolve actividade laboral no estabelecimento prisional, beneficiou de medidas de flexibilização da pena que decorreram com sucesso (5 saídas jurisdicionais, foi-lhe concedido RAI em 29.04.2016 e beneficiou de 5 saídas de curta duração, a última, de 7 dias, em Setembro do corrente ano).

6. Em meio livre dispõe de adequado enquadramento social, econ6mico e familiar junto do agregado constituído.

7. O Tribunal "a quo", considerou, salvo o devido respeito, erradamente, que dos autos e análises dos factos resulta que apesar de muito positivo e até meritório o percurso interno do condenado e do apoio familiar que dispõe no exterior não é ainda favorável o juízo de prognose favorável face às exigências de prevenção geral e especial.

8. Pelo tribunal "a quo" foram valorados os ilícitos praticados pelo recorrente e dada pouca relevância a aspectos que poderiam valorizar a pessoa do aqui recorrente, não tendo sido devidamente considerados os relatórios juntos aos autos e o parecer maioritariamente favorável emitido pelo Conselho Técnico.

9. O aqui recorrente não entende nem concorda, como e com que concretos fundamentos é que o Tribunal recorrido, conclui no seu despacho que quanto ao mesmo: "nesta fase da execução da pena não é ainda favorável o juízo de prognose, face às exigências de prevenção especial de reincidência que se verificam, bem como consideradas as elevadas exigências de prevenção geral" quando da fundamentação de facto da douta decisão recorrida consta "7) em reclusão, o condenado apresenta comportamento correcto e adequado, sem qualquer registo disciplinar, com postura calma, assertiva e educada e bom relacionamento interpessoal com reclusos e funcionários: 8) desenvolve actividade no bar de reclusos desde 10/10/2013 e realiza ainda tarefas na biblioteca do EP; 9) concluiu o 122 ano de escolaridade; 10) frequenta os ateliers de teatro, de leitura e de escrita criativa; 11) participa em acções com componente formativa desenvolvidas pelos SAEP; 12) ascendeu a RAI em 29/4/2016; 13) [á beneficiou de 5 licenças de saída jurisdicional e de 5 licenças de curta duração, sem qualquer incidente; 14) uma vez em liberdade, pretende regressar para junto da sua mulher",

10. O tribunal recorrido, na determinação da decisão não considerou, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, bastando-se pela invocação abstracta dessa personalidade, e nem quanto a esta mesma personalidade, fundamentou os motivos que levaram à decisão.

11. Na decisão ora recorrida, a convicção do julgador deve ser objectiva e motivada de forma lógica e racional, o que, salvo o devido respeito e melhor opinião, no nosso entender não aconteceu. A não concessão do regime de liberdade condicional está assente em presunções e pressuposições.

12. O tribunal "a quo" valoriza o tipo os ilícitos que determinaram a condenação do recorrente. O disposto no artigo 61.2 do Código Penal não o menciona e nem sequer é esse o espírito do legislador.

13. O recorrente tem um projecto de vida, sério e credível e reúne todos os pressupostos formais e materiais – artigo 61.º do Código Penal – para a concessão da liberdade condicional

14. A decisão de que ora se recorre deve, assim, ser revogada e substituída por outra que julgue verificado o pressuposto do art. 61º, n.º 2, al. a) e b) do Código Penal, concedendo-se a possibilidade ao Recorrente de beneficiar da liberdade condicional;

Termos em que, ao recurso apresentado, deve ser concedido provimento nos termos em que se defende, assim fazendo Vossas Excelências, Excelentíssimos Senhores Desembargadores, a habitual e costumada Justiça!


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            Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, alegando, em síntese que, apesar do reconhecido esforço de ressocialização levado a cabo pelo recorrente no decurso do cumprimento da pena, a personalidade que transparece das condutas praticadas coloca reservas ao seu comportamento futuro a que acresce, e o que é decisivo, a circunstância de a libertação colocar em causa as exigências de prevenção geral de integração, face à gravidade dos crimes, ao dano causado e ao grau de afectação da confiança da comunidade, dada a qualidade do condenado, enquanto membro de força militarizada pelo que, não se verifica o pressuposto previsto na alínea b) do nº 2 do art. 61º do C. Penal, e concluiu pela improcedência do recurso.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo a resposta do Ministério Público, e concluiu pela improcedência do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

            Respondeu o recorrente, reafirmando a argumentação da motivação, afirmando que nem a letra, nem o espírito do art. 61º do C. Penal fazem depender a concessão da liberdade condicional da maior ou menor gravidade dos crimes, sendo disso exemplo a concessão do instituto a condenados em penas semelhantes por violação, abusadores de menores e homicídio, insurgindo-se com o voto desfavorável da Direcção do Estabelecimento Prisional, que contrariou o parecer maioritariamente favorável do Conselho Técnico, e concluiu pela inexistência de obstáculos à concessão da liberdade condicional.


