Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA PILAR DE OLIVEIRA | ||
Descritores: | DEBATE INSTRUTÓRIO REPRESENTAÇÃO ARGUIDO REQUERENTE INSTRUÇÃO CRIMINAL | ||
Data do Acordão: | 10/29/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA (INSTÂNCIA CENTRAL, SECÇÃO CRIMINAL - JUIZ 2) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 64.º, N.º 1, AL. C), 286.º, N.ºS 1 E 2, 287.º, N.º 1, 297.º, N.º 3, E 300.º, TODOS DO CP; ARTIGO 9.º DO CC | ||
Sumário: | A obrigatoriedade legal de representação do arguido, por defensor, no debate instrutório apenas se reporta ao requerente da instrução, porque apenas este não prescinde de contraditar os fundamentos da acusação. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório No processo 810/12.6JACBR da Comarca de Leiria, Instância Central Criminal, Juiz 2, foi deduzida acusação pública contra os arguidos A..., B..., C..., D..., E..., F... e G..., todos devidamente identificados nos autos, imputando: - aos arguidos A..., B..., C..., D..., E... e F..., em coautoria material, na forma consumada e em concurso efectivo: a) - Um crime de associação criminosa previsto e punido pelo artigo 299º, nº 1 do Código Penal; b) - Um crime de roubo agravado previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1, nº 2, alínea b) por referência ao artigo 204°, nº 1, alínea e) e nº 2 alineas a) e f) do Código Penal; e) - Um crime de incêndio, previsto e punido pelo artigo 272º, nº 1, alínea a) do Código Penal; d) - Três crimes de ofensa à integridade física qualificada, previstos e punidos pelo artigo 145.º, n.º 1, al. a), é n.º 2, por referência às alíneas g), h) e j), do artigo 132.º, n.º 2, ambos do Código Penal; e) - Três crimes de roubo agravado previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1, nº 2, alínea b) por referência ao artigo 204º, nºl, alínea e) e nº 2 alíenas a) e f) do Código Penal; t) - Um crime de incêndio, previsto e punido pelo artigo 272º, nº 1, alínea a) do Código Penal; - ao arguido D..., em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo: a) Um crime de tráfico de estupefaciente previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, da Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, por referência às tabelas anexas I-B e I-C. b) Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea e) e d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei nº 12/2011 de 27 de Abril, por remissão para os artigos 2°, nº 1, alíneas ar) e az), e artigo 2º, nº 1, alínea na) e nº 3, alínea e) e p) do mesmo diploma legal; - ao arguido a E..., em autoria material e na forma consumada: a) - Um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punido artigo 21 º, nº 1 da Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, por referência para as tabela I-A anexa ao referido diploma; b) - Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86°, nº 1, alínea d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei nº 12/2011 de 27 de Abril, por remissão para o artigo 2°, nº 3, alínea e) e p) do mesmo diploma legal. - ao arguido F..., em autoria material e na forma consumada: a) Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nºl, alínea e) e d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei nº 12/2011 de 27 de Abril, por remissão para os artigos 2°, nº 1, alínea ar), e nº3, alínea e) e p) do mesmo diploma legal. - ao arguido G..., em autoria material e na forma consumada: a) - Um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punido artigo 21 º, nº 1 da Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, por referência para as tabela I-A anexa ao referido diploma. b) - Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei nº 12/2011 de 27 de Abril, por remissão para o artigo 2º, nº 3, alínea e) e p) do mesmo diploma legal. A requerimento dos arguidos D..., G..., F..., B... e A... procedeu-se a instrução. Em 21 de Maio de 2014 foi realizado debate instrutório a que faltou o Defensor do arguido C..., não tendo sido nomeado outro em substituição conforme resulta da respectiva acta. Em 11 de Junho de 2014 foi proferida decisão instrutória que pronunciou os arguidos nos termos da acusação pública.
