Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
24484/16.6T8LSB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
LEGITIMIDADE ATIVA
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 06/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA, ALCOBAÇA, JUÍZO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 199.º, N.º 1, DO CPC E 20.º, N.º 1, DO CIRE
Sumário: 1. A nulidade processual decorrente de se ter iniciado a audiência de julgamento e se ter efectuado a produção da prova, sem que, previamente, tenha sido fixada a matéria de facto considerada como assente e controvertida, relevante para a decisão da causa, deve ser arguida logo no acto sob pena de se considerar sanada.

2. O titular de crédito litigioso tem legitimidade para instaurar acção de insolvência contra o pretenso (discutido) devedor.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... , residente na (...) Sobral de Monte Agraço, instaurou a presente ação especial requerendo a declaração de insolvência de B... e C... , casados, residentes na Rua (...) Peniche.

Fundamentou a sua pretensão no facto de ser titular de um crédito vencido titulado por três cheques no valor global de 40.000,00 €, devolvidos pelo sistema de compensação com a informação de falta de provisão, que deu à execução em meados de 2007, sem que tenha almejado até à data o seu pagamento e mostrando-se o património conhecido aos requeridos muito onerado.

Concluiu que os requeridos estão impossibilitados de cumprir com as suas obrigações (20.º n.º 1 al. a) do CIRE) e que o valor do seu crédito, pelo seu montante e circunstâncias que acompanham o incumprimento, indiciam que estão incapazes de satisfazer pontualmente o seu crédito (art.º 20.º n.º 1 al. b) do CIRE).

Com a petição inicial efectuou algumas menções do artigo 23.º n.º 2 als. b), d) e nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.

 

Citados os requeridos vieram deduzir oposição por excepção (dilatória) ao invocar a ausência de legitimidade processual da autora, com o fundamento em que o crédito a que esta se arroga, ser litigioso e ainda não se encontrar reconhecido por sentença, não obstante a pendência de processo judicial que o tem por objecto; a existência de litispendência ou de causa prejudicial com o processo executivo pendente e os seus incidentes declarativos (embargos); a ineptidão do requerimento inicial, com fundamento em a requerente não ter alegado a verificação de algum dos factores índices legalmente previstos e, por fim, impugnam especificadamente o alegado estado de insolvência em virtude do seu património ser suficiente para fazer face aos seus compromissos financeiros e por último que as dívidas pendentes são em número e montantes diversos dos alegados.

Conforme despacho proferido nos autos a 11.01.2017, constante de fl.s 269 a 272, foram apreciadas todas as excepções dilatórias invocadas pelos requeridos e em sentido negativo.

Especificando, considerou-se não ser inepta a p.i., com o fundamento em que, embora de forma sintética, a requerente, alegou os factos suficientes para que se dê por existente a situação de insolvência em que se encontram os requeridos, o que estes entenderam, atenta a oposição que deduziram; que as acções têm diverso objecto e finalidade, não se verificando litispendência nem se trata de questão prejudicial, bem como que a requerente é parte legítima, por ter interesse directo em demandar.

Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, com recurso à gravação dos depoimentos prestados, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 346 a 360, na qual se seleccionou a matéria de facto dada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final se declarou a insolvência dos requeridos, com as consequências daí decorrentes e expressamente referidas de fl.s 357 a 360, que aqui se dão por reproduzidos.

Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os requeridos, B... e mulher C... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 376), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

a) A requerente A... , requereu a Insolvência dos requeridos, alegando que, no âmbito da sua actividade comercial cedeu as quotas de uma sociedade que detinha em Lisboa, para além disso, vendeu aos requeridos um conjunto de equipamento (mobília) e de produtos de cosmética e de cabeleireiro de que era proprietária.

b) Verteu que, em 2007 intentou então o competente processo executivo n.º 18322/07.8YYLSB que corre termos no Tribunal Comarca de Lisboa - Inst. Central - 1ª Secção de Execução - J5, onde obteve vencimento no apenso dos embargos e posteriormente no recurso interposto pelos embargantes para o Tribunal da Relação de Lisboa.

c) Contabilizando o seu crédito, já com juros de mora vencidos, em montante próximo dos € 70.000,00 (setenta mil euros).

d) Citados para os termos dos autos, vieram os requeridos a deduzir oposição, suscitando a excepção dilatória, designadamente de ausência de legitimidade activa por parte da requerente, e a ineptidão do requerimento inicial, por ausência de alegação e verificação de algum(uns) dos factores índices previstos no nº 1 do artigo 20º do CIRE.

e) Em 11.01.2017 foi proferido despacho pré-saneador, que se encontra a fls. 207 a 210 dos autos, o qual indeferiu as excepções invocadas pelos requeridos.

f) Em 25.01.2017 realizou-se a audiência de discussão e julgamento, sem observância do disposto no nº 5 do artigo 35º do CIRE, ainda que, a acta elaborada nos autos (de fls. 277 a 282) contenha a menção expressa que fora proferido despacho saneador, bem como que, não foram apresentadas reclamações do mesmo.

g) Encontra-se vertido sob a acta a audiência de discussão e julgamento que foi proferido despacho saneador, antes da produção de prova, bem como que “Neste momento, foi dada a palavras aos Ilustres Mandatários para, querendo, reclamar do despacho que antecede.

Nessa sequência, disseram nada ter a opor ou a requerer”.

h) Porém, tal não corresponde à verdade, como se poderá comprovar pela audição das várias fachas do registo áudio de tal diligência.

i) O despacho saneador foi proferido após as alegações finais, isto é, após terminar a produção da prova, de forma sucinta, inaudível, de tal forma que o seu registo se encontra imperceptível – registo áudio gravado 11h44m03s a 11h45m15s.

j) Determina a lei que o Tribunal deverá seleccionar a matéria de facto relevante que considere assente e a que constitui a base instrutória, onde o Juiz selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida (artigo 596°, CPC), e que, por isso, deve ser objecto de prova.

k) Compulsados os autos, verifica-se que o Tribunal a quo, realizou a audiência de julgamento sem fixar a base instrutória, e as partes procederem à produção de prova sem conhecer matéria de facto relevante para a decisão da causa.

l) A omissão de um acto que a lei define como o início e finalidade da audiência de discussão e julgamento, constitui uma irregularidade com influência na decisão da causa.

m) Ora, nos termos do artigo 195º do CPC, aplicável por remissão do artigo 17º do CIRE, a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, produz nulidade da decisão.

n) Os requeridos alegaram a ilegitimidade da requerente para promover o pedido de insolvência, sustentando que à data da entrada da petição inicial, o crédito em causa afigurava-se como litigioso, isto é, que ainda não foi judicialmente reconhecido, por decisão transitada em julgado.

o) O crédito cuja titularidade a requerente se arroga e que serve de fundamento ao pedido de declaração de insolvência dos requeridos era litigioso, só tendo sido reconhecido em 10 de Janeiro de 2017, mediante acórdão do STJ, que se encontra a fls. 230 a 243 dos autos.

