Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
191/14.3TBPB-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
FUNDAMENTOS DO RECURSO
FALSIDADE DE DEPOIMENTO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 01/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 696 B), 697 Nº2 C) CPC
Sumário: 1.- O artigo 696.º, al. b), do Código de Processo Civil, no caso da falsidade de depoimento, não exige que esta tenha sido apreciada em ação autónoma e prévia ao recurso de revisão.

2.- No referido caso, conforme o disposto no art.697º, nº 2, al. c), CPC, o prazo para a interposição do recurso é de 60 dias contados do conhecimento da falsidade.

Decisão Texto Integral:










Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

J (…), M (…) e J (…) interpuseram recurso de revisão da decisão proferida na ação declarativa n.º 191/14.3TBPBL, contra M (…) e M (…) alegando, em síntese:

Correu termos no Juízo Local Criminal de Pombal, sob o n.º 804/15.0T9PBL, um processo comum singular, no âmbito do qual R (…) e M (…) foram condenados, cada um, pela prática de um crime de falsidade de testemunho, por terem relatado na audiência de julgamento que teve lugar na ação declarativa a que os presentes autos se encontram apensos, em 5 de Fevereiro de 2015, na qualidade de testemunhas, factos falsos relativamente à inexistência de um muro no local em discussão nesse processo, tendo a decisão transitado em julgado.

Tais depoimentos foram determinantes para a sentença proferida na referida ação declarativa, a qual foi julgada improcedente, indevidamente.

O recurso de revisão foi liminarmente admitido e notificados os Recorridos.

M (…) e M (…) responderam, em síntese:

O recurso de revisão é extemporâneo, tendo caducado o direito dos Autores, pois decorreram mais de 60 dias desde o conhecimento pelos recorrentes da falsidade dos depoimentos.

Os depoimentos das duas referidas testemunhas não foram determinantes para a decisão a rever, sendo apenas dois entre nove depoimentos considerados entre si, a que acresce a prova documental e a inspecção judicial ali realizada, para além da falência probatória dos actos de posse dos recorrentes sobre a parcela ali em discussão.

O recorrente J (…)  exerceu o contraditório concedido quanto à matéria da caducidade invocada.

O Tribunal, com base na referida caducidade, julgou improcedente o presente recurso de revisão.


*

Inconformados, os peticionantes recorreram e apresentam as seguintes conclusões:

(…)


*

Os Recorridos contra alegaram, defendendo a correção do decidido.

*

As questões a resolver são as seguintes:

O caso julgado formal inerente ao despacho inicial;

A tempestividade da resposta de 25.3.2019;

O requerimento de 15.2.2019, não subscrito por advogado;

A omissão de pronúncia relativa à alínea c) do art.696º do Código de Processo Civil (doravante CPC);

            A reapreciação da impugnada matéria de facto;

            A (in)tempestividade do recurso de revisão;

            A litigância de má fé.


*

O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

a) Os recorrentes J (…), M (…) e J (…) intentaram uma acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra os recorridos M (…) e M (…) pedindo a condenação destes a reconhecer o seu direito de propriedade, enquanto contitulares da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de L (…), sobre o prédio rústico composto de terra de vinha com seiscentas cepas e mato, sito em (...), freguesia de (...), concelho de (...), inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 15082.º; a condenação dos ali réus (aqui recorridos) a tapar uma vala por eles efectuada, bem como a edificar o muro em pedra por eles demolido, repondo a situação em que o prédio se encontrava anteriormente; a condenação dos aqui recorridos na restituição da parcela de terreno integrante daquele prédio; finalmente, a condenação dos recorridos no pagamento de quantia indemnizatória, por danos patrimoniais e não patrimoniais.

b) Tal acção correu termos no extinto 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal sob o n.º 191/14.3TBPBL, à qual o presente recurso corre por apenso, tendo a petição inicial dos ora recorrentes (constante de fls. 1 a 35 daquele processo, aqui dada por reproduzida) sido apresentada por transmissão electrónica de dados em 2 de Fevereiro de 2014.

c) A audiência de discussão e julgamento de tal acção declarativa foi realizada em 16 de Dezembro de 2014 e em 5 de Fevereiro de 2015.

d) Neste dia 5 de Fevereiro de 2015 prestaram depoimento, na qualidade de testemunhas, R (…) (arrolado por ambas as partes) e M (…) (arrolado pelos ali réus).