Após, as arguidas B... e A... que se encontram sujeitas à medida de coacção de prisão preventiva desde 22 de Fevereiro de 2013, vieram requer a declaração de nulidade do debate instrutório nos termos dos artigos 64º, nº 1, alínea c), 67º e 119º, alínea c) do Código de Processo Penal em razão da falta de representação por defensor do arguido C... e que se ordene a libertação das requerentes por excesso do prazo de prisão preventiva nos termos do artigo 215º, nºs 1, alínea b) e nº 2, corpo e alínea a) e nº 3 do Código de Processo Penal. Tal requerimento mereceu o seguinte despacho: Vieram as arguidas B... e A..., a fls. 4065 a 4069, invocar a nulidade insanável do debate instrutório e, consequentemente, dos actos dele dependentes (em especial, da decisão instrutória), requerendo a libertação imediata das arguidas, alegando encontrarem-se em prisão ilegal por excesso de duração máxima da prisão preventiva no caso de se considerar a nulidade da decisão instrutória. Para sustentar a sua pretensão, invocam as requerentes, em síntese, que a ausência do Defensor do arguido C... no debate instrutório consubstancia a nulidade prevista no artigo 119º, alínea e) do Código de Processo Penal. Pronunciando-se quanto à nulidade arguida, o Ministério Público propugna pelo entendimento de que não existe qualquer nulidade do debate instrutório e da decisão instrutória, uma vez que, não tendo o arguido requerido a abertura da instrução, não se aplica quanto a este a obrigatoriedade de o mesmo se encontrar assistido por defensor, o qual se encontrava, de resto, regularmente notificado para o debate instrutório. Apreciando. A instrução constitui fase processual facultativa que pode ser requerida apenas por parte dos arguidos, como sucede no caso em apreço, destinando-se esta a comprovar judicialmente a decisão final proferida em sede de inquérito (acusação ou arquivamento do inquérito) cm ordem a submeter ou não a causa a julgamento ( cfr. nº 1 do artigo 286º do Código de Processo Penal). Estando cm causa uma fase processual de natureza facultativa, entendemos que as disposições legais a esta atinentes não poderão deixar de ser interpretadas como estando direccionadas para a intervenção do(s) defensor(es) do(s) arguido(s) requerenteís) da instrução e não para os demais não requerentes como é o caso do arguido C.... Com efeito, afigura-se-nos impressivo do entendimento supra expresso o teor do n.º 3 do artigo 297.º do Código de Processo Penal no qual, depois de se aludir à notificação da designação de data para o debate instrutório «ao Ministério Público, ao arguido e ao assistente», se acrescenta que «Em caso de conexão de processos nos terruos das alíneas e), d) e e) do n.º 1 do artigo 24.º, a designação da data para o debate instrutório é notificada aos arguidos que não tenham requerido a instrução.», não podendo, portanto, deixar de se concluir que, quando pretendeu direccionar o regime processual da instrução para todos os arguidos, o legislador não deixou de o fazer, de forma expressa a estes aludindo, como fez no normativo citado e como fez igualmente no disposto no n.º 4 do artigo 307.º do Código de Processo Penal, ao impor ao juiz que retire da instrução as consequências legalmente impostas, cm relação a todos os arguidos e não apenas ao(s) requerente(s) da instrução, inexistindo qualquer disposição legal que imponha a presença de defensor de arguido não requerente da instrução em sede de debate instrutório. Ponderando o direito de defesa do arguido não requerente da instrução, não podemos igualmente deixar de salientar que não só o arguido C... foi notificado da data designada para realização do debate, como também o foi o seu llustre Defensor. De referir ainda que, no decurso do debate instrutório, não foram comunicados quaisquer factos cujos efeitos se pudessem estender a arguido não requerente da abertura da instrução, sendo que, caso tal circunstancialismo se tivesse verificado, aí sim, fazendo apelo ao disposto no n.º 2 do artigo 304.º do Código de Processo Penal, impor-se-ia que se interrompesse o debate, por forma a permitir que o defensor do arguido em causa quanto a tal se pronunciasse. Acresce que, tanto o arguido C... como o seu Ilustre Defensor foram regularmente notificados do teor da decisão instrutória, podendo pois quanto ao decidido reagir, não se mostrando, por isso, postergados quaisquer direitos de defesa do arguido C.... Em face do exposto e com os fundamentos supra, não se verificando o circunstancialismo previsto na alínea e) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, indefiro a arguida nulidade. Não se mostrando quer o debate instrutório quer a decisão· instrutória proferida nos autos - em data anterior ao decurso prazo máximo da prisão preventiva - feridos de qualquer nulidade não se mostra também ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva, carecendo de fundamento legal o requerido pelas arguidas B... e A... invocar a fls. 4065 a 4069, indefere-se tal igualmente.
