Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
423/13.5GBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 56.º DO CP
Sumário: I - A suspensão da execução da pena de prisão é, como se sabe, uma pena de substituição em sentido próprio pois, para além de ter carácter não institucional já que cumprida em liberdade, pressupõe ainda a prévia determinação da medida da pena de prisão, cujo fim de política criminal é o afastamento do delinquente da prática de novos crimes ou seja, a prevenção da sua ‘reincidência’.

II - A revogação da pena de suspensão não opera automaticamente, dependendo sempre da constatação de que o condenado, ao cometer o novo crime, invalidou de forma definitiva a prognose favorável que fundou a suspensão ou seja, a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência.

III - O curto período que mediou entre a data da suspensão da execução da prisão e a data do cometimento dos novos factos – cerca de quatro meses – e a circunstância de ter praticado precisamente o mesmo crime, em conjugação com a revelada personalidade, tornam inevitável a conclusão de que o juízo de prognose favorável à recorrente que determinou o decretamento da suspensão da execução da pena de prisão se mostra definitivamente arredado, face à frustração da expectativa do seu afastamento da criminalidade.

IV - A revogação da pena de substituição imposta à recorrente determina o cumprimento da pena principal, o cumprimento da pena de prisão.

V - O momento processual para a escolha da pena e portanto, para a escolha da pena de substituição, quando disso seja caso, é o da sentença e não, um momento posterior, v.g., designadamente, o da prolação do despacho que revogou a pena de substituição naquela decretada.

VI - Entendendo-se que o incumprimento de pena de substituição, designadamente, da suspensão da execução da prisão, não pode dar lugar à aplicação de outra pena de substituição, no caso de revogação da suspensão, há apenas que executar a pena de prisão fixada na sentença, de forma contínua.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


 

I. RELATÓRIO

Por sentença de 12 de Setembro de 2013, já transitada, proferida no processo especial sumário nº 423/13.5GBPBL, do 2º Juízo do já extinto Tribunal Judicial da Comarca de Pombal [agora, Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Pombal – Instância Local – Secção de Criminal – J2] foi a arguida A... , com os demais sinais nos autos, condenada pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), do C. Penal, na pena de sete meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de um ano, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de um ano. 


*

            Por despacho de 9 de Fevereiro de 2015, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão e determinado o seu cumprimento pela arguida.

*

            Inconformada com a decisão, recorreu a arguida, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1 – A Recorrente não concorda com a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano, entendendo que o tribunal poderia ter decidido de forma diferente.

                2 – A Recorrente durante o período de suspensão foi condenada por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pela prática em 09.01.2014, na pena de 8 (oito) meses de prisão, a cumprir por dias livres em 48 períodos de 36 horas cada, tendo transitado em julgado em 24.02.2014.

3 – A decisão do tribunal a revogar a suspensão da execução da pena de prisão alicerçou-se na condenação sofrida pela Recorrente durante o período de suspensão, e que a referida condenação colocou em crise o juízo de prognose favorável subjacente à suspensão da pena de prisão.

4 – Entendeu o tribunal que a Recorrente revelou indiferença absoluta à censura dos seus actos, bem como incapacidade de compreender a gravidade do seu comportamento, delinquindo na primeira oportunidade.

5 – A condenação sofrida durante a suspensão apenas influirá na revogação (da suspensão) se da prática desse crime se invalidar/anular o juízo de prognose favorável que esteve na origem da suspensão.

6 – Importa considerar a data da suspensão e a data em que foi cometido o novo crime, a relação entre os crimes, análise das circunstâncias em que foi cometido, o impacto negativo perante as finalidades que justificaram a suspensão, a evolução das condições de vida da arguida até ao presente, ou seja, à data em que se profere a decisão de revogar ou não a suspensão da execução da pena.

7 – O tribunal deveria ter solicitado Relatório Social à entidade administrativa competente, e não o fez, para com base no mesmo ter atendido às condições de vida (sociais, profissionais e familiares) da arguida, à sua conduta anterior e posterior ao crime praticado durante o período da suspensão, prognose ao momento da decisão e não ao da prática do crime.

8 – Não podia, assim, o tribunal, sem mais, declarar a revogação da suspensão da execução da pena.

9 – A revogação automática da suspensão da pena, haveria que ponderar se esta (a revogação), seria a única forma de lograr a prossecução das finalidades da punição.