p) As circunstâncias do incumprimento por parte dos requeridos, no caso dos autos, não revelam a sua incapacidade de satisfazer a generalidade das suas obrigações, seja perante a requerente, ou, terceiros.

q) Com o merecido respeito por opinião contrária, uma vez que a legitimidade deve ser provada pelo requerente, parece que bastará ao devedor tornar duvidosa a existência do crédito para que o tribunal tenha de indeferir o requerimento de insolvência, sem prejuízo da possibilidade de o credor continuar a poder instaurar processo judicial para cobrança desse crédito.

r) E sendo o crédito litigioso, não podia afirmar-se, que a requerente é credora dos requerida, daí a ilegitimidade da requerente para formular o pedido de declaração de insolvência dos requeridos.

s) Os requeridos em sede de oposição verteram que a a requerente não indicou sob o seu petitório qual(is) as alíneas do nº 1 do artigo 20º do CIRE, em que enquadra o seu pedido.

t) Vertendo que, constitui ónus do requerente da insolvência a alegação e prova dos factores índices ou presuntivos da insolvência, sendo que só após a alegação de algum dos factores índice, passará a cumprir ao devedor o afastamento da presunção, mediante a prova da sua solvabilidade.

u) Alegando que, se tais factos não forem plasmados na petição ela é inepta e o pedido emerge manifestamente improcedente, sendo caso para indeferimento liminar - artigo 27º nº1 al a) do CIRE.

v) Sublinhe-se que a requerente nem sequer indicou o valor da acção no seu requerimento inicial, e o Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal facto, fixando o valor da causa mediante despacho em fase anterior ao julgamento.

w) A causa de pedir concretiza-se nos factos dos quais decorre a conclusão final de que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações, que tem de advir dos factos previstos na lei, esse ónus não foi cumprido pela requerente sob o seu petitório, onde a insuficiência de factos que possam preencher algum dos factores índice previstos no nº 1 do artigo 20 - importava a improcedência do pedido de declaração de insolvência.

x) Atendendo à prova documental e testemunhal produzida em audiência, o recorrente entende que a sentença relativa à matéria de facto não cumpre a lei substantiva, nem processual, porquanto dela constam como provados alguns factos para os quais, de acordo com as regras da produção da prova, deveriam ser dados como não provados.

y) Resulta do ponto nº 2.1.8, dos factos dados como provados em julgamento que: “2.1.8.

Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Óbidos um lote de terreno para construção sito na zona do (...) , com 983 m2 e um valor tributário de 17.016,62 €, e com as seguintes inscrições vigentes; hipoteca voluntária a favor da J..., EP, pela Ap. 3 de 24.09.1986 até ao VMA de 45.000.000$00; hipoteca voluntária a favor da J..., EP, pela Ap. 4 de 07.05.1987 até ao VMA de 47.500.000$00;(…)

z) Da consulta do documento de fls.264 a 267 dos autos que corresponde à certidão predial do lote de terreno pertença dos requeridos, podemos constatar que a Q... cedeu a sua posição à sociedade P..., e que esta vendeu o referido lote ao requerido marido em 25.03.1993 (AP 1).

aa) De facto, a sociedade que alienou o prédio ao requerido marido não cumpriu as suas obrigações junto da entidade financiadora, tendo sido objecto de uma execução ordinária que correu os seus termos junto do Tribunal Judicial das Caldas da Rainha, onde por decisão transitada em julgado foi determinado o cancelamento de todos os ónus aí registados.

bb) Não se afigurando como verdade, designadamente que o lote de terreno para construção sito na zona do (...) , com 983 m2 e um valor tributário de 17.016,62, na medida em que, existe nos autos uma certidão emitida pela AT, que quantifica  património dos requeridos (por um valor ainda assim baixo) de 134.729,98(Cfr. a este respeito documento de fls. 142 e 143 dos autos).

cc) Sustenta o Tribunal a quo, designadamente que, “A convicção do tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada fundou-se na análise crítica dos documentos juntos aos autos com a petição inicial e com a oposição, cujo teor autêntico se impôs por si mesmo ou pelo teor dos documentos particulares não impugnados. Ainda foi relevado o depoimento de parte prestado pelos requeridos e da testemunha indicada por estes quanto à avaliação do seu património imobiliário”.

dd) Atenta a prova documental e testemunhal produzida em audiência, o tribunal a quo não estava em condições de dar tais factos (2.1.8) como provados.

ee) Resulta do nº 2.1.11, dos factos dados como provados em julgamento que, “A sociedade G... , S.A., detém um crédito sobre o requerido no valor de 19.991,11 €; a S..., Lda detém um crédito sobre o requerido no valor de 14.963,95 €; F... detém um crédito sobre os requeridos no valor de 48.554,18 €; a N..., S.A detém um crédito sobre o requerido no valor de 1.180,04 €; a W ..., Investimentos Imobiliários e Turísticos Unipessoal Lda detém um crédito sobre o requerido no valor de 108.043,20 €; R... detém um crédito sobre o requerido de cerca de 16.200,00 €; A Fazenda Nacional detém um crédito global sobre os requeridos no valor de 21.619,81 €”.

ff) Os requeridos sustentaram sobre a sua oposição que liquidaram integralmente o crédito reclamado pela sociedade G... SA, juntando para prova do alegado a certidão actualizada do imóvel onde tal ónus se encontrava registado, onde se pode constatar que actualmente o mesmo já foi eliminado (Cfr. a este respeito documento de fls. 132 a 139).

gg) Relativamente à sociedade S... Ld.ª, os requeridos sustentaram que obtiveram vencimento na acção que lhes foi movida, decisão transitada em julgado, tendo posteriormente procedido ao cancelamento do AP 14 de 2006/04/10, o que se encontra igualmente confirmado na certidão predial por estes junta aos autos (Cfr. a este respeito documento de fls. 132 a 139) e documento ora junto sob nº 3).

hh) No que concerne ao crédito inscrito em nome de F..., que a requerente sustentou com base numa certidão predial desactualizada, alegando que tal débito decorria do processo executivo n.º 1824/08.0YYLSB, que corria termos nos Juízos de Execução de Lisboa, 3.º Juízo, 3.ª Secção), os requeridos alegaram o seu pagamento, juntando aos autos o requerimento de desistência do pedido, onde a exequente desiste do processo atento ao pagamento efectuado (Cfr. a este respeito documento de fls. 145 a 148).

ii) No que diz respeito ao alegado crédito detido pela sociedade N..., S.A, cuja execução foi declara extinta, por decisão transitada em julgado, os requeridos juntaram prova do requerimento por estes endereçado ao proceso executivo, no qual pedem a emissão de certidão para efeitos do cancelamento do registo (Cfr. a este respeito documento de fls. 96 a 99 e 107 a 109 dos autos).

