Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2939/14.7T8CBR-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO
DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
DOENÇA
Data do Acordão: 06/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.411, 863, 865 CPC
Sumário: 1.- Em função do disposto no art. 863º NCPC (suspensão da execução), para que ocorra a suspensão da execução do “despejo”, por motivo de doença, é necessário que a referida doença em causa seja aguda e que a execução do “despejo” ponha em risco de vida a pessoa a despejar.

2.- Naturalmente, para este efeito, é relevante tanto a doença do arrendatário, como a do cônjuge, como ainda a dos familiares com ele conviventes em comunhão de mesa e habitação e de outras pessoas que, igualmente, residam consigo, em economia comum.

3.- Não obstante, a locução «doença aguda» do art.863.° do NCPC (suspensão da execução) está empregue com o significado comum de doença ou estado de doença agudizada ou em crise que, pelo despejo, possa pôr em risco a vida das pessoas a desalojar.

4.- A exigência do texto em que no atestado médico certificador de doença e sua acuidade se indique o prazo durante o qual «deve suster-se o despejo», impõe-se como manifestação de compromisso e seriedade que o certificado deve revestir não constituindo uma directiva ou comando a que o tribunal deva acato. Na indicação do prazo basta que se refira a duração provável da crise, ainda que por simples menção às características da doença e sua normal evolução de que a duração se infira.

5.- O disposto no art.411º NCPC ( princípio do inquisitório) não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil e que é o de que o impulso processual compete às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligência probatórias.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

I (…), executada nos autos do processo à margem identificado, não se conformando com a despacho proferido em 21 de Dezembro de 2016, veio dele interpor Recurso de Apelação, alegando e concluindo que:

A) O presente recurso restringe-se à apreciação da matéria de direito de despacho de dia 21-12-2016, no qual se concluiu por: ”indeferir o pedido de suspensão da execução e o diferimento da desocupação por manifestamente improcedentes (cfr. Artigo 865.º n.º 1 alínea c) do C.P.C)”.

B) Salvo o devido respeito, que é muito, a ora Apelante não se conforma com a decisão proferida entendendo padecer a mesma de vicio de nulidade. E mesmo que assim não se entendesse, outra deveria ter sido a sentença a proferir prelo Tribunal a quo, que atenda às circunstâncias descritas pela Executada e em que sejam salvaguardados os direitos desta, revogando-se o referido despacho.

C) Na verdade o despacho do Tribunal a quo refere que a executada requer a suspensão da diligência de entrega de imóvel adjudicado à exequente, com fundamento no disposto no artigo 863.º do C.P.C, reproduzindo o competente despacho a norma citada, e concluindo que: “ Todavia a Executada I... não apresentou qualquer atestado médico que indicasse, fundadamente, que a diligência de entrega colocava em risco de vida a sua mãe e o prazo durante o qual a execução deveria ser suspensa.”

D) Ora e salvo devido respeito, tal argumentação não pode aceitar-se, desde logo, em 23 de Setembro de 2016 procedeu a Executada a entrega de competente relatório médico no qual se descrevia a situação clinica da mãe da Executada, bem como e face à contestação apresentada pela Exequente solicitou a Executada através de requerimento datado de 28 de novembro de 2016, a notificação do Hospital Distrital da Figueira da Foz para que remetesse informação do quadro clinico desta de forma que não subsistissem duvidas sobre a situação clinica alegada.

E) Ao que o Tribunal a quo não respondeu, nem admitindo, nem rejeitando a referida diligência de prova, omitindo assim a sua pronúncia, mantendo-se a referida omissão pelo presente despacho. Pelo que é nulo por falta de pronúncia o despacho que não admite nem rejeita a realização de determinada diligência probatória, não se pronuncia nem fundamenta a razão de oposição à realização dessa diligência.

F) Pelo que padece o presente despacho de nulidade por omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal devia apreciar, prevista na alínea d) do nº 1 do art. 615º do CP.C. : De acordo com este preceito, temos que a sentença (ou despacho) é nula “Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»; tal normativo está em consonância com o comando do nº 2 do art. 608º, no qual se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». No requerimento em que requereu a realização da diligência probatória em causa, alegou o recorrente motivos para a referida diligência. Ora, no despacho recorrido a Sr.ª Juíza não se pronunciou sobre essa matéria, como devia, pois tratava-se de uma verdadeira questão. O despacho recorrido está, assim, ferido de nulidade por não se ter pronunciado sobre questão que devia apreciar.

G) Por outro lado, o tribunal a quo ao proferir o presente despacho e reproduzir a norma do artigo 864.º do CPC não atentou às circunstâncias alegadas, a doença da mãe da Executada, não procurou inteirar-se das razões invocadas pela Executada. Assim teme a Executada que a diligência de desocupação da habitação ponha em sério risco de vida a mãe desta, dada a sua saúde débil e confronto com o facto de se ver despejada juntamente com a sua filha e seus netos. Deve ainda dizer-se que, tal como resulta do exposto no nº 4 do citado artigo 864.º do C.P.C, uma vez na posse e análise de tais elementos o juiz deverá depois decidir norteado por princípios de equidade, tomando sempre em consideração, sopesando-os, os vários interesses conflituantes em jogo, tais como, por um lado, a preservação da saúde e da vida da pessoa doente, e, por outro lado, o direito de propriedade privada do executor, conexiado com os prejuízos patrimoniais advenientes para o mesmo com tal situação, e bem assim ainda as demais circunstâncias concretas que no caso se façam sentir.