10 – Se o tribunal que condenou a Recorrente, por crime da mesma natureza, cometido durante o período da suspensão entendeu ajustada aplicar à Recorrente a pena de 8 (oito) prisão a cumprir por dias livres, o tribunal "a quo" ao decidir pela revogação da suspensão e determinando o cumprimento da pena de prisão num regime contínuo de reclusão, por um crime mais antigo, estará a permitir uma contradição uma vez que se estará a "anular" o efeito que a pena mais recente pretendeu efectivamente acautelar, ou seja, proteger os bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

11 – O tribunal podia ter decidido de forma diferente quanto ao modo de cumprimento da pena, mantendo-se dentro da pena (principal) de prisão e aplicando um regime de cumprimento previsto na lei, distinto da execução contínua, optando antes pelo cumprimento da pena de prisão por dias livres.

IV - PEDIDO

Com fundamento no exposto, e em tudo o mais que Exs. considerarem dever favorecer a Recorrente, deverá o presente recurso ser julgado procedente e por via disso o douro despacho recorrido ser revogado, substituindo-se por douto acórdão que, valorando os elementos objectivos constantes dos autos, decida pela não revogação da suspensão da pena de prisão aplicada à arguida, ou, se assim não entenderem, por douto acórdão que determine a sua substituição por outra que ordene o cumprimento da aludida pena de 7 (sete) meses de prisão em regime de prisão por dias livres.

ASSIM, SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!


*

            Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1.º – A decisão proferida não merece qualquer reparo ou censura sendo manifesto que tendo a arguida cometido novo crime (o quinto) três meses transitar em julgado a presente condenação se impunha que fosse revogada a suspensão da pena de prisão;

2.º – A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença não podendo a pena a cumprir na sequência de revogação da suspensão da execução da prisão inicialmente aplicada ser executada nas modalidades previstas nos arts. 44.º, 45.º e 46.º do Código Penal;

Assim,

                - A decisão recorrida não é susceptível de qualquer reparo.

Deve assim julgar-se totalmente improcedente o recurso interposto,

Assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!


*

Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a contramotivação do Ministério Público, e concluiu pela improcedência do recurso.

*

            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


*

*


II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A verificação ou não dos pressupostos de revogação da suspensão da execução da pena de prisão;

- A aplicação, na sequência da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, de prisão por dias livres.


*

            Para a resolução destas questões importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte:

            “ (…).

Por decisão transitada em julgado a 17.10.2013, foi a arguida A... condenada pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano.


*

Decorrido o prazo de suspensão, foi solicitado o certificado de registo criminal da arguida, onde se constatou a existência de uma condenação, transitada em julgado em 24.02.2014, pela prática, 09.01.2014, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 8 (oito) meses de prisão a cumprir por dias livres em 48 períodos de 36 horas cada.

*

A arguida foi ouvida, nos termos do disposto no artigo 495.º n.º2 do Código de Processo Penal.

*

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão, em conformidade com o artigo 56.º n.º 1, alínea b) do Código Penal.

***

O instituto da suspensão da execução da pena tem como pressuposto material a consideração de que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 50° do Código Penal).

A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado (cfr., a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.10.2007, proc. n.º 07P2311, disponível em www.dgsi.pt).

Como se sabe, são finalidades de prevenção especial de socialização que estão na base da suspensão da execução da pena de prisão, designadamente, o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correção. Decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As consequências jurídicas do Crime, pág. 343).

Ora, concretizando o que se disse, dispõe o artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal que “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reabilitação social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.

Ora, como bem nota Figueiredo Dias (in Direito Penal Português – in As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, pág. pág. 355), “entre as condições da suspensão de execução da prisão avulta, naturalmente, a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período da suspensão: se a finalidade precípua desta pena de substituição é (...) a de afastar o delinquente da criminalidade, então, o cometimento de um crime durante o período da suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão sempre supõe”.

Todavia, conforme decorre da letra da lei, o cometimento de um novo crime durante o período de suspensão não implica automaticamente a revogação da suspensão – cfr., neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 29.10.2014, proc. n.º 225/11.5GAPRD-B.P1, e da Relação de Lisboa de 23.04.2013, proc. n.º 90/01.9TBHRT-C.L1-5, ambos disponíveis em www.dgsi.pt – antes sendo necessário preencher dois requisitos, um formal e outro material.

O primeiro dos requisitos legais de revogação nos termos da alínea b) do preceito em análise, de cariz meramente formal, consiste no cometimento de um crime pelo qual venha a ser condenado, durante o período de suspensão.

