Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8776/11.3TDLSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: INQUÉRITO
DENÚNCIA
UTILIZAÇÃO ABUSIVA DO PROCESSO
Data do Acordão: 01/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA (JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL - JUIZ 2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 277.º, N.º 5, DO CPP
Sumário: Nos termos e para os efeitos previstos no n.º 5 do artigo 277.º do CPP, existe utilização abusiva do processo, reveladora de má-fé, quando o denunciante, em dois momentos temporais distintos, apresenta denúncia pelos mesmos factos, perante diferentes Serviços do Ministério Público, não obstante ter sido notificado de que os factos objecto da primeira denúncia não constituíam qualquer ilícito penal.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

A... , denunciante nos autos, veio interpor recurso do despacho que a condenou no pagamento de 6 UC, por utilização abusiva do processo, nos termos do disposto no artigo 520º do CPP.

A razão da sua discordância encontra‑se expressa na respectiva motivação de onde retirou as seguintes conclusões:

I- A fatualidade denunciada, constante da motivação de recurso, não é passível de subsumir o conceito de utilização abusiva do processo, face a diversidade dos fatos denunciados neste inquérito, não tendo a recorrente denunciado de má fé, nem com negligência grave, tendo apenas exercido um direito legítimo de queixa/denúncia, porque ficou lesada com os fatos supra descritos na motivação de recurso, não sendo os fatos denunciados os mesmos, nem os denunciados os mesmos, não se tratando de repetição de queixas sobre os mesmos fatos, mas sobre novos fatos, ocorridos posteriormente ao arquivamento da anterior queixa.

II- A fundamentação do despacho recorrido é errónea, tendo o tribunal recorrido interpretado incorretamente o disposto no art. 520º, al. c) do CPP, porquanto a utilização abusiva deste processo não ocorre pelos fundamentos já transcritos na motivação de recurso, inexistindo duplicação de processos relativamente aos mesmos fatos denunciados, e aos mesmos agentes, inexistindo qualquer utilização abusiva ou negligência grave que fundamentam  a aplicação do disposto no art. 520º, al. c) do CPP, não se verificando os pressupostos legais da sua aplicação. A recorrente na qualidade de  denunciante sempre teve uma conduta séria, descrevendo na denúncia factos, juntando provas e requerendo a produção de provas, que sustentavam a veracidade da denúncia, jamais podendo a conduta da recorrente ser subsumível no conceito de má fé ou negligência grave, conceitos estes que pressupõem denúncias criminais infundadas e falsas, o que manifestamente não é o caso da denúncia apresentada pela recorrente.

III- A decisão recorrida é nula, cfr. art. 379º, n.º 1, al. a) e 374º, n.º 2 do CPP, porque carece de fundamentação, não sendo feita nesta qualquer referência a factualidade concreta, que considera subsumir o conceito de má fé ou negligência grave por parte da denunciante que fundamentasse a aplicação do disposto no art. 520º, al. c) do CPP, sendo a condenação da recorrente manifestamente ilegal e injusta.

Subsidiariamente,

IV- Deverá a decisão recorrida ser revogada, por não se verificarem os pressupostos legais da aplicação do disposto no art. 520º, al. c) do CPP, sendo a condenação em custas da denunciante ilegal e injusta, inserindo-se a conduta da denunciante/recorrente no livre direito de queixa, consagrado no CPP e CRP.

V- A decisão recorrida interpretou e aplicou incorretamente o disposto no art. 520º, al. c) do CPP, preceito legal que não tem aplicabilidade no caso concreto, pois sendo os factos denunciados diversos, assim como os agentes diversos, inexiste qualquer duplicação de queixas, inexistindo má fé ou negligência grosseira, pelo contrário existe uma conduta inserida no direito legítimo de queixa contra atuações que em abstrato se subsumem em ilícitos criminais, os quais causaram prejuízos patrimoniais à denunciante, direito que lhe é assegurado pela CRP, CPP e CEDH.