H) Ou seja, e no dizer dos profs. Pires de Lima e A. Varela (in “Código Civil Anotado, Vol. I, págs. 55”), a correspondente decisão judicial a tomar depois deverá subordinar-se, não tanto aos critérios normativos fixados na lei, mas antes dar tributo a razões de conveniência e de oportunidade, principalmente de justiça concreta, em que a equidade se funda.

I) No que concerne ao último requisito acima referido, referente à exigência formulada no texto de que o atestado médico indique «o prazo durante o qual deve sustar-se o despejo», perfilhamos o entendimento do conselheiro Aragão Seia (in “Ob. cit., pág. 400”) quando opina que tal expressão do legislador não terá sido, porventura, a mais feliz, devendo antes ser entendida “com o sentido de prazo provável de duração da crise que a suspensão reclama”. Exigência essa que deve ser igualmente entendida tão somente “como manifestação de compromisso e seriedade que o certificado médico deve revestir e não como directiva em comando a que o tribunal deva acato. (...) Basta, pois, que se indique a duração provável da crise ainda que por simples menção às características da doença e a sua normal evolução de que a duração se infira”.

J) Pelo que, e reportando-nos, mais de perto, ao caso em apreciação, da matéria factual alegada, é, desde logo, possível concluir que a doença de que padece a mãe da executada é aguda (veja-se relatório médico), como inclusive tal doença é de carácter crónico. Por outro lado, de tal matéria factual é possível concluir-se que tal doença ponha em real risco a vida do aludido doente, no caso de o mesmo ser mudado da habitação em que atualmente vive e que se pretende despejar. Não foi este o entendimento seguido pelo presente despacho que sem mais desconsiderou que não foi junto atestado medico que indicasse o prazo durante a qual a execução deveria ser suspensa. Ora é natural que atestado médico não indica o tempo em que se deve sustara execução, ou sequer o tempo provável de duração da alegada crise. E aqui percebesse bem tal omissão, já que, tratando-se de doença de carácter crónico, não faria sentido tal indicação. Exigência de indicação, essa que pressupõe necessariamente que a crise do doente seja provisória ou limitada no tempo, o que, como vimos, não sucede no caso.

K) Concluindo a referida sentença nos seguintes termos, “ In casu a Executada foi citada em Maio de 2001, tal como resulta de fls. 26 a 28, do processo em papel, pelo que o prazo para deduzir oposição à execução, e em simultâneo, o diferimento da desocupação terminou há muito. Sendo que inicio da execução não colide com os factos ora trazidos, nem com os factos que sustentam o diferimento da desocupação requerido. Assim e atendendo ao alegado pela ora apelante no seu requerimento, a mesma requeria a referida suspensão da execução, na medida em que, não detinha condições económicas que lhe permitissem o realojamento através de recurso a arrendamento, sendo certo que a mesma tem dois filhos a seu encargo sendo um deles ainda menor, bem como a sua progenitora que padece de doença grave sendo que a referida diligência porá em risco a sua vida.

L) Pelo que, e voltando ao caso dos autos no nosso entender foram carreados elementos e alegados factos suficientes para que fosse arbitrada a referida suspensão e consequente deferimento da desocupação por um período não superior a 5 meses, Foi demonstrado que na habitação principal a Executada reside com a sua filha menor A... e filho maior B... , bem como com sua progenitora C... com 76 anos de idade. Subsistindo a Executada de uma pensão de sobrevivência no valor de 223,81 € , sendo com este valor que provê diariamente pela alimentação, vestuário e todas despesas inerentes à educação dos seus filhos, designadamente as referentes à sua filha menor que reside consigo ininterruptamente, e que é estudante. Para alem do filho maior aos fins de semana e a sua progenitora que padecendo de estado de saúde frágil, sofrendo de diversas patologias, designadamente foro cardíaco,

M) Entendendo a Apelante que a concreta diligência de entrega coerciva e desocupação não pode fazer-se sem que se verifiquem as circunstâncias previstas na lei, que a título excecional concedem especial protecção quando esteja em causa a habitação principal do Executado.

N) Assim e verificadas que sejam sérias dificuldades de realojamento, deve-se suspender a diligência de entrega coerciva, pelo que as referidas dificuldades da executada foram convenientemente apontadas por esta em sede de requerimento, pelo que deveria ter sido outra a decisão proferida, e não o indeferimento liminar conforme se produziu, sem aquilatar as concretas circunstâncias da Executada, sem atender à frágil situação económica e financeira do agregado familiar da Executada, que justificaria que a entrega do imóvel fosse diferida.

