Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
86/10.0T2SVV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
PRIVAÇÃO DO USO DO VEÍCULO
EQUIDADE
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.483, 562, 566 Nº3 CC
Sumário: 1 - Para o proprietário ter direito a indemnização pela privação do uso do veículo, nos termos do n.º 1 do artigo 483.º e 562.º e seguinte do Código Civil, não basta a verificação em abstracto da privação, sendo ainda necessário que a privação do veículo cause uma diminuição ao nível da satisfação das necessidades do proprietário consideradas na sua globalidade.

2 - Concluindo-se pelo dano e não sendo possível quantificá-lo em valores certos face aos factos provados, o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.

3 - A quantia de €10,00 diários é adequada a título de indemnização pela paralisação diária de um veículo que satisfazia as necessidades básicas de deslocação do lesado e de um seu irmão que também o utilizava por empréstimo.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):

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Recorrente…S (…), solteiro serralheiro, residente no Lugar ..., Rocas do Vouga.

Recorrido……G (…) Companhia de Seguros, SPA, com sede na Rua ..., em Lisboa.


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I. Relatório.

a) Com o presente recurso o Autor pretende alterar a decisão final da acção que instaurou contra a Ré, com o fim de ser ressarcido dos prejuízos que sofreu em consequência de um acidente de viação.

A Ré foi condenada a pagar-lhe a quantia de €1 423,09, devidos pela reparação do veículo, acrescida de juros de mora a contar da citação, mas foi absolvida quanto à quantia que reclamou a título de privação do uso do automóvel.

O recurso cinge-se a esta parte.

O Autor formulou um pedido de €21 076,00 euros, com base num período de imobilização do veículo, de decorreu entre 6 de Dezembro de 2008 e 30 de Março de 2010, à razão de €44,00 euros por dia.

Na sentença, como se disse, não foi atribuída qualquer indemnização, com fundamento no facto do Autor não ter ficado impedido de se deslocar devido à privação do veículo e do atraso na reparação não lhe ter trazido quaisquer prejuízos.

O Autor sustenta que esteve de facto impedido de circular com o veículo, devido aos danos produzidos terem afectado o pára-choques da frente, farol e farolim, capot e pára-brisas, tendo ficado com os dispositivos de iluminação avariados, circunstâncias estas que constituem uma situação impeditiva de circulação do veículo segundo os preceitos do Código da Estrada (artigo 62.º).

Por outro lado, a simples possibilidade de utilização do veículo constitui uma vantagem patrimonial e, sendo assim, se essa vantagem é suprimida existe um dano (citou em apoio desta tese os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 1996, na C.J., 1996, II-61 e da RC de 26 de Novembro de 2006, na C.J., 5-19).

Desta forma, os 479 dias de paralisação do veículo constituem um dano indemnizável.

Quanto ao valor da indemnização deve ser encontrado através do valor médio locativo de um veículo similar que é de €44,00 euros por dia.

b) A Ré contra-alegou para defender que não há qualquer indemnização a atribuir ao Autor porque este não recorreu da matéria de facto julgada provada e os factos provados mostram que o Autor não teve qualquer prejuízo com a paralisação, pois o veículo ficou a poder circular após o acidente e o Autor, até porque tinha outros veículos, fez todas as deslocações que teve se fazer.

Por outro lado, só há lugar a indemnização de danos efectivos (citou em abono desta tese os acórdãos do S.T.J. de 16 de Janeiro de 2006, de 5 de Maio de 2007, e da RP de 14 de Junho de 2005 e 16 de Outubro de 2006, publicados em www.dgsi.pt ).

Mesmo com recurso à equidade sempre seria necessário provar algo sobre a existência dos danos e sua extensão, bem como a impossibilidade de os determinar com exactidão.

Concluiu, no sentido da manutenção da sentença sob recurso.

II. Objecto do recurso.

O objecto do recurso consiste em saber se a paralisação do veículo do Autor lhe causou danos.

Previamente, como resulta da notificação já feita às partes, cumpre debelar a contradição que ocorre entre o facto do n.º 18 e os factos dos n.º 25, 26 e 27 da matéria de facto constante da sentença, e proceder eventualmente a alguma alteração explicativa da expressão que consta do facto n.º 18 (artigo 22 da petição) onde se escreveu «…deixou de o poder utilizar…».

III. Fundamentação.

a) Vejamos antes de mais a questão da contradição apontada aos factos dos n.º 18, por um lado, e n.º 25, 26 e 27, por outro.

No facto n.º 18 afirma-se que «O Autor, após o sinistro deixou de o poder utilizar para as suas deslocações diárias, profissionais e de lazer».

Nos factos dos n.º 25, 26 e 27 diz-se «Na verdade, o veículo GA depois do acidente e pese embora os danos sofridos podia e pôde, de facto circular», «Não tendo ficado imobilizado ou impedido de o fazer», «Nem, pois, o autor de o usar».

Ora, se o veículo apesar de sinistrado podia circular, então a resposta do facto 18 não deve manter-se tal como está.