e) Por sentença de 9 de Abril de 2015 (constante de fls. 152 a 174 da mencionada acção declarativa n.º 191/14.3TBPBL, aqui dada por integralmente reproduzida), foi julgada parcialmente procedente aquela acção e, em consequência, foi declarado que os ali autores (aqui recorrentes) eram donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio rústico composto de terreno de vinha, sito no lugar de (...), freguesia de (...), inscrito na matriz predial da freguesia de (...) sob o artigo 15082.º, tendo sido julgados improcedentes todos os demais pedidos formulados naquela acção e deles absolvidos os ali réus (aqui recorridos).

f) Foi dado como provado em tal sentença, além do mais, sob o número 19, que “a linha divisória entre os prédios identificados nos pontos 1. e 18., dos respectivos lados nascente e poente, esteve sempre demarcada por um valado”.

g) Por sua vez, foi dado como não provado em tal sentença, além do mais, sob o número 1, que “os Autores, desde há mais de 20 anos, por si e antepossuidores, cultivassem, amanhassem e colhessem frutos na parcela de terreno descrita no ponto 6. dos factos provados composta de carvalhos pequenos e mato situada no topo norte da vinha, correspondente ao alinhamento dos pontos A-B-C-D-A indicados no Doc. 9 junto com a p.i.”.

h) E também como não provado, sob o número 2, que “a linha divisória entre os prédios n.º 15082 e n.º 15081, nas extremidades nascente/poente, estivesse demarcada, em parte, por um muro em pedra”.

i) E ainda, sob o número 3, que “tivessem sido derrubados dois sobreiros aquando da abertura das valas no terreno dos carvalhos e mato”.

j) Consta de tal sentença, além do mais, na respectiva motivação da decisão de facto, que “a prova testemunhal produzida neste processo assume um papel fundamental para determinar se os Autores adquiriram ou não um direito de propriedade sobre uma específica parcela de terreno composta de carvalhos pequenos e vegetação (…). Muito concretamente, a prova relativa aos concretos actos de posse que os Autores e seus antepossuidores praticaram no prédio rústico n.º 15082, designadamente na parcela de terreno composta de carvalhos pequenos e vegetação, e a prova de que a linha divisória entre os prédios dos Autores e dos Réus esteve sempre demarcada, em parte, por um muro de pedra seguido de um valado, dependiam muito do que as testemunhas pudessem dizer sobre essas duas questões (…). A testemunha M (…), canalizador, reformado, primo de M (…), explicou que, em 2006, vendeu ao seu primo um terreno composto de vinha e mato. Desse terreno fazia parte a parcela onde hoje existem carvalhos e que a testemunha afirma ter herdado do seu pai e dos seus avós. Residindo em França há mais de cinquenta anos, a testemunha referiu que foi o seu pai que zelou por aquela parcela de terreno e que, quando o seu primo lhe telefonou para que lhe explicasse onde eram as estremas da terra (pois estava a construir um muro para vedar a sua propriedade), lhe disse que aquela parcela de terreno também fazia parte da terra que lhe tinha vendido. Foi então que tiveram início as obras de construção do muro na parcela de terra dos carvalhos”.

l) Assim como que “em síntese, constata-se que mesmo as testemunhas que mais convictamente afirmaram que o terreno dos carvalhos pertencia à mulher de J (...) , nenhuma delas alguma vez o viu a ele ou à sua mulher, ou mesmo ao seu sogro A (...) e ao pai deste, a zelar pelo terreno dos carvalhos. As acções do Autor J (...) sobre essa parcela de terreno circunscrevem-se a intervenções muito pontuais, contabilizadas pelas testemunhas H (…) (que só por uma vez foi chamado a limpar o terreno) e A (…), este último com a particularidade de ter limpado o terreno a pedido do Autor J (…), mas também a pedido da mãe de M (…) (conhecida entre a população como “M (…)”). Esta referência à mãe de M (…) por parte de quem se ocupava de limpar o terreno dos carvalhos sempre que lhe era solicitado (o Sr.(…)), somada à circunstância de ninguém da família de J (...) e da sua mulher terem sido avistados pelos vizinhos mais próximos a tirar proveito daqueles terrenos, vem conferir credibilidade aos depoimentos das testemunhas que afirmaram ver os familiares de M (…), designadamente a sua mãe (“(…)”), a zelar e a tirar proveito do terreno dos carvalhos. Neste particular, o depoimento da testemunha A(…) afigurou-se bastante espontâneo e desinteressado, merecendo a credibilidade do Tribunal. O que permite concluir que os Autores não lograram provar a prática de actos materiais de posse, exercidos de forma reiterada e exclusiva, sobre o terreno situado no topo norte da sua vinha, composto de carvalhos e mato, mas apenas sobre a parcela da vinha”.