O) Uma vez que não se trata de suspender a execução, mas sim de suspender a concreta diligência de entrega coerciva, sendo que a mesma estaria sempre limitada no tempo. Nem se pretende que a suspensão da diligência seja ad eternum, mas tão só que permita que a sociedade – o Estado, as instituições do Estado, as instituições governamentais – consigam o realojamento do cidadão que, de outro modo, ficará na rua, ao relento. É em nome da Lei, nomeadamente da Lei Fundamental e da dignidade da pessoa humana que o próprio Tribunal ( e o agente de execução, nos casos em que exista) deve suspender o “despejo” em tais circunstâncias e deve exigir por parte da câmara municipal e das entidades assistenciais competentes o cumprimento dos princípios ( que são também direitos de uns e deveres de outros) de natureza constitucional em presença.

P) Ora e nas circunstâncias descritas não foram cumpridas as normas legais aplicáveis ao caso, nem foram salvaguardados os direitos do Executado, entendendo que o douto despacho recorrido violou o art.º 863, 864.º, 865.º do CPC, bem como os artigos 1.º, 20.º, 25.º e 34.º da Constituição da República Portuguesa.

Q) Pelo que, e por todo o exposto deve o presente recurso ser admitido devendo ser revogada a decisão que julgou de indeferir a suspensão da execução e diferimento da desocupação.

TERMOS EM QUE:

Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, devendo ser a revogada o despacho proferido nos termos supra expostos.

*

H... STC, S.A., exequente nos autos supra identificados, notificada da apresentação do recurso de apelação pela executada I... , veio, nos termos do disposto no nº 5 do art. 638º do Código de Processo Civil, apresenta as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, por sua vez alegando e concluindo que:

1. A recorrente, aquando da apresentação do seu requerimento para efeito de diferimento da entrega do imóvel, não fez prova, mediante atestado médico, da situação de saúde da sua progenitora, nem de que a diligência de entrega efetiva do imóvel adjudicado à ora recorrida poderia colocá-la em risco de vida, nem tão pouco, o prazo durante o qual a execução deveria permanecer suspensa.

2. Determina o nº 3 do art. 863º do C.P.C., por via do nº 6 do art. 861º do C.P.C., que “Tratando-se de arrendamento para habitação, o agente de execução suspende as diligências executórias, quando se mostre, por atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda”.

3. Pese embora, a recorrente não tivesse feito prova da situação de doença aguda da sua progenitora e do risco de vida efetivo no caso de concretização da entrega efetiva do imóvel, alegou, no entanto, as dificuldades de realojamento do agregado familiar.

4. Dispõe a 2ª parte do nº 6 do art. 861º do C.P.C. que: “ ….e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à Câmara Municipal e às entidades assistenciais competentes.”

5. Percebe-se facilmente da leitura do nº 6 do art. 861º do C.P.C., que remete para o art. 863º em matéria de suspensão da execução, que estão consagrados na lei dois regimes jurídicos distintos, o da suspensão da execução, disciplinado no art. 863º do C.P.C., e outro, o do realojamento do executado no caso de se verificarem sérias dificuldades do executado, pelo seus próprios meios, conseguir um novo lar.

6. A possibilidade de suspensão das diligências executórias, não se encontra prevista para a situação supra referenciada, isto é, para a hipótese de verificação de dificuldades de realojamento do agregado familiar.

7. Tendo, o legislador, para a referida situação, optado por adotar um mecanismo facilitador do realojamento do executado, em detrimento da suspensão da execução, que pela sua própria natureza, seria sempre provisória e incapaz de resolver o problema de fundo que consiste no facto do executado não dispor de meios financeiros para se realojar.

8. Não tendo a recorrente feito prova dos pressupostos legais para efeito de suspensão da execução, andou bem o tribunal a quo quando decidiu pelo indeferimento liminar do pedido de diferimento de desocupação, sem prejuízo, de serem encetadas todas as diligências necessárias para realojamento da executada.

Termos em que deve ser julgado totalmente improcedente e negado o provimento do Recurso apresentado pela Recorrente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa a materialidade invocada e que consta do elemento redactorial dos Autos, revelando-se, em tal contexto, o despacho proferido haver assumido o seguinte teor (fls. 53 - 54 / 20.12.2016):

«Decisão sobre o pedido da executada I (…) (de 21-06-2016) sobre o diferimento da desocupação de imóvel:

A executada veio requerer, muito depois da sua citação para a acção executiva, o diferimento da desocupação de imóvel, citando as normas dos artºs. 861, 863 e 865, do CPC. Porém, ao longo da sua exposição, veio pedir a suspensão da entrega coerciva do imóvel adquirido pela credora reclamante.

Alega, em suma, que:

- a casa de habitação da Requerente, da sua mãe L (…)com 76 anos de idade, o seu filho A (…), de 21 anos de idade, estudante universitário e a sua filha menor, C (…), de 13 anos de idade;

- a mãe da Requerente L (…) sofre de problemas psiquiátricos (depressão contínua) e síncope cardíaca;

- teme a requerente que a diligência de desocupação da habitação ponha em sério risco de vida a mãe desta, dada a sua saúde débil e confronto com o facto de se ver despejada juntamente com a sua filha e seus netos;

- por isso, requer a suspensão da diligência de entrega e que a execução de despejo fique suspensa até que a Segurança Social diligencie no sentido de ser obtida uma residência para o agregado familiar; o agregado familiar vive na maior miséria e por auxílio de familiares, amigos e instituições de caridade;

Pede o diferimento pelo prazo de 6 meses, de modo a conseguir procurar uma solução de habitacional para o agregado.