Nestes termos, (…) deve ser dado provimento ao recurso e a decisão recorrida ser declarada nula ou subsidiariamente revogada nos termos em que se defende, assim se fazendo Justiça.


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Respondeu o Magistrado do MºPº junto do tribunal a quo defendendo a improcedência do recurso, por considerar que:

- existe utilização abusiva do processo quando a denunciante, em dois momentos temporais distintos, apresenta denúncia pelos mesmos factos perante diferentes Serviços do Ministério Público, a segunda das quais após ter sido notificada de que os factos denunciados não constituíam qualquer ilícito criminal; ……..e,

- o despacho recorrido encontra-se devidamente fundamentado por remissão para os elementos que constam da promoção do Ministério Público.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido, acompanhando a resposta do Ministério Público em 1ª instância.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, não foi apresentada resposta.

Os autos tiveram os vistos legais.


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II – FUNDAMENTAÇÃO

É do seguinte teor o despacho recorrido:

Compulsados os autos e atendendo aos fundamentos aduzidos no despacho de arquivamento, verifica-se, em concordância com a intelecção do Digno Procurador da República, que a denunciante fez uma utilização abusiva do processo. Assim, e em consonância com o estatuído no art. 520º do Cód. Proc. Penal, decide-se condenar a denunciante A... no pagamento de 6 (seis) U.C..  Notifique.


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Com interesse para a decisão importa considerar o seguinte desenvolvimento processual:

- A... (ora recorrente) apresentou no DIAP de Lisboa, no dia 26-11-2011, via fax, queixa/denúncia criminal, a fls. 2-3, com aditamento a fls. 4, por no processo de execução fiscal n.º 0159201001002910, em sede de reclamação graciosa, ter sido determinada a anulação de todas as liquidações de IVA e juros referentes aos anos de 2006, 2007 e 2008, dado ter a administração fiscal concluído que haviam sido calculadas tais liquidações com base em taxa de IVA ilegal.

No entender da denunciante, a conduta da administração fiscal consubstancia grave violação de lei, nomeadamente tributária, e os crimes de prevaricação, denegação de justiça e desobediência.

Em sede de inquérito foram realizadas diligências de prova e, tendo o Ministério Público concluído que os autos não continham quaisquer indícios da prática de crime, e que não se vislumbravam outras diligências de prova úteis a realizar, determinou o arquivamento dos autos, nos termos do artigo 277º, n.º 1, do CPP (despacho proferido em 8-10-2012) – fls. 602/609;

- a denunciante optou por não requerer a abertura da instrução, tendo reclamado hierarquicamente, nos termos do n.º 2 do artigo 278º do CPP, com vista a que o inquérito prosseguisse com diligências investigatórias, designadamente a constituição de arguidos – fls. 614/617 e 666/669;

- a Exmª PGA Coordenadora da Comarca do Baixo Vouga proferiu despacho de indeferimento, decidindo manter o despacho final de arquivamento – fls. 628/629;

- a fls. 632, promoveu o MP que a denunciante fosse condenada por utilização abusiva do processo, ao abrigo do disposto nos artigos 277º, n.º 5 e 520º do CPP, porquanto “sobre os mesmos factos já a denunciante havia apresentado queixa a 15.02.2011 neste DIAP, onde correu na 2ª Secção o inq. 353/11.5T3AVR e no qual foi proferido despacho de arquivamento nos termos do art. 277º, n.º 1 do CPP, por não decorrer da exposição a prática de qualquer facto jurídico penalmente relevante, com notificação por carta registada datada de 22.02.2011 – cfr. 595-601”;

-  a denunciante requereu a reabertura do inquérito, nos termos do artigo 279º do CPP - fls. 640/643, 676/679;

- a denunciante (após notificação da promoção de fls. 632) pronunciou-se no sentido de não se verificarem os pressupostos nos artigos 277º/5 e 520º do CPP;