Como já se referiu na notificação feita às partes, pode não existir contradição se se entender que o veículo em termos de possibilidades meramente mecânicas continuou funcional, com o motor a funcionar e a impulsionar as rodas, podendo, por isso, circular tal qual estava, mas o Autor não o dever fazer devido aos danos que ostentava.

Nesta hipótese de interpretação, temos uma situação pertencente ao mundo do «ser», que se traduz no facto do veículo mecanicamente ter capacidade para circular, e uma segunda situação pertencente ao mundo do «dever ser», que implica a não circulação por o veículo não dever circular nas condições em que ficou.

Só há contradição entre o afirmado nos n.º 18, 25, 26 e 27 dos factos provados constantes da sentença se colocarmos as situações aí descritas e tal como estão aí descritas no mundo do «ser», mas já não se concretizarmos com factos o porquê do «…deixou de o poder utilizar…» referido no facto n.º 18, isto é, se se indicarem os factos que explicam por que razão o autor deixou de poder utilizar o veículo, para, mais tarde, ao nível do direito, verificar se a mencionada impossibilidade se justificou ou não.

Ora, como já se indicou na notificação antes feita, esse porquê omitido na petição foi explicitado pelo autor no seu depoimento de parte ao ter referido (minuto 4,37) que o cabo que estava suspenso no poste e caiu sobre o seu veículo «…partiu o pára-brisas, ficou sem ver nada, então, e foi bater no outro carro da frente». Mais adiante, à pergunta sobre se o veículo ficou em condições de circular (minuto 12,09) respondeu que «mecanicamente podia, agora com as ópticas partidas, pára-brisas partido, sem pára-choques» não podia circular, tendo especificado que apenas ficou partida a óptica esquerda. Seguidamente ainda referiu (minuto 12,35) que o «pára-brisas tinha bastantes estilhaços…» e que estava impróprio para circular e que (minuto 18,35) «não podia andar com a carro com o pára-brisas partido».

A testemunha (…), irmão do autor e condutor do veículo, ao ser-lhe perguntado se tinha ficado sem visibilidade após os cabos terem embatido no pára-brisas, referiu «não, fiquei sem ela» (minuto 9,20), e, mais adiante, declarou que os danos no veículo foram no capot, pára-brisas, ópticas e guarda-lamas.

Ambos os depoimentos foram complementados pela factura de fls. 29 (doc. 8 da petição), de onde constam as peças que foram substituídas, emitida pela testemunha (…).

As restantes testemunhas ouvidas não se referiram a esta matéria.

Da indicada factura consta que foram substituídos o pára-choques da frente, farol da frente, do lado direito (Mas trata-se do farol do lado esquerdo, dependendo, o lado, da posição do observador, claro está. No orçamento da testemunha (…) consta que se trata do farol e farolim esquerdos).

Ora, face aos referidos depoimentos, factura em causa, orçamento e «Acta do acordo de reparação» de fls. 25 (doc. 6 da petição), onde o perito e a testemunha Manuel Tavares chegaram ao entendimento de que os danos seriam reparados por €1100,00 euros, não se suscitam dúvidas de que os danos verificados no acidente foram: pára-brisas rachado, pára-choques da frente partido, farol e farolim da frente, lado esquerdo, partidos.

Por conseguinte, a resposta ao artigo 22.º da petição (n.º 18 dos factos provados da sentença) é esta:

«18 - Após o sinistro o veículo ficou com o pára-brisas rachado, pára-choques da frente partido, farol e farolim da frente, lado esquerdo, partidos e o Autor devido a este estado deixou de o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer».

Eliminou-se a parte valorativa (do «dever ser») da anterior resposta e colocou-se toda a descrição no nível factual.

Ocorre ainda uma certa contradição entre estes factos do n.º 18 e a matéria dos n.º 26 e 27 onde se diz «26 - Não tendo ficado imobilizado ou impedido de o fazer» e «27 - Nem, pois, o autor de o usar», isto é, que o Autor não ficou impedido de circular ou usar o veículo.

Não se trata de uma verdadeira contradição, desde que se considere a matéria do n.º 18 como pertencente ao domínio factual e a matéria dos n.º 26 e 27 ao domínio dos juízos, isto é, à valoração sobre se os danos no veículo eram ou não impeditivos, não em termos mecânicos, do autor circular com ele.

Este impedimento a que se referem os n.º 26 e 27 não é um impedimento físico, mecânico, pois o veículo manteve a possibilidade de andar, mas sim um impedimento de natureza valorativa, isto é, respondeu-se que o Autor não tinha razões jurídicas ou outras que o impedissem de circular com o veículo.

Ora, esta matéria não é factual, mas sim valorativa e como tal não pode ser submetida a prova, isto é, os juízos valorativos não se provam, no sentido de se saber se existiram ou não existiram, neste sentido só se provam os factos, estes é que ou existiram ou não existiram.

Daí que a solução adequada passe por declarar tal matéria como não escrita, o que agora se declara, mantendo-se apenas no facto do n.º 26 a parte «Não tendo ficado imobilizado».

b) Matéria de facto (com as alterações agora estabelecidas).