*

Ouvida, a exequente deduziu oposição ao requerido pela executada, pugnando pelo indeferimento da pretensão da executada.

*

Apreciando.

O artº. 863, do CPC, estabelece que:

“1 — A execução suspende-se se o executado requerer o diferimento da desocupação do local arrendado para habitação, motivada pela cessação do respectivo contrato, nos termos do artigo seguinte.

 2 — O agente de execução suspende as diligências executórias sempre que o detentor da coisa, que não tenha sido ouvido e convencido na acção declarativa, exibir algum dos seguintes títulos, com data anterior ao início da execução:

a) Título de arrendamento ou de outro gozo legítimo do prédio, emanado do exequente;

b) Título de subarrendamento ou de cessão da posição contratual, emanado do executado, e documento comprovativo de haver sido requerida no prazo de 15 dias a respectiva notificação ao exequente, ou de o exequente ter especialmente autorizado o subarrendamento ou a cessão, ou de o exequente ter conhecido o subarrendatário ou cessionário como tal.

 3 — Tratando-se de arrendamento para habitação, o agente de execução suspende as diligências executórias, quando se mostre, por atestado médico que indique  fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda.

 4 — Nos casos referidos nos nºs. 2 e 3, o agente de execução lavra certidão das ocorrências, junta os documentos exibidos e adverte o detentor, ou a pessoa que se encontra no local, de que a execução prossegue, salvo se, no prazo de 10 dias, solicitar ao juiz a confirmação da suspensão, juntando ao requerimento os documentos disponíveis, dando do facto imediato conhecimento ao exequente ou ao seu representante.

 5 — No prazo de cinco dias, o juiz de execução, ouvido o exequente, decide manter a execução suspensa ou ordena o levantamento da suspensão e a imediata prossecução dos autos“.

Todavia, a executada I... não apresentou qualquer atestado médico que indicasse, fundadamente, que a diligência de entrega colocava em risco de vida a sua mãe e o prazo durante o qual a execução deveria ficar suspensa.

Por seu turno, o artº. 864, do CPC, sob a epígrafe “Diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação”, dispõe que:

“1 — No caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.

2 — O diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos:

a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;

b) Que o arrendatário é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %.

3 — No caso de diferimento decidido com base na alínea a) do número anterior, cabe ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando aquele sub-rogado nos direitos deste.

In casu, a executada foi citada em Maio de 2001, tal como resulta de fls. 26 a 28, do processo em papel, pelo que o prazo para deduzir oposição à execução e, em simultâneo, o diferimento da desocupação terminou há muito.

Para além de que, tendo em conta o período de tempo que decorreu entre a apresentação do requerimento da executada I... – a pedir o diferimento da desocupação por 6 meses – e o momento actual, já passaram 6 meses.

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Decisão:

Por isso, decido, atendendo ao disposto nos artºs. 862 a 865, do CPC:

- indeferir o pedido de suspensão da execução e o diferimento da desocupação por manifestamente improcedentes (cfr. artº. 865, nº. 1, al. c), do CPC).

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Custas a cargo da executada I... , com taxa de justiça fixada no mínimo e sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido.

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Notifique e registe.

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A entrega coerciva deverá, assim, prosseguir, alertando-se para, tratando-se de casa de habitação principal da executada, e caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento dessa executada e seus familiares, ser comunicado ANTECIPADAMENTE o facto à Câmara municipal e às entidades assistenciais competentes (cfr. artº. 861, nº. 6, do CPC)»;

Mais ressumando dos Autos:

- Revelar o processo electrónico requerimento do seguinte jaez:

«Exmo. Senhor

Doutor Juiz de Direito no Tribunal da Comarca de Coimbra

Instância Central

Execução ordinária

Processo nº 2939/14.7T8CBR

Secção de Execução - J1

I(…), executada nos presentes autos, na sequência da oposição apresentada pela exequente e face ao alegado em 5/, 6/ e 7/ do seu requerimento, requer-se a notificação do Hospital Distrital da Figueira da Foz para vir aos autos remeter o quadro clínico de L (…), com o nº de utente do SNS (…) residente (…) Montemor-o-Velho. Junta: 1 documento

O Advogado c/p 185 372 198»;

- a que se segue Relatório médico (da Extensão de Saúde UCSP Montemor o Velho) subscrito pela Médica de Família (…), datado de 14.9.2016, referente a DL (…) assinalando os seguintes problemas de saúde:

“antecedentes de queda em altura em 1999, com fractura da 5ª e 6ª costela a direita e 3ª, 4ª, 5ª e 6ª costela esquerda e fractura do manúbrio esternal e lesão neurológica do plexo branquial a esquerda; perfuração ileal por espinha de peixe submetida a enterectomia segmentar em Março de 2014; hérnia da linha branca corrigida em Março de 2014 e recidivada na actualidade; hipertensão arterial; dislipidémia, obesidade, insónia»

- a executada I... não apresentou qualquer atestado médico que indicasse, fundadamente, que a diligência de entrega colocava em risco de vida a sua mãe e o prazo durante o qual a execução deveria ficar suspensa;

- a executada foi citada em Maio de 2001, tal como resulta de fls. 26 a 28, do processo em papel, pelo que o prazo para deduzir oposição à execução e, em simultâneo, o diferimento da desocupação terminou há muito.

