Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1272/11.0TBTNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 27º-A, DO REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES E COIMAS (D.L. N.º 433/82, DE 27/10
Sumário: Tendo ocorrido as duas causas da suspensão da prescrição previstas nas alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 27º-A, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, quando se estabelece no n.º 2, deste preceito, que Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses”, este prazo de seis meses respeita a cada uma daquelas causas da suspensão da prescrição.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO

X..., Lda veio interpor recurso da sentença que, mantendo o decidido pela Direcção Geral de Veterinária, a condenou pela prática da contra-ordenação por violação ao disposto nos artigos 5º, alíneas a) e b), e 8º, e punida nos termos do artigo 17º, n.º 1, alíneas a), b) e i), do DL n.º 185/2005, de 4.11, na coima de 4.000 euros e, na pena acessória de perda dos animais cujos resultados foram positivos à substância beta-agonista clembuterol.

E, da motivação extraiu as seguintes conclusões:
1- A douta Sentença recorrida ao considerar que a notificação de fls. 383 a 386 consubstancia, a concessão do direito à audição e defesa da arguida a que alude o art. 50.° do DL 433/82, de 27/10, fez má interpretação desta mesma disposição legal, porquanto tal direito à audição e defesa tem, por um lado, de ser vista à luz também dos correlativos preceitos contidos nos artºs 100° a 101° do C.A. e, por outro lado, hoje em dia, exige-se que a Peça que é facultada ao arguido para que ele possa pronunciar-se sobre a contra-ordenação e a sanção correspondente tenha os requisitos que são próprios da acusação em processo crime.
2- O direito à audição e defesa da arguida devia ter ocorrido depois de concluída a instrução, conforme dispõe, expressamente, o n.º 1 do art. 100.° do C.P.A. e se infere do próprio art. 50.° do DL 433/82, de 27/10, o que manifestamente, não ocorreu nos autos, pois factos há carreados para o Processo e que integram a Decisão Administrativa recorrida que não constam da notificação feita pelo ofício 9862, de 11/04/2008 (factos 12, 13, 14, 15, 16 e 17 da Decisão),
3- Cotejando a notificação 9862 de 11/04/2008 (fls. 384 a 386) com a Decisão administrativa impugnada é evidente que o princípio do contraditório plasmado no n.º 5 do art. 32.° da C.R.P. foi violado, na medida em que abundam na Decisão administrativa factos que não integram o elenco dos que à arguida foi dada a possibilidade de exercer o seu direito à audição e defesa, são os factos 12, 13, 14, 15, 16 e 17 da Decisão.
4- Tendo o instrutor optado pela audiência escrita no cumprimento do art. 50.° do R.G.C.O., tinha, desde logo, que indicar também as horas e o local onde o processo poderia ser consultado, sem o que, também por isso, violou o direito conferido à arguido pelo mencionado art. 50°.
5- A Peça que foi facultada à arguida para ela exercer o seu direito de se fazer ouvir e defender-se tinha que explicitar o teor das sanções acessórias (e não remeter eufemisticamente para a respectiva previsão legal); assim como foi feito a arguida não ficou em condições de se poder defender, antes lhe foi "escondida" a coisa tão simples como a séria probabilidade da perda do gado; o modo como foi dado exercer o direito à arguida equivale à omissão da concessão do direito de audição e defesa.
6- E tinha a Peça que fazer a imputação dos factos por forma a abranger não só os factos objectivos como os que traduzem a imputação subjectiva - dolo ou negligência - e indicando as circunstâncias que podem influir na correcta determinação da sanção, sem o que, verdadeiramente, o direito à audição e defesa não é concedido.
7- Em suma, o modo como pela notificação, pelo ofício 9862, de 11/04/2008 (fls. 384 a 386), foi dada à arguida-recorrente o direito à audição e defesa não satisfaz os requisitos exigidos pela Lei, equivalendo tal vício à omissão da concessão do direito.
Pelo exposto,
Deve o presente recurso merecer provimento, anulando esse Venerando Tribunal a Decisão judicial ora recorrida e declarando a invalidade da instrução a partir da omissão da concessão do direito à audição e defesa de forma capaz e, por dela depender e a afectar, a subsequente Decisão Administrativa impugnada.