1 - No dia 06 de Dezembro de 2008, pelas 14.00 horas, ocorreu um acidente de viação, na E.N. n.º 16, ao quilómetro 31,650, em Sever do Vouga, no qual foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros de matrícula ...AA, ...SF e ...GA.

2 - O veículo AA, propriedade de H (…), era conduzido por B (…)

3 - O automóvel SF era propriedade de J (…), sendo conduzido pelo mesmo.

4 - O GA era pertença do Autor estando a ser conduzido pelo irmão L (…)

5 - Os condutores dos três veículos, deslocavam-se no mesmo sentido, ou seja Albergaria-a-Velha/Sever do Vouga, circulando o SF em primeiro lugar, o AA em segundo e o GA em terceiro.

6 - O veículo AA, aproximou-se do veículo SF que seguia à sua frente, e empreendeu uma manobra de ultrapassagem.

7 - Em face desta manobra, e ao retomar a direita da faixa de rodagem, não conseguiu controlar o veículo, que entrou em despiste, indo embater num poste de telecomunicações (TV Cabo), que se encontrava na berma da estrada, partindo-o.

8 - Em consequência do embate, o veículo ficou imobilizado (metade do veículo na direita da faixa de rodagem e a outra metade na berma).

9 - O condutor do veículo ultrapassado, ao presenciar o referido despiste, desviou-se para a faixa da esquerda, para evitar o embate com o veículo AA.

10 - O condutor do GA circulava na sua faixa de rodagem e foi surpreendido com a queda de um poste de telecomunicações e respectivos cabos, sobre o capot e pára-brisas da viatura, rachando de imediato este último, o que lhe retirou qualquer visibilidade e controlo do veículo.

11 - Por estas razões, veio o veículo GA, a embater na traseira do veículo SF.

12 - O local do acidente caracteriza-se por uma curva de visibilidade reduzida, a faixa de rodagem não apresenta duas ou mais filas de trânsito no mesmo sentido, a estrada tem dimensões reduzidas, e o tempo estava chuvoso.

13 – Do acidente resultaram danos materiais para o Autor, tendo a reparação do veículo GA, sido orçamentada na quantia de €1.423,09 euros.

14 - As partes divergiram sobre as circunstâncias do acidente, tendo a Ré inicialmente declinado qualquer responsabilidade, de seguida chegado a acordo no valor da reparação (€1.100,00).

15 - A Ré assumiu a responsabilidade pelos danos sofridos no capot e pára-brisas do veículo GA, procedendo à indemnização no montante de €323,79, a qual não foi aceite pelo A.

16 - Em consequência, o veículo GA, ficou paralisado desde a data do acidente, até ao dia 30 de Março de 2010, altura em que o Autor teve possibilidade económica de proceder à sua reparação.

17 - O condutor utilizava o veículo GA, com autorização do proprietário, seu irmão, para as suas deslocações profissionais.

18 - Após o sinistro o veículo ficou com o pára-brisas rachado, pára-choques da frente partido, farol e farolim da frente, lado esquerdo, partidos e o Autor devido a este estado deixou de o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer.

19 - A Ré, nunca disponibilizou qualquer veículo de substituição ao Autor.

20 - O proprietário do veículo AA, transferiu a responsabilidade civil decorrente da circulação do seu veículo, por contrato de seguro válido à data do sinistro, titulado pela apólice n.º 300208991.

21 - A Ré assumiu desde logo a sua quota-parte de responsabilidade pela produção do sinistro em apreço.

22 - Tendo-se disponibilizado a pagar ao autor os danos sofridos no capot e pára-brisas do seu veículo, no valor de €323,79 euros.

23 - O que tudo fez em 18 de Fevereiro de 2009, por carta dessa data, recebida pelo Autor.

24 - O montante em causa apenas não foi liquidado porque o Autor se recusou a receber o mesmo.

25 - Na verdade, o veículo GA depois do acidente e pese embora os danos sofridos podia e pôde, de facto circular.

26 - Não tendo ficado imobilizado.

27 – (Declarado não escrito).

28 - O Autor tinha e tem outros veículos.

29 - Durante o período de 06 de Dezembro de 2008 a 30 de Março de 2010 não ficou impedido de fazer todas as deslocações que precisava.

30 - O veículo GA era utilizado pelo seu irmão para as suas deslocações profissionais.

31 - Nessa medida e nesses momentos, não era, nem foi, utilizado pelo próprio Autor.

b) Apreciação do objecto do recurso.

1 - Indemnização pela privação do uso do veículo – Face ao disposto no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil, só há lugar a indemnização quando há um dano.

A indemnização pela privação do uso do veículo coloca-se não em relação a despesas que o lesado tenha efectuado devido à indisponibilidade do veículo, como, por exemplo, o aluguer de outro veículo, mas sim e apenas quanto à mera supressão da vantagem que consiste em o proprietário dispor de um veículo e de o usar quando o desejar.

Trata-se da situação em que o lesado fica privado do uso do veículo e não beneficiou de um veículo alternativo, seja porque ele não providenciou pela substituição (porque não pôde ou não quis), seja porque o lesante não lhe forneceu um veículo sucedâneo.