jj) Relativamente à sociedade W ..., os requeridos verteram que se trata de um crédito litigioso, sustentando que o requerido marido teve em 2001 uma aplicação financeira junto do BES, que se encontra integralmente liquidado, que esta entidade cedeu a diversas ofshores e sociedades do seu universo, sucesivamente, sem conhecimento e consentimento dos requeridos um crédito que já se encontrava liquidado, consignando que o referido processo corre termos junto do Tribunal de Alcobaça, onde estes deduziram embargos.

kk) Solicitaram sob a sua oposição, em matéria de prova, que o Tribunal a quo solicitasse junto da Instância Central – 1.ª Secção de Execução – JI, Alcobaça, Comarca de Leiria, certidão que confirme tal facto, pedindo que a mesma atestasse a pendência e a falta de contestação aos embargos deduzidos. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o requerido, dando como provado a existência de um crédito que para além de litigioso se mostra como “criminoso”.

ll) Os requeridos sobre a sua lista dos cinco maiores credores, identificaram o Senhor R... como um crédito litigioso, a ser dirimido em sede judicial, no âmbito do processo nº 1098/07.6TBCTX-A, que corre os seus termos desde 2007, junto do 1.º Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo, Comarca de Santarém, onde se aguarda a decisão no apenso de embargos.

mm) Por último, no que se refere à Fazenda Nacional, os requeridos juntaram certidão emitida por esta entidade que atesta o pagamento do crédito inscrito pela requerente sob o seu petitório em 2005, alegando que se encontram a regularizar o montante ainda pendente mediante acordo, facto ese aceite pelo Tribunal a quo (Cfr. a este respeito documentos de fls. 222 e 223 e 268 a 269 dos autos).

nn) Ora, os documentos autênticos e particulares não impugnados demonstram que o Tribunal a quo ao dar como provado a existência dos créditos inscritos no ponto 2.1.11, não fez uma correcta apreciação do seu conteúdo, na medida em que, as certidões juntas aos autos demonstram que as dívidas ai inscritas não existem, ou, que tratando-se de créditos litigiosos, encontram-se a ser dirimidas em sede judicial.

oo) Não sendo seguramente obrigações vencidas, nem tão pouco revelando a impossibilidade de cumprimento por parte dos requeridos, aliás, é o próprio Tribunal a quo que sustenta sob a sentença proferida “Não se apuraram factos que permitam concluir que os requeridos suspenderam de uma forma generalizada o cumprimento de todas as suas obrigações vencidas, pelo que não podemos ter por minimamente.

pp) Ora, os créditos dados como provados a que se refere são os inscritos sob o ponto 2.1.11, que se mostram liquidados, ou, a serem dirimidos judicialmente, quanto ao crédito da autora, este efectivamente só se mostrou certo e exigível em 19 de Janeiro de 2017, quanto o Supremo Tribunal de Justiça emitiu decisão que não admitiu o recurso de revista (Cfr. a este respeito documento junto aos autos a fls. 238 a 246).

qq) Confrontando os factos dados como provados sob o ponto 2.1.11, com os depoimentos prestados pelos requeridos, com a prova documental constante dos autos, os recorrentes não podes deixar de concluir que houve um erro na apreciação da prova que inquina a decisão tomada.

rr) Os recorrentes, para além de não concordarem com a douta sentença recorrida no que diz respeito à matéria provada, discordam igualmente da matéria de facto dada como não provada, designadamente da constante do ponto 2.2.1.

ss) Verte o Tribunal a quo, para fundamentar a sua motivação que “Ainda foi relevado o depoimento de parte prestado pelos requeridos e da testemunha indicada por estes quanto

à avaliação do seu património imobiliário”.

tt) Ora, a única testemunha inquirida nos autos, foi o Dr. V..., cujo depoimento se encontra registado sob a faixa 7, 11h10m55s a 11h25m22s, aos autos disse que exerce as funções de Director Comercial da Sociedade CC..., que fez pessoalmente a avaliação dos dois imóveis referidos nos autos, que tinha consigo o referido documento, atribuindo aos mesmos o valor global de 405.000,00 Euros.

uu) Se o Tribunal a quo, considerou relevante o depoimento prestado por esta testemunha

quanto à questão da avaliação do património imobiliário, não se compreende que tenha dado como não provado o valor da avaliação por esta realizado, encontrando-se incorrectamente fundamentada a afirmação que o passivo seja superior ao activo.

vv) Note-se que os requeridos em sede de prova, ainda no âmbito da sua oposição quantificaram o seu património em 400.000,00 Euros, juntando para o efeito factos notórios, isto é, informação obtida publicamente junto das imobiliárias que operam naquela zona geográfica, (Cfr. a este respeito documentos juntos aos autos a fls. 151 a 154).

ww) O mesmo se diga relativamente ao ponto 2.2.5, que se refere ao crédito da autora, porquanto, se os requeridos não reconheciam o aludido crédito, e este encontrava-se a ser dirimido judicialmente, dificilmente se compreende que o Tribunal a quo tenha dado como não provado que os requeridos disponham de liquidez para satisfazer o crédito.

xx) Quanto às circunstancias actuais da vida dos requeridos, ambos encontram-se a trabalhar, auferindo um vencimento mensal bastante superior à média nacional.

yy) Com todo o respeito, não se percebe a que situação de incumprimento o Tribunal se refere, sendo notória que a forte oneração do património resulta de uma errada interpretação dos documentos que se mostram juntos aos autos.

zz) Dito isto, o incumprimento no caso dos autos não se mostra acompanhado de quaisquer circunstâncias que revelem a impossibilidade dos requeridos cumprirem e por outro lado que esta impossibilidade seja generalizada.

aaa) Confrontando os factos dados como não provados sob os pontos 2.2.1 e 2.2.5, com os depoimentos prestados pela testemunha supra citada, bem como, com a prova documental constante dos autos, os recorrentes não podes deixar de concluir que houve um erro na apreciação da prova.

bbb) Os recorrentes, para além de não concordarem com a douta sentença recorrida no que diz respeito à matéria de facto, discordam igualmente da interpretação e aplicação do Direito efectuada a estes mesmos factos.

ccc) Sublinha a decisão recorrida que a requerente alegou factos conducentes, na sua perspectiva, à verificação da situação prevista nas alíneas a) e b) do nº 1 do art.20.º do CIRE.

ddd) Vertendo “Não se apuraram factos que permitam concluir que os requeridos suspenderam de uma forma generalizada o cumprimento de todas as suas obrigações(…)”, ou seja, o tribunal a quo, estriba a sua decisão na alínea b) do nº 1 do artigo 20º do CIRE, isto é, na verificação da impossibilidade de satisfação da generalidade das obrigações, a qual se pode retirar do incumprimento de uma simples obrigação.