m) Bem como que “a segunda questão que se levantava ao nível da prova dizia respeito à demarcação dos prédios dos Autores e dos Réus. Interessava saber se a linha divisória entre os dois prédios esteve sempre demarcada, em parte, por um muro de pedra seguido de um valado. Acerca desta questão foram ouvidas as mesmas testemunhas a que já nos referimos, bem como a testemunha R (…), ladrilhador, encarregado pelo Réu M (…) da construção do muro na parcela de terreno dos carvalhos”.

n) E ainda que “foi a testemunha R (…) que deu a descrição mais imparcial e credível do alegado muro. Referiu que quando chegou ao local para abrir as fundações no terreno dos carvalhos, se deparou com uma fundação aberta, com cerca de sete ou oito metros de comprimento, e umas armações em ferro para pilares no seguimento do muro de blocos de cimento que o Réu M (…) já tinha construído. À beira dessa fundação, do lado do terreno dos carvalhos, encontrou umas pedras soltas, mas não sabe se pertenciam a um muro. De modo a poder passar com a máquina para o lado de lá da fundação, a testemunha colocou as referida pedras na fundação, “as mais pequenas que haviam lá espalhadas”, sendo que as pedras maiores encostou-as junto ao muro de blocos que se encontra no topo norte do terreno. Confrontado com a fotografia de fls. 40, a testemunha referiu que algumas daquelas pedras foram ali colocadas por ele, mas que também já lá estavam outras. Concluiu, por fim, que as pedras soltas que encontrou não faziam oitenta centímetros de altura, e tão pouco lhe deram a noção de pertencerem a um muro. Quanto às pedras de maiores dimensões, referiu que as mesmas teriam de ser partidas para poderem ser utilizadas num muro. Ora, começando justamente por esta última alusão às pedras de maiores dimensões, e conjugando-a com o depoimento da testemunha Aires Henriques, bem como com a percepção que o Tribunal teve quando se dirigiu ao local, torna-se evidente que aquelas pedras, pela sua forma e tamanho, jamais poderiam fazer parte do muro que os Autores alegaram existir na serventia”.

o) Assim como “quanto às pedras mais pequenas, referiu a testemunha R (…) que as utilizou para tapar as fundações que estavam abertas. De facto, o Tribunal também pode constatar, na inspecção que fez ao local, vestígios de umas fundações que tinham sido tapadas com pedras de pequena ou média dimensão, sendo que junto ao muro do topo norte só estavam, praticamente, pedras de grandes dimensões. O que permite concluir que, praticamente todas as pedras que poderiam eventualmente servir para formar um muro tenham sido utilizadas para tapar as fundações. Ora, de acordo com a observação feita ao local, estas fundações não deviam ter uma largura superior à de um bloco de cimento, pelo que não terão sido necessárias grandes quantidades de pedra para encher aqueles caboucos. É, por isso, crível que as pedras que se vêem a tapar as fundações fossem praticamente as únicas que ali existissem com aquelas dimensões. Sendo certo que, com apenas essas pedras, jamais seria possível edificar um muro de pedra solta com cerca de oitenta centímetros de altura... A descrição feita pela testemunha R (…) parece coerente com o que foi possível observar no local. O relato desta testemunha é igualmente coerente com os depoimentos das testemunhas arroladas pelos Réus. De uma maneira geral, todas elas disseram nunca ter visto um muro de pedra naquele local, apenas umas pedras soltas junto aos carvalhos. De facto, as pedras ali encontradas não seriam suficientes para erguer um pequeno muro de pedra com nove metros de cumprimento. Além da credibilidade demonstrada pela testemunha R (...) , a sua descrição de haver por ali “umas pedras espalhadas” afigura-se mais verosímil que a que resulta das testemunhas que afirmaram ter ali visto um muro de pedra. Face ao que foi dito, não lograram os Autores provar que a linha divisória entre o seu prédio e o dos Réus estivesse demarcada por um muro de pedra no seguimento do valado que lá existia. A análise conjugada dos depoimentos destas testemunhas com as impressões colhidas na inspecção ao local, permitiram ao Tribunal formar a sua convicção quanto ao facto provado sob o ponto 19. da matéria de facto”.