Esta situação de privação quanto ao uso desdobra-se, ainda, em duas outras situações:

 Uma consiste na privação do uso do veículo em si mesma, isto é, em termos abstractos, desenraizada das circunstâncias em que a privação se manifesta, colocando-se a questão de saber se, em abstracto, esta situação produz automaticamente um dano.

Outra, ao invés, exige a prova de factos que mostrem ter ocorrido em concreto um dano (tese da recorrida).

Esta problemática tem sido abordada na doutrina e na jurisprudência.

Assim, a favor da tese de que o mera privação do uso do veículo gera sempre um dano, pode ver-se o acórdão do S.T.J de 5 de Julho de 2007 (Santos Bernardino), publicado na C. J. (Supremo Tribunal de Justiça), ano XV, tomo 2, pág. 153, onde se ponderou que «…a privação de uso de um veículo automóvel durante certo lapso de tempo, em consequência dos danos sofridos em acidente de trânsito, constitui, só por si, um dano indemnizável (…).

O dono do veículo, ao ser-lhe tornada impossível a utilização desse veículo durante o período em causa, sofre uma lesão no seu património, uma vez que deste faz parte o direito de utilização das coisas próprias. E essa lesão é avaliável em dinheiro, uma vez que a utilização de um veículo automóvel no comércio implica o dispêndio de uma quantia em dinheiro. A medida do dano é, assim, definida, pelo valor que tem no comércio a utilização desse veículo durante o período em que o dono está dele privado.

O dano produzido atinge, neste caso, a propriedade – direito que tem como manifestações, entre outras, a possibilidade de utilizar a coisa e a capacidade de dispor materialmente dela; possibilidade e capacidade que são retiradas ao proprietário durante o tempo em que, por via do dano produzido, está privado do veículo. E a perda da possibilidade de utilização do veículo quando e como lhe aprouver tem, claramente, valor económico, e não apenas quando outro veículo é alugado para substituir o danificado».

No mesmo sentido, considerou-se no acórdão do S.T.J. de 17 de Abril de 2008 (Serra Batista), C. J. (Supremo Tribunal de Justiça), ano XVI, tomo II, pág. 31, que «O dano de privação do uso de veículo automóvel, impedindo o seu uso pelo proprietário, é um dano autónomo, específico, passível de reparação, devendo recorrer-se à equidade na falta de prova dos danos efectivos causados pela privação.

A conduta poupadora do lesado, que não procedeu ao aluguer de outra viatura durante o período em que esteve impedido de usar a sua, não obsta à indemnização do dano verificado»; e no acórdão do S.T.J. de 06 de Maio de 2008 (Urbano Dias), C. J. (Supremo Tribunal de Justiça) ano XVI, tomo II, pág. 50, foi dito que «O simples uso de veículo constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária pelo que a sua privação constitui um dano ressarcível».

Exigindo a prova de factos de onde resulte um dano efectivo, patrimonial ou não patrimonial, temos a declaração de voto de vencido do Sr. Cons.º Salvador da Costa no ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2005, C. J. (Supremo Tribunal de Justiça), ano XIII, tomo III, pág. 154, onde se sustenta que «…a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil também depende de danos, pressupõe como é natural  a verificação do nexo de causalidade entre eles e o facto ilícito lato sensu (art. 563.º do Cód. Civil).

Isto significa que os juízos de equidade não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável derivado do facto ilícito lato sensu, porque o referido suprimento só ocorre em relação ao cálculo do respectivo valor em dinheiro».

Na doutrina, Menezes Leitão sustenta que «Entre os danos patrimoniais inclui-se naturalmente a privação do uso das coisas ou prestações, como sucede no caso de alguém ser privado da utilização de um veículo seu ou ser impedido de realizar uma viagem turística que tinha contratado. Efectivamente, o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano ([1]).

Abrantes Geraldes defende que «…não custa compreender que a simples privação do uso seja causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização. E mesmo que se considere que a situação não atinge a gravidade susceptível de merecer a sua inclusão nos danos na categoria dos danos morais, nos termos do art. 496.º, n.º 1, do CC, é incontornável a percepção de que entre a situação que existiria se não houvesse o sinistro e aquela que se verifica na pendência da privação existe um desequilíbrio que, na falta de outra alternativa, deve ser compensado através da única forma possível, ou seja, mediante a atribuição de uma quantia adequada» ([2]).

Por sua vez, Paulo Mota Pinto, entende que o dano só se concretiza ao nível das privações concretas das vantagens que a coisa proporciona ([3]) e não antecipadamente ao nível da perturbação (ilícita) das possibilidades abstractas de uso que resultam para o proprietário derivadas do «jus utendi et fruendi» inerente ao direito de propriedade.

Sustenta este autor que «O dano da privação do gozo ressarcível é, assim, a concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo, e não logo qualquer perda da possibilidade de utilização do bem – a qual (mesmo que resultante de uma ofensa directa ao objecto, e não apenas de uma lesão no sujeito) pode não ser concretizável numa determinada situação» ([4]).