O Magistrado do MºPº junto do tribunal a quo ofereceu resposta, defendendo a procedência do recurso.
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Antes da prolação do despacho de admissão do recurso, a arguida, por requerimento de 11-4-2012, veio invocar a prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Ouvido o MP sobre tal questão em 16-4-2012, pronunciou-se no sentido de ainda estar em curso o prazo de suspensão da prescrição, pelo que não se encontra prescrito o procedimento contra-ordenacional.

Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta apôs o “Visto”.
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QUESTÃO PRÉVIA – Da Prescrição

Importa apreciar, como questão prévia, a arguida excepção da prescrição, porquanto, a sua procedência obsta ao conhecimento do objecto do recurso.
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Sobre tal questão, no despacho de 18-4-2012, o Mmº Juiz a quo decidiu que «o presente processo de contra-ordenação ainda não prescreveu, ao contrário do que pretende a arguida X...», porquanto:
« (…) a infracção que se encontra aqui em causa foi consumada em 11 de Abril de 2007.
Contudo, por considerar que a infracção em questão constituiria crime, a autoridade administrativa enviou o processo, em 13-4-2007, ao Ministério Público a fim de o mesmo proceder à sua investigação, nos termos do artigo 40º, n.º 1 do DL n.º 433/82, de 27-10.
Deste modo, ocorreu uma primeira situação de suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, nos termos do artigo 27º-A, n.º 1, al. b) do DL n.º 433/82.
O Ministério Público considerou que os factos não constituiriam crime, tendo arquivado o processo criminal que tinha sido instaurado para o efeito (…), e devolveu os autos à autoridade administrativa para proceder à respectiva investigação, nos termos do artigo 40º, n.º 2 do DL n.º 433/82. Esta devolução ocorreu em 17-10-2007, conforme se extrai de fls. 186.
(…)
Tendo em conta que, nos termos do artigo 27º, alínea b) do DL n.º 433/82, o prazo de prescrição para a contra-ordenação em causa é de 3 anos, de acordo com o artigo 28º, n.º 3 o prazo máximo de prescrição para este ilícito será de 4 anos e 6 meses, independentemente das interrupções da prescrição, ou seja, o prazo normal acrescido de metade.
Tendo em conta que a infracção foi consumada em 11 de Abril de 2007 e, ocorreu a suspensão da prescrição entre 13-4-2007 e 13-10-2007, conforme referimos supra, o referido prazo máximo de 4 anos e meio para a prescrição apenas ocorreria em 11 de Abril de 2012.
Contudo, tendo em conta que a arguida foi notificada do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso por si deduzido contra a decisão da autoridade administrativa, a prescrição ficou igualmente suspensa a partir desse acto, ou seja em 26-10-2011, conforme se retira de fls. 510, e enquanto o processo estiver pendente, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 27°-A, do DL n.º 433/82.
Consequentemente, e devido a essa última suspensão da prescrição, ter-se-á que concluir que o procedimento contra-ordenacional em causa nos presentes autos ainda não prescreveu.
Na verdade, tendo em conta o disposto no artigo 27°-A, n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27-10, o prazo de 6 meses da suspensão da prescrição após a notificação do arguido do despacho de recebimento do recurso do processo de contra-ordenação, após se acrescentar o prazo de prescrição e de interrupção, ou seja de 4 anos e 6 meses, conforme referimos, apenas terminará em 11 de Outubro de 2012. (…) ».