p) Bem como, ainda na motivação da decisão de facto, que “Relativamente aos factos considerados como não provados, tal justifica-se por não ter sido produzida prova que corroborasse tais factos. Com efeito, não lograram os Autores provar a prática de actos materiais de posse, exercidos de forma reiterada e exclusiva, sobre o terreno situado no topo norte da sua vinha, composto de carvalhos e mato, nem que a linha divisória entre o seu prédio e o dos Réus estivesse demarcada por um muro de pedra, pelos motivos que já referimos”.

q) Logo no dia 6 de Fevereiro de 2015, o recorrente J (…), em causa própria e na qualidade de advogado dos restantes recorrentes (co-autores na acção declarativa), dirigiu-se ao Ministério Público, onde requereu e obteve, nesse mesmo dia, cópias de declarações prestadas no Inquérito n.º 272/14.3TAPBL.

r) Inconformados com a sentença proferida na acção declarativa n.º 191/14.3TBPBL, dela recorreram os autores (aqui recorrentes) nos termos constantes de fls. 183 a 268 daquele processo (aqui dadas por reproduzidas), tendo as alegações de recurso sido enviadas a Tribunal por transmissão electrónica de dados em 26 de Maio de 2015.

s) Entretanto, no dia 25 de Maio de 2015, os recorrentes J (..), M (…) e J (…)haviam apresentado queixa, nos Serviços do Ministério Público de Pombal, além do mais, contra R (…) e M (…), nos termos constantes de fls. 250 a 265 da acção declarativa n.º 191/14.3TBPBL a que o presente recurso se encontra apenso (aqui dadas por reproduzidas), pelos depoimentos prestados por aqueles na audiência de julgamento identificada em c) e d).

t) No dia 28 de Maio de 2015, a testemunha R (…) enviou à acção declarativa n.º 191/14.3TBPBL a missiva ali constante de fls. 270 a 271 (aqui dada por integralmente reproduzida), da qual consta, além do mais, que o mesmo “declara de forma livre espontânea e voluntaria a incorreção do seu depoimento prestado na audiência em julgamento no dia 5-2-2015” (sic).

u) Na data de 25 de Maio de 2015, os recorrentes já sabiam que R (…) ia enviar ao processo a carta identificada em t).

v) Os recorrentes foram notificados pela secção do teor da missiva identificada em t) por notificações expedidas electronicamente em 7 de Julho de 2015.

x) Os recorrentes apresentaram na acção declarativa n.º 191/14.3TBPBL o requerimento ali constante de fls. 299 a 301 (aqui dado por integralmente reproduzido), enviado a Tribunal por transmissão electrónica de dados em 15 de Julho de 2015, do qual consta, além do mais, “tendo sido notificados para o Requerimento apresentado pela Testemunha R (…) (…) sempre cumpre aos Autores dizer que o requerimento (…) confirma o alegado pelos Autores, quer nos articulados, quer em sede de recurso”.

z) Por Acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Novembro de 2015, proferido no âmbito da acção declarativa n.º 191/14.3TBPBL (e aí constante de fls. 316 a 336, aqui dadas por integralmente reproduzidas), foi julgado totalmente improcedente o recurso de apelação ali interposto pelos autores (aqui recorrentes), tendo sido confirmada a decisão recorrida.

aa) Consta de tal acórdão, além do mais, na respectiva fundamentação de direito, que “não se provou, como já por diversas vezes referimos, que a porção de terreno em efectivo e real litígio pertença e faça parte do prédio dos AA.; não se provou que sobre tal terreno tenham sido exercidos poderes de facto pelos AA. (ou pelos seus antecessores) com virtualidades suficientes para fazer adquirir aos AA., por usucapião, tais terrenos; enfim, não se provou que os RR. ocupem alguma porção ou segmento do prédio dos AA.. Enfim, o desfecho jurídico dos autos e do recurso acaba por findar na aplicação das atinentes regras de ónus da prova (…). Significa isto que, sendo o ónus da prova dos AA/apelantes (…) e não reflectindo os factos provados a realidade factual invocada pelos AA/apelantes, a solução/desfecho jurídicos dos autos e do recurso só pode ser a que lhe foi traçada – improcedência total, naquilo em que real e efectivamente havia/há litígio”.