A favor desta solução pode argumentar-se:

– Nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, para haver obrigação de indemnizar, não basta a ilicitude da acção do lesante, que se traduz na lesão do bem, sendo necessário ainda um dano efectivo e não apenas um dano ficcionado que, neste caso, contrariaria a proibição do enriquecimento do lesado devido ao evento lesivo, que receberia uma indemnização superior ao dano efectivo.

Esta solução favorece na prática a obtenção de resultados justos, impedindo, por exemplo situações de enriquecimento injustificado do lesado, como sucederia nos casos em que se prova, por exemplo, que o proprietário não queria ou não podia usar a coisa durante o período em que decorreu a reparação, como no caso (raro é certo) do lesado que deixou o veículo no parque do aeroporto, para o utilizar quando regressasse de férias, e o mesmo sofre um acidente quando já parqueado, sendo reparado na ausência do proprietário em gozo de férias.

Ou seja, não pode autorizar-se o ressarcimento da perda de uma mera possibilidade de uso que nunca seria utilizada, sob pena de se conceder um benefício que nunca existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo.

– Está em harmonia com outros lugares paralelos do sistema jurídico em que ocorre uma distinção para efeitos de indemnização entre a possibilidade abstracta de utilização, autorização de utilização contida no direito de gozo e as concretas vantagens fácticas de uso.

Assim, nos casos de restituição previstos no artigo 289.º do Código Civil, a restituição de tudo o que foi prestado compreende apenas o que efectivamente foi prestado e não já as vantagens que o credor poderia ter retirado da prestação se porventura a tivesse mantido no âmbito do seu poder de uso e disposição.

No caso dos frutos (artigos 1270.º e 1271.º do Código Civil) a obrigação de restituição que recai sobre o possuidor de má fé abrange além dos frutos efectivamente percebidos também aqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido, mas este regime deve-se à necessidade de proteger o proprietário, credor da restituição, da actuação negligente ou dolosa do possuidor que sabe estar a lesar o direito de outrem.

No caso da restituição por enriquecimento sem causa, o obrigado à restituição apenas tem de restituir aquilo com que se locupletou e não aquilo com que poderia ter-se locupletado (artigo 479.º do Código Civil) ([5]).

Tendo em conta o que acaba de ser exposto, face ao disposto no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil, afigura-se que deve exigir-se um dano real ([6]).

Ainda se acrescenta a este respeito que o dano consiste, comummente, numa alteração desfavorável de um certo estado de coisas que integra a esfera jurídica de um sujeito num certo momento.
Por sua vez, o objecto sobre o qual incide o dano é, em termos naturalísticos, qualquer situação favorável, quer se refira a pessoas, coisas ou posições intersubjectivas, mas, em sentido jurídico, o objecto de dano é um interesse juridicamente protegido.
Sendo o interesse o objecto do dano em sentido jurídico, importa saber em que consiste o conceito de interesse.
Este conceito para se conceber carece, previamente, da explicitação da noção de bem.
O conceito de bem pode ser factualmente determinado considerando que se identifica com tudo o que pode satisfazer uma necessidade. Por sua vez, a necessidade é um estado que resulta da ausência de certas coisas para as quais tende a própria satisfação e postula, consequentemente, um bem.
A utilidade própria do bem existe na medida em que o bem for idóneo para satisfazer uma necessidade humana.
O interesse do sujeito consiste, assim, na possibilidade de uma sua necessidade poder vir a ser satisfeita mediante a utilidade que o bem proporciona ([7]).
Ora, se o bem lesado satisfazia uma necessidade de uso concreta do sujeito e deixou de a satisfazer, porque a lesão o tornou impróprio para esse fim, há aqui, sem dúvida um dano.
Só assim não será se porventura essa necessidade, por qualquer razão, terminou definitivamente ou ficou suspensa na ocasião da lesão ou, ainda, se a necessidade não era assegurada exclusivamente por aquele bem e pôde continuar a ser satisfeita através de outros meios do lesado ou de terceiro, sem que tivesse ocorrido qualquer diminuição na satisfação das suas restantes necessidades.
Daí que se afigure que a privação de algo que era usado pelo lesado constitua em regra um dano, pois esta regra é o reflexo desta outra: a generalidade dos bens que alguém detém e usa, usa-os para satisfazer uma qualquer necessidade.
Por conseguinte, quando alguém é privado de um automóvel, que usava, existe na generalidade dos casos um dano, na medida em que se trata de um bem que satisfazia várias e mutáveis necessidades quotidianas do seu proprietário, familiares ou amigos, principalmente as relativas à circulação da pessoa entre locais, às resultantes da sua utilização numa actividade comercial ou de qualquer outro tipo.
Por outro lado, cumpre referir que os bens que o sujeito tem ao seu serviço desempenham um papel articulado com outros bens e outras necessidades na sua vida quotidiana.
Sendo assim, a privação de um bem que servia para satisfazer uma certa necessidade pode reflectir-se e afectar outras necessidades em outras áreas do quotidiano da mesma pessoa, devido ao facto das diversas facetas da sua vida estarem interligadas e polarizadas no respectivo sujeito. Assim, uma perda num sector pode implicar a mobilização para esse sector de recursos humanos ou materiais que estavam afectados à satisfação de outras necessidades, rompendo o equilíbrio existente.
Desta forma, só em casos excepcionais é que a privação do uso de um veículo não será indiferente para a satisfação das mesmas necessidades que o sujeito satisfazia, ao tempo da lesão, usando-o.
Seria o caso de alguém ter à sua disposição diversos veículos semelhantes e apenas necessitar de um deles para satisfazer as suas necessidades. A privação do uso de uma dessas unidades não geraria um dano, pois tudo se passava como se a ausência do veículo lesionado ocupasse o lugar de um daqueles que estava permanentemente fora de uso.
Não ocorre dano neste caso porque o grau de satisfação da totalidade das necessidades da pessoa não sofre qualquer diminuição, mantendo-se sempre o mesmo, inalterado.
Concluindo: para o proprietário ter direito a ser indemnizado pela privação do uso do veículo não basta que, em abstracto, exista essa privação, sendo ainda necessário que essa privação cause alguma diminuição ao nível da satisfação das necessidades globais do proprietário.

