Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
810/12.6JACBR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: DEBATE INSTRUTÓRIO
REPRESENTAÇÃO
ARGUIDO
REQUERENTE
INSTRUÇÃO CRIMINAL
Data do Acordão: 10/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA CENTRAL, SECÇÃO CRIMINAL - JUIZ 2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 64.º, N.º 1, AL. C), 286.º, N.ºS 1 E 2, 287.º, N.º 1, 297.º, N.º 3, E 300.º, TODOS DO CP; ARTIGO 9.º DO CC
Sumário: A obrigatoriedade legal de representação do arguido, por defensor, no debate instrutório apenas se reporta ao requerente da instrução, porque apenas este não prescinde de contraditar os fundamentos da acusação.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo 810/12.6JACBR da Comarca de Leiria, Instância Central Criminal, Juiz 2, foi deduzida acusação pública contra os arguidos A..., B..., C..., D..., E..., F... e G..., todos devidamente identificados nos autos, imputando:

- aos arguidos A..., B..., C..., D..., E... e F..., em  co­autoria  material,  na  forma  consumada  e  em  concurso efectivo:

a)  -  Um  crime  de  associação  criminosa  previsto  e  punido  pelo  artigo  299º,  nº 1  do  Código  Penal;

b)  -  Um  crime  de  roubo  agravado  previsto  e  punido  pelo  artigo  210º,  nº 1,  nº  2,  alínea  b)  por  referência  ao  artigo  204°,  nº 1,  alínea  e)  e  nº 2  alineas  a)  e  f)  do  Código  Penal;

e)  -  Um  crime  de  incêndio,  previsto  e  punido  pelo  artigo  272º,  nº  1,  alínea  a)  do  Código  Penal;

d)  -  Três  crimes  de  ofensa  à  integridade  física  qualificada,  previstos  e  punidos  pelo  artigo  145.º,  n.º  1,  al.  a),  é  n.º  2,  por  referência  às  alíneas  g),  h)  e  j),  do  artigo  132.º,  n.º  2,  ambos  do  Código  Penal;

e)  -  Três  crimes  de  roubo  agravado  previsto  e  punido  pelo  artigo  210º,  nº 1,  nº  2,  alínea  b)  por  referência  ao  artigo  204º,  nºl,  alínea  e)  e  nº 2  alíenas  a)  e  f)  do  Código  Penal;

t)  -  Um  crime  de  incêndio,  previsto  e  punido  pelo  artigo  272º,  nº  1,  alínea  a)  do  Código  Penal;

- ao arguido  D...,  em  autoria  material,  na  forma  consumada  e  em  concurso  efectivo:

a)  Um  crime  de  tráfico  de  estupefaciente  previsto  e  punido  pelo  artigo  21º,  nº 1,  da  Lei  nº  15/93  de  22  de  Janeiro,  por  referência  às  tabelas  anexas  I-B  e  I-C.

b)  Um  crime  de  detenção  de  arma  proibida,  previsto  e  punido  pelo  artigo  86º,  nº 1,  alínea  e)  e  d)  da  Lei  5/2006  de  23  de  Fevereiro,  na  redacção  introduzida  pela  Lei  nº 12/2011  de  27  de  Abril,  por  remissão  para  os  artigos  2°,  nº 1,  alíneas  ar)  e  az),  e  artigo  2º,  nº 1,  alínea  na)  e  nº 3,  alínea  e)  e  p)  do  mesmo  diploma  legal;

- ao arguido  a  E...,  em  autoria  material  e  na  forma  consumada:

a)  -  Um  crime  de  tráfico  de  estupefaciente,  previsto  e  punido  artigo  21  º,  nº 1  da  Lei  nº  15/93  de  22  de  Janeiro,  por  referência  para  as  tabela  I-A  anexa  ao  referido  diploma;

b)  -  Um  crime  de  detenção  de  arma  proibida,  previsto  e  punido  pelo  artigo  86°,  nº 1,  alínea  d)  da  Lei  5/2006  de  23  de  Fevereiro,  na  redacção  introduzida  pela  Lei  nº  12/2011  de  27  de  Abril,  por  remissão  para  o  artigo  2°,  nº 3,  alínea  e)  e  p)  do  mesmo  diploma  legal.