bb) A notificação deste acórdão foi expedida aos aqui recorrentes em 12 de Novembro de 2015.

cc) Os recorrentes apresentaram na acção declarativa n.º 191/14.3TBPBL o requerimento ali constante de fls. 341 a 343 (aqui dado por integralmente reproduzido), do qual consta, além do mais, que “não tendo o douto Tribunal da Relação conhecido...” do depoimento da testemunha R (…), ocorria uma “…omissão de pronúncia (…) geradora de nulidade”.

dd) Por decisão da Relação de Coimbra de 2 de Fevereiro de 2016, proferida no âmbito da mesma acção declarativa e que ali consta de fls. 355 a 357 (e aqui dadas por integralmente reproduzidas), foi indeferida a nulidade suscitada pelos ali autores (aqui recorrentes).

ee) Consta de tal decisão, além do mais, que “caso os recorrentes entendem que a testemunha R (...) prestou um depoimento falso, o caminho certo é participarem criminalmente dele, fazerem-no condenar e depois, se for o caso, lançarem mão da revisão do art. 696.º/a do CPC. Em síntese, o Acórdão não padece da nulidade invocada (…); ademais, como se vê da nota 6 supra transcrita, o Acórdão até se pronunciou – pronúncia que, claro está, não tem a concordância dos recorrentes (“direito” inalienável que lhes assiste), o que motiva a presente arguição de nulidade – sobre a carta pretensamente enviada para os autos pela testemunha R (...) ”.

ff) Desta decisão foram os aqui recorrentes notificados mediante expediente remetido em 4 de Fevereiro de 2016.

gg) Por sentença de 16 de Janeiro de 2018, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º 804/15.0T9PBL, que correu termos no Juízo Local Criminal de Pombal (constante de fls. 17 a 37 dos presentes autos, aqui dada por integralmente reproduzida), os ali arguidos M (…) e R (…) foram condenados pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.º 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, nas penas de multa, respectivamente, de 2.400 € e de 1.600 €, pelo teor dos depoimentos prestados, na qualidade de testemunhas, na audiência de julgamento mencionada nas alíneas c) e d).

hh) Inconformados e por terem sido igualmente condenados pelo mesmo crime, igualmente em penas de multa, os ali também arguidos M (…) e M (…)(ora recorridos) recorreram da sentença identificada em gg), não tendo sido interposto recurso pelos demais arguidos.

ii) Por Acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Julho de 2018, proferido no âmbito do referido Processo Comum Singular n.º 804/15.0T9PBL, foi negado provimento a tal recurso, tendo sido confirmada a sentença recorrida, tendo a decisão condenatória transitado em julgado quanto aos aqui recorridos em 29 de Novembro de 2018.

jj) Entretanto, os aqui recorrentes interpuseram o recurso de revisão constante de fls. 2 a 15 do Processo n.º 191/14.3TBPBL-B (aqui dado por integralmente reproduzido), tendo tal peça processual sido transmitida a Tribunal por transmissão electrónica de dados em 16 de Abril de 2018.

ll) Por despacho de 23 de Abril de 2018 (aqui dado por reproduzido), proferido no âmbito de tal Apenso B (e aí constante de fls. 40 a 41), foi liminarmente indeferido tal recurso de revisão, pelo facto de o mesmo não ter sido instruído com certidão atestando o trânsito em julgado da sentença condenatória quanto aos co-arguidos não recorrentes (entre eles, M (…) e R (…)) no Processo Comum Singular n.º 804/15.0T9PBL.

mm) Desta decisão foram os aqui recorrentes notificados por notificação expedida electronicamente pela secção em 23 de Abril de 2018.

nn) Os recorrentes intentaram o recurso de revisão constante de fls. 2 a 15 dos presentes autos, tendo o mesmo sido expedido a este Tribunal por transmissão electrónica de dados em 2 de Janeiro de 2019.


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O caso julgado formal.

O despacho em causa é de 23.01.2019 e corresponde ao previsto no art. 699º do CPC.

Trata-se de um despacho liminar, tabelar, de admissão do recurso, no qual o Tribunal ordena a notificação pessoal dos Recorridos para responderem.

Ora, nem o artigo impõe a verificação imediata da caducidade, nem os Recorridos ficam impedidos de levantar essa questão.

