Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
375/10.3TAACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
DECISÃO INSTRUTÓRIA
RECURSO
Data do Acordão: 06/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - 1º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 68º, N.º 3, DO C. PROC. PENAL
Sumário: I - O assistente pode participar nos actos processuais que decorram após ter sido admitido a intervir nos autos, não lhe sendo lícito questionar os actos anteriores à sua intervenção.
É esse o sentido útil do segmento do n.º 3, do art. 68º, do C. Proc. Penal, na parte em que dispõe que “os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar (…)”.

II - A intervenção do assistente na fase de instrução está limitada pela formulação do requerimento até ao limite temporalmente previsto, ou seja, “até cinco dias antes do início do debate instrutório(art.º 68º, n.º 3, al. a)).

Não o tendo requerido tempestivamente, fica definitivamente impedido de intervir no debate instrutório e fica também impedido de recorrer da decisão instrutória.

III - Quando a decisão instrutória tenha sido a pronúncia, ainda que apenas parcial, implicando o prosseguimento dos autos para a fase de julgamento, o interessado pode ainda requerer a sua constituição como assistente, desde que o requeira “até cinco dias antes do início da audiência de julgamento (art.º 68º, n.º 3, al. a)).

O que não pode é questionar o que quer que seja que tenha sido decidido na fase de instrução e, por exemplo, à sombra da qualidade de assistente reconhecida após proferida a decisão instrutória, recorrer dela na parte em que não tiver pronunciado o arguido.

Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

Nos autos de instrução que correram termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Leiria e que originaram este recurso em separado, na sequência de requerimento de abertura de instrução formulado pela arguida A..., veio a ser proferida decisão instrutória de não pronúncia, notificada ao mandatário da denunciante por carta registada expedida em 02/11/2011.
O denunciante “W…, Ldª” veio, em 30 de Novembro de 2011, requerer a sua constituição como assistente e interpor recurso da decisão instrutória.
Mediante promoção do M.P., veio a ser indeferido o requerimento de constituição de assistente em despacho com o seguinte teor:
“W…, Ldª veio requerer a sua constituição como assistente nos autos e ainda interpor recurso da decisão instrutória , despacho de não pronúncia.
A DM do MP promoveu o indeferimento por fora de prazo.
Cumpre apreciar e decidir:
Em conformidade com o disposto no art. 68° , nº 3, al. a) do CPP os assistentes podem intervir em tal qualidade até cinco dias antes do início do debate instrutório , caso tenha sido requerida a fase da instrução, ou até cinco dias da audiência de julgamento caso não tenha sido requerida a fase da instrução.
Ora no caso dos autos visto que foi requerida a abertura da fase da instrução o pedido de constituição como assistente deveria ter sido formulado até cinco dias antes do início do debate instrutório.
Pelo exposto, não admito a requerente a intervir nos autos por manifestamente intempestivo.
Prejudicado fica o conhecimento do recurso interposto, por falta de legitimidade, já que só o assistente e não o ofendido pode recorrer da decisão instrutória na parte desfavorável.
Sem custas, atenta a simplicidade do incidente.
Oportunamente, arquive”.