- Para além de que, tendo em conta o período de tempo que decorreu entre a apresentação do requerimento da executada I... – a pedir o diferimento da desocupação por 6 meses – e o momento actual, já passaram 6 meses.

Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

*

As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em apreciar:

1.

D) Em 23 de Setembro de 2016 procedeu a Executada a entrega de competente relatório médico no qual se descrevia a situação clinica da mãe da Executada, bem como e face à contestação apresentada pela Exequente solicitou a Executada através de requerimento datado de 28 de novembro de 2016, a notificação do Hospital Distrital da Figueira da Foz para que remetesse informação do quadro clinico desta de forma que não subsistissem duvidas sobre a situação clinica alegada.

E) Ao que o Tribunal a quo não respondeu, nem admitindo, nem rejeitando a referida diligência de prova, omitindo assim a sua pronúncia, mantendo-se a referida omissão pelo presente despacho. Pelo que é nulo por falta de pronúncia o despacho que não admite nem rejeita a realização de determinada diligência probatória, não se pronuncia nem fundamenta a razão de oposição à realização dessa diligência.

F) Pelo que padece o presente despacho de nulidade por omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal devia apreciar, prevista na alínea d) do nº 1 do art. 615º do CPC. : De acordo com este preceito, temos que a sentença (ou despacho) é nula “Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»; tal normativo está em consonância com o comando do nº 2 do art. 608º, no qual se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». No requerimento em que requereu a realização da diligência probatória em causa, alegou o recorrente motivos para a referida diligência. Ora, no despacho recorrido a Sr.ª Juíza não se pronunciou sobre essa matéria, como devia, pois tratava-se de uma verdadeira questão. O despacho recorrido está, assim, ferido de nulidade por não se ter pronunciado sobre questão que devia apreciar.

G) Por outro lado, o tribunal a quo ao proferir o presente despacho e reproduzir a norma do artigo 864.º do CPC não atentou às circunstâncias alegadas, a doença da mãe da Executada, não procurou inteirar-se das razões invocadas pela Executada. Assim teme a Executada que a diligência de desocupação da habitação ponha em sério risco de vida a mãe desta, dada a sua saúde débil e confronto com o facto de se ver despejada juntamente com a sua filha e seus netos.

Apreciando, diga-se ser incontroverso e incontrovertível que a nulidade prevista na 1.ª parte da aI. d) do n.º 1 do art. 615.° NCPC está directamente relacionada com o comando fixado no n.º 2 do art. 608.°, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Tal norma suscita, de há muito, o problema de saber qual o sentido exacto da expressão «questões» ali empregue, o qual é comummente resolvido através do recurso ao ensinamento clássico de ALBERTO DOS REIS, Cód. Proc. Civ. Anot., 5.°-54, que escreve: « ... assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) ( ... ), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado». E o mesmo A., a pág. 143, escreve que «[ ... ] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção». E mais adiante: «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

No âmbito lógico deste raciocínio, doutrina e jurisprudência distinguem, por um lado, «questões», e, por outro, «razões» ou «argumentos», e concluem que só a falta de apreciação das primeiras - das «questões» - integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões (vid., assim, Alberto dos Reis, ob. e vol. cits., pág. 143; RT, 78.°-172, 89.°-456, e 90.°-219; Acs. STJ, de 2.7.1974, de 6.1.1977, de 13.2.1985, de 5.6.1985, entre muitos outros).

Quer isto dizer, pois, que a omissão de pronúncia - vício de limite da alínea d) do n.º 1 do art. 668.° do C.P.Civil (615º NCPC), supõe o silenciar absoluto de qualquer questão de cognição obrigatória, nos termos do n.º 2 do art. 660.° (608º NCPC), e não se preenche com a mera decisão sintética e escassamente fundamentada, por não se pronunciar sobre todos os argumentos e razões aduzidas pelas partes (Ac. STJ, de 1.3.2007: Proc. 07A091.dgsi,Net).

Em suma, a nulidade de acórdão, por omissão de pronúncia (1.ª parte da aI. d) do n.º 1 do art. 668.° do CPC – 615º NCPC), resulta da infracção do dever consignado no 1.° período do n.º 2 do art. 660.° do predito Corpo de Leis (608º NCPC). Só acontece a supracitada nulidade quando o juiz olvida a pronúncia sobre as «questões» submetidas ao seu escrutínio pelas partes, ou de que deva, oficiosamente, conhecer, aquelas importando saber distinguir, por não constituírem as concretas controvérsias fulcrais a dirimir, dos meros argumentos, opiniões, razões, motivos ou pareceres explanados por demandante(s) (ou) demandado(s) em abono das teses que sufragam (Ac. STJ, de 13,9.2007: Proc. 07B2S22,dgsi.Net).