O despacho não conheceu da concreta questão da caducidade.

Assim, nestas limitações, o despacho em causa não faz caso julgado formal sobre a questão da caducidade.


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A tempestividade da resposta de 25.3.2019.

Esta questão não foi colocada ao Tribunal em 1ª instância, sendo nova.

O articulado foi implicitamente admitido e notificado para contraditório dos Recorrentes.

Estes também não recorreram de imediato contra a admissão do articulado (ver art.644º, nº 2, d), do CPC).

Sendo a questão nova, para a Relação, importa lembrar que os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis (A. Geraldes, Recursos, 3ª edição, 2010, Almedina, página 104.).

Por tudo isto, não se conhece a referida questão.


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O requerimento de 15.2.2019, não subscrito por advogado.

Esta questão é completamente irrelevante para este recurso.

E o Tribunal recorrido chegou a pronunciar-se sobre o papel subscrito pela parte, sem apoio técnico do seu mandatário, não o admitindo.


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A omissão de pronúncia relativa à alínea c) do art.696º do Código de Processo Civil.

Os Recorrentes identificaram com toda a clareza que o seu recurso de revisão se fundamentava na alínea b) do art. 696º do CPC, sendo a falsidade dos testemunhos a causa de pedir.

Foi sobre isso que contestaram os Recorridos.

E foi relativamente a ela que foi conferida a caducidade.

Assim, quer no contraditório concedido sobre a exceção, quer agora, não era possível aos Recorrentes alterar o fundamento do recurso, atitude equivalente a uma alteração da causa de pedir, proibida nos termos do art. 265, n.º 1, do CPC.

Para além disso, invocar a sentença como documento, para efeitos da referida alínea c), não é legalmente correto. Com o devido respeito, uma sentença não é um documento. Este, conforme o art. 362º do Código Civil, é “qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”. Ora, uma sentença não reproduz nem representa uma pessoa, coisa ou um facto, é antes um juízo sobre pessoas, coisas ou factos.


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            A reapreciação da impugnada matéria de facto.

            Estão em causa os factos assentes em q), u), gg) e jj).

            Em primeiro lugar, ao contrário do defendido pelos Recorrentes, perante a exceção invocada pelos Recorridos (a caducidade do direito dos primeiros, pelo conhecimento dos factos que são pressupostos da revisão em 2015), aqueles primeiros estavam obrigados a pronunciar-se sobre o facto na concedida resposta à contestação, sob pena de tal facto ficar admitido por acordo (art.574º, nº 2, do Código de Processo Civil).

            De qualquer maneira, considerando o que está em causa nesta apelação, concretamente os pontos de referência temporal para a discussão pretendida da caducidade, a impugnação dos referidos pontos é totalmente irrelevante. Aqueles factos não são os essenciais.

Não é relevante saber por quem ou a qualidade em que foram pedidas as cópias das declarações, também porque o conhecimento da falsidade que tinha sido alegado no art. 26 da “contestação” ao recurso de revisão não foi dado como provado ou considerado. Esta não prova prejudicaria antes os Recorridos.

            Como também entendido infra, não é o dia 6.2.2015 e o conhecimento da carta da testemunha, enviada ao processo original, que interessam. O que é relevante e foi relevante para a decisão é o facto assente em s) – a queixa criminal apresentada – e esse não foi impugnado.

            No que diz respeito à al.gg), é certo que seria considerável toda a sentença penal. Porém, o conhecimento considerado relevante é exterior e anterior à sentença.

            No que diz respeito à al.jj), importa assinalar que o relevante está antes na al.ll). Não interessa também fixar que “a peça processual foi transmitida a Tribunal por transmissão eletrónica de dados em 16 de Abril de 2018”.

Como já assinalado por esta secção no acórdão de 24.9.2019, proc.3960/16, em www.dgsi.pt, “a impugnação da matéria de facto consagrada no art. 640º do NCPC não é uma pura actividade gratuita ou diletante.

“Se ela visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, ela tem, em última instância, um objectivo bem marcado. Possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à eventual nova realidade a que se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Isto é, que o enquadramento jurídico dos factos tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada.

“Assim, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante ou insuficiente para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada.