2 – Medida da indemnização. Esta questão é de difícil solução na medida em que a teoria da diferença (artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil) que serve de critério para encontrar o quantum da indemnização não é operacional nestes casos.

Com efeito, se a privação do uso não se traduzir numa diferença patrimonial palpável entre a situação que existiria se não ocorresse a privação e aquela que existe por causa dela, não temos valores para calcular a diferença, muito embora saibamos que há um dano e que este tem de ser indemnizado.

Um critério pode passar pela averiguação do preço do aluguer que o bem lesionado tem no mercado.

No caso de um veículo automóvel o valor de uso corresponderá ao valor médio do aluguer de um veículo semelhante em empresas do ramo.

Porém, este critério não é exacto, pois o prejuízo resultante da privação de uso de um veículo próprio não é igual ao valor do aluguer de um veículo semelhante que uma empresa comercial disponibiliza a quem o queira alugar.

Se pretendermos calcular o valor de uso do veículo para o próprio, podemos aproximar-nos desse valor se somarmos o preço de aquisição e as despesas de manutenção médias ao longo do período previsível da sua utilização (revisões, reparações e seguros), dividindo a soma pelo número de dias de vida média calculada para o veículo.

Conseguir-se-ia, assim, encontrar um valor diário representativo do preço que o proprietário, na veste do bonus pater familias, considerou ser adequado despender para ter ao seu serviço diário, durante todo o período, a vantagem proporcionada por aquele bem ([8]), independentemente do uso mais ou menos intensivo dado ao veículo.

Ora, este valor difere do preço de aluguer de um veículo, pois neste caso, além do preço do automóvel e despesas de manutenção entram outros valores em jogo, como o lucro do empresário e os custos gerais da empresa (impostos, salários e custos com trabalhadores, seguros, etc.).

O valor do aluguer tem se ser, por conseguinte, superior ao valor de uso digamos, doméstico e dai que não se mostre adequado, salvo se corrigido.

  Paulo Mota Pinto propõe o seguinte critério: «Pensamos que o dano da privação do uso deverá ser quantificado num valor que pode ser obtido de uma de duas formas; ou (como de “cima para baixo”) a partir dos custos de um aluguer durante o lapso de tempo em causa, mas “depurados” – bereinigte Mietkosten que excluem o lucro do locador, e custos gerais como os gastos com a manutenção da frota, as provisões para períodos de paragem dos veículos, as amortizações, etc. (no direito alemão os valores constantes das referidas tabelas rondam cerca de um terço dos custos de aluguer normalmente praticados); ou (como que “de baixo para cima”), designadamente, para viaturas de profissionais e empresas, a partir dos custos de capital imobilizado necessário para obter a disponibilidade de um bem, como aquele durante o período de tempo necessário (por ex., os custos necessários para constituir uma reserva de um bem como o que está em causa)» ([9]).

Claro que para usar estes mecanismos as partes têm de fornecer factos para que o tribunal possa chegar a alguma conclusão.

Se as partes não oferecem os factos, o tribunal ficará impedido de utilizar estes critérios, pois o tribunal tem de se cingir aos factos articulados pelas partes (artigo 664.º do Código de Processo Civil) e aos factos instrumentais que resultem da discussão da causa (artigo 264.º do mesmo Código).

Porém, se apesar de serem alegados os factos que no caso é possível alegar e, mesmo assim, o tribunal não dispõe de elementos suficientes para calcular a diferença patrimonial entre a situação actual e a que o lesado teria se não tivesse ocorrido o evento, como ocorre no presente caso, sempre o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar uma indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, onde se dispõe que «Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados» ([10]).

3 – Análise do caso concreto.

a) Os factos provados relevantes são estes:

O veículo do Autor foi atingido pela «…queda de um poste de telecomunicações e respectivos cabos, sobre o capot e pára-brisas da sua viatura, rachando de imediato este último, o que lhe retirou qualquer visibilidade e controlo do veículo» (facto do n.º 10).

O veículo do Autor ficou paralisado entre 06 de Dezembro de 2008 e 30 de Março de 2010.

Na altura do acidente quem conduzia o veículo era um irmão do Autor que o usava nas suas deslocações profissionais.