Inconformadas com esta decisão dela recorreram as arguidas B... A..., rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões: A. Nos termos do disposto no art.º 119.º, al. e), do CPP: "Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem comi nadas em outras disposições legais: ( ... ) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência; ( ... )" B. Nos presentes autos, a data para realização do debate instrutório - 21/05/2014 - foi designada na ata da diligência de inquirição de testemunhas, de 12/05/2014, (cfr. fls. 3799 a 3805). C. Nessa diligência, estiveram presentes todos os defensores dos arguidos, com exceção do Exmo. Sr. Dr. H..., defensor do arguido C.... D. Em virtude dessa ausência, foi ordenado que o mesmo fosse notificado para comparecer no debate instrutório, como resulta de fls. 3828. E. O debate instrutório veio a realizar-se no dia 21/05/2014, como se extrai da ata dessa diligência, que consta de fls. 3872 a fls. 3901. F. O defensor do arguido C..., não esteve presente. G. Não obstante ser obrigatória a presença dos defensores de todos os arguidos no ato em causa, conforme também se extrai da ata a que nos vimos reportando, o Tribunal não diligenciou a substituição do defensor em causa, como impõe o disposto no art.s 67.º, n.º 1, do CPP, H. Tendo o debate instrutório sido realizado, sem que o arguido C..., estivesse representado por defensor. I. Foi apresentado Requerimento a arguir a nulidade do debate instrutório, a 22/06/2014, consequente nulidade da decisão instrutória, proferida a 11/06/2014, e a suscitar o excesso de prisão preventiva - fls. 4065 a 4069. J. A obrigatoriedade de assistência do arguido por defensor no debate instrutório é imposta por lei, sem qualquer restrição ou distinção, designadamente no que respeita ao facto do arguido ser ou não requerente da instrução, sendo o normativo correspondente um dos mais importantes corolários do art.s 32.º, n.º 5, da CRP. K. A obrigatoriedade de assistência por defensor tornou-se definitivamente inquestionável quando, após a entrada em vigor da Lei 20/2013, de 21.02, deixou de existir qualquer ressalva, nomeadamente, a que antes figurava na alínea b), do referido art.º 64.º, do CPP (b) No debate instrutório e na audiência, salvo tratando-se de processo que não possa dar lugar à aplicação de pena de prisão ou de medida de segurança de internamento;). L. Em obediência ao princípio da legalidade e no que tange aos direitos dos arguidos, o que a lei não distingue, não pode, obviamente, ser objeto de qualquer distinção por quem a interpreta ou aplica. M. No caso dos autos, a observância do princípio do contraditório assume, ainda, mais relevância, porquanto, como resulta da acusação, todos arguidos se encontram acusados em co-autoria material, na forma consumada e em concurso de crimes, pela prática de um crime de associação criminosa, p.p pelo art.º 299.º, n.º 1, da CP; de um crime de roubo agravado, p.p., pelos art.º 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204.º, n.º 1, al. e) e n.º 2, als. a) e f), do CP; de um crime de incêndio p.p. pelo art.º 272.º, n.º 1, al. a), do CP; de três crimes de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelo art.s 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência às als. g), h) e j), do art.s 132.º, n.º 2, ambos do CP; três crimes de roubo agravado, p.p., pelos art.s 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204.º, n.º 1, al. e) e n.º 2, ais. a) e f), do CP e um crime de incêndio p.p. pelo art.º 272.º, n.º 1, al. a), do CP. N. Tendo em conta a estrutura da acusação, torna-se medianamente clara a incindibilidade das posições de todos os arguidos, relativamente a estes crimes, sendo, por isso, indiscutível que os direitos de defesa de todos e de cada um só se podem considerar cabalmente assegurados, mediante o cumprimento do princípio do contraditório, em todas as fases processuais. O. Como resulta da decisão instrutória que foi proferida, na mesma, foi formulado um juízo de prognose de aplicação a todos os arguidos de uma reação criminal, ou seja, todos os factos e imputações constantes da acusação pública foram apreciados e valorados em sede de instrução. P. A decisão em crise violou, assim, o disposto nos artigos 64.