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            Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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            II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se estão ou não verificados os pressupostos de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional ao meio da pena.


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  Para a resolução desta questão importa ter presente o teor do despacho recorrido que é o seguinte:

“ (…).

            A. RELATÓRIO

Correm os presentes autos tendo em vista a eventual colocação em liberdade condicional relativamente ao condenado A... , nascido a 18/3/1956.

O condenado encontra-se em reclusão no Estabelecimento Prisional Regional da X... .


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O processo seguiu a sua normal tramitação, mostra-se devidamente instruído, e nele foram observadas todas as legais formalidades.

Estão juntos aos autos os relatórios a que alude o art. 173º do CEP.

O Conselho Técnico, reunido no dia 13/11/2017, prestou os necessários esclarecimentos, tendo emitido parecer maioritariamente favorável à concessão da liberdade condicional.

O Ministério Público emitiu, posteriormente ao Conselho Técnico, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.

Ouvido o recluso, após a realização do Conselho Técnico, o mesmo autorizou a eventual colocação em liberdade condicional.


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O tribunal é competente e o processo é o próprio.

Não existem nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa


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B. DE FACTO E DE DIREITO

            No caso dos autos, tendo em consideração o teor dos relatórios dos serviços de educação e ensino e de reinserção social, as certidões das decisões judiciais e declarações do recluso, sendo que os elementos apurados foram também obtidos através do contacto com os técnicos que elaboram os relatórios referidos e que detêm o dever funcional de avaliação, considera-se que:

1) o recluso cumpre uma pena única de 9 anos e 2 meses de prisão, imposta no proc. 96/04.6TAALD (que englobou, no cúmulo jurídico nele realizado, as penas relativas aos procs.

157/05.4JELSB e 214/05.7GDCRB), pelo cometimento de um crime de concussão na forma continuada, um crime de falsificação de documento na forma continuado, um crime de peculato, um crime de insubordinação e um crime de tráfico de estupefacientes (participação na importação da h (...) de um total de 24.589,90 gramas de cocaína);

2) o meio da referida pena única teve lugar no dia 10/11/2017, ocorrendo dos 2/3 em 20/5/2019, prevendo-se os 5/6 para 29/11/2020, estando o termo calculado para 10/6/2022;

3) o condenado tem mais cinco irmãos, descendentes de uma família de humilde condição sócio-económica, mas cujo ambiente familiar foi sempre harmonioso; iniciou a escolaridade em idade própria, tendo frequentado o ensino até ao 9º. ano, nível que não completou na altura e que veio a concluir mais tarde, adulto, em regime nocturno; abandonou os estudos com 17 anos, por falta de possibilidades económicas dos pais e também por desinteresse e falta de motivação; passou a apoiar os pais nas actividades agrícolas e esporadicamente e de forma indiferenciada trabalhou em sectores diversos, tais como construção civil e empregado de balcão em vários cafés; manteve-se nesta situação até ao cumprimento do serviço militar obrigatório, quando tinha 20 anos;

4) com cerca de 25 anos casou-se com D... , de nacionalidade espanhola, de quem tem dois filhos, com 31 e 27 anos de idade respectivamente, ambos com vida independente; a filha reside em w (...) e o filho em k (...);

5) depois de cumprir o Serviço Militar Obrigatório concorreu à GNR, sendo admitido; neste contexto viria a concluir o curso de "sargento ajudante", que lhe permitiu desempenhar posteriormente cargos de "comandante de posto" em várias localidades (..., ..., ..., ...), o última dos quais em ..., onde comandou o respectivo posto de 2000 a 2007; desde Outubro de 2008 ficou definitivamente desligado da sua actividade profissional na GNR por reforma compulsiva e após período de baixa clínica;

6) o recluso assume a sua conduta delituosa denotando capacidade crítica e verbalizando arrependimento, justificando os comportamentos delituosos por dificuldades económicas que atravessou; afirma-se arrependido, mostrando noção da gravidade e ilicitude dos seus comportamentos;

7) em reclusão, o condenado apresenta comportamento correcto e adequado, sem qualquer registo disciplinar, com postura calma, assertiva e educada e bom relacionamento interpessoal com reclusos e funcionários;