- ao arguido F...,  em  autoria  material  e  na  forma  consumada:

a)  Um  crime  de  detenção  de  arma  proibida,  previsto  e  punido  pelo  artigo  86º,  nºl,  alínea  e)  e  d)  da  Lei  5/2006  de  23  de  Fevereiro,  na  redacção  introduzida  pela  Lei  nº  12/2011  de  27  de  Abril,  por  remissão  para  os  artigos  2°,  nº 1,  alínea  ar),  e  nº3,  alínea  e)  e  p)  do  mesmo  diploma  legal.

- ao arguido G...,  em  autoria  material  e  na  forma  consumada:

a)  -  Um  crime  de  tráfico  de  estupefaciente,  previsto  e  punido  artigo  21  º,  nº 1  da  Lei  nº  15/93  de  22  de  Janeiro,  por  referência  para  as  tabela  I-A  anexa  ao  referido  diploma.

b)  -  Um  crime  de  detenção  de  arma  proibida,  previsto  e  punido  pelo  artigo  86º,  nº 1,  alínea  d)  da  Lei  5/2006  de  23  de  Fevereiro,  na  redacção  introduzida  pela  Lei  nº  12/2011  de  27  de  Abril,  por  remissão  para  o  artigo  2º,  nº 3,  alínea  e)  e  p)  do  mesmo  diploma  legal.

A requerimento dos arguidos D...,  G...,  F...,  B...  e  A... procedeu-se a instrução.

Em 21 de Maio de 2014 foi realizado debate instrutório a que faltou o Defensor do arguido C..., não tendo sido nomeado outro em substituição conforme resulta da respectiva acta.

Em 11 de Junho de 2014 foi proferida decisão instrutória que pronunciou os arguidos nos termos da acusação pública.

Após, as arguidas B... e A... que se encontram sujeitas à medida de coacção de prisão preventiva desde 22 de Fevereiro de 2013, vieram requer a declaração de nulidade do debate instrutório nos termos dos artigos 64º, nº 1, alínea c), 67º e 119º, alínea c) do Código de Processo Penal em razão da falta de representação por defensor do arguido C... e que se ordene a libertação das requerentes por excesso do prazo de prisão preventiva nos termos do artigo 215º, nºs 1, alínea b) e nº 2, corpo e alínea a) e nº 3 do Código de Processo Penal.

Tal requerimento mereceu o seguinte despacho:

Vieram  as  arguidas  B...  e  A...,  a  fls.  4065  a  4069,  invocar  a  nulidade  insanável  do  debate  instrutório  e,  consequentemente,  dos  actos  dele  dependentes  (em  especial,  da  decisão  instrutória),  requerendo  a  libertação  imediata  das  arguidas,  alegando  encontrarem-se  em  prisão  ilegal  por  excesso  de  duração  máxima  da  prisão  preventiva  no  caso  de  se  considerar  a  nulidade  da  decisão  instrutória.

Para  sustentar  a  sua  pretensão,  invocam  as  requerentes,  em  síntese,  que  a  ausência  do  Defensor  do  arguido  C...  no  debate  instrutório  consubstancia  a  nulidade  prevista  no  artigo  119º,  alínea  e)  do  Código  de  Processo  Penal.

Pronunciando-se  quanto  à  nulidade  arguida,  o  Ministério  Público  propugna  pelo  entendimento  de  que  não  existe  qualquer  nulidade  do  debate  instrutório  e  da  decisão  instrutória,  uma  vez  que,  não  tendo  o  arguido  requerido  a  abertura  da  instrução,  não  se  aplica  quanto  a  este  a  obrigatoriedade  de  o  mesmo  se  encontrar  assistido  por  defensor,  o  qual  se  encontrava,  de  resto,  regularmente  notificado  para  o  debate  instrutório.

Apreciando.

A  instrução  constitui  fase  processual  facultativa  que  pode  ser  requerida  apenas  por  parte  dos  arguidos,  como  sucede  no  caso  em  apreço,  destinando-se  esta  a  comprovar  judicialmente  a  decisão  final  proferida  em  sede  de  inquérito  (acusação  ou  arquivamento  do  inquérito)  cm  ordem  a  submeter  ou  não  a  causa  a  julgamento  (  cfr.  nº  1  do  artigo  286º  do  Código  de  Processo  Penal).