- a fls. 687/689, o MP proferiu despacho mantendo na íntegra o despacho de arquivamento, por inexistirem novos elementos de prova que o contrariem, tendo indeferido a requerida reabertura do inquérito. Consta neste despacho “ (…) no caso concreto, analisado o requerimento da denunciante para reabertura do inquérito, verifica-se que se baseia nos mesmos argumentos invocados na reclamação graciosa, no recurso hierárquico e na oposição à execução, junto a fls. 76-501 e de certidão do TAF de Aveiro relativa ao processo n.º 346/10.0BEAVR, junta a fls. 526/547 e que se traduzem num seu entendimento diverso do da administração fiscal, o que foi objecto de análise no referido despacho de arquivamento. Mesmos argumentos que igualmente constam dos sucessivos requerimentos/aditamentos dirigidos aos presentes autos”.

E, quanto à condenação por utilização abusiva do processo, consta ainda neste mesmo despacho, a fls. 689, “Renova-se a posição assumida a fls. 632, acrescentando-se porém que os documentos ora juntos a fls. 644-647 já o haviam sido a fls. 5-8 com a participação; os de fls. 658-660 já se encontram a fls. 33-35; o de fls. 661 já se encontra a fls. 512; o de fls. 662-663 já está junto a fls. 520-521; o de fls. 664-665 já está junto a fls. 552-553; o de fls. 674-675 já está junto a fls. 621-622 e os de fls. 680-684 já se encontram a fls. 648- 652, 554-560 e alguns deles a fls. 9-11 com a participação”;

- foi a denunciante notificada deste despacho e promoção de fls. 687/689:

- a denunciante reclamou do despacho que recusou a reabertura do inquérito, requerendo a nulidade do despacho reclamado e a reabertura do inquérito – fls. 709-712;

- a Exmª PGA Coordenadora indeferiu a requerida reabertura do inquérito e manteve nos seus precisos termos o despacho proferido pelo Sr. Procurador da República – fls. 716;

- foi então proferido o despacho recorrido.


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APRECIANDO

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, são as seguintes as questões suscitadas:

- a nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação;

- se com a sua conduta, a denunciante fez uma utilização abusiva do processo, a justificar a condenação em custas nos termos do artigo 520º do CPP.


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A-

Alega a recorrente que o despacho recorrido é nulo, por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 379º, n.º 1, al. a) e 374º, n.º 2 do CPP, por no mesmo não constar “qualquer referência a factualidade concreta, que considera subsumir o conceito de má fé ou negligência grave por parte da denunciante”.

Nos termos do que dispõe o artigo 97º, n.º 1, al. b) e n.º 5 do C.P.P., os actos decisórios dos juízes tomam a forma de “despachos” quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora dos casos previstos para as sentenças e são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

Diz ainda o artigo 205.º, n.º 1, da C.R.P., que enformou o citado artigo 97º, n.º 5, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Ora, de acordo com o princípio da legalidade previsto no artigo 118º do CPP «a violação ou a inobservância da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei» e, «nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular». Estão as irregularidades sujeitas à disciplina do artigo 123º do mesmo diploma.

Serve isto para dizer que, no caso vertente, não estando em causa uma sentença, não lhe são aplicadas a exigências formais a que alude o n.º 2 do artigo 374º, nem o regime de nulidades previsto no artigo 379º, ambos do CPP.

Deste modo, não impondo a lei requisito especial de fundamentação, deverá o despacho recorrido especificar os motivos de facto e de direito da decisão.

In casu, a Mmª JIC no despacho que proferiu aderiu aos fundamentos aduzidos pelo Ministério Público no despacho de arquivamento (fls. 602/609), concordando ainda com o entendimento do Sr. Procurador da República quanto à utilização abusiva do processo por banda da denunciante (como resulta das promoções de fls. 632 e 689).

