Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
93/12.8PFLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: AUDIÊNCIA NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO DA SENTENÇA
RECURSO
Data do Acordão: 02/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - 3º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: NÃO SE TOMOU CONHECIMENTO DO RECURSO
Legislação Nacional: ART.ºS 386º, N.º 1, 113º, N.º 9 E 333º, N.º 5, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 386º, n.º 1, 113º, n.º 9 e 333º, n.º 5, do C. Proc. Penal, nas situações previstas nos n.ºs 2 e 3, do último dos normativos referidos, decorrendo a audiência de julgamento na ausência do arguido, este deve ser notificado da sentença condenatória, não se iniciando o prazo para a interposição do recurso antes dessa notificação.
A notificação da sentença ao arguido, nos específicos casos previstos no n.º 5, do artigo 333.º, deve assumir natureza pessoal.
Na eventualidade de o mandatário/defensor interpor recurso da sentença condenatória proferida contra arguido, ausente na audiência de discussão e julgamento, antes deste da mesma ter sido notificado, não deve o recurso ser objecto de admissão e de conhecimento pelo tribunal superior.
Não obstante o recurso em causa ter sido (prematuramente) admitido no tribunal a quo, ocorre uma circunstância obstativa do conhecimento do mesmo, qual seja a de o arguido, julgado na sua ausência, não estar notificado da sentença condenatória, sendo ainda certo que, nos termos do disposto no artigo 414º, n.º 3, do mesmo Código, o despacho que o admitiu não é vinculativo para este Tribunal da Relação.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. No 3.º Juízo Criminal de Leiria, após julgamento, em processo sumário, realizado sem a presença do arguido A..., melhor identificado nos autos, que ao mesmo faltou injustificadamente, aquele foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão, a cumprir em regime de dias livres, nos termos do disposto no artigo 45.º do Código Penal, durante 60 períodos, de 36 (trinta e seis) horas cada um, entre as 9 horas de sábado e as 21 horas do dia seguinte (domingo), com início no segundo fim-de-semana subsequente ao trânsito em julgado da sentença.
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2. Da sentença, da qual o arguido ainda não se encontra notificado, foi interposto recurso subscrito pelo seu Defensor Oficioso, com os fundamentos que constam de fls. 54 e 55 destes autos.
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3. O Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso (cfr. fls. 73).
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4. O recurso foi admitido, por despacho de fls. 66.
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5. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto finalizou o seu parecer com a seguinte base conclusiva:
«Deste modo e aderindo a tais fundamentos somos de parecer não dever ser o recurso admitido, porque o arguido ainda não se mostra pessoalmente notificado da sentença condenatória e tal obsta ao conhecimento do recurso, uma vez que não se encontram reunidos todos os pressupostos processuais, relativos ao prazo do recurso, para o efeito.
Nestes termos, face ao exposto, somos de parecer que deverá ser ponderado o reenvio dos autos para a 1.ª instância onde decorrerão os ulteriores termos de acordo com as normas processuais referidas, que são prévias à eventual instauração de recurso».
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6. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º, do Código de Processo Penal, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.
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II. No exame preliminar do processo, o relator pronunciou-se no sentido da existência de uma circunstância que obsta ao conhecimento do recurso já interposto nos autos.
Vejamos:
Como já acima ficou dito, da sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância tão-só o Defensor Oficioso do arguido, foi notificado.
No que ao arguido diz respeito, como se colhe de fls. 57 e 60, a solicitação, à PSP de Leiria, traduziu-se em “certidão negativa”, com o seguinte conteúdo: «certifico que a pessoa referida no presente mandado não foi notificada, por não residir na morada indicada, desconhecendo-se o seu actual paradeiro».
Ora, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 386.º, n.º 1, 113.º, n.º 9 e 333.º, n.º 5, do CPP, nas situações previstas nos n.ºs 2 e 3 do último dos normativos referidos, decorrendo a audiência de julgamento na ausência do arguido, este deve ser notificado da sentença condenatória, não se iniciando o prazo para a interposição do recurso antes dessa notificação.
Seguindo de muito perto a recente decisão sumária proferida neste Tribunal da Relação em 08-02-2012, no âmbito do processo n.º 161/03.7GAMIR.C2 (publicada em www.dgsi.pt), afigura-se-me incontroverso que a notificação da sentença ao arguido, nos específicos casos previstos no n.º 5 do artigo 333.º, deve assumir natureza pessoal Cfr., v. g., Acs. do TC n.ºs 312/05 e 422/05, in www.tribunalconstitucional, da Relação do Porto de 21-02-2007 (proc. n.º 0646069), da Relação de Coimbra de 26-09-2007 (proc. n.º 255/01-1PBTMR-A.C1) e da Relação de Guimarães de 10-03-2003, os dois últimos publicados no sítio www.dgsi.pt..
O que se pode questionar é se, na eventualidade de o mandatário/defensor interpor recurso da sentença condenatória proferida contra arguido, ausente na audiência de discussão e julgamento, antes deste da mesma ter sido notificado, deve o recurso ser objecto de admissão e, nesse caso, de conhecimento pelo tribunal superior.
Diversamente da posição assumida, em sentido positivo, por Paulo Pinto de Albuquerque In Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 821., entendemos que não.
Efectivamente, as razões determinantes da exigência legal de notificação da sentença tanto ao arguido como ao seu defensor radicam na necessidade de garantir um efectivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele em ordem a disponibilizar ao segundo todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se recorre ou não e os termos em que impugna.
Além disso, no campo das hipóteses, uma vez notificado da sentença, pode o arguido cortar a ligação antes estabelecida, por via do mandato conferido ou da nomeação oficiosa, com o mandatário já constituído ou com o defensor que lhe fora nomeado, conferindo a sua defesa, alargada à interposição de recurso, a diversa individualidade.
Assim, tendo por referência o princípio do direito de defesa constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, louvamo-nos nas considerações dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, deste teor In Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas, Coimbra Editora, págs. 832/833.: «o termo inicial do prazo do trânsito em julgado da sentença resultante de audiência, inclusive a leitura, que decorreu sem a presença do arguido só começa a correr com a sua notificação ao próprio, o que significa que o recurso que tenha sido interposto pelo seu defensor não pode ser admitido, por manifesta intempestividade».
O mesmo entendimento foi assumido no Ac. da Relação do Porto n.º 1349/06.4TBLSB, onde ficou referido: «… No caso de julgamento na ausência do arguido … (artigo 333.º, do CPP), o prazo para a interposição do recurso conta-se a partir da notificação da sentença ao arguido. Este prazo é peremptório …, estabelece o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado (terminus intra quem) …; é extemporânea a interposição do recurso pelo defensor antes de realizada a notificação da sentença ao arguido …».
Em síntese conclusiva: não obstante o recurso em causa ter sido (prematuramente) admitido no tribunal a quo, ocorre, como acima ficou dito, uma circunstância obstativa do conhecimento do mesmo, qual seja a de o arguido, julgado na sua ausência, nos termos supra expostos, não estar notificado da sentença condenatória, sendo ainda certo que, nos termos do disposto no artigo 414.º, n.º 3, do CPP, o despacho que o admitiu não é vinculativo para este Tribunal da Relação.
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III. Posto o que precede, decide-se não tomar conhecimento do recurso, por ser prematura a sua apreciação, em consequência de o arguido A... ainda não estar notificado da sentença proferida neste processo.
Sem tributação.
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[Consigna-se que a decisão foi elaborada e integralmente revista pelo relator, o signatário – artigo 94.º, n.º 2, do CPP]
Coimbra, 6 de Fevereiro de 2013

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(Alberto Mira)