º, n.º 1, al. e), 67.º, n.º 1, ambos do CPP e, consequentemente o disposto no art.s 119.º, al. e), do CPP, ao não julgar verificada a nulidade insanável suscitada. Q. A interpretação do art.s 64.º, n.º 1, al. e), do CPP, no sentido de que a obrigatoriedade de assistência do defensor, no debate instrutório, apenas existe relativamente aos arguidos requerentes da instrução, é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade e do princípio do contraditório, ínsito no art.s 32.º, n.º 5, da CRP. R. Os presentes autos foram objeto de declaração de especial complexidade, por despacho já transitado em julgado. S. Considerando os crimes imputados aos arguidos, nos termos do art.º 215.º, nºs. 1, al. b), n.º 2, corpo e al. a) e n.º 3, do CPP, verifica-se que a prisão preventiva se extingue quando, desde o seu início, tiverem decorrido 1 ano e 4 meses, sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória. T. A requerimento de diversos arguidos, foi declarada aberta a instrução nos autos, mas, face à verificação da nulidade do debate instrutório e consequente invalidade da decisão instrutória proferida subsequentemente, esta tornou-se juridicamente inexistente. U. Ora, as Arguidas, encontram-se em prisão preventiva, desde 22/02/2013, pelo que, às 23.59 horas do dia 22/06/2014, atingiu-se o período de 1 ano e 4 meses. V. Verificando-se a nulidade do debate instrutório, e consequentemente da decisão instrutória, a tramitação processual recuou a um momento anterior à instrução, tudo se passando como se não houvesse decisão instrutória. W. Assim, o Tribunal a quo ao decidir de forma diversa, violou o disposto no art.s 215.º, n.º 1, al. b) e n.º 3, do CPP. X. À luz dos princípios constitucionais, como o direito à liberdade, princípio da proporcionalidade e princípio da legalidade, outra interpretação não pode ser sufragada. Y. A interpretação da norma contida no art.º 215.º, n.º 1, al. b), do CPP, no sentido de que inclua na locução "proferida decisão instrutória", decisões entretanto anuladas, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 27.º, nos. 1, 2 e 3, 28.º, n.º 4 e 32.º, nºs. 1 e 2, todos da CRP. Z. Deve, assim, ser ordenada a imediata restituição das Arguidas à liberdade, nos termos do art.º 217.º, n.º 1, do CPP, porquanto, desde as 00.00, do dia 23/06/2014, que as mesmas se encontram em situação de prisão ilegal, por excesso do prazo de duração máxima da prisão preventiva. NESTES TERMOS e nos mais e melhores de direito, que V. Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, e em consequência, ser o douto despacho recorrido declarado nulo e substituído por outro, em que (i) seja declarada a nulidade insanável do debate instrutório, nos termos conjugados dos artigos 64.º, n.º 1, al. e), 67.º, n.º 1 e 119.º, al. e), todos do CPP, anulando-se, consequentemente, todos os atos dele dependentes, designadamente, a decisão instrutória proferida, nos termos do art.º 122.º, n.º 1, do CPP; (ii) seja ordenada a libertação imediata das Arguidas, nos termos do art.s 215.º, nos. 1, al. b), n.º 2, corpo e al. a) e n.º 3, do CPP, por as mesmas, a partir das 00.00 horas do dia 23/06/2014, se encontrarem em prisão ilegal, por excesso do prazo de duração máxima da prisão preventiva. Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!
Admitido o recurso, o Ministério Público respondeu, concluindo que não merece provimento. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, as recorrentes não exerceram o direito de resposta. Cumpridas as demais formalidades legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir. *** II. Apreciação do Recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo de questões do conhecimento oficioso, a questão que importa apreciar e decidir consiste em saber se no debate instrutório é obrigatória a representação por defensor de arguido não requerente da instrução, sob pena de nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea c) e, na afirmativa, se se encontra excedido o prazo máximo de prisão preventiva das arguidas, devendo ordenar-se a sua imediata libertação.