Estando  cm  causa  uma  fase  processual  de  natureza  facultativa,  entendemos  que  as  disposições  legais  a  esta  atinentes  não  poderão  deixar  de  ser  interpretadas  como  estando  direccionadas  para  a  intervenção  do(s)  defensor(es)  do(s)  arguido(s)  requerenteís)  da  instrução  e  não  para  os  demais  não  requerentes  como  é  o  caso  do  arguido  C....

Com  efeito,  afigura-se-nos  impressivo  do  entendimento  supra  expresso  o  teor  do  n.º 3  do  artigo  297.º  do  Código  de  Processo  Penal  no  qual,  depois  de  se  aludir  à  notificação  da  designação  de  data  para  o  debate  instrutório  «ao  Ministério  Público,  ao  arguido  e  ao  assistente»,  se  acrescenta  que  «Em  caso  de  conexão  de  processos  nos  terruos  das  alíneas  e),  d)  e  e)  do  n.º  1  do  artigo  24.º,  a  designação  da  data  para  o  debate  instrutório  é  notificada  aos  arguidos  que  não  tenham  requerido  a  instrução.»,  não  podendo,  portanto,  deixar  de  se  concluir que,  quando  pretendeu  direccionar  o  regime  processual  da  instrução  para  todos  os  arguidos,  o  legislador  não  deixou  de  o  fazer,  de  forma  expressa  a  estes  aludindo,  como fez no  normativo  citado  e  como  fez  igualmente  no  disposto  no  n.º 4  do  artigo  307.º  do  Código  de  Processo  Penal,  ao  impor  ao  juiz  que  retire  da  instrução  as  consequências  legalmente  impostas,  cm  relação  a  todos  os  arguidos  e  não  apenas  ao(s)  requerente(s)  da  instrução,  inexistindo  qualquer  disposição  legal  que  imponha  a  presença  de  defensor  de  arguido  não  requerente  da  instrução  em  sede  de  debate  instrutório.

Ponderando  o  direito  de  defesa  do  arguido  não  requerente  da  instrução,  não  podemos  igualmente  deixar  de  salientar  que  não  só  o  arguido  C...  foi  notificado  da  data  designada  para  realização  do  debate,  como  também  o  foi  o  seu  llustre  Defensor.

De  referir  ainda  que,  no  decurso  do  debate  instrutório,  não  foram  comunicados  quaisquer  factos  cujos  efeitos  se  pudessem  estender  a  arguido  não  requerente  da  abertura  da  instrução,  sendo  que,  caso  tal  circunstancialismo  se  tivesse  verificado,  aí  sim,  fazendo  apelo  ao  disposto  no  n.º 2  do  artigo  304.º  do  Código  de  Processo  Penal,  impor-se-ia  que  se  interrompesse  o  debate,  por  forma  a  permitir  que  o  defensor  do  arguido  em  causa  quanto  a  tal se  pronunciasse.

Acresce  que,  tanto  o  arguido  C...  como  o  seu  Ilustre  Defensor  foram  regularmente  notificados  do  teor  da  decisão  instrutória,  podendo  pois  quanto  ao  decidido  reagir,  não  se  mostrando,  por  isso,  postergados  quaisquer  direitos  de  defesa  do  arguido  C....

Em  face  do  exposto  e  com  os  fundamentos  supra,  não  se  verificando  o  circunstancialismo  previsto  na  alínea  e)  do  artigo  119.º  do  Código  de  Processo  Penal,  indefiro  a  arguida  nulidade.

Não  se  mostrando  quer  o  debate  instrutório  quer  a  decisão·  instrutória  proferida  nos autos  -  em  data  anterior  ao  decurso  prazo  máximo  da  prisão  preventiva  -  feridos  de  qualquer  nulidade  não  se  mostra  também  ultrapassado  o  prazo  máximo  de  prisão  preventiva,  carecendo  de  fundamento  legal  o  requerido  pelas  arguidas  B...  e  A...  invocar  a  fls.  4065  a  4069,  indefere-se  tal  igualmente.