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Por sua vez, tal haverá, necessariamente, de se concatenar com a circunstância de se haver como elemento norteador de tal apreciação, cuidar - consoante resulta da própria epígrafe do art.º 6º NCPC (dever de gestão processual), essa gestão processual é assumida como um autêntico dever do juiz, e não como um simples principio meramente orientador ou programático de tal modo que se exige ao juiz uma postura activa na condução do processo e na promoção do seu andamento célere, consoante, exemplificadamente, se refere na 2.ª parte do n.º 1 deste artigo e também no n.º 2 deste mesmo normativo. Todavia, tudo sem prejuízo do ónus de impulso processual imposto pela lei às partes.

Para tanto, foram-lhe conferidos não só os poderes necessários à direcção activa do processo, nomeadamente os de providenciar pelo seu andamento célere, quer através da promoção oficiosa das diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, quer mediante a recusa de tudo o que for impertinente ou meramente dilatório, como, além disso, o poder-dever de, após audição prévia das partes, adoptar mecanismos de simplificação e agilização processual, adequados a garantir a justa composição do litígio em prazo razoável.

Embora alicerçado em conceitos indeterminados, que têm sempre associadas uma ampla margem de discricionaridade, o dever de gestão processual não pode ser exercitado de forma arbitrária e/ou autoritária, subordinado como está tanto ao princípio do contraditório (art. 3.°-3) como da igualdade das partes (art. 4.º), além de estar balizado pelo próprio fim da sua atribuição: a rápida e justa resolução do litígio, nomeadamente o respeito dos direitos de cada uma das partes.

Em todo o caso, retenha-se, do mesmo modo, que as decisões proferidas nos termos do n.º 1 do art. 6.°NCPC não admitem recurso, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (art. 630.°-2).

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Isto dito, consigne-se que, quer em relação ao prazo, quer quanto à natureza e acuidade da doença o juiz decidirá, sempre, «como lhe parecer humano», critério que parece ir além do de simples conveniência e oportunidade, na mira da preservação de valores humanistas insuperáveis, como a saúde e a vida, e ainda que à custa de drástica limitação do direito de propriedade privada, ele próprio decisivamente voltado à satisfação de interesses socialmente relevantes (Cf. Ac. RL, de 20.2.1980: CJ, 1980, 1.°-257 e BMJ, 301.°-452). Não obstante, sem que se possam derrogar imperativos legais de regulamentação.

Com este alcance, por mera observação directa dos Autos - e pese muito embora o inarredável dramatismo intrínseco à presente situação -, o certo é que, na sujeição a um inexorável rito processual explícito, existe, já, nos mesmos Autos, atestado médico narrativo, correspondente à pessoa e circunstância aludida, como se deu nota em probatório, nos seus precisos termos e não em outros, legalmente tornados obrigatórios.

Depois, de forma inegável, em função do disposto no art. 863º NCPC (suspensão da execução), para que ocorra a suspensão da execução do “despejo”, por motivo de doença, é necessário que a referida doença em causa seja aguda e que a execução do “despejo” ponha em risco de vida a pessoa a despejar (Ac. RP, de 25.2.2002: Col. Jur., 2002, 1.°-219).

Naturalmente, para este efeito, é relevante tanto a doença do arrendatário, como a do cônjuge, como ainda a dos familiares com ele conviventes em comunhão de mesa e habitação e de outras pessoas que, igualmente, residam consigo, em economia comum (Ac. RL, de 22.10.1985: BMJ, 357.°-478).

Não obstante, a locução «doença aguda» do art.863.° do NCPC (suspensão da execução) está empregue com o significado comum de doença ou estado de doença agudizada ou em crise que, pelo despejo, possa pôr em risco a vida das pessoas a desalojar. A exigência do texto em que no atestado médico certificador de doença e sua acuidade se indique o prazo durante o qual «deve suster-se o despejo», impõe-se como manifestação de compromisso e seriedade que o certificado deve revestir não constituindo uma directiva ou comando a que o tribunal deva acato. Na indicação do prazo basta que se refira a duração provável da crise, ainda que por simples menção às características da doença e sua normal evolução de que a duração se infira (Ac. RL, de 20.2.1980: CJ, 1980, 1.°-257 e BMJ, 301.°-452). O que, na circunstância, não logra satisfação.

 

Acresce que, em decisório, não deixou de se consignar, com a devida ênfase, que:

«a entrega coerciva deverá, assim, prosseguir, alertando-se para, tratando-se de casa de habitação principal da executada, e caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento dessa executada e seus familiares, ser comunicado ANTECIPADAMENTE o facto à Câmara municipal e às entidades assistenciais competentes (cfr. artº. 861, nº. 6, do CPC)»,

Assim, de forma obrigatória, a impor a tais entidades comportamentos proactivos, de conformidade.

Tudo, como se constata, em adequação, do mesmo modo, ao disposto nos art.ºs 863º e 864º NCPC.

Mais se consigne, em confluência, que o disposto no art. 265.°, n.º 3 do CPC (411º NCPC - princípio do inquisitório) não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil e que é o de que o impulso processual compete às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligência probatórias (Ac. STJ, de 28.3.2000: Sumários, 39.º-23).