Insurgiu-se a arguida contra o decidido, alegando que “a decisão recorrida entendeu, erradamente, que o n.º 2 do artigo 27º-A do DL n.º 433/82, de 27-10, confere o limite máximo de suspensão da prescrição de 6 meses para cada um dos casos previstos na al. b) e na al. c), podendo totalizar 12 meses, quando devia ter presente que o limite máximo de suspensão da prescrição para ambos os casos das als. b) e c), mesmo no caso de existirem ambos, como no presente processo, é de 6 meses o limite máximo da suspensão da prescrição”.
Pelo que, considerando que in casu o prazo máximo de prescrição é de 5 anos, o presente procedimento contra-ordenacional prescreveu em 11-4-2012.
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Decidindo,
Foi a arguida/recorrente condenada pela prática, em 11-4-2007, de conduta contra-ordenacional prevista nos artigos 5º, alíneas a) e b), e 8º do DL n.º 185/2005, de 4.11, sancionável nos termos do artigo 17º, n.º 1, alíneas a), b) e i), com coima de 500€ a 44.890€.

Assim, face ao lapso de tempo decorrido desde a prática da contra-ordenação, teremos de verificar se já ocorreu a prescrição, tal como vem invocado pela recorrente.
Como sabemos a prescrição consiste na extinção de um direito em virtude do decurso de certo período de tempo e a verificar-se essa excepção, no caso em apreço, a mesma tem por efeito a extinção do procedimento contra-ordenacional.
O curso da prescrição pode ser suspenso ou interrompido.
Há suspensão quando o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão conta para a prescrição, juntando-se, portanto, com o tempo decorrido após a causa de suspensão ter desaparecido. Inversamente, verifica-se interrupção, quando o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, devendo portanto reiniciar-se o período, logo que desapareça a causa de interrupção ( - cfr. Simas Santos e Leal-Henriques em anotação ao art. 120º.).

O regime legal das contra-ordenações encontra-se definido no DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, o qual tem vindo a sofrer algumas alterações, designadamente a introduzida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, aos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º, relativa à prescrição.
Ditam tais normas:

Artigo 27º(Prescrição do procedimento)
O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a € 49.879,79;
b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 49.879,79;
c) Um ano, nos restantes casos.

Artigo 27º-A (Suspensão da prescrição)
1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do art. 40º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso;
2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.

Artigo 28º - (Interrupção da prescrição)
1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2. (...).
3. A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo da suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.




Entendeu o Mmº Juiz a quo que a contra-ordenação em causa não estava prescrita, por se verificarem duas causas da suspensão da prescrição (respectivamente previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 27º-A); sendo que, na primeira, a suspensão durante 6 meses, ocorreu de 13-4-2007 a 13-10-2007 e, na segunda, a suspensão iniciou-se em 26-10-2011 (com a notificação da arguida do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso por si deduzido contra a decisão da autoridade administrativa), prolongando-se até 11-10-2012.

Concordamos com o decidido.
Na verdade, a questão que aqui se coloca consiste em saber se, tendo ocorrido as duas causas da suspensão da prescrição previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 27º-A do RGCO, quando se estabelece no n.º 2 deste preceito que Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses, tal limite (máximo) de seis meses “engloba” as duas causas ou, ao invés, se existe um prazo de seis meses para cada uma das causas da suspensão da prescrição.
Embora a redacção do preceito permita as duas interpretações, entendemos que no caso de terem ocorrido as duas causas da suspensão da prescrição, existirão dois prazos (máximos) de seis meses, que se cumulam; até pelo facto de, cada uma delas ocorrer em fases diversas, a da alínea b) numa fase de investigação, da competência da entidade administrativa e, da alínea c) já na fase judicial, que se iniciou com o recurso de impugnação judicial.
Diversamente, na interrupção da prescrição contra-ordenacional, todas as causas (previstas no n.º 1 do artigo 28º do RGCO) se verificam na fase administrativa.