 

Inconformadas com esta decisão dela recorreram as arguidas B... A..., rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões:

A.  Nos  termos  do  disposto  no  art.º  119.º,  al.  e),  do  CPP:

"Constituem  nulidades  insanáveis,  que  devem  ser  oficiosamente  declaradas  em  qualquer  fase  do  procedimento,  além  das  que  como  tal  forem  comi  nadas  em  outras  disposições  legais:

(  ...  )

A  ausência  do  arguido  ou  do  seu  defensor,  nos  casos  em  que  a  lei  exigir  a  respetiva  comparência; (  ...  )"

B.  Nos  presentes  autos,  a  data  para  realização  do  debate  instrutório  -  21/05/2014  -  foi  designada  na  ata  da  diligência  de  inquirição  de  testemunhas,  de  12/05/2014,  (cfr.  fls. 3799  a  3805).

C. Nessa  diligência,  estiveram  presentes  todos  os  defensores  dos  arguidos,  com  exceção do  Exmo.  Sr.  Dr.  H...,  defensor  do  arguido   C....

D.  Em  virtude  dessa  ausência,  foi  ordenado  que  o  mesmo  fosse  notificado  para  comparecer no  debate  instrutório,  como  resulta  de  fls.  3828.

E.  O  debate  instrutório  veio  a  realizar-se  no  dia  21/05/2014,  como  se  extrai  da  ata  dessa diligência,  que  consta  de  fls. 3872  a  fls. 3901.

F.  O  defensor  do  arguido   C...,  não  esteve  presente.

G.  Não  obstante  ser  obrigatória  a  presença  dos  defensores  de  todos  os  arguidos  no  ato  em  causa,  conforme  também  se  extrai  da  ata  a  que  nos  vimos  reportando,  o  Tribunal  não  diligenciou  a  substituição  do  defensor  em  causa,  como  impõe  o  disposto  no  art.s  67.º,  n.º  1,  do  CPP,

H.  Tendo  o  debate  instrutório  sido  realizado,  sem  que  o  arguido   C...,  estivesse  representado  por  defensor.

I.  Foi  apresentado  Requerimento  a  arguir  a  nulidade  do  debate  instrutório,  a  22/06/2014,  consequente  nulidade  da  decisão  instrutória,  proferida  a  11/06/2014,  e  a  suscitar  o  excesso  de  prisão  preventiva  -  fls.  4065  a  4069.

J. A  obrigatoriedade  de  assistência  do  arguido  por  defensor  no  debate  instrutório  é imposta  por  lei,  sem  qualquer  restrição  ou  distinção,  designadamente  no  que  respeita  ao  facto  do  arguido  ser  ou  não  requerente  da  instrução,  sendo  o  normativo  correspondente  um  dos  mais  importantes  corolários  do  art.s  32.º,  n.º  5,  da  CRP.

K.  A  obrigatoriedade  de  assistência  por  defensor  tornou-se  definitivamente  inquestionável  quando,  após  a  entrada  em  vigor  da  Lei  20/2013,  de  21.02,  deixou  de  existir  qualquer  ressalva,  nomeadamente,  a  que  antes  figurava  na  alínea  b),  do  referido  art.º  64.º,  do  CPP  (b)  No  debate instrutório  e  na  audiência,  salvo  tratando-se  de  processo  que  não  possa  dar  lugar  à  aplicação  de  pena  de  prisão  ou  de  medida  de  segurança  de  internamento;).

L. Em  obediência  ao  princípio  da  legalidade  e  no  que  tange  aos  direitos  dos  arguidos,  o  que a  lei  não  distingue,  não  pode,  obviamente,  ser  objeto  de  qualquer  distinção  por  quem  a  interpreta  ou  aplica.