O segundo requisito, um requisito de pendor material, consiste na avaliação e ponderação, a efetuar pelo tribunal, depois de ouvido o arguido, no sentido de concluir se a condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena afasta irremediavelmente o juízo de prognose em que assentava a suspensão da execução da pena de prisão.

Conforme exarado no Acórdão da Relação do Porto de 18.04.2012 (proc. n.º 235/06.2SMPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt) “Do que se trata no caso, presente, é de formular um juízo de prognose sustentado em factos ocorridos no passado, que permitem um juízo de previsibilidade de uma acção ou de um comportamento futuro. Nesse sentido, o juízo de prognose a efectuar pelo tribunal deve permitir-lhe concluir favorável ou desfavoravelmente do passado e do presente para o futuro relativamente à conduta de quem está em causa.

Vários têm sido os critérios enunciados pela jurisprudência a ponderar no juízo revogatório.

Importará, desde logo, ponderar a relação temporal entre a data da suspensão da execução da pena e a data em que foram praticados os novos factos, a relação entre os tipos de crime praticados, a análise das circunstâncias do cometimento do novo crime, o seu impacto negativo na obtenção das finalidades que justificaram a suspensão da pena, a reação penal ao novo crime e, e bem assim, a evolução das condições de vida do condenado até ao presente.

Aliás, cremos, acompanhando aquele que é o entendimento maioritário, que o juízo de prognose, favorável ou desfavorável, realizado aquando da condenação subsequente, não sendo vinculativo ou condicionante da decisão a proferir, não é inócuo, devendo ser igualmente sopesado em sede de juízo quanto à eventual revogação da suspensão (cfr. neste sentido, Figueiredo Dias, in “As consequências jurídicas do crime”, Lisboa, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, pág. 357 e, entre muitos outros, o Acórdão da Relação do Porto de 29.10.2014, proc. n.º 225/11.5GAPRD-B.P1, disponível em www.dgsi.pt).


*

Vertendo as considerações antecedentes no caso dos autos, não pode deixar-se de considerar que o cometimento do mesmo tipo de crime durante o período de suspensão é apto, em abstrato, a pôr em causa, definitivamente, o juízo favorável subjacente à suspensão da pena de prisão, ou seja, que a simples ameaça da prisão seria suficiente para a ressocialização do arguido e para repor a expectativa comunitária na vigência da norma violada (cfr. artigo 40.º do Código Penal).

Na verdade, indicia que a arguida revelou, por todas as formas, ser absolutamente indiferente à censura que lhe foi dirigida, mostrando-se incapaz de compreender a gravidade do seu comportamento e aproveitando a primeira oportunidade para voltar a delinquir.

Com efeito, não pode olvidar-se que a condenação dos presentes autos é já a quarta condenação da arguida pelo mesmo tipo de crime, sendo que, decorridos menos de 3 meses após o trânsito em julgado da presente decisão, a arguida praticou novo crime de condução de veículo em estado de embriaguez (cfr. certidão de sentença junta a fls. 133 e ss.).

Por outro lado, e para além da proximidade temporal entre o cometimento dos factos e da circunstância de se tratar do mesmo tipo de crime, não pode deixar de se ter em consideração o juízo de prognose desfavorável realizado em sede de condenação do novo crime, tendo sido aplicada à arguida uma pena de 8 (oito) meses de prisão, a cumprir em 48 períodos de dias livres.

Acresce que, das declarações da arguida prestadas em sede de audiência, pese embora o arrependimento expressado, o tribunal retirou não a interiorização da gravidade da conduta por si praticada, mas apenas e só o receio de poder ter de cumprir a pena de prisão em que foi condenada, manifestado através de um discurso desculpabilizante, focado na má sorte que a tem acompanhado e que apresenta como justificação exclusiva para o seu passado criminal, revelador, por isso, da ausência de autocrítica.

Resulta, pois, de todo o exposto que se mostram irremediavelmente goradas as esperanças depositadas na suficiência e eficácia desta pena de substituição, para além de que não é já, também, socialmente tolerável manter os votos de confiança dados à arguida, depois de ela ter já demonstrado, sucessivamente, que não é deles merecedor, ao ter desprezado a oportunidade que lhe foi dada para retomar um diferente rumo de vida.


*

Pelo que, mostrando-se preenchidos os pressupostos exigidos no artigo 56.º n.º 1 do Código Penal, e não se revelando a manutenção da suspensão da execução da pena aplicada adequada às finalidades preventivas que se fazem sentir, determina-se, pelas razões supra expostas, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, aplicada à arguida A... e o consequente cumprimento da pena de 7 meses de prisão que lhe foi aplicada.