8) desenvolve actividade no bar de reclusos desde 10/10/2013 e realiza ainda tarefas na biblioteca do EP;

9) concluiu o 12º ano de escolaridade;

10) frequenta os ateliers de teatro, de leitura e de escrita criativa;

11) participa em acções com componente formativa desenvolvidas pelos SAEP;

12) ascendeu a RAI em 29/4/2016;

13) já beneficiou de 5 licenças de saída jurisdicional e de 5 licenças de curta duração, sem qualquer incidente;

14) uma vez em liberdade, pretende regressar para junto da sua mulher, que lhe tem prestado apoio durante a reclusão e que reside num andar arrendado (T3) em k (...), com adequadas condições de habitabilidade;

15) para além da condenação supra referida em 1), o recluso foi ainda condenado por peculato, denegação de justiça e prevaricação e falsificação de documento em pena de prisão suspensa já julgada extinta e ainda pelo cometimento de um crime de favorecimento pessoal e um crime de falsificação de documento em pena de prisão suspensa igualmente julgada extinta;


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A aplicação da liberdade condicional assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material, elencados no art. 61º do CP.

Assim, são pressupostos formais da concessão da liberdade condicional:

a) que o condenado tenha cumprido 1/2 da pena, e no mínimo 6 meses de prisão (n.º 2), ou 2/3 da pena, e no mínimo 6 meses de prisão (n.º 3) ou 5/6 da pena, quando a pena for superior a 6 anos (n.º 4);

b) que o condenado consinta ser libertado condicionalmente (n.º 1).

Por seu turno, são requisitos materiais da concessão da liberdade condicional (excepto na situação do n.º 4):

a) que, de forma consolidada, seja de esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respectiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (que constituem índices de ressocialização a apurar no caso concreto); e

b) a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social (excepto, também, na situação do n.º 3).

Ora, no que se reporta aos requisitos da liberdade condicional, dúvidas não restarão que a alínea a) se reporta e assegura finalidades de prevenção especial, ao invés da alínea b) que antes visa finalidades de prevenção geral.

Como tal, dado o efectivo relevo concedido à reinserção social por parte da liberdade condicional, haverá para tanto que, no caso em análise, para efeitos da alínea a) – e considerando a prevenção especial – atender-se, fundadamente, às circunstâncias do caso, à consideração da vida anterior, à personalidade do condenado e à evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão.

Já para efeitos da alínea b) – e atendendo à prevenção geral – há que assegurar o seu funcionamento através da sua vertente positiva, no sentido em que o legislador institui que a pena serve a defesa da sociedade (art. 42.º, n.º 1 do CP).

Por último, importa referir que, em termos de duração da liberdade condicional, fixa o n.º 5 do art. 61.º do CP, que esta tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.

Na situação dos autos, importa apreciar a liberdade condicional por referência ao meio da pena única de 9 anos e 2 meses de prisão, que ocorreu em 10/11/2017.

            A concessão da liberdade condicional no presente momento impõe que se tenham por salvaguardadas tanto exigências de prevenção especial (reinserção do condenado e prevenção da reincidência) como exigências de prevenção geral (com o sentido em que a pena já cumprida é já sentida pela comunidade como já suficiente para a protecção dos bens jurídicos e para a reinserção do condenado, reforçando o sentimento prevalecente de que a norma violada mantém a sua validade e vigência).

Tais requisitos são de natureza cumulativa, e por isso, demonstrativos do carácter excepcional da concessão da liberdade condicional nesta fase.

No caso, o recluso foi condenado pelo cometimento de um crime de concussão, um crime de falsificação de documento na forma continuado, um crime de peculato, um crime de insubordinação e um crime de tráfico de estupefacientes.

Os ilícitos cometidos estão relacionados com o exercício das funções de militar da GNR que então desempenhava e são ilícitos graves, nomeadamente o crime de peculato, porque colocam em causa o Estado e designadamente as funções de segurança que lhe estão acometidas. Já o crime de tráfico de estupefacientes, no qual participou na importação da h (...) de um total de 24.589,90 gramas de cocaína, ilícito este não relacionado com as funções que desempenhava, é gerador de intensas exigências de prevenção geral. Com efeito, tal tipo de crime é objecto de forte repressão pela comunidade pelas gravosas consequências associadas à sua prática, com a disseminação do produto estupefaciente e a facilitação do seu acesso a terceiros, com as nefastas consequências para a saúde pública (e individual) de todos conhecidas.