eee) Dos autos resulta que, mais do que uma impossibilidade geral, a qual foi dada como não provada, temos um credor (requerente) a peticionar o pagamento de uma dívida, cujo montante global os requeridos não reconhecem, ou seja, estamos perante o não pagamento de uma dívida.

fff) O próprio Tribunal a quo sustenta isso sob a sua decisão, referindo “O crédito da primeira só recentemente conheceu no processo de execução para pagamento de quantia certa por si instaurado uma decisão definitiva na oposição de embargos que havia sido deduzida pelos requeridos ali executados (…)”.

ggg) O incumprimento no caso dos autos não se mostra acompanhado de quaisquer circunstâncias que revelem a impossibilidade dos requeridos em cumprir, e,, por outro lado que esta impossibilidade seja generalizada.

hhh) Pelo processo de insolvência não se pretende o pagamento de uma dívida, pretende-se o pagamento de todos os créditos dos vários credores, a conclusão de que existe impossibilidade de satisfazer a maior parte das suas obrigações pode ter a sua fonte num só crédito, mas, este só não é suficiente para fundamentar, melhor dizendo, para suportar aquela conclusão.

iii) Quanto ao crédito da requerente, os requeridos não procederam ao respectivo pagamento porque não reconheciam a sua existência, recorrendo ao Tribunal para defenderem os seus direitos.

jjj) Resultando dos documentos juntos aos autos que os requeridos têm vindo a desonerar o seu património, cumprindo as suas obrigações, cujos montantes e datas revelam a sua intenção e capacidade de honrar os seus compromissos.

kkk) Desta forma, em face da factualidade provada, não podemos concluir, sem mais, que, o incumprimento dos requeridos se deva a uma situação de incapacidade ou impossibilidade de cumprimento generalizado das obrigações - elemento este essencial à verificação da situação prevista na citada al. b) do n° 1 do artigo 20° do CIRE.

Nestes termos, e com o Douto suprimento de V. Exas. deverá o presente recurso proceder, por provado e, em consequência ser revogada a sentença que decretou a insolvência dos requeridos.

Assim fazendo V. Ex.ª, Venerandos Juízes Desembargadores, a costumada, Justiça!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.    

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos, do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se os autos padecem de nulidade, que inquina a sentença recorrida, com o fundamento em se ter iniciado a audiência de julgamento e se ter efectuado a produção da prova, no decurso da mesma, sem que, previamente, tenha sido fixada a matéria de facto considerada como assente e controvertida, relevante para a decisão da causa;

B. Ilegitimidade da autora para requerer os presentes autos de insolvência;

C. Ineptidão da petição inicial;

D. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos factos constantes dos itens 8.º e 11.º, dos factos dados como provados, que devem passar a considerar-se como não provados e 1.º e 5.º, dos considerados como não provados, que devem passar a ser tidos como provados e;

E. Se não se verificam os requisitos para que seja decretada a insolvência dos requeridos, por, designadamente, não se encontrar preenchido o facto índice previsto no artigo 20.º, n.º 1, al. b), do CIRE.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

2.1.1. B... e C... contraíram casamento, sem convenção antenupcial, entre si, a 24.04.2002.

2.1.2. Por apenso aos autos de execução comum para pagamento de quantia certa que a aqui autora instaurou contra os aqui requeridos, para haver deles a quantia de 40.000,00 € acrescido de juros vencidos e liquidados em 18.241,10 € e ainda vincendos até integral vencimento, que corre termos na 1.ª Secção de Execuções da Instância Central da Comarca de Lisboa – J5 – sobre o n.º 18322/07.8YYLSB-A, foi proferida sentença datada de 10.02.2016 que julgou os embargos totalmente improcedentes.

2.1.3. Decisão que veio a ser integralmente confirmada por douto acórdão do Tribunal da Relação de lisboa de 14.07.2016, entretanto transitado em julgado face ao indeferimento do recurso de revista interposto daquela decisão, pelos embargantes, para o Supremo Tribunal de Justiça.

2.1.4. Naquele processo deu-se como provado com relevância para este processo:

2.1.4.1. A autora era uma de duas sócias de uma sociedade por quotas designada T... Lda., detentora de um estabelecimento de cabeleireiros equipado, situado no n.º (...) em Lisboa.

2.1.4.2. Os sócios daquela sociedade, de entre os quais a aqui autora, acordaram com os réus a cessão das suas quotas a estes últimos pelo valor global de 100.000,00 € (dos quais 2/3 deste valor seriam por conta das duas quotas da autora), ato que aqueles formalizaram em escritura pública outorgada a 24.02.2006.

2.1.4.3. Os réus assumiram a gestão efetiva do estabelecimento no mês de Outubro de 2004.

2.1.4.4. Para pagamento de parte do preço da cessão a requerida mulher sacou um cheque no valor de 25.000,00 €, datado de 31.10.2006, e um outro de 10.000,00 €, datado de 31.12.2005, enquanto o requerido marido sacou um cheque no valor de 5.000,00 €, datado de 15.10.2005, que apresentados a pagamento foram devolvidos pelo sistema de compensação.

2.1.4.5. O primeiro dos cheques com a menção de “falta ou insuficiência de provisão”, o segundo “revogado por justa causa” e o terceiro “revogado por justa causa – extravio.”

2.1.5. Os requeridos não procederam até esta data ao pagamento daquele crédito.

2.1.6. A requerida declarou o início da atividade de advocacia à Autoridade Tributária em 16.09.2016 e o requerido exerce a atividade de diretor comercial de uma sociedade de direito marroquina.

2.1.7. No ano de 2012 o requerido declarou rendimentos por conta de outrem no valor de 5.820,00 € e a requerida rendimentos por conta de outrem no valor de 1.000,00 €, e no ano de 2014 apenas a requerida apresentou rendimentos no valor de 2.479,94 €.

2.1.8. Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Óbidos um lote de terreno para construção sito na zona do (...) , com 983 m2 e um valor tributário de 17.016,62 €, e com as seguintes inscrições vigentes:

- Hipoteca voluntária a favor da J..., EP, pela Ap. 3 de 24.09.1986 até ao VMA de 45.000.000$00;

- Hipoteca voluntária a favor da J..., EP, pela Ap. 4 de 07.05.1987 até ao VMA de 47.500.000$00;

- Aquisição, por compra, pela Ap. 1 de 25.03.1993, pelo requerido, então casado com L no regime de comunhão geral.

- Pela Ap.9 de 01.02.2007, penhora em favor do Ministério Público (639,46 €);

- Pela Ap. 4357 de 18.10.2010, penhora em favor da Fazenda Nacional (21.619,81 €);

- Pela Ap. 2660 de 06.02.2012, penhora em favor de R... (16.200,00 €);

- Pela Ap. 2207 de 22.01.2014, penhora em favor da Fazenda Nacional (580,07 €) – tendo todavia o Chefe do Serviço de Finanças de Peniche autorizado o levantamento desta penhora pelo pagamento da quantia exequenda, cfr fls.268-9 dos autos cujo teor dou aqui por integrado.