Inconformado, o denunciante interpôs recurso em que formula as seguintes conclusões:
1 - A assistente não concorda com a decisão que a impede de intervir nos autos, por não ter admitido a sua constituição de assistente, pelo que da mesma vem recorrer.
2 - A decisão recorrida, viola precisamente o disposto no art.º 68°, n.º 3, al. a) do CPP, onde se escuda para se sustentar.
3 - Porque interpreta erradamente este preceito legal, ao introduzir, na sua interpretação, referência ao facto de ter sido requerida a fase de instrução, o que não está expresso no referido artigo, nem tal conclusão se pode adicionar ao mesmo.
4 - Consubstanciando-se a decisão recorrida, no facto de a denunciante só poder requerer a constituição de assistente até cinco dias da audiência de julgamento, caso não tenha sido requerida a fase de instrução.
5 - E no facto de não ter sido requerida a constituição de assistente até cinco dias antes do debate instrutório, visto que foi requerida a abertura da fase de instrução.
6 - Mas tal interpretação está errada, e introduz um facto (a abertura da fase de instrução), ao qual não é feita referência no normativo legal violado pela decisão, nem tal se poderia extrair do espírito do legislador.
7 - O facto de não ter sido requerida a constituição de assistente até cinco dias antes do debate instrutório, apenas impediu a denunciante de intervir no debate instrut6rio.
8 - Não a impediu de se constituir assistente até cinco dias antes da audiência de julgamento.
9 - Pelo que, deveria ter sido admitida a constituição de assistente da denunciante, por tempestiva.
10 - E para poder recorrer da decisão instrutória, a denunciante teria que se constituir assistente, e só o poderia fazer, apôs ser notificada da decisão instrutória, dentro do prazo de apresentação do recurso, e sempre antes dos cinco dias da audiência de julgamento.
11 - Conforme dispõe o art. 277º, nº 3, por remissão do art. 283.°, nº 5, este, por força do disposto no art. 307.°, nº 5 e o art. 68°, nº 3, al. a), todos do CPP.
12 - Termos em que deve ser admitido o presente recurso, admitindo-se a recorrente a intervir nos presentes autos como assistente, sendo apreciado o recurso da decisão instrutória por si apresentado.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ter provimento o presente recurso (…) devendo a recorrente ser admitida a intervir nos presentes autos como assistente, sendo apreciado o recurso da decisão instrutória por si apresentado.

O Ministério Público respondeu, formulando as seguintes conclusões:
1. A intervenção do ofendido no processo como assistente pode ocorrer em qualquer fase do procedimento com as limitações temporais previstas nos artigos 68.°, n.? 2 e 3, do Código de Processo Penal.
2. Nos termos do disposto no artigo 68.°, n." 3, alínea a), do Código de Processo Penal, o ofendido não pode intervir como assistente no debate instrutório se não requerer a sua admissão cm tal qualidade com a antecedência de cinco dias sobre o início do debate.
3. Terminando o processo na fase de instrução, com decisão instrutória de não pronúncia por crime de emissão de cheque sem provisão, não pode a ofendida, posteriormente a essa decisão, ser admitida a intervir nos autos como assistente, com vista à interposição de recurso.
4. Pelo que não tendo requerido a sua admissão em tal qualidade no aludido prazo, a ofendida viu precludida em definitivo a possibilidade de interpor recurso do despacho judicial de não pronúncia.
Pelo exposto, entende-se que deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida (…)

Admitido o recurso, o Mmº Juiz sustentou o despacho recorrido.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
Vistas as conclusões do recurso, a única questão a decidir consiste em saber se o ofendido, não tendo requerido a sua constituição como assistente até cinco dias antes do início do debate instrutório, pode ainda requerê-lo ulteriormente, no prazo de recurso do despacho de não pronúncia, para interpor recurso dessa decisão.

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II - FUNDAMENTAÇÃO:

Nos termos do disposto no nº 3, al. a), do art. 68º do Código de Processo Penal (diploma a que se reportam todas as demais normas citadas sem menção de origem), “os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz: a) Até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento”.
Pretende o recorrente que o sentido desta norma é apenas o de obstar à intervenção no debate instrutório de quem não se tiver constituído assistente até cinco dias antes do seu início, não obstando a que os interessados o façam ulteriormente a esse debate, desde que o requeiram até cinco dias antes do início da audiência de julgamento, podendo fazê-lo, nomeadamente, para poderem recorrer da decisão instrutória.
Esta interpretação, com a amplitude indicada, não merece acolhimento, já que não confere com a função útil da norma nem com a sua razão histórica.
Sendo o texto legal o ponto de partida necessário de toda a interpretação jurídica, será através da determinação da ratio legis, numa perspectiva histórico-actualista, que se descortinará o intuito que presidiu à elaboração da norma, conferindo à interpretação da lei a legitimação decorrente da lógica jurídica que lhe subjaz.
Ora, o que resulta da norma cuja interpretação o recorrente questiona é que o legislador condicionou a intervenção dos assistentes no debate instrutório e na audiência em função da fase em que for formulado o requerimento de constituição de assistente.
Como é sabido, a marcha do processo está dividida em fases processuais, compostas por conjuntos de actos tendentes a uma mesma finalidade:
- A fase de inquérito, que conduzirá à dedução de acusação ou ao arquivamento dos autos;
- A fase (facultativa) de instrução, que conduzirá à pronúncia ou à não pronúncia;
- A fase de julgamento, que conduzirá à condenação ou à absolvição;
- E uma fase, também facultativa, de recurso, que conduzirá à confirmação ou infirmação da sentença proferida nos autos.
O assistente pode intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar. Isto é, pode participar nos actos processuais que decorram após ter sido admitido a intervir nos autos, não lhe sendo lícito questionar os actos anteriores à sua intervenção. É esse o sentido útil do segmento do nº 3 do art. 68º, na parte em que dispõe que “os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar (…)”.
Para além dessa restrição, outras limitações resultam da lei. Assim, se o titular do interesse relevante ou as pessoas com legitimidade para apresentar queixa ou deduzir acusação particular quiserem intervir na fase de inquérito, poderão requerê-lo a todo o tempo e, após admitidos a intervir nessa qualidade, poderão intervir oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias [art. 69º, nº 2, al. a)]. Contudo se quiserem intervir na instrução, terão que o requerer até cinco dias antes do início do debate instrutório [art. 68º, nº 3, al. a)]. A intervenção do assistente em toda a fase de instrução está limitada pela formulação do requerimento até ao limite temporalmente previsto. Não o tendo requerido tempestivamente, fica definitivamente impedido de intervir no debate instrutório e fica também impedido de recorrer da decisão instrutória. Ou seja, se a decisão instrutória for uma decisão de não pronúncia, o interessado que se não constituiu assistente, podendo tê-lo feito, fica impossibilitado de reagir contra aquela decisão. Admitir o contrário equivaleria a subverter o espírito da norma, permitindo que a definitiva estabilização da instância na fase de instrução fosse perturbada por alguém a quem (por opção própria, decorrente da falta de formulação de requerimento para constituição de assistente até ao momento limite admitido) estava já vedada a intervenção em sede de instrução. O processo penal constitui essencialmente uma concatenação de actos logicamente encadeados em ordem à obtenção de uma decisão sobre o respectivo objecto e, bem vistas as coisas, seria de todo ilógico admitir a impugnar a decisão instrutória quem foi impedido – por opção própria, repete-se – de contribuir para essa mesma decisão.
Algo de similar se passa, aliás, com a constituição de assistente na fase de julgamento. Se não for requerida até cinco dias antes do início da audiência de julgamento, o interessado verá definitivamente precludida a possibilidade de intervir na fase de julgamento e não será admitido a impugnar a sentença final mediante recurso. De resto, já assim era no domínio do Código de 1929, prevendo expressamente o § 5º do art. 4º do DL 35007, de 13 de Outubro de 1945, a possibilidade de os assistentes intervirem em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrasse, desde que o requeressem até cinco dias antes da audiência de discussão e julgamento. Ou seja, já no domínio da legislação anterior a referência à intervenção “em qualquer altura do processo” tinha um limite temporal para ser exercido, que então se colocava apenas relativamente à audiência e que fruto da alteração da própria estrutura processual penal passou a justificar-se também em relação ao debate instrutório.
Uma última nota, apenas para clarificar a questão da intervenção ulterior do assistente quando a decisão instrutória tenha sido a pronúncia, ainda que apenas parcial, implicando o prosseguimento dos autos para a fase de julgamento: Neste caso, o interessado pode ainda requerer a sua constituição como assistente, desde que o requeira até cinco dias antes do início da audiência de julgamento. O que não pode é questionar o que quer que seja que tenha sido decidido na fase de instrução e, por exemplo, à sombra da qualidade de assistente reconhecida após proferida a decisão instrutória, recorrer dela na parte em que não tiver pronunciado o arguido.
Consequentemente, o recurso improcede.

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso.
Por ter decaído integralmente no recurso interposto, condena-se o recorrente na taxa de justiça de 3UC.
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Jorge Miranda Jacob (Relator)


Maria Pilar de Oliveira