São, pois, elevadas as exigências de prevenção geral e as mesmas revelam-se neste momento impeditivas da libertação do condenado, por tal libertação não se apresentar compatível com as necessidades de protecção da ordem e paz social.

Como se pode ler no Ac. da RP de 14/7/2010 "Na análise dos pressupostos da aplicação da liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena, a avaliação da compatibilidade da libertação do condenado com a defesa da ordem e da paz social (al. b) do n.º 2 do art. 61.°, do CP) remete para elementos como a neutralização do efeito negativo do crime na comunidade, a dissuasão e fortalecimento do seu sentimento de justiça e de confiança na validade da norma jurídica violada e, portanto, para a natureza e gravidade do crime praticado; em caso de conflito entre os vectores da prevenção geral e de prevenção especial, o primado pertence à prevenção geral". E assim sendo, como se diz no Ac. da RP de 15/9/2010 "Na concessão da liberdade condicional, cumprida metade da pena, exige-se na atenção ao tipo e modo como o crime ou crimes foram praticados, a formulação de um juízo sobre as repercussões que a libertação terá na sociedade em geral, sendo aqui irrelevante o comportamento prisional" (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Mas ainda que assim não fosse, entendemos também que, no presente momento, não é ainda possível a formulação de um juízo de prognose positivo quanto ao comportamento futuro do condenado, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respectiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (que constituem índices de ressocialização a apurar no caso concreto, como acima se referiu).

É certo que estamos perante um condenado que, em reclusão, apresenta um percurso muito investido e adequado. Realça-se não só a muito adequada postura comportamental, como o desempenho de funções laborais, a conclusão do 12º ano, a participação em diversos programas de conteúdo formativo e o facto de integrar diversas actividades.

Esse percurso, que efectivamente é meritório, permitiu ao condenado realizar o seu percurso de aproximação ao meio livre, onde dispõe de apoio familiar, através do gozo de licenças de saída jurisdicional de curta duração, tendo ascendido a RAI.

Sucede, contudo, e tal como se refere no Ac. da RC de 25/2/2015 (disponível em www.dgsi.pt) "I – Para se poder concluir por um juízo de prognose favorável tendente à concessão da liberdade condicional, não basta que o condenado tenha em reclusão bom comportamento, e que aparente uma perspectiva de vida de acordo com as regras sociais vigentes. II – Para além da vontade subjectiva do condenado, o que releva decisivamente é a sua "capacidade objectiva de readaptação ", de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade."

Do ponto de vista do seu posicionamento relativamente aos ilícitos cometidos, nota-se capacidade crítica, a qual, contudo, deverá ainda ser aprofundada, dada a dimensão da prática delituosa e a sua elevada gravidade, tanto mais que, para além das penas em execução, o condenado foi igualmente condenado pelo cometimento de crimes de peculato, denegação de justiça e prevaricação, falsificação de documento e favorecimento pessoal em penas de prisão suspensa, julgadas extintas.

Assim, e apesar do muito positivo e até meritório percurso interno do condenado, e apesar ainda do apoio familiar de que dispõe no exterior, nesta fase da execução da pena, não é ainda favorável o juízo de prognose, face as exigências de prevenção especial de reincidência que se verificam, bem como consideradas as elevadas exigências de prevenção geral.

Nestes termos, pelas razões expostas, face às acima referidas exigências de prevenção geral e especial, não se mostram preenchidos os requisitos substanciais de que depende a concessão da liberdade condicional, ao nível das als. a) e b) do n.º 2 do art. 61.º do CP, razão pela qual não pode a mesma ser concedida.

C. DECISÃO

Por todo o exposto, em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se não conceder ao condenado A... a liberdade condicional.


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Notifique e comunique ao E.P. e serviços de reinserção social.

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Renovação da instância dentro de 12 meses a contar da presente data – art. 180º nº 1

do CEP.

Cumpra-se com 90 dias de antecedência e 30 dias de prazo de execução, o disposto no

art. 173º, nº 1, als. a) e b) do CEP.

Requisite então CRC actualizado.

(…) ”.


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Da verificação [ou não] dos pressupostos da concessão da liberdade condicional ao meio da pena

1. A aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade ou sejam, a realização de fins de prevenção, geral e especial (art. 40º, nº 1 do C. Penal). Reflectindo esta noção, dispõe o art. 42º, nº 1 do C. Penal que, a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, tendo ainda redacção idêntica o art. 2º, nº 1 do C. Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade [doravante, CEPMPL].  