A Ré nunca disponibilizou qualquer veículo de substituição ao Autor.

Após o sinistro o veículo ficou com o pára-brisas rachado, pára-choques da frente partido, farol e farolim da frente, lado esquerdo, partidos e o Autor devido a este estado deixou de o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer (facto do n.º 18).

O veículo GA depois do acidente e pese embora os danos sofridos podia e pôde, de facto circular, não tendo ficado imobilizado (facto do n.º 26).

O autor tinha e tem outros veículos.

Vejamos então.

O Autor devido ao facto do veículo ter ficado no estado em que ficou, entendeu não o dever utilizar entre a data do acidente e a data da reparação.

Afigura-se que não era exigível que o Autor circulasse com o veículo no estado em que ficou, isto é, com a pára-brisas rachado, capot danificado, pára-choques partido e farol e farolim esquerdo partidos.

É certo que não se sabe o estado de avaria em que estas peças ficaram.

Por exemplo, não se sabe em que estado ficaram o farol e farolins esquerdos partidos, isto é, apesar de partidos as luzes funcionavam e iluminavam ou constituíam infracção ao disposto na al. c), do n.º 4 do artigo 61.º do Código da Estrada?

Não sabemos.

Seja como for, o proprietário não pode ser forçado a utilizar um veículo nas suas deslocações com a pára-brisas rachado, capot danificado, pára-choques partido e farol e farolim esquerdo partidos, em estado tal que implicou a substituição destas peças, à excepção do capot, por três razões:

Em primeiro lugar, porque a circulação neste estado pode gerar agravamento dos danos, pois, por exemplo, um pára-choques partido pode soltar-se devido à força do atrito provocado pela deslocação do ar e forçar outras peças a que ele esteja preso, danificando-as, caso em que a Ré poderia argumentar que tais danos tinham sido provocados pelo próprio Autor.

Em segundo lugar, porque a circulação com essas partes danificadas pode afectar a segurança do veículo, como no caso do pára-brisas poder estilhaçar devido a estar já fracturado.

Por fim, o proprietário tem direito, que emerge dos seus poderes de uso e disposição sobre as coisas que possui, a não usar as coisas salvo se estiverem nas suas condições de uso normais, ou seja, não se lhe pode impor que circule com um veículo visivelmente acidentado, salvo em condições de força maior.

Por outro lado, embora se tivesse provado que o Autor tinha outros veículos, não há factos que mostrem que tipo de veículos eram esses e se os mesmos tinham características semelhantes às do veículo danificado, pois só neste caso se poderia conjecturar não ter existido qualquer prejuízo.

Como nada se sabe acerca da aptidão de tais veículos para satisfazer as necessidades que o veículo sinistrado satisfazia, nenhum juízo se pode fazer no sentido de que tais veículos supriram a falta do veículo como se este não tivesse ficado paralisado.

Quanto ao facto do Autor emprestar este veículo ao irmão, para este o usar na sua vida profissional, afigura-se que o mesmo é irrelevante.

Tal empréstimo não restringe o uso do veículo por parte do Autor, pois, em termos amplos, é certo, emprestar o veículo para outrem o utilizar ainda é uma forma de o seu proprietário o usar.

Resultou provado que o Autor além de emprestar o automóvel ao irmão também o utilizava e que «…após o sinistro deixou de o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer (facto do n.º 18).

Afigura-se, por conseguinte, que se deve concluir pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do Autor o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer e de o emprestar, inclusive ao irmão.

b) Coloca-se agora a questão de determinar, em termos quantitativos, a indemnização a atribuir pela paralisação, seguindo critérios de equidade.

Como não são frequentes as reflexões dos autores relativamente à equidade, mencionar-se-ão aqui, a tal respeito, as palavras de Immanuel Kant: «A equidade (objectivamente considerada) não é de modo algum uma razão para apelar só para o dever ético de outros (para a sua benevolência e bondade); quem exige algo nesta base apoia-se no seu direito, só que lhe faltam as condições de que o juiz necessita para poder determinar segundo elas quanto ou de que modo é possível satisfazer a sua reclamação. Quem numa sociedade comercial, constituída sobre a igualdade dos benefícios e que se dissolveu, contribuiu, todavia, mais do que os outros, mas perdeu mais nisso do que os demais membros por circunstâncias infelizes, pode, de harmonia com a equidade, exigir da sociedade algo mais do que ir só a partes iguais. Mas, segundo o direito propriamente dito (estrito), seria rejeitado juntamente com a sua reclamação, pois, se se imaginar um juiz no seu caso, carece de dados precisos (data) para estipular quanto lhe corresponde segundo o contrato» ([11]).

Nesta linha de ponderação, retomando a ideia mencionada supra, afigura-se ajustado que a indemnização a atribuir ao proprietário tenha alguma correspondência relativamente ao investimento feito por si na aquisição e manutenção do veículo.

Na posse deste valor, necessariamente aproximado, pode o mesmo ser fraccionado em dias de utilização considerando o período médio de vida do automóvel, multiplicando-se, depois, o valor encontrado por dia de utilização pelo número de dias de paralisação.