M.  No  caso  dos  autos,  a  observância  do  princípio  do  contraditório  assume,  ainda,  mais  relevância,  porquanto,  como  resulta  da  acusação,  todos  arguidos  se  encontram  acusados  em  co-autoria  material,  na  forma  consumada  e  em  concurso  de  crimes,  pela  prática  de  um  crime  de  associação  criminosa,  p.p  pelo  art.º  299.º,  n.º  1,  da  CP;  de  um  crime  de  roubo  agravado,  p.p.,  pelos  art.º  210.º,  n.º  1  e  2,  al.  b),  por  referência  ao  art.º  204.º,  n.º  1,  al.  e)  e  n.º  2,  als.  a)  e  f),  do  CP;  de  um  crime  de  incêndio  p.p.  pelo  art.º  272.º,  n.º  1,  al.  a),  do  CP;  de  três  crimes  de  ofensa  à  integridade  física  qualificada,  p.p.  pelo  art.s  145.º,  n.º  1,  al.  a)  e  n.º  2,  por  referência  às  als.  g),  h)  e  j),  do  art.s  132.º,  n.º  2,  ambos  do  CP;  três  crimes  de  roubo  agravado,  p.p.,  pelos  art.s  210.º,  n.º  1  e  2,  al.  b),  por  referência  ao  art.º  204.º,  n.º  1,  al.  e)  e  n.º  2,  ais.  a)  e  f),  do  CP  e  um  crime  de  incêndio  p.p.  pelo  art.º  272.º,  n.º  1,  al.  a),  do  CP.

N.  Tendo  em  conta  a  estrutura  da  acusação,  torna-se  medianamente  clara  a  incindibilidade  das  posições  de  todos  os  arguidos,  relativamente  a  estes  crimes,  sendo,  por  isso,  indiscutível  que  os  direitos  de  defesa  de  todos  e  de  cada  um  só  se  podem  considerar  cabalmente  assegurados,  mediante  o  cumprimento  do  princípio  do  contraditório,  em  todas  as  fases processuais.

O.  Como  resulta  da  decisão  instrutória  que  foi  proferida,  na  mesma,  foi  formulado  um  juízo  de  prognose  de  aplicação  a  todos  os  arguidos  de  uma  reação  criminal,  ou  seja,  todos  os  factos  e  imputações  constantes  da  acusação  pública  foram  apreciados  e  valorados  em  sede  de  instrução.

P.  A  decisão  em  crise  violou,  assim,  o  disposto  nos  artigos  64.º,  n.º  1,  al.  e),  67.º,  n.º  1, ambos  do  CPP  e,  consequentemente  o  disposto  no  art.s  119.º,  al.  e),  do  CPP,  ao  não  julgar  verificada  a  nulidade  insanável  suscitada.

Q.  A  interpretação  do  art.s  64.º,  n.º  1,  al.  e),  do  CPP,  no  sentido  de  que  a  obrigatoriedade  de  assistência  do  defensor,  no  debate  instrutório,  apenas  existe  relativamente  aos  arguidos  requerentes  da  instrução,  é  inconstitucional,  por  violação  do  princípio  da  legalidade  e  do  princípio  do  contraditório,  ínsito  no  art.s  32.º,  n.º  5,  da  CRP.

R.  Os  presentes  autos  foram  objeto  de  declaração  de  especial  complexidade,  por  despacho já  transitado  em  julgado.

S.  Considerando  os  crimes  imputados  aos  arguidos,  nos  termos  do  art.º  215.º,  nºs.  1,  al.  b),  n.º  2,  corpo  e  al.  a)  e  n.º  3,  do  CPP,  verifica-se  que  a  prisão  preventiva  se  extingue  quando,  desde  o  seu  início,  tiverem  decorrido  1  ano  e  4  meses,  sem  que,  havendo  lugar  a  instrução,  tenha  sido  proferida  decisão  instrutória.

T.  A  requerimento  de  diversos  arguidos,  foi  declarada  aberta  a  instrução  nos  autos,  mas,  face  à  verificação  da  nulidade  do  debate  instrutório  e  consequente  invalidade  da  decisão  instrutória  proferida  subsequentemente,  esta  tornou-se  juridicamente  inexistente.

U.  Ora,  as  Arguidas,  encontram-se  em  prisão  preventiva,  desde  22/02/2013,  pelo  que,  às 23.59  horas  do  dia  22/06/2014,  atingiu-se  o  período  de  1  ano  e  4  meses.