É precisamente neste âmbito que se insere o instituto da liberdade condicional entendido, como o legislador deixou consignado no parágrafo 9 da Introdução do Código Penal, aprovado pelo Dec. Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, não como uma recompensa por boa conduta prisional mas antes, como um auxílio e incentivo ao condenado, através da criação de um período de transição entre a prisão e a liberdade, que lhe permita uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais, necessariamente enfraquecida pelo período de reclusão suportado.

Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).

A concessão da liberdade condicional depende da verificação dos pressupostos previstos no art. 61º, do C. Penal.

A primeira ideia a reter é a de que ela depende sempre do consentimento do condenado (nº 1, do artigo citado). Depois, há que distinguir entre liberdade condicional não obrigatória e liberdade condicional obrigatória.

A liberdade condicional não obrigatória ou ope judicis é concedida quando:

a) O condenado tiver cumprido metade da pena de prisão e no mínimo de seis meses, se:

- Atentas as circunstâncias do caso, a sua personalidade e a evolução desta ao longo do cumprimento da pena, existiram fundadas razões para crer que, posto em liberdade, conduzirá a sua vida de forma socialmente responsável (nº 2, a) do art. 61º do C. Penal); e

- A libertação for compatível com a defesa da ordem e da paz social (nº 2, b) do mesmo artigo);

b) O condenado tiver cumprido dois terços da pena de prisão e no mínimo de seis meses, desde que, atentas as circunstâncias do caso, a sua personalidade e a evolução desta ao longo do cumprimento da pena, existiram fundadas razões para crer que, posto em liberdade, conduzirá a sua vida de forma socialmente responsável (nº 3 do mesmo artigo).

A liberdade condicional obrigatória ou ope legis é concedida logo que o condenado cumpra cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos (nº 4, do mesmo artigo).  

2. Para o que ao presente recurso importa, estando em causa a concessão da liberdade condicional ao meio do cumprimento da pena, verificado o consentimento do condenado, ela depende da satisfação das exigências de prevenção especial de socialização – prognose favorável sobre o futuro comportamento em meio livre – e da satisfação das exigências de prevenção geral – compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social.

O recorrente foi condenado na pena única de nove anos e dois meses de prisão, pela prática de um crime continuado de concussão [um ano e seis meses de prisão], de um crime continuado de falsificação de documento [pena de dois anos de prisão], de um crime de peculato [pena de quatro anos e seis meses de prisão], de um crime de tráfico de estupefacientes [pena de seis anos e seis meses de prisão] e de um crime de insubordinação [dois meses de prisão substituída por sessenta dias de multa, no total que € 180, já paga]. Atingiu o meio da pena em 10 de Novembro de 2017 e, ouvido em declarações em 13 do mesmo mês, consentiu na sua colocação em liberdade condicional.

Estão assim verificados os pressupostos formais da aplicação da liberdade condicional ao meio da pena, cumpre agora analisar a verificação, ou não, dos respectivos pressupostos materiais.

a. Já dissemos que pressuposto material de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional ao meio da pena é a formulação pelo tribunal de um juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Na formulação deste juízo sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vítima quando disso seja caso (art. 173º, nº 1 do CEPMPL).

Toda a prognose é uma probabilidade, uma previsão da evolução futura de uma situação, fundada no conhecimento da evolução de situações semelhantes, sendo aplicáveis as mesmas condições ou seja, fundada nas regras da experiência. Por isso, no âmbito da concessão da liberdade condicional não é possível a formulação de um juízo de certeza, nenhuma decisão pode assegurar que não mais o condenado, uma vez em liberdade, voltará a cometer crimes.

Deste modo, feita a conjugação e ponderação dos factores supra enunciados, a liberdade condicional deve ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, criam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade, e deve ser negada quando conclua que não reúne tais condições, quer porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, quer porque se revela temerário. E tudo isto sem esquecer que na decisão, como em qualquer decisão, existe sempre, por um lado, uma margem de subjectividade do decisor, e por outro, a vantagem decorrente da imediação da prova designadamente, da audição do recluso (art. 176º do CEPMPL), e da qual o tribunal ad quem não comunga.

Aqui chegados.