Deste modo, considerando:
- a data em que a contra-ordenação foi praticada (11-4-2007),
- que o prazo de prescrição é de três anos, e,
- que a prescrição tem sempre lugar quando, desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição, acrescido de metade,
teremos: 3A + 18M + 6M + 6M = 5A e 6M
ou seja, o procedimento contra-ordenacional não se mostra prescrito, ocorrendo a prescrição em 11-10-2012.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão recorrida consta o seguinte:
Questão prévia da nulidade da decisão condenatória devido a uma eventual omissão de notificação à arguida X...para apresentar a sua defesa, nos termos do artigo 50º, do d/l nº 433/82, de 27-10, por esta invocada:

Conforme deixamos exposto supra, vem a arguida X… alegar que não foi notificado nos termos do artigo 50º, do D/L nº 433/82, de 27-10, antes de ser proferida a decisão pela autoridade administrativa que o condenou, não lhe tendo assim sido possível apresentar a sua defesa. Além disso, não lhe teria sido dado conhecimento do teor da matéria de facto e de direito que lhe era imputada no presente processo. Tal consubstanciaria uma nulidade, na medida em que o teria impedido de se pronunciar sobre os elementos objectivos e subjectivos de aplicação da medida concreta da pena.
Nos termos do artigo 50º, do D/L nº 433/82, de 27-10, a autoridade administrativa não poderá tomar uma decisão em que aplique uma coima ou uma sanção acessória, sem antes ter assegurado ao arguido a possibilidade de se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre. Está assim em causa o direito fundamental previsto na Constituição do contraditório, ou seja de que ninguém poderá ser condenado pela prática de um facto ilícito sem antes poder apresentar a sua defesa.
No tipo de processo em causa nos autos de contra-ordenação é o nº 10, do artigo 32º, da Constituição que prevê este direito ao estabelecer que: Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.
Quanto a esta questão, esclarece o Dr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-ordenações, Universidade Católica Editora, pág. 208, e seguintes que: O direito de audição tem as seguintes consequências no processo contra-ordenacional: qualquer processo contra-ordenacional deve assegurar o contraditório prévio à decisão; este só poderá ser plenamente exercido mediante a comunicação dos factos imputados; a comunicação dos factos imputados implica a “descrição sequencial, narrativamente orientada e espacio-temporalmente circunstanciada, dos elementos imprescindíveis à singularização do comportamento contra-ordenacionalmente relevante e essa descrição deve contemplar a caracterização objectiva e subjectiva da acção ou omissão de cuja imputação se trate”…A forma e o prazo razoável para audição do arguido resultam dos preceitos do procedimento administrativo, isto é, dos artigos 100º a 102º do CPA. Assim, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final. O órgão instrutor decide, em cada caso, se a audiência dos interessados é oral ou escrita. Quando o órgão instrutor optar pela audição escrita, notificará os interessados para, em prazo não inferior a 10 dias, dizerem o que se lhes oferecer…A notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito. Na resposta, os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos. Se o órgão instrutor optar pela audição oral, ordenará a convocação dos interessados…Na audição oral podem ser apreciadas todas as questões com interesse para a decisão, nas matérias de facto e de direito…A falta de audição do arguido antes da aplicação da coima no processo contra-ordenacional é causa de nulidade sanável da decisão administrativa final, nos termos do artigo 120º, nº2, alínea d), do Código de Processo Penal.
Por outro lado, conforme refere o arguido no seu requerimento de interposição do recurso em apreciação, o STJ veio estabelecer a seguinte Jurisprudência Obrigatória no Acórdão nº 1/2003, de 16-10-2002, publicado no Diário da República de 15-1-2003: Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50º, do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/ acusação administrativa.
Da análise do expediente junto de fls. 383 a 386, resulta que a arguida X… foi devidamente notificada da instauração do presente processo de contra-ordenação, e ainda que poderia apresentar a sua defesa, no prazo de 10 dias, nos termos do artigo 50º, do D/L nº 433/82, de 27-10. Resulta ainda da análise da referida notificação que na mesma se encontram descritos todos os factos que se encontram imputados à arguida. Além disso, encontram-se ainda descritas as normas que terão sido violadas devido ao comportamento ilícito que se encontra imputado à arguida, designadamente o artigo 5º, alíneas a) e b) e o artigo 8º, do D/L nº 185/2005, de 4-11. Foi ainda informada a arguida através da referida notificação quais seriam as sanções a que estaria sujeita pela prática da contra-ordenação, designadamente a coima e as sanções acessórias previstas no artigo 18º, daquele D/L nº 185/05. E ainda que poderia, no prazo de 10 dias a contar da data da recepção da referida notificação, apresentar a sua defesa por escrito.
Não restam assim dúvidas que a arguida foi devidamente notificada das matérias de facto e de direito que se encontram em causa nos presentes autos, e que levariam a concluir pela prática por aquela de uma contra-ordenação, e ainda de que poderia apresentar a sua defesa dentro do prazo referido supra, ou seja de 10 dias após a recepção da notificação.
Conforme refere a própria arguida no seu requerimento de recurso, este prazo de 10 dias para o arguido vir apresentar a sua defesa, que lhe foi comunicado através da referida notificação, é o que se encontra previsto no artigo 101º, nº1, do Código de Procedimento Administrativo. Deste modo, foi cumprido o disposto nesta norma.