2.1.9. Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Peniche em favor do aqui requerido, desde 30.07.2001, uma fração autónoma destinada a habitação, onerada:

- Hipoteca voluntária em favor do Banco EE..., S.A., pela Ap. 1 de 04.09.2001, para garantia do VMA de 16.840.200$00, cujo crédito foi cedido à sociedade N X..., S.A., Y...S.A e W ..., Investimentos Imobiliários e Turísticos Unipessoal Lda.

- Hipoteca voluntária em favor do Z..., pela Ap. 11 de 20.12.2001, para garantia do VMA de 7.000.000$00;

- Pela Ap. 15 de 30.03.2006, penhora em favor da N..., S.A., (1.180,04 €);

- Pela Ap. 11 de 06.08.2008, penhor em favor da O... Limited,

- Pela Ap. 3762 de 02.07.2010, penhora em favor da Fazenda Nacional (21.184,65 €);

- Pela Ap. 2660 de 06.02.2012, penhora em favor de R... (16.200,00 €);

- Pela Ap. 2573 de 23.09.2014, penhora em favor de W ..., Investimentos Imobiliários e Turísticos Unipessoal Lda (108.043,20 €);

- Pela Ap. 5838 de 21.05.2015, penhora em favor da aqui autora (64.065,21 €);

2.1.10. A H..., S.A instaurou contra o aqui requerido, D... e ainda E... uma execução ordinária na 5.ª Vara Cível de Lisboa, 3.ª Secção, com o n.º 108/2000, cuja execução foi sustada pelo pagamento da quantia exequenda e a penhora efetuada levantada nos termos da certidão de fls. 218 a 221 cujo teor dou aqui por integrado.

2.1.11. A sociedade G... , S.A., detém um crédito sobre o requerido no valor de 19.991,11 €; a S..., Lda detém um crédito sobre o requerido no valor de 14.963,95 €; F... detém um crédito sobre os requeridos no valor de 48.554,18 €; a N..., S.A detém um crédito sobre o requerido no valor de 1.180,04 €; a W ..., Investimentos Imobiliários e Turísticos Unipessoal Lda detém um crédito sobre o requerido no valor de 108.043,20 €; R... detém um crédito sobre o requerido de cerca de 16.200,00 €; A Fazenda Nacional detém um crédito global sobre os requeridos no valor de 21.619,81 €;

2.1.12. A requerida não tem património em virtude do mesmo ter sido vendido no âmbito de uma execução comum para pagamento de quantia certa, cuja identificação da ação não se conhece.

*

2.2. Factos não provados

2.2.1. O valor de mercado dos imóveis referidos em 2.1.8 e 2.1.9 ascenda a 320.000,00 € e a 85.000,00 € respetivamente.

2.2.2. Que os créditos referidos em 2.1.11 se encontrem integralmente satisfeitos.

2.2.3. O requerido haja sido gerente de facto do restaurante “ BB...”, sito nas (...) , em Lisboa.

2.2.4. E sócio-gerente de uma sociedade imobiliário denominada DD..., Lda., com sede em Lagos.

2.2.5. Possuam liquidez para satisfazer o crédito da requerente.

2.2.6. Disponham livremente do seu património imobiliário conhecido.

2.2.7. Se encontrem a dissipar o seu património em prejuízo dos seus credores.

A. Se os autos padecem de nulidade, que inquina a sentença recorrida, com o fundamento em nulidade processual (que não da sentença), a qual, nos termos do disposto no artigo 199.º, n.º 1, do CPC, teria de ser arguida logo no acto, pois que, como resulta da respectiva acta, estavam presentes na audiência tanto os requeridos como o seu Ex.mo Mandatário, mas só veio a ser arguida com as alegações do presente recurso, pelo que, nos termos expostos, é extemporânea tal alegação, o que acarreta ter de se considerar que a referida nulidade, existiu, mas já está sanada.No que a esta questão concerne, alegam os recorrentes que, contrariamente ao que consta da acta da audiência de discussão e julgamento, teve lugar a produção da prova e só depois de finda esta e proferidas as alegações é que foi indicada qual a matéria que constituía o objecto do processo e os temas da prova, o que acarreta a existência de nulidade, dada a sua influência na decisão da causa, nos termos do disposto no artigo 195.º do CPC.

Efectivamente, ouvido o CD em que se encontra gravada a audiência de julgamento, constata-se que o registo áudio que constitui 11h44m03s a 11h45m15s, tem por objecto o que se entende como objecto do processo e temas da prova, o que foi feito, já depois de produzida toda a prova e depois de os Ex.mos Mandatários terem alegado, mais ali se referindo que tal seria “o intróito que ficará na acta, no início da acta”, mencionando-se quais os factos a provar/temas da prova.

Nos termos do disposto no artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 17.º do CIRE, os temas da prova deveriam ter sido fixados no início da audiência, aquando da prolação do despacho saneador, como consta da acta (fl.s 341/342), mas, assim não sucedeu, como já explicitado.

Estamos em presença da omissão de um acto que a lei prescreve, já que, a fixação do objecto do litígio e dos temas da prova não foi feita nos moldes legalmente previstos e com influência no exame ou decisão da causa, pelo que a assinalada irregularidade, constitui a nulidade prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.

Trata-se de uma nulidade processual (que não da sentença), a qual, nos termos do disposto no artigo 199.º, n.º 1, do CPC, teria de ser arguida logo no acto, pois que, como resulta da respectiva acta, estavam presentes na audiência tanto os requeridos como o seu Ex.mo Mandatário, mas só veio a ser arguida com as alegações do presente recurso, pelo que, nos termos expostos, é extemporânea tal alegação, o que acarreta ter de se considerar que a referida nulidade, existiu, mas já está sanada.

Pelo que, quanto a esta questão, improcede o recurso.

B. Ilegitimidade da autora para requerer os presentes autos de insolvência.

Relativamente a esta questão alegam os recorrentes que em virtude de terem contestado a existência do crédito a que se arroga a requerente sobre si, para fundamentar a declaração de insolvência, só vindo o mesmo a ter-se como assente já no decurso dos autos, não podia a mesma considerar-se como credora dos recorridos e, assim, carece de legitimidade para a propositura dos presentes autos, em conformidade com o disposto no artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, uma vez que a requerente não era credora dos requeridos.

Efectivamente, como decorre do disposto no artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, a legitimidade para requerer a declaração de insolvência de um devedor, radica, no caso dos autos, na qualidade de credor por parte da requerente.

A argumentação dos ora recorrentes assenta no pressuposto de que, aquando da propositura da acção, o crédito da requerente ainda se discutia em Tribunal, tendo, entretanto, transitado em julgado a decisão que reconheceu tal crédito a favor daquela e, assim, vinculando os requeridos.