No que respeita ao teor das conclusões 3 a 8, 10 e 13, lendo a factualidade provada da decisão recorrida fácil é constatar que como tal foi considerado o actual agregado familiar do recorrente e a situação profissional dos dois filhos, já autónomos [pontos 4 e 14 dos factos provados], a ausência de registo disciplinar, o adequado comportamento e bom relacionamento com reclusos e funcionários do estabelecimento prisional [ponto 7 dos factos provados], a conclusão do 12º ano, a frequência de ateliers de teatro, leitura e escrita criativa, o exercício de actividade no bar dos reclusos e na biblioteca da instituição e a participação em acções formativas [pontos 8 a 11 dos factos provados], o benefício de cinco licenças de saída jurisdicional e outras tantas licenças de curta duração e a colocação em RAI a partir de Abril de 2016 [pontos 12 e 13 dos factos provados], o que revela o propósito do recorrente em desenvolver e solidificar o seu processo de ressocialização, e isso mesmo foi também reconhecido pela Mma. Juíza a quo na decisão recorrida, qualificando de adequado, investido e meritório o percurso do recorrente na aproximação ao meio livre.

Sucede que, na decisão recorrida, para além destes elementos e do reconhecimento da capacidade crítica revelada pelo recorrente face aos factos por si praticados, foi ainda ponderada a sua personalidade, e não em termos abstractos como, criticamente, o mesmo refere.

Com efeito, reconhecendo-se, embora, que a abordagem aos traços da personalidade do recorrente podia ter sido mais explícita e assertiva, ela mostra-se, no entanto, condensada na referência à necessidade de aprofundamento daquela capacidade crítica, devido à dimensão da prática delituosa e à sua gravidade.

E na verdade, tendo o recorrente praticado os factos quando era já um homem maduro, sargento-ajudante de uma força militarizada que é também órgão de polícia criminal, a pluralidade de crimes praticados, e outros foram [como se lê no ponto 15 dos factos provados] que não apenas, os supra mencionados, e a gravidade de alguns deles, com especial destaque para o crime de tráfico, revela, além do mais, uma personalidade mal formada, não escrupulosa e, seguramente, avessa ao direito, cuja evolução tem, necessariamente, que ser perspectivada com reserva.

Deste modo, e tal como a 1ª instância, também entendemos que seria pouco prudente, atento o descrito circunstancialismo, a formulação de uma prognose favorável e concluímos pela não verificação da previsão da alínea a), do nº 2 do art. 61º do C. Penal.

b. Ainda que assim não fosse, cremos que também não se verifica o segundo pressuposto material de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional ao meio da pena, isto é, a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social.

Começamos por notar, atento o teor da conclusão 12, que a valoração feita pelo tribunal a quo dos crimes praticados, que critica, se prende, apenas e só, por um lado, e como já referido, com os traços de personalidade que tal prática revela e por outro, e é o que agora releva, com as exigências de prevenção geral positiva ou de integração no seu grau mínimo ou seja, com as exigências de tutela do ordenamento jurídico que são, precisamente, as exigências que a alínea b) do nº 2 do art. 61º do C. Penal visa acautelar.

 Dito isto, cremos que a gravidade dos crimes de tráfico de internacional de estupefacientes [envolvendo cerca de vinte e quatro quilogramas de cocaína] e de peculato são de tal forma socialmente danosos, que a colocação do recorrente em liberdade nesta fase do cumprimento da pena poria em causa as expectativas da comunidade na validade das normas violadas ou, dito de outra forma, a libertação do recorrente a meio da pena, face aos crimes praticados, não seria entendida nem aceite pela comunidade. Assim, ainda que, por hipótese de raciocínio, se pudesse considerara viável a formulação de uma prognose favorável, a liberdade condicional sempre estaria limitada pelas exigências de prevenção geral, in casu, requeridas, impeditivas da sua concessão.

Acrescentamos, para terminar, serem irrelevantes as considerações feitas pelo recorrente na resposta ao parecer da Exma. Procuradora-Geral Adjunta, tendo por objecto alegadas concessões de liberdade condicional em condições objectivamente inferiores à sua.

Deste modo, e tal como a 1ª instância, também entendemos não estar verificada a previsão da alínea b), do nº 2 do art. 61º do C. Penal.

c. A não verificação dos pressupostos materiais da concessão da liberdade condicional ao meio da pena – prognose favorável sobre o futuro comportamento em meio livre e compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social – determina que dela não possa beneficiar o recorrente, não merecendo, por isso, censura, a decisão recorrida.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. (arts. 153º, nºs 1 e 6 do CEPMPL, e 8º, nº 9 do R. das Custas Processuais e tabela III, anexa).


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Coimbra, 21 de Fevereiro de 2018


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Helena Bolieiro – adjunta)