“Por isso, nestes casos de irrelevância ou insuficiência jurídica, a impugnação da matéria de facto não deve ser conhecida sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (vide A. Geraldes, ob. cit., nota 11. ao art. 712º, pág. 298, e Ac. desta Relação de 12.6.2012, Proc.4541/08.3TBLRA, em www.dgsi.pt).

“Isto porque, a alteração da matéria de facto, nos pontos precisos que forem impugnados será irrelevante ou insuficiente se nenhuma interferência tiver na dita solução de direito.” (Fim da citação.)

Pelo exposto, tendo em conta que a impugnação deduzida pelos Recorrentes visa factos que são irrelevantes, face à decisão a tomar, não se conhece a referida impugnação.


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A (in)tempestividade do recurso de revisão.

No caso, os Recorrentes alicerçam o recurso de revisão na falsidade dos depoimentos prestados por R (…) e M (…), na qualidade de testemunhas, na audiência final que teve lugar na ação declarativa a que o presente recurso corre por apenso, tendo invocado a alínea b) do art.º 696.º do CPC.

Considerando os elementos histórico e literal do preceito, seguimos a interpretação que entende que é desnecessária a comprovação da falsidade em ação prévia e autónoma.

(Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13/12/2017, proc. 2178/04, da Relação de Coimbra de 06/11/2018, proc. 46/81, da Relação do Porto de 11/04/2018, proc. 402/12 e da Relação de Lisboa de 06/07/2017, proc. 2178/04, todos em www.dgsi.pt; A. Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 406.)

Depois, releva para a questão a previsão contida na alínea c) do nº 2 do art.º 697.º do CPC, ou seja, o conhecimento do facto que serve de base à revisão.

Este facto é a falsidade dos depoimentos identificados.

O conhecimento da falsidade ocorre antes da respetiva queixa que a denuncia.

A sentença condenatória criminal ajuíza que a falsidade ocorreu, não é ela própria que cria o conhecimento da falsidade. Dito de outra forma: a falsidade aconteceu, tomou-se conhecimento dela e denunciou-se; depois, no processo adequado, julgou-se que a falsidade denunciada realmente ocorreu.

Conhecida a falsidade, o interessado tem 60 dias para interpor o recurso de revisão, sabendo que tem possibilidade de a discutir na fase rescindente do recurso. E, como previsto no dito art.º 697.º, n.º 5, se entender que a prova do que diz fica facilitada com a sentença que espera no processo crime, é-lhe aberta também a possibilidade de requerer a suspensão da instância até que transite em julgado tal decisão.

Neste momento já está em causa a prova do facto e não o facto em si mesmo.

No caso, apurou-se que os Recorrentes, no dia 25 de Maio de 2015, apresentaram queixa no Ministério Público contra as referidas testemunhas, alegando a falsidade dos seus depoimentos na audiência de julgamento realizada na ação declarativa n.º 191/14.3TBPBL, em 5 de Fevereiro de 2015.

A partir daquela data, o prazo em causa iniciar-se-ia.

Porém, o recurso de revisão depende do trânsito em julgado da decisão a rever, o que só aconteceu em 2016.

A partir desse trânsito, já os Recorrentes podiam exercer o respetivo direito e intentar o recurso de revisão (ver art.º 329.º do Código Civil).

Fazendo-o só em 2019, mais de 2 anos depois, é facilmente perceptível que os 60 dias referidos foram ultrapassados.

Não interferem com a decidida caducidade os factos assentes em ee) e ll).

A referência feita na fundamentação do acórdão que decide a nulidade, no processo original, e a decisão no anterior recurso de revisão não têm a força ou a autoridade de caso julgado relativamente ao presente, quer porque a primeira não decide a questão em análise, fazendo a afirmação lateralmente, quer porque a segunda não envolveu os Recorridos.


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            A litigância de má fé.

            A que está em causa só pode ser a verificável nestes autos, não pode ser a ocorrida em processos anteriores.

Nestes autos, o processo findou pela verificação da caducidade legal invocada pelos Recorridos, sendo certo que não se retira do seu único articulado qualquer fundamento para enquadrar na noção de litigância de má fé.

Por tudo isto, não merece censura a decisão recorrida.


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Decisão.

Julga-se improcedente o recurso e confirma-se a decisão recorrida.

As custas (limitadas a taxa de justiça e custas de parte) são pelos Recorrentes, vencidos.

Coimbra, 2019-01-21

Fernando Monteiro ( Relator )

Ana Vieira

António Carvalho Martins