Trata-se da questão de saber se é ou não conferida legitimidade aos titulares de créditos litigiosos para a instauração de acção de declaração de insolvência contra o discutido devedor.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2013, a pág.s 202 e 203, é de reconhecer legitimidade a um titular de crédito litigioso para instaurar acção de insolvência contra o pretenso (discutido) devedor.

Como ali se refere, sempre seria obrigatória a reclamação de tal crédito no processo de insolvência, em caso de existência deste, possibilitando-se, se necessário, anteriormente à prolação da sentença de declaração de insolvência, a verificação dos respectivos pressupostos.

In casu, já se encontra definitivamente reconhecido o crédito da requerente, pelo que esta questão não se coloca.

No sentido da questionada legitimidade, decidiu, afirmativamente, o STJ (para além do referido na pág. 203 da ob. cit.), em Acórdão de 17 de Novembro de 2015, Processo n.º 910/13.5TBVVD.G1.S1, disponível no respectivo sítio do itij.

Assim, é de concluir ser a requerente parte legítima para a propositura dos presentes autos, em função do que, quanto a esta questão, improcede o recurso.

C. Ineptidão da petição inicial.

Alegam os requeridos que a petição inicial é inepta, com o fundamento em que a requerente não indicou a verificação de nenhum dos índices previstos no artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, o que acarreta o seu indeferimento liminar, conforme seu artigo 27.º, n.º 1.

Quanto a esta matéria, cumpre referir que, efectivamente, na petição inicial, a requerente, não referiu quais as alíneas do n.º 1, do artigo 20.º do CIRE, em que fundamenta o seu pedido.

No entanto, resulta à evidência que a mesma, explanou, pormenorizadamente, os factos em que funda a sua pretensão.

Respondendo, os requeridos, rebatem, um por um, os factos alegados, bem como pugnam, dando a sua versão dos factos, pela improcedência do pedido, pelo que, desde logo, por força do disposto no artigo 186.º, n.º 3, do CPC, nunca a petição inicial se poderia ter como inepta.

Consequentemente, também, quanto a esta questão, improcede o recurso.

D. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos factos constantes dos itens 8.º e 11.º, dos factos dados como provados, que devem passar a considerar-se como não provados e 1.º e 5.º, dos considerados como não provados, que devem passar a ser tidos como provados.

Alegam os requeridos, ora recorrentes, que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como provados e não provados, respectivamente, os factos em referência, devendo, na sua óptica, os mesmos serem dados como não provados ou provados, nos termos ora referidos, estribando-se, para tal nos depoimentos prestados por si próprios e pela testemunha V... e, ainda, com base nos documentos que referem.

Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que, em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662, do CPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a factualidade posta em causa pelos ora recorrentes, nas respectivas alegações de recurso.

D. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos factos constantes dos itens 8.º e 11.º, dos factos dados como provados, que devem passar a considerar-se como não provados e 1.º e 5.º, dos considerados como não provados, que devem passar a ser tidos como provados.

Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tal factualidade:

2.1Factos provados

2.1.8. Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Óbidos um lote de terreno para construção sito na zona do (...) , com 983 m2 e um valor tributário de 17.016,62 €, e com as seguintes inscrições vigentes:

- Hipoteca voluntária a favor da J..., EP, pela Ap. 3 de 24.09.1986 até ao VMA de 45.000.000$00;

- Hipoteca voluntária a favor da J..., EP, pela Ap. 4 de 07.05.1987 até ao VMA de 47.500.000$00;

- Aquisição, por compra, pela Ap. 1 de 25.03.1993, pelo requerido, então casado com L no regime de comunhão geral.

- Pela Ap.9 de 01.02.2007, penhora em favor do Ministério Público (639,46 €);

- Pela Ap. 4357 de 18.10.2010, penhora em favor da Fazenda Nacional (21.619,81 €);

- Pela Ap. 2660 de 06.02.2012, penhora em favor de R... (16.200,00 €);

- Pela Ap. 2207 de 22.01.2014, penhora em favor da Fazenda Nacional (580,07 €) – tendo todavia o Chefe do Serviço de Finanças de Peniche autorizado o levantamento desta penhora pelo pagamento da quantia exequenda, cfr fls.268-9 dos autos cujo teor dou aqui por integrado.

2.1.11. A sociedade G... , S.A., detém um crédito sobre o requerido no valor de 19.991,11 €; a S..., Lda detém um crédito sobre o requerido no valor de 14.963,95 €; F... detém um crédito sobre os requeridos no valor de 48.554,18 €; a N..., S.A detém um crédito sobre o requerido no valor de 1.180,04 €; a W ..., Investimentos Imobiliários e Turísticos Unipessoal Lda detém um crédito sobre o requerido no valor de 108.043,20 €; R... detém um crédito sobre o requerido de cerca de 16.200,00 €; A Fazenda Nacional detém um crédito global sobre os requeridos no valor de 21.619,81 €;

2.2. Factos não provados

2.2.1. O valor de mercado dos imóveis referidos em 2.1.8 e 2.1.9 ascenda a 320.000,00 € e a 85.000,00 € respetivamente.

2.2.5. Possuam liquidez para satisfazer o crédito da requerente.”.

Como acima já referido e consta da sentença recorrida, a matéria de facto em causa foi considerada como provada e não provada, conforme ora se transcreveu.

É a seguinte a respectiva motivação (cf. fl.s 350 a 353):

“A convicção do tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada fundou-se na análise crítica dos documentos juntos aos autos com a petição inicial e com a oposição, cujo teor autêntico se impôs por si mesmo ou pelo teor dos documentos particulares não impugnados. Ainda foi relevado o depoimento de parte prestado pelos requeridos e da testemunha indicada por estes quanto à avaliação do seu património imobiliário.

Concretizando.

(…)

 Quanto aos bens imóveis que se encontram inscritos em favor do requerido e os ónus e encargos que recaem sobre cada um dos dois imóveis foi valorado o teor das respetivas certidões prediais datadas de 17.01.2017, melhor documentadas a fls.264 a 276, cujo teor dou aqui por integrado e ainda na certidão emitida pela Autoridade Tributária a fls.222 e 223.

O facto referido em 2.1.10 mostra-se documentado por certidão extraída do respetivo processo a fls.218 a 221, cujo teor não foi impugnado, e a factualidade vertida em 2.1.11 decorre, em suma, do depoimento de parte dos requeridos, na parte não confessória, valorado de acordo com a liberdade de apreciação da prova, e do qual decorreu que aqueles créditos de facto existem. Contudo, no que concerne à demonstração da extinção das respetivas execuções comuns pelo pagamento daquelas quantias ou a sua extinção por qualquer outro motivo legalmente válido as suas declarações não tiveram respaldo em qualquer prova documental junta aos autos com exceção do caso do credor H... e de algumas (não todas) execuções fiscais. Tratando-se de matéria impeditiva da causa de pedir invocada pela autora os requeridos estavam assim onerados com a sua demonstração (art. 342.º n.º 2 do Código Civil), o que não lograram conseguir fazer em toda a sua latitude. Razão pela qual se deu como provada a existência daqueles créditos e não a sua satisfação integral (2.2.2).