*

Notifique, sendo a arguida pessoalmente, via OPC.

*

Boletins ao Registo Criminal.

*

Após trânsito, passe mandados de detenção e condução da arguida ao estabelecimento prisional para cumprimento da pena de 7 meses de prisão.

(…)”.


*

            Com relevo para as questões suscitadas, colhem-se ainda dos autos os seguintes elementos:

            i) Os factos que integram o objecto dos presentes autos foram praticados pela arguida pelas 2h06 do dia 1 de Setembro de 2013, entre os quais se conta o de conduzir na via pública veículo automóvel com uma TAS de 2,27 g/l.

            ii) Anteriormente à condenação imposta nos autos, a arguida havia já sofrido as seguintes condenações:

            - Processo sumário nº 63/07.8PTLRA; factos de 24 de Junho de 2007; crime de condução de veículo em estado de embriaguez; sentença de 5 de Julho de 2007; pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 5 e pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de cem dias;

            - Processo comum singular nº 303/09.9TAPBL; factos de 24 de Junho de 2008; crime de falsidade de testemunho; sentença de 16 de Novembro de 2009; pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 5, convertida em prestação de trabalho a favor da comunidade;

            - Processo sumário nº 26/11.9GTCBR; factos de 26 de Fevereiro de 2011; crime de condução de veículo em estado de embriaguez; sentença de 3 de Março de 2011; pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 5 e pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de oito meses;

            - Processo sumaríssimo nº 404/11.3GBPBL; factos de 26 de Julho de 2011; crime de violação de imposições, proibições ou interdições; sentença de 5 de Setembro de 2012; pena de 5 meses de prisão substituída por 150 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade;

            - Processo sumário nº 235/12.3GBPBL; factos de 5 de Maio de 2012; crime de condução de veículo em estado de embriaguez; sentença de 18 de Maio de 2012; pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 7 e pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de doze meses.

            iii) Por factos praticados pelas 23h19 do dia 9 de Janeiro de 2014 – já depois do trânsito da sentença proferida nestes autos –, consubstanciados na condução de veículo automóvel na via pública com uma TAS de 1,77 g/l, foi a arguida condenada, por sentença de 14 de Janeiro de 2014, proferida no processo sumário nº 2/14.0PTCBR, já transitada, pela prática de um crime de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 8 meses de prisão a cumprir por dias livres, em quarenta e oito períodos de trinta e seis horas, ao fim-de-semana, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de um ano.


*

*


Da verificação ou não dos pressupostos de revogação da suspensão da execução da pena de prisão

1. Alega a recorrente – conclusões 2 a 10 – que o tribunal a quo não poderia, sem mais, designadamente, sem solicitar relatório social, revogar a suspensão da execução da pena de prisão, antes se impondo a ponderação sobre a possibilidade de assegurar a prossecução das finalidades da punição, tanto mais que a condenação que lhe foi imposta pela prática de novo crime no período da suspensão não passou por um regime contínuo de reclusão, o que torna a revogação decretada contraditória.

Diferente é a posição do Ministério Público para quem, a condenação pela prática do mesmo crime escassos meses depois da condenação proferida nos autos, frustrando a ratio da pena de substituição, justifica plenamente a decidida revogação.

Vejamos de que lado, em nosso entender, está a razão.

1.1. Nos autos, a recorrente foi condenada, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), do C. Penal, na pena de sete meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de um ano, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de um ano. 

A suspensão da execução da pena de prisão é, como se sabe, uma pena de substituição em sentido próprio pois, para além de ter carácter não institucional já que cumprida em liberdade, pressupõe ainda a prévia determinação da medida da pena de prisão, cujo fim de política criminal é o afastamento do delinquente da prática de novos crimes ou seja, a prevenção da sua ‘reincidência’. 

O critério geral de substituição da pena é o de que o tribunal deve preferir à pena de prisão uma pena de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, portanto, desde que a pena de substituição dê adequada e suficiente realização às finalidades de prevenção, geral e especial (cfr. art. 40º, nº 1 do C. Penal).

E aqui só deve ser recusada a aplicação da pena de substituição quando, sob o ponto de vista da prevenção especial de socialização, seja necessária ou mais conveniente a execução da prisão. A prevenção geral apenas assegura o conteúdo mínimo de prevenção de integração, necessário à defesa do ordenamento jurídico, de tal forma que, desde que aconselhada a aplicação da pena de substituição à luz das exigências de socialização, ela só não será aplicada quando a execução da prisão se revele imprescindível à necessária tutela do bem jurídico e estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade na validade da norma violada (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Aequitas, 1993, pág. 333).