Assim se consagra um poder-dever do juiz, que uns entendem como o exercício de um autónomo poder-dever de indagação oficiosa e outros corno um poder discricionário, tendente a realizar urna função meramente supletiva e residual do tribunal em sede de produção de provas, corno um poder autónomo de indagação oficiosa. Pode entender-se, também, que esta disposição legal consagra um poder vinculado. susceptível de recurso, quando se refere "aos factos de que lhe é lícito conhecer", o que seguramente pretende significar que o juiz pode ordenar diligências probatórias para o e feito de apurar a verdade, mas só dos factos articulados pelas partes (parte final do art. 664.°, do CPC - art. 5º NCPC) e controvertidos (art. 511.°, n.º 1, do mesmo Código – 596º NCPC) (Ac. STJ, P. n.º 3521/00, 1 .ª, de 11.1.200/, Sumários, 47.°/1).

No caso, sem perfil, uma vez que os Autos já evidenciavam “atestado médico” referenciador da situação em perfil, mas que lhe não atribui a caracterização argumentada e pretendida pela recorrente. Por tal modo se inteirando das razões invocadas pela Executada, integrando-as, recte, subsumindo-as, e verificando a sua desconformidade aos normativos invocados, como exigível.

É, por isso, negativa a resposta às questões em 1.

2.

O) Uma vez que não se trata de suspender a execução, mas sim de suspender a concreta diligência de entrega coerciva, sendo que a mesma estaria sempre limitada no tempo. Nem se pretende que a suspensão da diligência seja ad eternum, mas tão só que permita que a sociedade – o Estado, as instituições do Estado, as instituições governamentais – consigam o realojamento do cidadão que, de outro modo, ficará na rua, ao relento. É em nome da Lei, nomeadamente da Lei Fundamental e da dignidade da pessoa humana que o próprio Tribunal ( e o agente de execução, nos casos em que exista) deve suspender o “despejo” em tais circunstâncias e deve exigir por parte da câmara municipal e das entidades assistenciais competentes o cumprimento dos princípios ( que são também direitos de uns e deveres de outros) de natureza constitucional em presença.

P) Ora e nas circunstâncias descritas não foram cumpridas as normas legais aplicáveis ao caso, nem foram salvaguardados os direitos do Executado, entendendo que o despacho recorrido violou o art.º 863, 864.º, 865.º do CPC, bem como os artigos 1.º, 20.º, 25.º e 34.º da Constituição da República Portuguesa.

Dando aqui como reproduzidas as antecedentes considerações, por isso válidas em igual dimensão, já se deixou explícito, assim se julgando, que o despacho recorrido não violou os art.ºs 863, 864.º, 865.º do CPC.

Tão pouco, saem violados os artigos 1.º, 20.º, 25.º e 34.º da Constituição da República Portuguesa. Desde logo, em função do art. 1º CRP (República Portuguesa), porque “ao basear a República na dignidade da pessoa humana, a Constituição explicita de forma inequívoca que o «poder» ou «domínio» da República terá de assentar em dois pressupostos ou precondições: (1) primeiro está a pessoa humana e depois a organização política; (2) a pessoa é sujeito e não objecto, é fim e não meio de relações jurídico-sociais. Nestes pressupostos radica a elevação da dignidade da pessoa humana a trave mestra de sustentação e legitimação da República e da respectiva compreensão da organização” (Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, p. 198). O que, pese muito embora o dramatismo da situação, não sai violado, ao se fazer cumprir a lei (designadamente a processual aplicável), ao mesmo tempo que se determina a intervenção assistencial por parte das Entidades Administrativas, cuja notificação foi ordenada.

Ao mesmo tempo que se configura como incontroverso, na abrangência do disposto no art. 20º CRP (Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva), pressupondo que “o direito de acção ou direito de agir em juízo terá de efectivar-se através de um processo equitativo. O processo, para ser equitativo, deve, desde logo, compreender todos os direitos - direito de acção, direito ao processo, direito à decisão, direito à execução da decisão jurisdicional. Todo o processo - desde o momento de impulso da acção até o momento da execução - deve estar informado pelo princípio da equitatividade, através da exigência do processo equitativo (que já resultava de várias disposições constitucionais, mas que a LC n° 1/97 deu autonomia e carácter principal). O due process positivado na Constituição portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa (exigência de um procedimento legislativo devido na conformação do processo), mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais” (Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, p. 415). O que não deixou de acontecer.

Nem tal sucede no âmbito do art. 25º CRP (Direito à Integridade Pessoal), pois que “o direito à integridade física e psíquica vale, naturalmente, não apenas contra o Estado mas, igualmente, contra qualquer outra pessoa. No que respeita ao Estado (e aos poderes públicos em geral), são vários os planos em que ele é relevante: (a) no plano da legislação, não podendo a lei penal determinar qualquer pena cruel, degradante ou desumana (penas que eram comuns até às revoluções liberais); (b) no plano da investigação criminal, não sendo lícitas, nem a tortura, nem nenhuma prática atentatória da integridade moral (v. g., administração de «soro de verdade») ou física (agressões, etc.), com nulidade das provas eventualmente obtidas por esses meios; (c) no plano das instituições prisionais, hospitalares e equiparadas, sendo vedados os tratamentos degradantes ou desumanos; (d) no plano das medidas de polícia, devendo estas evitar riscos desnecessários ou desproporcionados (cfr. art. 272°-2) para a integridade física dos cidadãos. Expressões da garantia daquele direito, no campo das relações privadas, encontram-se, no plano civil, nos direitos de personalidade e, no plano criminal, nos crimes de ofensas corporais e nos crimes contra a honra, difamação, calúnia ou injúria (Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, p. 455)”. Cujo afrontamento, no caso, na consideração judicial utilizada, se não almeja.