Para além disso, as declarações prestadas pelo requerido não se afiguraram de todo sinceras e como tal credíveis ou suficientemente esclarecedoras das matérias a que foi questionado e que se prendiam com a sua atividade profissional. Não se mostrou seguro na sua resposta quando foi questionado se era detentor de uma marca registada “ BB...”, refugiando-se no facto de não se mostrar concretizado o ano e que tal registo teria sido promovido, ou quando negou ter tido uma qualquer atividade de restauração em Lisboa, que não a de gestão de um restaurante no Cartaxo, quando se mostra adquirido no processo referido em 2.1.2 e 2.1.3 de que o cheque por si sacado e entregue à autora por conta do seu crédito aqui reclamado era então de uma conta titulada por uma sociedade denominada AA..., Lda.. Para que tal pudesse acontecer, de acordo com um juízo de normalidade das coisas e do regime legal societário, era necessário que o requerido tivesse que ter uma relação forte com aquela sociedade, ao contrário do que referiu (negando uma tal relação), que lhe permitisse, por si só, vincular uma sociedade anónima pela movimentação das suas contas bancárias, nomeadamente como um seu procurado especial ou um seu administrador com poderes para tal.

Nessa medida as suas declarações, na parte não confessória, não se revelaram idóneas a convencer o tribunal sobre a extinção das referidas dívidas (2.1.11), a maioria das quais dívidas não serão comuns ao casal atenta a data da sua presumida constituição e a do casamento, sendo que o depoimento da declarante mulher também saiu fragilizado neste particular por não se tratarem de factos pessoais desta última.

Por fim, e a respeito do credor W ..., o requerido também não logrou esclarecer a natureza deste crédito. Alegou que se trataria de um investimento que havia feito no banco EE..., S.A., contra a constituição de uma hipoteca voluntária, cujo cancelamento havia requerido ao seu gestor de conta, mostrando-se pendente oposição a embargos que aquele credor não contestou. Mais uma vez, sendo aquele processo judicial acessível aos requeridos, não lograram juntar qualquer certidão judicial a seu respeito que permitisse concluir o que quer que fosse (sendo que como sabemos a falta de dedução de contestação à oposição por embargos não acarreta necessariamente a procedência dos mesmos se se encontrarem em oposição com o requerimento de execução).

(…)

*

No tocante à matéria alegada e que não foi dada como não provada – expurgadas que foram as matérias conclusivas e de direito - a convicção do tribunal fundou-se na total ausência de prova produzida a seu respeito, quer testemunhal como de índole documental, sendo que as circunstâncias atuais de vida dos requeridos fazem inferir a manifesta ausência de liquidez para solver a obrigação vencida (de mais de 60.000,00 €) junto da aqui autora. Concretizando.

Quanto ao valor de mercado dos dois imóveis foram documentados dois anúncios a respeito de imóveis similares àqueles aqui em causa, em localização, área e tipologia, a fls. 117 a 119, e foi ouvido V..., economista, diretor comercial de uma imobiliária denominada CC..., que avaliou os referidos imóveis. Declarou que na sua opinião, utilizando um método comparativo e levando em consideração as especificidades de cada um dos imóveis, o lote de terreno para construção teria um preço de mercado de aproximadamente 320.000,00 € e a fração autónoma de 85.000,00 €. No entanto, não esclareceu a testemunha qual a oferta existente nas duas zonas (sabendo-se, por publicitado, que grandes investimentos turísticos existentes em Óbidos, dos quais alguns sitos no Vau, são objeto de processos de insolvência e/ou de revitalização) e não concretizou qual o seu valor em caso de venda forçada.

Seja como for, resulta demonstrado que o lote de terreno para construção sito no Vau foi adquirido pelo requerido em 1993, no estado de onerado com duas hipotecas voluntárias a favor da J... para garantia de um VMA de 461.388,00 €, sem que se conheça a situação do contrato que subjaz aos referidos ónus ou estes hajam sido cancelados. Para além disso, tem outras penhoras pendentes. O mesmo se diga à fração autónoma, também ela onerada com hipoteca voluntária cedida à sociedade W ..., Investimentos Imobiliários e Turísticos Unipessoal Lda que fez inscrever penhora sobre aquele bem para garantia de 108.043,20 €.

Quer isto significar que os valores que cada um dos imóveis garante (com as hipotecas) é bem superior ao valor de mercado que lhes foi atribuído, mesmo que pelos valores mais altos que foram indicados pelos requeridos, o que acompanhado da ausência de comprovados rendimentos do trabalho relativos aos últimos dois anos tornam a nosso ver segura a inferência de que qualquer um dos requeridos se mostra insolvente (2.2.5 e 2.2.6).”.

Vejamos, então, se dos depoimentos invocados pelos recorrentes, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que as supras mencionadas respostas sejam modificadas ou alteradas.

Ora, ouvidos, na íntegra, os depoimentos em causa, resulta que as mesmas, de relevante, referiram o seguinte:

A requerida C... , em sede de declarações de parte, disse que relativamente à W ... “não se reconheceu o crédito” e que os créditos da Fazenda Nacional, G... , SA e S... já foram pagos.

O crédito de F... “está pago pela venda de bens” e o da N... “está extinto”.

Disse, ainda, que “há dívidas à Fazenda Nacional que resultam da junção de vários processos”.

Referiu não ter património.

Em idênticas declarações, o requerido B... , disse, no que se refere ao crédito da W ... “que se tratou de uma aplicação financeira feita no BES, mas o dinheiro nunca lhe chegou à mão e houve cessão de créditos em carrossel”.

Quanto às dívidas à A. T., referiu que “algumas já foram pagas, mas há outras actuais, mais ou menos 21.000 €”.

O crédito da DB e da S... já foram pagos. O da N... não está pago.

Referiu, ainda, que o crédito de F... já está pago e o de R... “é um crédito litigioso”.

A testemunha V..., Director Comercial de uma empresa denominada “ CC...”, do ramo imobiliário, referiu que, a pedido dos requeridos, fez a avaliação dos imóveis, pertença destes.

O lote de terreno, situa-se perto da Lagoa de Óbidos, perto da praia, entre dois resorts turísticos, atribuindo-lhe o valor de 320.000 € e o apartamento é um T2, localizado no centro da Consolação, a precisar de obras na cozinha e na casa de banho, com uma varanda ampla em toda a volta e perto da praia, valorizando-o em 85.000 €.

Especificou que este valor tem em conta a “sazonabilidade do turismo” e o seu uso para habitação.

Bem como que, relativamente a ambos os imóveis, se guiou por critérios de “mediação imobiliária”, mas sem que concretizasse, para além do já referido, os cálculos ou critérios em que se baseou para justificar tais valores.