V.  Verificando-se  a  nulidade  do  debate  instrutório,  e  consequentemente  da  decisão  instrutória,  a  tramitação  processual  recuou  a  um  momento  anterior  à  instrução,  tudo  se  passando  como  se  não  houvesse  decisão  instrutória.

W.  Assim,  o  Tribunal  a  quo  ao  decidir  de  forma  diversa,  violou  o  disposto  no  art.s  215.º,  n.º 1,  al.  b)  e  n.º  3,  do  CPP.

X.  À  luz  dos  princípios  constitucionais,  como  o  direito  à  liberdade,  princípio  da proporcionalidade  e  princípio  da  legalidade,  outra  interpretação  não  pode  ser  sufragada.

Y.  A  interpretação  da  norma  contida  no  art.º  215.º,  n.º  1,  al.  b),  do  CPP,  no  sentido  de  que  inclua  na  locução  "proferida  decisão  instrutória",  decisões  entretanto  anuladas,  é  materialmente  inconstitucional,  por  violação  dos  artigos  27.º,  nos.  1,  2  e  3,  28.º,  n.º  4  e  32.º, nºs.  1 e 2,  todos  da  CRP.

Z.  Deve,  assim,  ser  ordenada  a  imediata  restituição  das  Arguidas  à  liberdade,  nos  termos  do  art.º  217.º,  n.º  1,  do  CPP,  porquanto,  desde  as  00.00,  do  dia  23/06/2014,  que  as  mesmas  se  encontram  em  situação  de  prisão  ilegal,  por  excesso  do  prazo  de  duração  máxima  da  prisão  preventiva.

NESTES  TERMOS

e  nos  mais  e  melhores  de  direito,  que  V.  Excelências,  Venerandos  Juízes  Desembargadores  doutamente  suprirão,  deve  o  presente  recurso  ser  julgado  integralmente  procedente,  e  em  consequência,  ser  o  douto  despacho  recorrido  declarado  nulo  e  substituído  por  outro,  em  que  (i)  seja  declarada  a  nulidade  insanável  do  debate  instrutório,  nos  termos  conjugados  dos  artigos  64.º,  n.º  1,  al.  e),  67.º,  n.º  1  e  119.º,  al.  e),  todos  do  CPP,  anulando-se,  consequentemente,  todos os  atos  dele  dependentes,  designadamente,  a  decisão  instrutória  proferida,  nos  termos  do  art.º  122.º,  n.º  1,  do  CPP;  (ii)  seja  ordenada  a  libertação  imediata  das  Arguidas,  nos  termos  do  art.s  215.º,  nos.  1,  al.  b),  n.º  2,  corpo  e  al.  a)  e  n.º  3,  do  CPP,  por  as  mesmas,  a  partir  das  00.00  horas  do  dia  23/06/2014,  se  encontrarem  em  prisão  ilegal,  por  excesso  do  prazo  de  duração  máxima  da  prisão  preventiva.

Assim  se  fazendo  a  habitual  JUSTIÇA!

Admitido o recurso, o Ministério Público respondeu, concluindo que não merece provimento.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, as recorrentes não exerceram o direito de resposta.

Cumpridas as demais formalidades legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.

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II. Apreciação do Recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo de questões do conhecimento oficioso, a questão que importa apreciar e decidir consiste em saber se no debate instrutório é obrigatória a representação por defensor de arguido não requerente da instrução, sob pena de nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea c) e, na afirmativa, se se encontra excedido o prazo máximo de prisão preventiva das arguidas, devendo ordenar-se a sua imediata libertação.

Apreciando:

Como já resulta do antecedente relatório o debate instrutório realizado nos autos teve lugar sem que o arguido C..., não requerente da instrução, estivesse nesse acto representado por defensor, sendo certo que o defensor que constituiu foi notificado.

Na tese das recorrentes tal representação era obrigatória nos termos previstos no artigo 64º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, verificando-se a nulidade prevista no artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal “ausência de defensor em caso em que a lei exige a respectiva comparência”, enquanto na tese do despacho recorrido a obrigatoriedade de representação por defensor no debate instrutório apenas se refere ao arguido requerente da instrução.