A fundamentação por remissão para outra peça processual ou para a promoção do MP é uma forma possível de fundamentação, porquanto os fundamentos invocados nos mesmos são controláveis.

“O juiz pode, perfeitamente, por razões de economia processual, remeter-se, no seu despacho, para a promoção do Ministério Público ou para outras peças do processo. Até porque, quando se remete para a promoção do Ministério Público, o juiz não está, propriamente, a aderir às teses de uma parte no processo” – Ac. TC n.º 189/99.

De que a Constituição não obsta à fundamentação por remissão, também o TC se pronunciou no Ac. n.º 147/2000 onde refere que “não é o facto de, na sua fundamentação, o despacho judicial remeter para as razões expressas noutras peças processuais que, só por si, põe em causa a razão de ser da imposição constitucional. Sucede, apenas, que a leitura do despacho em causa não é directa e imediata, como o seria se o acto decisório contivesse, ele mesmo, as razões do decidido; ela só se completa com o conhecimento das outras peças processuais para que o despacho remete, o que, de todo, não compromete as garantias de defesa”. E, no caso, foi a denunciante, ora recorrente, notificada do despacho de arquivamento e das aludidas promoções.

Em função do exposto, entendemos que o despacho recorrido se encontra suficientemente fundamentado, de facto e de direito, não se mostrando violadas quaisquer normas legais e/ou constitucionais, designadamente, as invocadas pela recorrente.


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B-

 Sustenta a recorrente que não se verificam os pressupostos legais da aplicação do disposto no artigo 520º do CPP, porquanto a factualidade denunciada não é passível de subsumir o conceito de utilização abusiva do processo, face a diversidade dos factos denunciados neste inquérito, não tendo a recorrente denunciado de má fé, nem com negligência grave, tendo apenas exercido um direito legítimo de queixa/denúncia.

Como se observa da promoção de fls. 632, que foi renovada a fls. 689, entendeu o Ministério Público que a conduta da denunciante revela uma utilização abusiva do processo, a justificar a sua condenação no pagamento de custas, ao abrigo do disposto nos artigos 277º, n.º 5 e 520º, ambos do CPP.

Ditam tais normas:

«Nos casos previstos no n.º 1 (arquivamento do inquérito), sempre que se verificar que existiu por parte de quem denunciou ou exerceu um alegado direito de queixa, uma utilização abusiva do processo, o tribunal condena-o no pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC, sem prejuízo do apuramento de responsabilidade penal» - art. 277º, n.º 5

«Paga também custas o denunciante, quando se mostrar que denunciou de má fé ou com negligência grave» - art. 520º (com a redacção da Lei n.º 34/2008, de 26 Fev.).

Nos termos do n.º 1 do citado artigo 277º «O Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito, logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento».

O conceito da utilização abusiva do processo (a que alude o n.º 5 do artigo 277º), foi introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 Agosto, e respeita ao abuso do processo pelo sujeito processual que a ele recorre.

Como se salienta no Ac. RP, de 27-11-2013, in www.dgsi.pt, tal conceito “corresponde à necessidade que se fazia sentir de sancionar comportamentos com contornos semelhantes àqueles que moldam a figura jurídica da litigância de má fé em processo civil.

Fazer uma utilização abusiva do processo penal não é, em substância, diverso de ´fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de prosseguir um objectivo ilegal (al. d) do n.º 1 do art. 456º do CPC, na redacção anterior à Reforma operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 Jun.).

Assim, tanto faz uma utilização abusiva do processo aquele que apresenta uma queixa ou uma denúncia cuja falta de fundamento não ignora, ou não devia ignorar, ou que altera conscientemente a verdade dos factos, como aquele que usa o processo para conseguir um objectivo ilegal ou reprovável”.