Tendo em conta o cálculo a que acima também se chegou, como mero exemplo (Cfr. nota 8) e também outras decisões judiciais sobre a matéria, afigura-se que a quantia de €10,00 diários é adequada a título de indemnização pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as necessidades básicas diárias do lesado.

A título de exemplo, pode verificar-se que no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Março de 2010, no processo n.º 1247/07.4TJVNF, o valor considerado foi de €10,00 euros diários; no acórdão da Relação do Porto de 7 de Setembro de 2010, no processo n.º 905/08.0TBPFR, considerou-se também o valor de €10,00 euros por dia de paralisação; no acórdão da Relação de Coimbra, de 2 de Março de 2010, no processo n.º 27/08.4TBVLF, foi fixada a quantia de €8,00 por dia de privação (ver em www.dgsi.pt).

Desta forma, aos 479 dias de paralisação correspondem a €4 790,00 euros.

Por se afigurar que se trata de uma indemnização que tem por base critérios objectivos será esta a quantia em que se condenará a Ré, a que acrescem os juros legais de mora pedidos, desde a citação.

IV. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de €4 790,00 euros a título de indemnização pela privação de uso do veículo.

Custas do recurso pela Ré na proporção de 23% e pelo Autor na proporção de 77%.


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Alberto Augusto Vicente Ruço ( Relator )

Judite Lima de Oliveira Pires

Carlos Pereira Gil



[1] Direito das Obrigações, Vol. I, pág.348, 9.ª edição. Almedina, 2010.
[2] Indemnização do Dano da Privação do Uso, pág. 39. Almedina, 2001.
[3] «Pensamos, pois, que a privação dessas concretas vantagens, e não logo a perturbação da faculdade de utilização que integra o direito de propriedade, é que importará já um dano, autonomizável da ilicitude por afectação da abstracta possibilidade de uso – um dano, portanto, bem mais próximo da ideia de vantagens que teriam podido ser fruídas depois do evento lesivo, e, assim, de vantagens ou de um “lucro” (em sentido amplo) cessante, do que de uma perda ou dano emergente em posições actualizadas do lesado» - Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Positivo, Vol. I, pág. 594/596. Coimbra Editora, 2008.
[4] Ob. cit., pág. 594/596. Coimbra Editora, 2008.
[5] Ver autor e ob. cit., págs. 592, nota 1697; 596, nota 1701.

[6] Neste sentido, recentemente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de Maio de 2011 (Nuno Cameira), no processo n.º 2618/08.06TBOVR.P1 (in www.dgsi.pt), onde se decidiu que «…II - Não é suficiente, todavia, a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efectivo – de proceder à sua utilização.

III - A privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto» - Sumário.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Março de 2011 (Moreira Alves) no processo n.º 3922/07.2TBVCT.G1.S1 (in www.dgsi.pt): «…III - Competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver ressarcido, não chega alegar e provar a privação da coisa, pura e simplesmente, mostrando-se ainda necessário que o autor alegue e demonstre que pretendia usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou algumas delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela actuação ilícita do lesante.

IV - Quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel, danificado num acidente de viação, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente (o que na generalidade das situações concretas constituirá um facto notório ou poderá resultar de presunções naturais a retirar da factualidade provada) para que possa exigir-se do lesante uma indemnização a esse título, sem necessidade de provar directa e concretamente prejuízos efectivos» - Sumário.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2010 (Alves Velho) no processo n.º 1247/07.4TJVNF.P1.S1 (in www.dgsi.pt): «Para efeito de atribuição de indemnização pela privação do uso não será de exigir a prova de danos efectivos e concretos (situação vantajosa frustrada/teoria da diferença), mas a ressarcibilidade também não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa (independentemente de que a utilização tenha ou não lugar durante o período de privação), emergindo como critério de atribuição do direito à indemnização a demonstração no processo que, não fora a privação, o lesado usaria normalmente a coisa, vendo frustrado esse propósito» - Sumário.
[7] Cfr. De Cupis, El Daño – Teoria General de la Responsabilidad Civil, pág. 109 e seguintes, Editorial Boch/1975.
[8] Exemplo – Para um veículo que tivesse custado €25 000,00 euros e estimando um período de vida de 10 anos, somando as despesas com revisões, reparações e seguros durante esses 10 anos, que se calculam em ¼ relativamente ao preço de compra, teríamos um valor diário de €8,56 euros [(€25 000,00 + €6 250,00) : (365 x10)]. Se o preço de compra tivesse sido de €40 000,00 euros o valor subiria para €13,70 euros; se tivesse sido de €60 000,00 euros subiria para €20,55 euros, etc.
[9] Ob. cit., pág. 592, nota 1699.
[10] «A avaliação do dano em causa, se outro critério não puder ser adoptado, será determinada pela equidade, dentro dos limites do que for provado, nos termos estabelecidos no art. 566.º, n.º 3, do CC» - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já citado, de 03 de Maio de 2011.
[11] Metafísica dos Costumes – Parte I (Princípios Metafísicos da Doutrina do Direito), pág. 40/41. Lisboa, Edições 70, 2004.