Para responder à questão proposta teremos que analisar a natureza da fase de instrução e as implicações da mesma para o arguido que não a tenha requerido, porque a interpretação do artigo 64º, nº 1, alínea b), expressamente consignando que é obrigatória a assistência de defensor no debate instrutório, não se pode cingir à análise simplista do seu texto por decorrência do disposto no artigo 9º do Código Civil que disciplina em matéria de interpretação da lei.

Como resulta do disposto no artigo 286º, nº 2 do Código de Processo Penal, a instrução é uma fase facultativa do processo e visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (nº 1 do mesmo artigo) podendo ser requerida pelo arguido relativamente a factos objecto de acusação (artigo 287º, nº 1 do mesmo diploma).

Sendo deduzida acusação e não sendo requerida instrução segue-se imediatamente a fase de julgamento que se inicia com o recebimento da acusação nos termos do artigo 311º do Código de Processo Penal, sem que ao arguido seja dada (nova) possibilidade de discutir os respectivos fundamentos, precisamente porque não requereu a realização de instrução, fase destinada a esse debate.

Da natureza da instrução e da tramitação processual que se deve seguir em caso de não ser requerida resulta que, em princípio, ao arguido que não requereu a instrução não é facultada a possibilidade de debater os fundamentos da acusação porque prescindiu desse debate, mesmo que no processo existam outros arguidos que hajam requerido a instrução.

O que o arguido não requerente da instrução pode esperar finda a instrução requerida por outros arguidos no mesmo processo é que relativamente a si seja recebida a acusação que prescindiu de debater e contraditar. Assim será, salvas as excepções consignadas na lei.

Como a posição processual de arguidos no mesmo processo e as exigências de defesa possam ter pontos de contacto, nomeadamente nas situações de co-autoria, a lei processual estabeleceu no artigo 297º, nº 3 que, em caso de conexão de processos nos termos das alíneas c), d) e e) do nº 1 do artigo 24º, a designação de data para debate instrutório deva ser notificada aos arguidos não requerentes da instrução (aos respectivos defensores por força do disposto no artigo 113º, nº 9) partindo, pois, do pressuposto de que não é igual a intervenção de arguidos requerentes e não requerentes da instrução e que apenas nas situações em que os factos imputados sejam os mesmos ou tenham pontos de contacto sejam também os arguidos não requerentes dessa fase facultativa notificados da data do debate instrutório, mas não foi além dessa exigência de notificação.

É que temos como ponto de partida situação em que o próprio arguido prescindiu da fase contraditória de instrução, aceitou ser julgado pelos factos constantes da acusação, embora essa posição não prejudique o dever de o juiz retirar da instrução as consequências legalmente impostas quanto a todos os arguidos ao proferir decisão instrutória, nos termos do artigo 307º, nº 4 do Código de Processo Penal, nomeadamente não poderá deixar de ser abrangido por decisão de não pronúncia em caso de insuficiência de indícios resultante de instrução requerida por co-arguido.

Do exposto resulta que a instrução se encontra configurada, salvo excepções pontuais, como fase processual que diz apenas respeito ao arguido que a requereu e em que apenas este tem o direito expressamente consagrado de estar presente e só a sua falta pode dar lugar ao adiamento (cfr. artigo 300º) e, sendo assim, a obrigatoriedade de representação por defensor no debate instrutório apenas se pode referir ao arguido que requereu a instrução porque apenas este não prescindiu de contraditar os fundamentos da acusação.

Em consequência, não se reconhece a existência da apontada nulidade insanável e consequentemente não se pode ter como verificado o pretendido excesso do prazo máximo da prisão preventiva porque, tendo sido proferida decisão instrutória de pronúncia válida, se verificou a causa de alargamento do mesmo prazo para dois anos e seis meses prevista no artigo 215º, nº 1, alínea c) e nº 3 do Código de Processo Penal.

Do exposto decorre que não se verifica violação das normas legais e princípios invocados pelas recorrentes, improcedendo o recurso.   

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IV. Decisão

Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelas arguidas, mantendo o despacho recorrido.

Pelo seu decaimento em recurso vão as arguidas condenadas em custas com taxa de justiça individual que se fixa em quatro UC.

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Coimbra, 29 de Outubro de 2014


(Maria Pilar Pereira de Oliveira - Relatora)

(José Eduardo Fernandes Martins)