Visando a pena de substituição em análise prevenir a ‘reincidência’ do delinquente, como se referiu já, compreende-se que a lei não deixe de sancionar a frustração desse objectivo de política criminal. Assim, nos termos do disposto no art. 56º, nº 1, b) do C. Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Como a lei não distingue, podemos concluir que o novo crime pelo qual veio o condenado a ser condenado pode ser apenas negligente, da mesma forma que, ao exigir a lei apenas a condenação por novo crime, se torna irrelevante o tipo de pena aplicada. É que, como nota Figueiredo Dias (ob. cit., pág. 355), o cometimento de um crime durante o período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão sempre supõe.

Em todo o caso, há que ter presente que a revogação da pena de suspensão não opera automaticamente, dependendo sempre da constatação de que o condenado, ao cometer o novo crime, invalidou de forma definitiva a prognose favorável que fundou a suspensão ou seja, a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência. 

Posto isto.

1.2. Resulta dos autos que a recorrente praticou um crime de condução de veículo em estado de embriaguez no dia 1 de Setembro de 2013, pelo qual foi sancionada, por sentença de 12 de Setembro de 2013, já transitada, com pena de prisão suspensa na respectiva execução, tendo então, como antecedentes criminais, cinco anteriores condenações, sendo três, nos anos de 2007, 2011 e 2012, pelo cometimento do mesmo crime.

Cerca de quatro meses após esta condenação, no dia 9 de Janeiro de 2014, a recorrente cometeu novo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo qual foi condenada em pena de prisão, substituída por prisão por dias livres, por sentença de 14 de Janeiro de 2014, já transitada. 

A recorrente revela assim, uma personalidade com propensão para a prática do crime rodoviário em questão, que vem cometendo com regularidade, não tendo as penas aplicadas constituído estímulo suficiente para evitar a pratica de novos comportamentos desviantes.

Com efeito, se pode conceder-se que a sucessiva condenação da recorrente em três penas de multa pela prática do mesmo crime, pela sua benevolência, se revelou inadequada para realizar os fins em vista com a sua aplicação [com especial enfoque na terceira condenação], com a condenação imposta nestes autos, em pena de prisão suspensa na respectiva execução [já depois de lhe ter sido imposta uma pena de PTFC por crime de violação de imposições, proibições ou interdições, muito provavelmente relacionado com a prática de crime rodoviário] podia e devia a recorrente, perante o agravamento do juízo de censura sobre si exercido, traduzido na ameaça da prisão, ter interiorizado a oportunidade de ressocialização em liberdade que lhe foi concedida através da aplicação desta pena de substituição.

Não obstante, a recorrente, desaproveitando a oportunidade, ‘reincidiu’ e apresentou depois como justificação [a Relação ouviu o registo gravado das suas declarações, prestadas perante a Mma. Juíza a quo, antes de proferido o despacho recorrido] a fase complicada da vida, a discussão que teve com o companheiro na festa de aniversário, e o azar que teve por a pessoa que arranjou para conduzir se encontrar em pior estado que ela própria, o que a levou a arriscar (!). Ora, tendo a recorrente, como consta dos autos, nascido a 16 de Dezembro de 1964, e sendo por isso, inquestionavelmente, uma cidadã madura, a tonalidade desculpabilizante [como bem se referiu no despacho recorrido] e deslocadamente pueril [atentas as razões apresentadas para o acto praticado] denuncia uma deficitária sensibilidade à pena – entendida como a susceptibilidade de ser por ela influenciada – e a existência de uma personalidade desconforme com a do cidadão fiel ao direito. Com efeito, é inegável a quase absoluta inutilidade da advertência que constitui a condenação em prisão suspensa.

 E não se vê, por outro lado, como a pretendida solicitação de relatório social pudesse alterar o quadro resultante do que fica dito.

Em suma, o curto período que mediou entre a data da suspensão da execução da prisão e a data do cometimento dos novos factos – cerca de quatro meses – e a circunstância de ter praticado precisamente o mesmo crime, em conjugação com a revelada personalidade, tornam inevitável a conclusão de que o juízo de prognose favorável à recorrente que determinou o decretamento da suspensão da execução da pena de prisão se mostra definitivamente arredado, face à frustração da expectativa do seu afastamento da criminalidade.   

