Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1480/12.7TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CONTRATAÇÃO
NULIDADE DO CONTRATO
Data do Acordão: 01/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 23/2004, DE 22/06.
Sumário: I – No domínio da legislação vigente até à Lei nº 23/2004, de 22/06, não era admissível a contratação sem termo na Administração Pública, como decorre dos artºs 9º do DL 184/89, de 2/06, e 14º e 43º, nº 1 do DL nº 427/89, de 7/12.

II – A Lei 23/2004, de 22/06, passou a prever a possibilidade de contratação sem termo no seio da Administração Pública – artº 1º, nº 2, e 2º, nº 1.

III – No artº 5º deste diploma define-se a obrigatoriedade de sujeição da contratação por tempo indeterminado a um processo prévio de selecção subordinado aos princípios da publicitação da oferta de trabalho, da igualdade de condições e oportunidades e fundamentação da decisão de contratação em critérios objectivos.

IV – Um contrato de trabalho que não tenha obedecido a tais pressupostos é nulo, produzindo apenas efeitos em relação ao tempo durante o qual esteja em execução, nos termos do artº 115º, nº 1 do CT/2003 (ou 122º do CT/2009).

V – Porém, tendo-se mantido a relação contratual e a sua execução e tendo essa relação passado a ser válida como contrato de trabalho por tempo indeterminado, por regime jurídico que o permita, nos termos do artº 125º, nº 1 do CT/2009 o contrato nulo deve considerar-se convalidado desde o início da sua execução.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora instaurou contra a ré a presente acção declarativa sob a forma de processo comum pedindo que se declare ilícito e ilegal despedimento declarado pela ré e, em consequência, seja ela condenada a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou em alternativa, se assim o desejar e optar, no pagamento de indemnização de € 2.400,00 a que acresce a quantia de € 800,00 bem como, mensalmente, igual quantia de € 800,00 até ao trânsito em julgado da decisão final e ainda a quantia de € 4.000,00 a título de danos não patrimoniais, bem como juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que iniciou, após um estágio profissional que decorreu de 17/11/2003 a 15/11/2004, um período ininterrupto de actividade profissional sob as ordens, direcção e dependência económica do F.... que se prolongou até 15/11/2010, data a partir da qual passou a exercer, nas mesmas condições, tal actividade para a ré e que, pese embora essa actividade profissional ter sido exercida ao abrigo de denominados contratos de prestação de serviços, de trabalho temporário e de trabalho a termo certo, a verdade é que o vínculo que manteve, primeiro com o F...: e depois com a ré, configura uma relação de trabalho subordinada e por tempo indeterminado. Defendeu, por isso, que a comunicação, com data de 26/09/2011, que a ré fez por escrito, da intenção da não renovação do contrato de trabalho a termo e da cessação do mesmo em 15/11/2011 é um despedimento ilícito. Alegou ainda que, em virtude da cessação do seu contrato de trabalho, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais indemnizáveis em montante a fixar pelo Tribunal.

Concluiu, pedindo que a ré seja condenada a reconhecer que o contrato de trabalho é um contrato de trabalho sem termo que lhe foi transmitido pelo F.... e, consequentemente, seja declarada ilícita a comunicação pela mesma feita em 26/09/2011, por consubstanciar um despedimento ilícito, e que a ré seja condenada na sua reintegração e no pagamento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais à mesma causados. Subsidiariamente, no caso de se entender que não houve transmissão do contrato de trabalho do F.... para a ré, pede que esta seja condenada a reconhecer que tal contrato de trabalho é um contrato de trabalho sem termo e, consequentemente, seja considerada a comunicação feita em 26/09/2011 como um despedimento ilícito e bem assim que a ré seja condenada a reintegrá-la e a pagar-lhe todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados, nomeadamente as retribuições que deixou de auferir até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.

A ré apresentou contestação em tempo, suscitando a incompetência em razão da matéria do tribunal (excepção que foi, depois, julgada improcedente no despacho saneador) e alegando que nunca existiu qualquer contrato de trabalho entre autora e o F...., mas apenas contratos de prestação de serviços e contratos de trabalho temporário que celebrou com empresas de trabalho temporário, e que o contrato de trabalho a termo certo celebrado em 15/11/2010 entre ambas é válido porque se verifica o motivo justificativo de tal celebração previsto na al. a) do n.º 4 do art.º 140.º do CT. Declarou oposição à reintegração da autora, alegando que esta pretende a reintegração numa relação jurídica laboral de emprego público, o que não é admissível face ao estatuído no art.º 47.º da CRP. Concluiu pela improcedência da acção.

Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: 1. declarou e condenou a ré a tal reconhecer que o contrato de trabalho da autora é um contrato de trabalho por tempo indeterminado, cuja validade se retroage à data de 16/11/2004; 2. declarou, e condenou a ré a tal a reconhecer, que a comunicação de 26/09/2011, através da qual deu a conhecer à autora a cessação do seu contrato de trabalho em 15/11/2011, configura um despedimento ilícito e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora: a) a indemnização substitutiva da sua reintegração, prevista no art.º 391.º do CT, a qual ascendia, na data da sentença, ao montante de € 12.358,08; b) as retribuições que a autora deixou de auferir desde a data do despedimento (15/11/2011) até ao trânsito em julgado da sentença, às quais se terá de deduzir a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção. No mais absolveu a ré do peticionado.

É desta decisão que, inconformada, a ré vem apelar.

Alegando, conclui:

[…]

A autora apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.

No seu parecer, pronunciou-se a Exmª Procuradora-geral Adjunta no sentido de se negar procedência ao recurso interposto pela ré.


*

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto              

Do despacho que decidiu a matéria de facto é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

[…]


*

2. De direito

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.

Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:

- qual o regime do contrato de trabalho mantido entre por um lado a ré e a sua antecessora e, pelo outro lado, a autora, entre 16/11/2004 e 15/11/2010;

- se o termo resolutivo aposto no contrato celebrado em 15 de Novembro de 2010 é ou não válido.

2.1. a questão do regime do contrato de trabalho mantido entre 16/11/2004 e 15/11/2010:

Importa começar por referir que a ré, Fundação F..., foi instituída através do Dec. Lei n.º 98/2009, de 28/04, que entrou em vigor 28/05/2009, o qual a constitui como pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública, dotada de personalidade jurídica, conforme o art. 4.º daquele DL. E nos termos do seu art. 1.º foi extinto o Centro F..., acrescentando os arts. 3.º e 6.º que a Fundação F... sucedia àquele Instituto Público no conjunto dos seus direitos e obrigações, bem como na prossecução dos seus fins e atribuições de serviço público e eram tranferidos para ela os direitos e obrigações, bem como a universalidade dos bens móveis e imóveis de que fosse titular o F.....

A 1.ª instância concluiu que a partir de 16/11/2010 a autora manteve um contrato individual de trabalho com o F.... por tempo indeterminado, embora nulo por violação de disposições imperativas de forma e relativas ao regime de recrutamento por concurso aplicáveis à Administração Pública. Mais concluiu que tendo as obrigações decorrentes de tal contrato nulo sido transmitidas à ré, Fundação F..., o contrato se convalidou desde a data do seu início, uma vez que cessara a causa de invalidade e que se relacionava com a natureza de instituto público do F...., na medida em que aquela Fundação tinha já a natureza de pessoa colectiva de direito privado, tudo ao abrigo do disposto no art. 125.º do Código do Trabalho de 2009 o qual estabelece que cessando a causa da invalidade durante a execução do contrato de trabalho (nulo), este considera-se convalidado desde o início da execução.

A conclusão de que a relação contratual entre a autora e o F...., primeiro, e a Fundação F..., depois, se tratou de contrato de trabalho (não obstante as várias formas escritas adoptadas para o enquadrar, sob a capa de contratos de prestação de serviço e contratos de utilização de trabalho temporário) não está colocada em crise no recurso, pelo que deve entender-se que em relação a essa questão se formou caso julgado.

A questão que deve ser tratada, por força do recurso, é a de saber qual o regime que se lhe deveria aplicar e se era possível extrair as consequências afirmadas na sentença recorrida.

A apelante entende que a legislação aplicável era “a dos Decretos-Lei n.ºs 427/89 de 07 de Dezembro, Lei n.º 23/2004 de 22 de Junho e Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro”, discordando que a declaração e os efeitos de tal invalidade estejam fundamentados no Código do Trabalho.

Vejamos:

A relação contratual entre as partes teve o seu início em 16/11/2004.

Por isso, teve o seu começo na vigência (entrado em vigor, em 1.12.2003) do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 98/2003, de 24 de Agosto.