Por outro lado, resulta do aviso de recepção devidamente assinado e que se encontra junto a fls. 383, que a arguida recepcionou a mencionada notificação, em que se encontravam descritas a matéria de facto e a matéria de direito que lhe eram imputadas, que levariam à prática da contra-ordenação, e ainda que lhe era fixado o prazo para a apresentação da sua defesa.
Deste modo, ter-se-á que concluir que foi cumprido, de forma escrupulosa, o disposto no artigo 50º, do D/L nº 433/82, pela autoridade administrativa e que foi concedida ao arguido a oportunidade de exercer o seu direito de audição e de defesa. Na verdade, foi-lhe assegurada a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe era imputada e sobre a sanção que incorre.
Além disso, foi igualmente cumprida a Jurisprudência Obrigatória do Acórdão nº 1/2003, na medida em que na notificação enviada à arguida e que ela recepcionou, encontram-se descritos todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, tendo ela assim tomado conhecimento efectivo dos mesmos.
Deste modo, a arguida ficou ciente quer dos factos que lhe são imputados, quer das normas legais que terão sido por si violadas.
Não se registou assim qualquer violação do princípio do contraditório, como ela pretende. Do mesmo modo não ficaram de forma alguma abaladas as garantias de defesa do arguido. De facto, ela tomou conhecimento dos factos que lhe eram imputados e das circunstâncias em que os mesmos foram praticados com a notificação que lhe foi feita. Para além disso, tomou conhecimento das normas que tinham sido violadas e que levou à prática de uma contra-ordenação, através da leitura da notificação que lhe foi enviada e onde as mesmas constavam.
A arguida estava assim em plenas condições de exercer o contraditório e o seu direito de defesa, na medida em que tomou conhecimento quer dos factos e das circunstâncias em que foi praticada a actividade ilícita, assim como as normas legais que teriam sido violadas e que integrariam assim a prática da contra-ordenação.
Para além disso, resulta da nota junta a fls. 384, que a arguida solicitou que o seu direito de audição e de defesa fosse efectuado verbalmente.
Por outro lado, resulta do auto de declarações junto a fls. 390 e 391, que a arguida X...apresentou a sua defesa em relação aos factos e à contra-ordenação que lhe eram imputados nos autos, de forma verbal e através do seu legal representante. Logo foi cumprido o disposto no artigo 50º, do D/L nº 433/82, e a arguida exerceu efectivamente, embora de forma oral, que, no entanto, se encontra legalmente prevista, conforme deixamos exposto supra, o seu direito de audição e de defesa.
Verifica-se ainda da análise dos autos que o legal representante da arguida X...juntou os documentos que considerou serem relevantes para exercer o seu direito de defesa contra a contra-ordenação que lhe era imputada nos autos.
Não tem assim qualquer razão a arguida de vir invocar a ausência de audiência prévia, por não ter sido notificado para apresentar a sua defesa, previamente à prolação da decisão da autoridade administrativa que se encontra agora recorrida, e que teria assim sido violado o disposto no artigo 50º, do D/L nº 433/82, na medida em que tal não corresponde manifestamente à verdade.
Em conformidade, não existe qualquer fundamento para declarar a nulidade da decisão administrativa, ou dos presentes autos de processo de contra-ordenação, por falta de audiência prévia, ou por violação do direito do arguido à sua defesa.
Deste modo, por falta de fundamento, irá indeferir-se a pretensão do arguido de declaração de nulidade da decisão proferida pela autoridade administrativa, por omissão da sua notificação para apresentar o seu direito de defesa, nos termos do artigo 50º, do D/L nº 433/82, antes da prolação daquela decisão.
(…)
DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA:
Resulta do teor do requerimento de recurso apresentado pela arguida X...que o mesmo não põe em causa ter praticado os factos que lhe são imputados nos autos e que constam da decisão recorrida proferida pela autoridade administrativa.
Em conformidade, como a arguida não impugnou quanto a este ponto a decisão tomada pela Direcção Geral de Veterinária que declarou aqueles factos provados e como o que foi decidido quanto a esta parte não foi contestado deverá dar-se o mesmo como assente. Não nos iremos assim pronunciar sobre a bondade da decisão quanto à matéria de facto.
Consequentemente, deverão considerar-se assentes os factos que constam na decisão da autoridade administrativa. Deste modo, considera-se demonstrado que em acto de inspecção realizado pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica ( ASAE) nas instalações da arguida X…, sitas na Rua … Torres Novas, foi detectado, no interior de um barracão localizado junto ao furo de captação de água, a existência de um garrafão plástico contendo um líquido desconhecido. Do referido líquido foi recolhida amostra. Foram igualmente colhidas 8 amostras de urina de bovinos existentes no local. As nove amostras foram objecto de análises pelo Laboratório Nacional de Investigação Veterinária. Esse exame teve um resultado positivo em relação às nove amostras, no que se refere a substâncias beta-agonistas. A arguida, na qualidade de responsável pela gestão e alimentação dos bovinos naquela exploração, previu e quis adquirir a referida substância para a administrar aos referidos bovinos, como efectivamente fez, sem qualquer finalidade terapêutica mas somente como promotor de crescimento dos mesmos, sabendo que, naquelas circunstâncias, a administração daquela substância era proibida por lei.
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APRECIANDO

Atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 75º do DL n.º 433/82, de 27.10 (RGCO) este tribunal conhece apenas da matéria de direito, isto sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente os vícios indicados no artigo 410º, n.º 2 do CPP, conforme acórdão do STJ para fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, publicado no DR, Série I-A, de 28-12-95.
Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, uma única questão vem suscitada: - a nulidade da decisão administrativa, por a arguida não ter sido notificada nos termos do artigo 50º do RGCO.
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Como verificamos, são iguais os fundamentos que serviram para motivar o presente recurso e, os da impugnação da decisão administrativa.
Assim, alega a arguida que “não lhe foi facultado pela notificação que lhe foi feita pelo ofício 9862, de 11/04/2008, Peça de tal forma séria, com o propósito, ou seja, preenchendo os requisitos legais, face à qual a arguida pudesse exercer cabalmente a sua defesa, o que equivale à preterição do direito à audição e defesa plasmado no artigo 50º do RGCO”.
E, acrescenta: -“A decisão administrativa impugnada foi proferida em 9-5-2011 e, entre 11/4/2008 e 9/5/2011 foram praticados vários actos de instrução que não a pedido da arguida. Logo, o direito de audição e defesa consubstanciado pela notificação de fls.384 a 386 foi concedido intempestivamente, não tendo a arguida sido confrontada com todos os factos que lhe são imputados na decisão administrativa recorrida”; - “Constam da decisão administrativa impugnada factos – os 12, 13, 14, 15, 16 e 17 – que não integram a notificação de fls. 384 a 386, sendo que, seguramente, alguns deles foram tidos em consideração já depois da notificação pelo ofício de 11/4/2008 (fls. 384 a 386).”.