A lealdade processual implica uma diferente forma de estar dos sujeitos e intervenientes no processo, na qual o cumprimento de direitos processuais fundamentais não pode ser o pretexto para o entorpecimento para a duplicidade processual quando não a deslealdade manifesta. – Ac. do STJ n.º 2/2011, de 16-12-2010, publicado no DR, I Série, de 27-1-2011

Diz a recorrente que apenas exerceu um direito legítimo de queixa/denúncia, porque ficou lesada com os fatos descritos na motivação de recurso, não sendo os fatos denunciados os mesmos, nem os denunciados os mesmos, não se tratando de repetição de queixas sobre os mesmos fatos, mas sobre novos fatos, ocorridos posteriormente ao arquivamento da anterior queixa.

Contudo, assim não aconteceu.

Resulta dos autos que, em 15-2-2011, a denunciante apresentou, no DIAP de Aveiro, queixa/denúncia criminal, a qual deu origem ao inquérito n.º 353/11.5T3AVR, tendo sido proferido despacho de arquivamento, nos termos do n.º 1 do artigo 277º do CPP, por ter o MP entendido que os factos denunciados não constituíam qualquer ilícito criminal; foi este despacho notificado por carta registada datada de 22-2-2011.

E, quanto aos mesmos factos, em 26-11-2011, veio a denunciante apresentar no DIAP de Lisboa queixa/denúncia criminal, que deu origem aos presentes autos.

A este propósito, consideramos ser correcta a resposta do Ministério Público à motivação do recurso, que passamos a transcrever:

«a denunciante, nos dois momentos temporais referidos, apresentou denúncia pelos mesmos factos (exceptuado o aditamento, as denúncias são, inclusivamente, iguais), perante diferentes Serviços do Ministério Público, a segunda das quais após ter sido já notificada de que os factos denunciados não constituíam qualquer ilícito criminal.

E, não se diga (como faz a ora recorrente) que os factos são distintos embora se reportem, em parte, ao mesmo processo de execução fiscal, uma vez que, na pendência do inquérito e, inclusive, após o arquivamento, foram praticados novos factos e que a denúncia daquela factualidade se revelava necessária para compreender o teor da denúncia na sua globalidade.

Desde logo porque (e assumindo a denunciante a qualidade de advogada não poderá, sequer, invocar um desconhecimento das regras processuais) impunha-se-lhe que na denúncia que deu origem aos presentes autos, no mínimo, desse conhecimento da existência de inquérito anterior tendo por base a denúncia apresentada em 15/02/2011, o que não fez.

Por outro lado, porque se o que pretendia era a reapreciação do despacho de arquivamento inicial ou prosseguimento da investigação dos factos anteriormente denunciados, impunha-se-lhe, então, suscitar atempadamente a intervenção hierárquica (quanto ao primeiro caso) ou solicitar a reabertura do inquérito, o que não fez.

Note-se, de resto, que já no âmbito dos presentes autos os pedidos formulados de investigação ou de intervenção hierárquica abrangeram todos os factos e não apenas os que constam do referido aditamento.

Deve, por isso, considerar-se que a ora denunciante, nos termos em que apresentou esta nova denúncia, fez um uso bastante censurável do processo ou dos meios processuais legalmente ao seu dispor, de modo a conseguir um fim indevido (uma reapreciação dos factos anteriormente denunciados e objecto de despacho com força de "caso decidido")».

Afigura-se-nos, assim, que a conduta da denunciante (até pelo facto de ser advogada, não podendo, como tal, invocar o desconhecimento das regras processuais), é reveladora de má fé, atendendo à deslealdade em que incorreu ao apresentar denúncias pelos mesmos factos em diferentes Serviços do Ministério Público, justificando-se a sua condenação nos termos determinados no despacho recorrido.


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Nos termos expostos, nenhum reparo nos merece o despacho recorrido, improcedendo, na totalidade, a argumentação da recorrente.

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III - DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Negar provimento ao recurso, confirmando-se, consequentemente, o despacho recorrido.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.


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Coimbra, 15 de Janeiro de 2014

(Elisa Sales - Relatora)

(Paulo Valério)