Apreciando: Como já resulta do antecedente relatório o debate instrutório realizado nos autos teve lugar sem que o arguido C..., não requerente da instrução, estivesse nesse acto representado por defensor, sendo certo que o defensor que constituiu foi notificado. Na tese das recorrentes tal representação era obrigatória nos termos previstos no artigo 64º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, verificando-se a nulidade prevista no artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal “ausência de defensor em caso em que a lei exige a respectiva comparência”, enquanto na tese do despacho recorrido a obrigatoriedade de representação por defensor no debate instrutório apenas se refere ao arguido requerente da instrução. Para responder à questão proposta teremos que analisar a natureza da fase de instrução e as implicações da mesma para o arguido que não a tenha requerido, porque a interpretação do artigo 64º, nº 1, alínea b), expressamente consignando que é obrigatória a assistência de defensor no debate instrutório, não se pode cingir à análise simplista do seu texto por decorrência do disposto no artigo 9º do Código Civil que disciplina em matéria de interpretação da lei. Como resulta do disposto no artigo 286º, nº 2 do Código de Processo Penal, a instrução é uma fase facultativa do processo e visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (nº 1 do mesmo artigo) podendo ser requerida pelo arguido relativamente a factos objecto de acusação (artigo 287º, nº 1 do mesmo diploma). Sendo deduzida acusação e não sendo requerida instrução segue-se imediatamente a fase de julgamento que se inicia com o recebimento da acusação nos termos do artigo 311º do Código de Processo Penal, sem que ao arguido seja dada (nova) possibilidade de discutir os respectivos fundamentos, precisamente porque não requereu a realização de instrução, fase destinada a esse debate. Da natureza da instrução e da tramitação processual que se deve seguir em caso de não ser requerida resulta que, em princípio, ao arguido que não requereu a instrução não é facultada a possibilidade de debater os fundamentos da acusação porque prescindiu desse debate, mesmo que no processo existam outros arguidos que hajam requerido a instrução. O que o arguido não requerente da instrução pode esperar finda a instrução requerida por outros arguidos no mesmo processo é que relativamente a si seja recebida a acusação que prescindiu de debater e contraditar. Assim será, salvas as excepções consignadas na lei. Como a posição processual de arguidos no mesmo processo e as exigências de defesa possam ter pontos de contacto, nomeadamente nas situações de co-autoria, a lei processual estabeleceu no artigo 297º, nº 3 que, em caso de conexão de processos nos termos das alíneas c), d) e e) do nº 1 do artigo 24º, a designação de data para debate instrutório deva ser notificada aos arguidos não requerentes da instrução (aos respectivos defensores por força do disposto no artigo 113º, nº 9) partindo, pois, do pressuposto de que não é igual a intervenção de arguidos requerentes e não requerentes da instrução e que apenas nas situações em que os factos imputados sejam os mesmos ou tenham pontos de contacto sejam também os arguidos não requerentes dessa fase facultativa notificados da data do debate instrutório, mas não foi além dessa exigência de notificação. É que temos como ponto de partida situação em que o próprio arguido prescindiu da fase contraditória de instrução, aceitou ser julgado pelos factos constantes da acusação, embora essa posição não prejudique o dever de o juiz retirar da instrução as consequências legalmente impostas quanto a todos os arguidos ao proferir decisão instrutória, nos termos do artigo 307º, nº 4 do Código de Processo Penal, nomeadamente não poderá deixar de ser abrangido por decisão de não pronúncia em caso de insuficiência de indícios resultante de instrução requerida por co-arguido. Do exposto resulta que a instrução se encontra configurada, salvo excepções pontuais, como fase processual que diz apenas respeito ao arguido que a requereu e em que apenas este tem o direito expressamente consagrado de estar presente e só a sua falta pode dar lugar ao adiamento (cfr. artigo 300º) e, sendo assim, a obrigatoriedade de representação por defensor no debate instrutório apenas se pode referir ao arguido que requereu a instrução porque apenas este não prescindiu de contraditar os fundamentos da acusação. Em consequência, não se reconhece a existência da apontada nulidade insanável e consequentemente não se pode ter como verificado o pretendido excesso do prazo máximo da prisão preventiva porque, tendo sido proferida decisão instrutória de pronúncia válida, se verificou a causa de alargamento do mesmo prazo para dois anos e seis meses prevista no artigo 215º, nº 1, alínea c) e nº 3 do Código de Processo Penal. Do exposto decorre que não se verifica violação das normas legais e princípios invocados pelas recorrentes, improcedendo o recurso. *** IV. Decisão Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelas arguidas, mantendo o despacho recorrido. Pelo seu decaimento em recurso vão as arguidas condenadas em custas com taxa de justiça individual que se fixa em quatro UC. *** Coimbra, 29 de Outubro de 2014 (José Eduardo Fernandes Martins) |