Estando pois verificados, in casu, os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, previstos no art. 56º, nº 1, b) do C. Penal, não merece censura o despacho recorrido.


*

Da aplicação, na sequência da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, de prisão por dias livres

2. Alega a recorrente – conclusão 11 – que o tribunal deveria, quanto ao modo de cumprimento da pena de prisão optado, não pela sua execução contínua, mas pelo cumprimento de prisão por dias livres.

Vejamos se lhe assiste razão.

Dispõe o art. 56º, nº 2 do C. Penal que, a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.

Assim, a revogação da pena de substituição imposta à recorrente determina o cumprimento da pena principal, o cumprimento da pena de prisão. No sentido de que este cumprimento não pode ser feito por meio de prisão por dias livres pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos da R. de Coimbra de 9 de Novembro de 2011, proc. nº 579/09.1GAVGS.C1, e da R. do Porto de 20 de Outubro de 2010, proc. nº 87/01.9TBPRG.P1, e de 28 de Janeiro de 2015, proc. nº 7/12.5PTVNG.P1, todos in www.dgsi.pt. Em sentido oposto pronunciou-se o acórdão da R. de Coimbra de 23 de Fevereiro de 2011, proc. nº 893/07.0PTAVR-A.C1, in www.dgsi.pt.

Já sabemos que a suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição em sentido próprio, da pena de prisão.

Por sua vez, a prisão por dias livres é também uma pena de substituição da pena de prisão, mas uma pena de substituição detentiva, já que o respectivo cumprimento é feito em instituição prisional e, nesta medida, pode ser considerada uma forma especial de cumprimento ou de execução da pena de prisão. Tal não significa, porém, que perca a natureza de pena de substituição, dogmaticamente, porque a sua aplicação pressupõe a prévia determinação de uma pena de prisão contínua que depois é substituída e, numa perspectiva de política criminal, porque comunga do fim visado pelas demais penas de substituição, a luta contra as penas curtas de prisão (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 336).

Por outro lado, não pode ignorar-se que, nos termos do disposto no art. 45º, nº 1 do C. Penal, a prisão por dias livres só pode ser aplicada quando a pena de prisão não deva ser substituída por pena de outra espécie, entenda-se, por pena não privativa da liberdade. E foi isso o que sucedeu com a recorrente, pois que na sentença condenatória proferida nos autos, porque se entendeu que antes deveria ser aplicada uma pena de substituição em sentido próprio, não detentiva, portanto, se decretou a pena de suspensão da execução da prisão. Se, porventura, tivesse sido outro o entendimento, isto é, se tivesse sido considerado que uma pena de substituição em sentido próprio não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, logo teria sido, eventualmente, escolhida a pena de prisão por dias livres.

É que o C. Penal não prevê a existência de penas de substituição de penas de substituição da pena de prisão. Desde logo porque prevê a consequência do não cumprimento pelo condenado, de qualquer pena de substituição em sentido próprio (cfr. arts. 43º, nº 2, 44º, nº 4, 56º, nº 2 e 59º, nº 2, do citado código) qual seja, o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença. E se tal não acontece com as penas de substituição detentivas, designadamente, com a prisão por dias livres, é porque o seu cumprimento corresponde já, como supra se assinalou, a uma forma específica de execução da prisão decretada na sentença, razão pela qual o art. 125º, nº 4 do C. da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade dispõe que, ouvido o condenado, não sendo considerado justificado o regime fixado na sentença, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar.

Depois, cremos que o momento processual para a escolha da pena e portanto, para a escolha da pena se substituição, quando disso seja caso, é o da sentença e não, um momento posterior, v.g., designadamente, o da prolação do despacho que revogou a pena de substituição naquela decretada (cfr. entre outros, acs. da R. de Coimbra de 10 de Dezembro de 2013, proc. nº 157/10.2GBSVV-A.C1 e da R. de Lisboa de 1 de Setembro de 2011, proc. nº 44/08.4PTAGH-3.L1, in www.dgsi.pt).

 

Em síntese conclusiva, entendendo-se que o incumprimento de pena de substituição, designadamente, da suspensão da execução da prisão, não pode dar lugar à aplicação de outra pena de substituição, no caso de revogação da suspensão, há apenas que executar a pena de prisão fixada na sentença, de forma contínua. 


*

*


Com a improcedência das conclusões do recurso, deve manter-se a decisão impugnada.

*

*


III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.


*

Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. (arts. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III do R. das Custas Processuais).

*

Coimbra, 8 de Julho de 2015


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)