Designadamente, como se refere na motivação vertida em 1.ª instância, não adiantou quais as “comparações” que fez com outros imóveis, do mesmo género, ali situados, nem se referiu ao binómio oferta/procura existente na zona que, como consabido, é de primordial importância na fixação do preço da compra e venda de quaisquer bens, principalmente, de imóveis.

No tocante aos depoimentos dos requeridos, de salientar que “justificam” os créditos da W ... e de R..., por serem litigiosos, mas sem que se perceba o porquê de tal “litigiosidade”, referindo o requerido, quanto ao primeiro, que se trata de uma aplicação financeira que fez no EE...sem que o dinheiro lhe tenha chegado às mãos.

Ou seja, o requerido, por sua conta e risco, contratou com o EE...tal aplicação, o que até motivou a penhora que incidiu sobre a fracção de que é proprietário – cf. 2.1.9., nada mais se tendo demonstrado para além disto.

Igualmente, não se demonstrou a existência de nenhuma decisão que declare a inexigibilidade de tal crédito, pelo que tem de se dar o mesmo como existente.

Relativamente aos demais créditos, não basta invocar que estão “pagos ou extintos”, sendo de exigir prova documental que o comprovasse, o que não foi feito e aos requeridos incumbia, cf. artigos 342.º, n.º 2, do CC e 30.º, n.º 3 do CIRE.

Pelo que, é de manter a redacção do item 11.º dos factos provados.

O mesmo se diga do item 8.º, uma vez que todos os ónus ou encargos ali referidos se encontram comprovados pela respectiva certidão de ónus e encargos do imóvel em causa, como se constata de fl.s 327 a 329.

No que concerne aos itens 1.º e 5.º dos factos dados como não provados, igualmente, são de manter.

Desde logo, relativamente ao 5.º, em boa verdade, não se trata de um facto mas de uma conclusão.

Efectivamente, saber se os requeridos têm liquidez para satisfazer o crédito da requerente, constitui o objecto da acção, a extrair do resultado (positivo ou negativo) da comparação entre o activo e o passivo, dos requeridos.

No que se refere ao item 1.º, pelas razões já acima apontadas, aquando da referência ao depoimento prestado pela testemunha V..., o mesmo adiantou tais valores, sem que os mesmos se mostrem justificados, mais numa perspectiva de mediação imobiliária do que centrada no valor dos imóveis, em si mesmos.

Designadamente, como supra referido, não precisou os mencionados “métodos comparativos” nem qual a actual relação entre a oferta e a procura, sendo notório que, apesar de alguma recuperação, o negócio imobiliário, já conheceu melhores dias.

Por tudo isto, concorda-se com as razões expendidas na sentença recorrida para dar como provada e não provada a matéria em causa, em função do que se mantém inalterada a redacção dos itens ora em análise.

 Consequentemente, improcede, quanto a esta questão, em conformidade com o ora decidido, o presente recurso, em função do que se mantém a matéria dada como provada e não provada em 1.ª instância.

E. Se não se verificam os requisitos para que seja decretada a insolvência dos requeridos, por, designadamente, não se encontrar preenchido o facto índice previsto no artigo 20.º, n.º 1, al. b), do CIRE.

No que respeita a esta questão, referem os recorrentes, que não se verificam nenhum dos índices a que se alude no artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, pelo que não pode prevalecer a declaração de insolvência em causa.

Na sentença em recurso, considerou-se que está demonstrada a situação de insolvência dos requeridos, dando-se por verificada a existência do facto-índice previsto na al. b), do preceito em referência.

A procedência do recurso dependia, quase em absoluto, da alteração da matéria de facto dada como provada, o que os recorrentes não lograram, pelo que pouco mais há a acrescentar ao já referido na sentença recorrida.

Ainda assim, não deixamos de referir o seguinte.

Conforme artigo 3.º, n.º 1 do CIRE, “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 85 “O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.

Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante.”.

De acordo com o artigo 20.º, n.º 1, al. b), do CIRE, um dos factos que legitima a declaração de insolvência é a:

“Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.”.

É comummente aceite que os factos descritos nas alíneas do n.º 1 do preceito em referência, são factos-índice ou presuntivos da insolvência, reveladores, atenta a experiência da vida e critérios de normalidade, da insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações.

Por outro lado, como resulta do artigo 30.º, n.º 3, do CIRE, é lícito ao devedor opor-se à declaração de insolvência, quer com fundamento na inexistência do facto que fundamenta o pedido e/ou na inexistência da situação de insolvência.

Podendo, ainda, concluir-se, deste preceito, que, demonstrada a existência de um dos factos-índice cabe ao devedor demonstrar que, ainda assim, se mantém a sua solvência – cf. autores e ob. cit., a pág. 205.

Como vimos, refere-se na citada alínea b) constituir um de tais factos-índice, a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer a generalidade das suas obrigações.

Ora, está demonstrado que o património dos requeridos se resume à fracção e ao lote de terreno, identificados nos itens 8.º e 9.º dos factos provados e que se encontram onerados com hipotecas e penhoras, tendo por objecto quantias avultadas.

Actualmente, os requeridos não auferem rendimentos (cf. item 7.º dos factos provados).

Para além do crédito da requerente, existem os demais descritos no item 11.º dos factos provados, que ascendem ao valor global de cerca de 230.500,00 €, o que bem demonstra que os devedores não têm pago os seus débitos, por impossibilidade de o fazerem, como sucede com as dívidas à Fazenda Nacional, que se vêm arrastando e da própria requerente.

Como se refere no item 11.º dos factos provados, os requeridos não satisfizeram débitos de reduzido e médio montante, o que, salvo o devido respeito, evidencia que se encontram incapazes, sem condições financeiras, de cumprir as suas obrigações, o que mais se evidenciará quando confrontados com a exigência de pagamento dos débitos de montantes mais elevados.

Quando confrontados com a possibilidade de um dos seus credores lhes exigir o pagamento dos respectivos créditos, designadamente, os de montante menos elevado, por certo, se tivessem condições para tal, a fim de evitar a declaração de insolvência, os requeridos teriam cumprido tais obrigações.

Não se trata aqui apenas de fazer cumprir o crédito da requerente (que, a todo o tempo, principalmente, depois da decisão transitada a que acima já se fez referência, poderiam ter feito), mas de aquilatar a possibilidade de os requeridos terem condições de satisfazer o conjunto das suas obrigações, de vulto, por comparação com o respectivo património, o que se nos afigura não existir.

Em suma, o incumprimento dos requeridos demonstra que os mesmos não patenteiam condições de solvabilidade, tal como decidido em 1.ª instância, em função do que não se vislumbram razões para alterar a decisão recorrida.

Consequentemente, também, quanto a esta questão, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

Coimbra, 06 de Junho de 2017.

Relator:
Arlindo Oliveira

Adjuntos:

1º -
Emidio Francisco Santos
2º -
Catarina Gonçalves