Assim, a questão da qualificação do contrato deve ser aferida à luz do regime jurídico-laboral que vigorava antes do CT/2009, uma vez que o n.º 1 do art.º 7.º Lei n.º 7/2009, estipula que ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho os contratos de trabalho celebrados antes da sua entrada em vigor, “salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”. Nessa medida, o contrato, sendo eventualmente de trabalho subordinado, convoca o regime do CT/2003 – v. a este propósito o Ac. do STJ de 10/11/2010 (in www.dgsi.pt, proc. 3074/07.0TTLSB.L1.S1).

Tratando-se o F.... de um instituto público, integrado na Administração Pública era-lhe aplicável, em matéria da constituição, modificação e extinção da relação laboral, a Lei 23/2004, de 22.06, que entrou em vigor aos 22.07.04 (cfr. art. 31º) e que veio definir o regime jurídico do contrato de trabalho nas pessoas colectivas públicas, antes regulado sucessivamente pelos DL 184/89, de 2 de Junho, alterado pela Lei 25/98, de 26 de Maio, e pelo DL 427/89, de 7 de Dezembro, diploma este alterado pelo DL 218/98, de 17 de Junho.

No domínio da legislação vigente até à Lei 23/2004, não era admissível a contratação sem termo na Administração Pública, como decorre dos arts. 9.º do DL 184/89, de 02.06, e 14.º e 43.º, n.º 1, do DL 427/89, de 07.12.

A Lei 23/2004, de 22.06, passou a prever a possibilidade de contratação sem termo no seio da Administração Pública.

O referido diploma estabelece no art. 1º, n.º 2 que “[p]odem celebrar contratos de trabalho o Estado e outras pessoas colectivas públicas nos termos da presente lei”. E no art. 2.º nº 1 que “[a]os contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação com as especificidades constantes da presente lei” (sublinhado nosso).

No art. 5.º define-se a obrigatoriedade de sujeição da contratação por tempo indeterminado a um processo prévio de selecção subordinado aos princípios da publicitação da oferta de trabalho, da igualdade de condições e oportunidades e fundamentação da decisão de contratação em critérios objectivos e no art. 8.º sujeita-se a celebração dos contratos de trabalho a forma escrita.

Assim, embora tendo o contrato de trabalho tido início na vigência desta lei, não obedeceu aos requisitos na mesma estabelecidos e por isso tem de se considerar nulo, tal como se reconheceu na sentença da 1.ª instância. O mesmo sucederia – tal como a ré invoca – caso de o contrato se pudesse dividir em vários e sucessivos contratos a termo, já que então não teriam sido observadas as normas que impunham a sua redução a escrito e precedência de procedimento concursório (art. 8.º e art. 9.º n.º 4 da Lei 23/2004).

O quadro do regime consequencial da invalidade deveria ser aferido à luz Código do Trabalho de 2003, como dissemos, para o qual a Lei 23/2004 remete.

A apelante invoca, todavia, a aplicabilidade da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro (que aprovou o regime do contrato de trabalho em funções públicas - RCTFP).

Essa Lei foi aprovada em desenvolvimento do art. 87.º da Lei 12-A/2008, de 27/2, e que estabeleceu os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas.

O artigo 88.º n.º 3 dessa Lei determina que os trabalhadores contratados por tempo indeterminado que exercem funções em condições diferentes das referidas no art. 10.º (ou seja, em regime de nomeação nos sectores do Estado ali referidos) mantêm o contrato com o conteúdo decorrente dessa mesma Lei – o seja, o do contrato de trabalho em funções públicas.

Significa isto que, como o contrato de trabalho da autora era nulo, o seu contrato nunca se poderia manter como contrato de trabalho em funções públicas, sob pena de se encontrar uma convalidação extraordinária do contrato, pelo que não é possível aplicar o regime da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro.

Ainda assim, diga-se que na hipótese de ser de considerar aplicável o regime dessa Lei, a mesma contém norma quanto aos efeitos da invalidade do contrato e sua convalidação em tudo idênticas às consideradas pela 1.ª instância (v. arts. 83.º e 84.º).

De outro modo, caso se considerasse que a autora estava nas condições referidas no n.º 3 do citado art. 88.º da Lei 12-A/2008, de 27/2, o art. 9.º n.º 1 do Dec. Lei n.º 98/2009, de 28/04, que instituiu a Fundação F..., dispõe que aos trabalhadores que reunissem essas condições era aplicável o regime contido no n.º 1 do art. 7.º do RCTFP que remete para o regime do art. 16.º da Lei n.º 23/2004, o qual por sua vez estabelece que os contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas se transmitem para quem venha a prosseguir as respectivas atribuições, haja ou não extinção da pessoa colectiva pública, nos termos previstos no Código do Trabalho. Assim, por essa via, também o contrato individual da autora se transmitiria enquanto tal para a ré, subordinado ao regime do Código do Trabalho e não do RCTFP.

Por outro lado, o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 92º da Lei n.º 59/2008, invocados pela apelante, e que se referem à impossibilidade de conversão dos contratos a termo em contrato por tempo indeterminado, não teria aplicação de qualquer modo, já que no caso dos autos a situação não é a de referida conversão, no âmbito da relação iniciada e mantida pelo F...., mas antes a do regime da nulidade do contrato e dos seus efeitos enquanto em execução. A questão da convalidação que permitiria afirmar a sólida vigência do contrato para o futuro não se aplica já no confronto com o F...., mas antes no confronto com a ré que é uma pessoa colectiva de direito privado.

Dito isto, temos que considerar que o contrato de trabalho nulo se transmitiu para a ré na posição de empregador, uma vez que se manteve em execução no quadro da actuação da mesma ré, sucedendo esta nas obrigações do F...., sendo certo que produziu efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, nos termos do art. 115.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 (que tem redacção similar ao art. 122.º do Código do Trabalho de 2009).

Mantendo-se a execução do contrato, como se manteve, substituindo-se a ré na posição do anterior empregador ope legis, importa reconhecer que o contrato se convalidou nos termos descritos na sentença da 1.ª instância. Na verdade, a causa da invalidade cessou já que decorria da natureza do F.... como pessoa colectiva pública. Mantendo o contrato em execução, para a celebração do contrato de trabalho não era já necessária a forma escrita para a sua validade, nem o procedimento concursório.

Quando manteve aquela relação contratual e a sua execução, ela passou a ser válida como contrato de trabalho por tempo indeterminado, já que este não depende de observância de forma. E, nos termos do disposto no art. 125.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 (que se deve considerar o aplicável, já que a constituição da ré é um facto observado na sua vigência), o contrato nulo deve considerar-se convalidado desde o início da sua execução (em 16/11/2004).

Nessa medida, a conclusão expressa na sentença está certa, a nosso ver.

2.2. a questão de saber se o termo resolutivo aposto no contrato celebrado em 15 de Novembro de 2010 é ou não válido:

Importa começar por referir que, tendo a ré surgido em 28 de Maio de 2009, da conjugação dos factos 45. e 46. se pode retirar que a actividade exercida pela autora desde que a primeira foi constituída não se alterou, assim como não se alterou o local de trabalho, assim como não se alteraram os instrumentos de trabalho colocados ao seu dispor, a sua retribuição, e bem assim como não se alterou o respectivo horário de trabalho fixado até ao dia 15 de Novembro de 2010, data em que foi dado a assinar à autora o contrato de trabalho a termo certo junto a fls. 75-78.

Por tudo o que se disse, foi declarada a aposição de um termo a um contrato que não tinha termo.

Tendo em conta todas as vicissitudes que se verificaram no contrato de trabalho da autora, “maquilhado” indevidamente como contratos de prestação de serviço e contratos de utilização de trabalho temporário, parece-nos ressaltar que o que foi “dado” a assinar à autora se prendia com mais um expediente de gestão para adiar o reconhecimento do vínculo por tempo indeterminado. Impressiona nesse sentido, a carta que lhe foi endereçada em 22/6/2009 (facto 32.), assinada pelo presidente do conselho directivo do F..., responsável pelo processo de extinção do instituto público, e de acordo com a qual lhe comunicava que logo que o novo conselho de administração da ré assumisse funções lhe seria dirigido um convite para a celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado, em conformidade com despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local e, não obstante, desde a constituição da ré ainda tenha sido mantida a relação laboral sob a capa de um contrato de prestação de serviço e nove contratos de trabalho temporário (v. factos 29. a 44.).

A aposição de termo no contrato que já era de tempo indeterminado afigura-se-nos neste contexto desde logo nula por nos parecer evidente que se destinava a iludir as disposições que regulam o contrato sem termo (art. 147.º n.º 1 al. a) do Código do Trabalho de 2009).

Mas também é nula, como referiu a sentença da 1.ª instância, por falta de adequada justificação.

A estipulação de termo foi assim justificada (facto 51.) na respectiva cláusula 5ª do documento que a titula, sob a epígrafe de “duração do contrato”: “ao presente contrato, celebrado ao abrigo da alínea a) do n.º 4 do art.º 140.º do C.T., é aposto um termo resolutivo de um ano”. Em consequência, a 1.ª instância considerou a justificação insuficiente, considerando o contrato sem termo, nos termos do disposto no art. 147.º n.º 1 al. c) do Código do Trabalho de 2009.

A apelante entende que “passou a ser uma Fundação de Direito Privado, em contraposição à sua anterior índole de Instituto Público” e, por consequência, é «perfeitamente admissível e verosímil que a Ré considere que, ao iniciar as suas atribuições enquanto Fundação de Direito Privado, tenha iniciado uma nova “actividade ou laboração”, tal como é referido e permitido na a) do n.º 4 do art. 140.º do Código do Trabalho», defendendo que “seria de um atroz positivismo e de uma deveras desproporcional exigência exegética do elemento literal que se considerasse o termo aposto ao contrato nulo apenas pela falta da redacção da expressão literal, quando a situação que conduziu objectivamente e na realidade à contratação a termo se verificou e é facilmente comprovável”.

Vejamos:

O regime aplicável ao contrato a termo parte, sem dúvida, de uma regra central: a contratação por tempo determinado só deve ser admitida para satisfazer necessidades de trabalho objectivamente temporárias, de duração incerta ou de política de emprego.

Na formulação do artigo 140.° n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 (que estabelece que o “contrato a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”), está presente a admissibilidade do contrato a termo para satisfazer as necessidades de trabalho objectivamente temporárias.

Porém, no n.º 4 do referido art. 140.º estão presentes outros interesses atendíveis: a satisfação de necessidades de trabalho de duração incerta ou de política de emprego.

Nesta medida, a justificação fundada em início de laboração de empresa ou estabelecimento deve ser suficiente quando se invoque em concreto o início de laboração dessa empresa ou estabelecimento pertencente ao empregador, na medida em que estão em causa os interesses de diminuição do risco empresarial e de criação de emprego, já não a satisfação de necessidades temporárias ou transitórias do empregador.

Naquele n.º 4 al. a) vem dito que pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para “[l]ançamento de uma nova actividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou de estabelecimento pertencente a uma empresa com menos de 750 trabalhadores”.

Das três distintas situações elencadas, a mera referência da ré à norma em causa não permite identificar a qual delas se refere. Por muito simples e objectivo que possa ser o motivo e a sua percepção, não há identificação factual que permita perceber da leitura do documento escrito quais os reais e concretos motivos da aposição de termo.

Não pode assim considerar-se cumprida a obrigação formal de “menção expressa dos factos” que integram o motivo, imposta pelo n.º 3 do art. 142.º do Código do Trabalho.

E, ainda que a ré mencionasse expressamente o motivo que alega – início de “atribuições enquanto Fundação de Direito Privado” -, a verdade é que ele não seria compatível com a lei na situação factual descrita. A ré sucedeu na gestão de uma organização com actividade há muito iniciada, ou seja de uma empresa já em laboração. O motivo nunca poderia ser acolhido como integrante da norma invocada.

Nessa medida, a estipulação do termo sempre seria nula, como se reconheceu na 1.ª instância, ao abrigo da al. c) do n.º 1 do art. 147.º do Código do Trabalho.

Em consequência, nos termos dos n.ºs 1 e 3 desse mesmo artigo, o contrato considera-se sem termo, ou seja mantém-se sem termo já que fora iniciado como tal antes daquela estipulação, contando-se a antiguidade da autora desde o início da prestação do trabalho.

E, por isso, é adequado o juízo expresso na sentença recorrida de acordo com a qual a declaração de caducidade equivaleu a um despedimento ilícito, com as consequências que assinalou.

E, assim sucedendo, a apelação tem de improceder na totalidade, em conformidade com tudo o exposto.


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III- DECISÃO

Termos em que se delibera julgar improcedente a apelação

Custas no recurso a cargo da ré



  


 (Azevedo Mendes - Relator)

(Felizardo Paiva)

 (Jorge Loureiro)