Estatui o artigo 32º, n.º 10 da CRP que “Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa”.
Também o direito de defesa do arguido se encontra previsto no artigo 61º, n.º 1, al. g) do CPP – quando lhe é conferido o direito de intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurem necessárias -, aplicável ao processo contra-ordenacional ex vi do artigo 41º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) – DL n.º 433/82, de 27 Out..
E, preceitua o citado artigo 50º que “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.
Como sabemos, o processo de contra-ordenação tem duas fases; a fase da investigação e da instrução, da competência da entidade administrativa, e a fase judicial que se inicia com o recurso de impugnação judicial, tendo o arguido direito de se pronunciar sobre a contra-ordenação e sobre a sanção ainda na fase administrativa.

Não assiste razão à recorrente.
Com efeito,
Não resulta dos autos que entre 11/4/2008 (data da notificação da arguida para o exercício do direito de audição e defesa) e 9/5/2011 (data da decisão administrativa) tenham sido praticados actos de instrução que devessem ser do conhecimento da arguida.
Como se pode verificar, no referido período foram juntos aos autos os seguintes documentos:
- os apresentados pelo representante legal da arguida no momento da sua audição verbal,
- a declaração de rendimentos – IRC da arguida, relativa ao ano de 2007, e
- os referentes às explorações RJM82 e RJM55 de que eram proprietárias as filhas (A... e B...) do representante legal da arguida.

Os presentes autos de contra-ordenação visavam três explorações agrícolas: a RJ4F1 pertencente à sociedade/recorrente gerida por João Maria Aí, e as já referidas RJM82 e RJM55, pertencentes a duas filhas deste.
As três explorações partilhavam o mesmo espaço físico, sendo a sociedade a responsável pela administração do clembuterol aos bovinos e daí que o processo tenha sido arquivado quanto às arguidas A... e B....

Contrariamente ao que a recorrente pretende fazer crer, não tinham os factos 12 a 17 mencionados na decisão administrativa de ser notificados à arguida, para que também relativamente aos mesmos pudesse exercer o direito de defesa. Os mesmos não imputam qualquer conduta e, apenas representam diligências de prova realizadas pela autoridade administrativa.
Acresce que, na notificação efectuada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 50º do RGCO, o órgão instrutor decidiu pela audiência escrita, conforme lhe é permitido pelo artigo 101º, n.º 1 do CPA. Todavia, a defesa acabou por ser verbal, por solicitação do representante legal da arguida, como fixou exarado a fls. 384, e se observa da respectiva acta de fls. 390/391 (art. 102º do CPA).
Como resulta das declarações então prestadas pelo representante legal da arguida, não teve qualquer dificuldade em identificar os factos que eram imputados à sociedade e defender-se dos mesmos, tendo até prescindido da presença de Advogado.
Concluímos, assim, que da notificação efectuada à arguida nos termos do artigo 50º do RGCO constavam todos os factos que lhe eram imputados e as normas violadas com a referida conduta.
Não se mostrando violada qualquer disposição legal e designadamente o princípio constitucional consagrado no artigo 32º, n.º 10 da CRP, nenhum reparo nos merece pois, a sentença recorrida quando se pronunciou pela improcedência da invocada nulidade da decisão administrativa, por falta de audiência prévia, ou por violação do direito de defesa da arguida.
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III- DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se em 4 UCs a taxa de justiça.
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Elisa Sales (Relatora)
Paulo Valério