Não se verificando, igualmente, na abrangência do consagrado no art. 34º CRP (Inviolabilidade do domicílio e da correspondência), uma vez que “nos termos do n° 2 do preceito, a entrada no domicílio sem o consentimento do seu titular só pode ser ordenada por autoridade judicial (reserva de juiz) e nos casos e formas previstos na lei (reserva de lei), não estando limitada a motivos penais. Todavia, os casos previstos na lei não podem deixar de obedecer ao princípio da proporcionalidade” (Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, p. 455)” (Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, p. 543)”. O que, no caso, atenta a sua específica conformação, sai, do mesmo modo, intangível.

Assim respondendo, também, negativamente às questões  em 2.

*

Podendo, assim, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7 NCPC), que:

1.

A nulidade de acórdão, por omissão de pronúncia (1.ª parte da aI. d) do n.º 1 do art. 668.° do CPC – 615º NCPC), resulta da infracção do dever consignado no 1.° período do n.º 2 do art. 660.° do predito Corpo de Leis (608º NCPC). Só acontece a supracitada nulidade quando o juiz olvida a pronúncia sobre as «questões» submetidas ao seu escrutínio pelas partes, ou de que deva, oficiosamente, conhecer, aquelas importando saber distinguir, por não constituírem as concretas controvérsias fulcrais a dirimir, dos meros argumentos, opiniões, razões, motivos ou pareceres explanados por demandante(s) (ou) demandado(s) em abono das teses que sufragam.

2.

Por sua vez, consoante resulta da própria epígrafe do art.º 6º NCPC (dever de gestão processual), essa gestão processual é assumida como um autêntico dever do juiz, e não como um simples principio meramente orientador ou programático de tal modo que se exige ao juiz uma postura activa na condução do processo e na promoção do seu andamento célere, consoante, exemplificadamente, se refere na 2.ª parte do n.º 1 deste artigo e também no n.º 2 deste mesmo normativo. Todavia, tudo sem prejuízo do ónus de impulso processual imposto pela lei às partes.

3.

Quer em relação ao prazo, quer quanto à natureza e acuidade da doença o juiz decidirá, sempre, «como lhe parecer humano», critério que parece ir além do de simples conveniência e oportunidade, na mira da preservação de valores humanistas insuperáveis, como a saúde e a vida, e ainda que à custa de drástica limitação do direito de propriedade privada, ele próprio decisivamente voltado à satisfação de interesses socialmente relevantes. Não obstante, sem que se possam derrogar imperativos legais de regulamentação.

4.

Em função do disposto no art. 863º NCPC (suspensão da execução), para que ocorra a suspensão da execução do “despejo”, por motivo de doença, é necessário que a referida doença em causa seja aguda e que a execução do “despejo” ponha em risco de vida a pessoa a despejar. Naturalmente, para este efeito, é relevante tanto a doença do arrendatário, como a do cônjuge, como ainda a dos familiares com ele conviventes em comunhão de mesa e habitação e de outras pessoas que, igualmente, residam consigo, em economia comum.

5.

Não obstante, a locução «doença aguda» do art.863.° do NCPC (suspensão da execução) está empregue com o significado comum de doença ou estado de doença agudizada ou em crise que, pelo despejo, possa pôr em risco a vida das pessoas a desalojar. A exigência do texto em que no atestado médico certificador de doença e sua acuidade se indique o prazo durante o qual «deve suster-se o despejo», impõe-se como manifestação de compromisso e seriedade que o certificado deve revestir não constituindo uma directiva ou comando a que o tribunal deva acato. Na indicação do prazo basta que se refira a duração provável da crise, ainda que por simples menção às características da doença e sua normal evolução de que a duração se infira. O que, na circunstância, não logra satisfação.

6.

O disposto no art. 265.°, n.º 3 do CPC (411º NCPC - princípio do inquisitório) não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil e que é o de que o impulso processual compete às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligência probatórias.

6.1.

Tão pouco, saem violados os artigos 1.º, 20.º, 25.º e 34.º da Constituição da República Portuguesa. Desde logo, em função do art. 1º CRP (República Portuguesa), porque “ao basear a República na dignidade da pessoa humana, a Constituição explicita de forma inequívoca que o «poder» ou «domínio» da República terá de assentar em dois pressupostos ou precondições: (1) primeiro está a pessoa humana e depois a organização política; (2) a pessoa é sujeito e não objecto, é fim e não meio de relações jurídico-sociais. Nestes pressupostos radica a elevação da dignidade da pessoa humana a trave mestra de sustentação e legitimação da República e da respectiva compreensão da organização”. O que, pese, muito embora, o dramatismo da situação, não sai violado, ao se fazer cumprir a lei (designadamente a processual aplicável), ao mesmo tempo que se determina a intervenção assistencial por parte das Entidades Administrativas, cuja notificação foi ordenada.

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, mantendo-se o despacho que consubstancia a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo