Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2920/08.5TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTE COMUM
OBRAS
REPARAÇÕES URGENTES
INDEMNIZAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV AVEIRO JMPIC JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.493 Nº1, 1424, 1427 CC
Sumário: 1.- Na propriedade horizontal, as reparações que incidam sobre partes comuns do prédio só podem ter lugar, por iniciativa de um dos condóminos, na falta ou impedimento do administrador, e quando as mesmas sejam indispensáveis e urgentes.

2. - Quando elas não se revistam de urgência, terá de ser aprovada a sua realização pela assembleia de condóminos para que o condómino que as execute possa pedir o reembolso das despesas com elas efectuadas, a satisfazer nos termos do nº1 do artigo 1424º do Código Civil.

3.- Quando seja impraticável o recurso a esses mecanismos, designadamente, por o prédio constituído em propriedade horizontal integrar apenas duas fracções de igual permilagem e não dispuser de administrador, a questão da realização de obras indispensáveis de conservação das partes comuns do imóvel e seu reembolso terá de ser equacionada através do regime legal que disciplina a compropriedade, na parte que não colida com regras específicas estabelecidas para a propriedade horizontal.

4. - O lesado que reclame indemnização por facto ilícito nos termos do nº1 do artigo 493º do Código Civil, apenas está dispensado do ónus de demonstrar a culpa do lesante, mas não está desonerado do dever de demonstrar a existência dos demais pressupostos daquela responsabilidade.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I.RELATÓRIO

1. A (…), residente na Rua (...), Aveiro, intentou acção declarativa, com processo sumário, contra J (…) e mulher F (…), residentes na Rua (...), Aveiro, pedindo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de € 5.010,11, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, que sobre o montante de 4.434,97 se vençam, desde a data da citação e até pagamento integral.

Articula, para o efeito, que é comproprietário da fracção autónoma “B”, correspondente ao 1º andar e águas furtadas, de um prédio sito no nº (...) da Rua Dr. (...), a qual faz parte de um prédio submetido ao regime de propriedade horizontal, que integra uma outra fracção – “A” -, que corresponde ao rés-do-chão e da qual são proprietários os ora RR.. O referido prédio é de construção antiga e encontrava-se muito degradado quando o A. comprou a fracção “B”: a fachada principal apresentava diversas fissuras, uma fenda acentuada no lado direito da cornija, sinais de humidade e a tinta e o reboco já tinham caído nalgumas zonas; na fachada posterior havia uma fenda horizontal acentuada, fissuras ligeiras e sinais de humidade; a fachada lateral direita permitia a infiltração de águas pluviais; a caleira estava estragada; no 1º andar as paredes exteriores apresentavam sinais de humidade em virtude da ocorrência de infiltrações de água; a estrutura de madeira da cobertura encontrava-se em muito mau estado de conservação, com muitos barrotes e ripas apodrecidas que podiam ceder a qualquer altura. O A. falou mais de uma vez com o R. marido no sentido de, em conjunto, promoverem a execução das obras necessárias ao edifício e pagarem por igual o custo das mesmas, mas este não se mostrou disponível para o efeito. O A., considerando a imperiosa e inadiável necessidade de obras que o edifício carecia, avançou sozinho com a promoção das mesmas, tendo despendido um total de € 8.869,93. Todas as obras foram feitas com o conhecimento dos RR., que a elas nunca se opuseram, e incidiram sobre partes comuns do prédio onde se incluem as fracções autónomas de que são proprietários A. e RR..

Citados, contestaram os Réus, que excepcionaram a ilegitimidade do A., por os direitos atinentes à fracção “B” deverem ser exercidos, em conjunto, por todos os comproprietários, e defenderam que as infiltrações das humidades na fracção “B” não resultavam de defeitos estruturais do telhado ou das paredes, mas da infiltração da água da chuva pelas janelas, uma vez que a mesma esteve desabitada desde, pelo menos, 1994, tendo estado durante largo período de tempo com os vidros das janelas principais partidos. Os RR. comparticiparam nas despesas relativas à substituição do telhado e da caleira. As restantes obras não eram obras indispensáveis e urgentes, pelo que o A. carecia da aprovação da maioria dos condóminos para proceder às inovações.

E deduziram pedido reconvencional por, em finais do ano de 2006, ter havido uma fuga de água na fracção “B”, proveniente da canalização do A., que se espalhou por aquele andar, inundando-o e infiltrou-se do soalho da fracção “B” para o tecto da fracção “A” e do tecto desta espalhou-se pelas paredes da sala de estar, cozinha e quarto frontal, danificando-os. A referida fuga só ocorreu porque o A. não tomou as devidas precauções quanto ao bom funcionamento e limpeza da canalização, e limpeza dos algerozes.

Acrescentam os Réus que para a reparação dos danos ocorridos na fracção “A” é necessária a recuperação das paredes e do tecto, emassar juntas, remover alcatifas, fornecimento de novas alcatifas e colocação das mesmas, tapar fissura existente no quarto frontal e a recuperação do tecto e estuque do quarto frontal, importando a reparação de tais danos em € 6.283,20.

Terminam pedindo a condenação do A., como litigante de má fé, no pagamento de

multa e em indemnização a favor dos RR., correspondente ao reembolso das despesas e honorários do mandatário destes.

O A., na resposta, defende que a excepção de ilegitimidade do A. não procede, por não estar em causa qualquer questão relacionada com a compropriedade do edifício, contesta o pedido reconvencional defendendo não ter existido qualquer fuga de água na fracção “B” em finais de 2006, e termina pedindo a condenação dos RR. como litigantes de má fé.

Foi proferido despacho, a 01/02/2009, que julgou o A. parte legítima para a acção por este não estar a exercer um direito de compropriedade, mas a pedir o pagamento de custos que suportou, ele próprio. E julgou o A. parte ilegítima para o pedido reconvencional, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, por os danos pedidos terem sido provocados pela canalização que não é do A., mas da fracção “B”, que está em compropriedade.

Os RR. foram convidados a regularizar a instância, o que vieram fazer, a fls. 150/151, requerendo a intervenção principal provocada de B (…), comproprietário da fracção “B”.

Esta intervenção principal provocada foi admitida por despacho proferido a 14/10/2009.

O chamado veio contestar, dizendo fazer sua a contestação da reconvenção apresentada pelo A., e pedindo a improcedência da mesma.

Foi proferido despacho saneador que julgou sanada a ilegitimidade declarada no despacho de 01/02/2009 com a intervenção do outro comproprietário da fracção “B”, e foi elaborada a condensação da matéria de facto considerada relevante para a decisão da causa, que, sofrendo reclamação, foi atendida.

Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida decisão sobre a matéria de facto a ele submetida, não tendo sido objecto de reclamação as respostas dadas à base instrutória.

No final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em resultado disso, condenou os RR. a pagarem ao A. a quantia de € 4.121,96, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, absolvendo-os do mais que contra eles foi peticionado e absolveu o A. e o interveniente do pedido reconvencional contra eles deduzido, fixando as custas da acção na proporção do vencido e as custas da reconvenção pelos RR.., não condenando nenhuma das partes como litigantes de má fé.

2. Por não se conformarem com tal decisão, dela interpuseram os Réus/Reconvintes recurso de apelação para este Tribunal da Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

(…)

Os apelados apresentaram contra-alegações, nas quais sustentam ser intempestivo o recurso interposto, defendem a rejeição liminar do recurso na parte em impugna a decisão da matéria de facto por não se mostrar cumprido o ónus emergente do artigo 685º-B, nº2 do Código de Processo Civil, pugnando, em todo o caso, pela confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].

2. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente:

- Questões prévias: tempestividade do recurso e admissibilidade do mesmo quanto à impugnação da decisão da matéria de facto;

- Admitido o recurso, e sendo admissível a impugnação da decisão da matéria de facto, indagar se existiu erro na sua apreciação;

- Mérito do julgado.

III. FUNDAMENTOS DE FACTO

Pela primeira instância foram julgados provados os seguintes factos:

1 - Por escritura pública de compra e venda com mútuo e hipoteca, celebrada a 12/01/1998, perante o Notário do 2º Cartório da Secretaria Notarial de Aveiro, (…) declararam que titulam um contrato de compra e venda pelo qual, como vendedores, pelo preço, já recebido, de 6.500.000$00, cedem e transferem, livre de ónus e encargos, para A (…) e B (…) o seguinte imóvel: fracção autónoma, designada pela letra “B”, destinada exclusivamente a habitação, correspondente ao primeiro andar com aproveitamento de águas furtadas para arrumações, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na Rua (...), nº (...), da freguesia de (...), concelho de Aveiro, inscrito na matriz sob o artigo y(...), e descrito sob o nº z(...)da freguesia de (...) na Conservatória do Registo Predial (A).

2 - Na Conservatória do Registo Predial de Aveiro encontra-se descrita sob o nº 00 z(...)/100796 o seguinte prédio urbano: casa de rés-do-chão e 1º andar. Área – 121, 92 m2.

Rua (...), nº (...). Fracções: “A” e “B”. Artigo: y(...) (B).

3 - Na Conservatória do Registo Predial de Aveiro encontra-se descrita sob o nº 00 z(...)/100796-B a seguinte fracção autónoma: 1º andar para habitação, com aproveitamento de águas furtadas para arrumações. Área: s.c. 109 m2 (C).

4 - Esta fracção encontra-se inscrita a favor dos ora A. e chamado pela inscrição G-7 Ap. 34/091297 (D).

5 - Na Conservatória do Registo Predial de Aveiro encontra-se descrita sob o nº 00 z(...)/100796-A a seguinte fracção autónoma: rés-do-chão, com entrada pelo nº (...). Área:

109 m2. Composição: hall de entrada, quarto, saleta, despensa, cozinha, sala de jantar e quarto de banho e uns pequenos arrumos no quintal com a área de 121,92 m2 (E).

6 - Esta fracção encontra-se inscrita a favor dos ora RR. pela inscrição G-2 Ap. 02/270788 (F).

7 - Na fracção identificada em E) habita a mãe do R. marido (G).

8 - O prédio identificado em B) é de construção antiga (H).

9 - A pedido do A. foi feita pela Câmara Municipal de Aveiro uma vistoria, a 02/04/1998, na qual participaram três técnicos da Câmara, a Eng. (…) o Eng. Civil (…)e a Arquitecta (…), tendo estes elaborado o “Auto de Vistoria” de fls. 49/50 (I).

10 - Nesse Auto pode ler-se: “para concluir e uma vez que tudo indica que as infiltrações de água tenham origem em deficiências existentes nas paredes exteriores e na cobertura do imóvel, consideradas partes comuns do prédio, propomos que se notifique o requerente e o proprietário da fracção “A”, Sr. J (…), residente no r/c do imóvel vistoriado, a procederem com urgência às correcções e reparações necessárias de modo a impedir a ocorrência de novas infiltrações” (J).

11 - Também por pedido do A., a 11/05/2000, foi efectuada nova vistoria ao prédio

pelas técnicas da Câmara Municipal de Aveiro, Eng. (…)  Arquitecta (…)e Arquitecta (…) e Arquitecta (…) (L).

12 - No respectivo auto de vistoria consta que no 1º andar:

a) no quarto contínuo à caixa das escadas, encontra-se em adiantado estado de degradação toda a estrutura da madeira que forma a laje do pavimento nessa zona da habitação;

b) na sala notou-se a existência de sinais de humidade nas paredes das fachadas lateral direita e principal, apesar de terem sido recentemente reparadas;

c) na caixa das escadas o auto observa a existência de sinais de humidade na parede da fachada lateral direita (M).

13 - Quanto ao exterior, o auto refere que se mantém a situação descrita no auto de 02/04/98 (N).

14 - Do referido auto, consta ainda: “para concluir e uma vez que as anomalias descritas dizem respeito a partes comuns do prédio esta Comissão é de parecer que compete ao condomínio proceder com urgência ás necessárias obras de reparação, já que a situação existente poderá pôr em perigo a segurança das pessoas que habitam quer a fracção vistoriada quer a localizada no R/C” (O).

15 - O A. obteve, a 16/09/1999, o alvará de licença de construção junto a fls. 62 (P).

16 - E pagou sozinho a importância de 12.050$00 (= €60,11) pelo custo do alvará (Q).

17 - Ainda antes de obtido o alvará, encomendou em Fevereiro de 1999 a substituição de 11 metros de caleira à firma (…) (R).

18 - A 23/02/2005, foi solicitado novo licenciamento para a recuperação da fachada o prédio, tendo o pedido de licenciamento sido assinado pelo A. e pelo R. marido (S).

19 - O alvará de licença foi concedido pela Câmara Municipal Aveiro a 27/07/2006 (T).

20 - A concessão implicou o pagamento de um custo total de € 498,00, montante integral e exclusivamente pago pelo A. (U).

21 - O próprio requerimento de emissão da Licença, que implicou o pagamento de € 25,00, foi pago exclusivamente pelo A. (V).

22 - Os RR. comparticiparam com a quantia de 250.000$00 (= €1.247,00) para as despesas relativas à substituição do telhado (X).

23 - Do auto de vistoria realizado a 17/09/2004, pelo Departamento de Gestão Urbanística de Obras Particulares da Câmara Municipal Aveiro, junto a fls. 121/123, consta que, efectuada a vistoria, os técnicos constataram o seguinte:

“Pormenores exteriores - Fachada principal: são visíveis algumas zonas onde o revestimento da fachada se encontra degradado. Existem outras zonas que carecem de acabamento no seguimento das obras efectuadas.

Pormenores interiores – 1º andar: no paramento interior da parede exterior pertencente à fachada Norte, são visíveis eflorescências. Este tipo de patologia foi também observado na parede que forma a caixa de escadas sendo que esta é uma parede interior.

Considerações: As patologias detectadas no interior do primeiro andar do edifício, poderão ter origem diversa:

1. Desde logo a humidade de construção uma vez que a maioria dos materiais empregues na construção de edifícios ou acções de conservação/reparação necessita de água para a sua confecção - argamassas; betões, etc. - ou para a sua colocação - tijolos; ou outros materiais usados na execução de alvenarias. O processo de secagem desta água que se introduziu nos materiais porosos, poderá decorrer ao longo de vários anos. Duma forma geral as anomalias devidas a este tipo de humidade cessam ao fim dum período mais ou menos curto, o qual é função do tipo de utilização do edifício em causa - aquecimento e ventilação - e da região climática em que se inserem.

2. A chuva por si só, podendo dar origem à humidade de precipitação, não constitui uma acção especialmente gravosa para as paredes de edifícios desde que a componente vento não lhe esteja associada. A penetração da água da chuva nas paredes é um fenómeno normal que não apresenta problemas se aqueles elementos tiverem sido concebidos para resistirem a este tipo de acções, impedindo que a água infiltrada atinja paramentos interiores. As anomalias devidas à acção de água da chuva manifestam-se através do aparecimento das manchas de humidade de dimensões variáveis e localização aleatória nos paramentos interiores das paredes exteriores, em correspondência com ocorrências de precipitação. Essas manchas tendem a desaparecer quando cessam os períodos de chuva, não sendo visíveis quando o tempo se apresenta seco. Nas zonas que sofreram humedecimento é frequente a ocorrência de bolores, eflorescências e criptoflorescências.

3. Humidade de condensação - a ocorrência de condensações superficiais em paredes depende dos seguintes factores:

• condições de ocupação, das quais depende a produção do vapor de água;

• temperatura ambiente inferior;

• ventilação dos locais;

• isolamento térmico das paredes.

Nas edificações com inércia térmica muito forte, como por exemplo em edifícios antigos com paredes de grande espessura, existe um desfasamento importante entre a temperatura do ar no exterior e no interior. É por essa razão que, mesmo sem qualquer correcção, a temperatura interior dessas edificações é consideravelmente maior que a exterior no Inverno e menor no Verão.

Conclusão:

Relativamente aos problemas apontados pelo requerente A (…) e descritos em “Pormenores Interiores”, não é claro que a sua origem se deva à falta de impermeabilização da fachada Norte, sendo ainda menos claro que se deva exclusivamente aquele motivo pelas razões apontadas de seguida:

• os ventos dominantes durante a estação das chuvas são do quadrante Sul;

• os aspectos referidos no ponto 2 de "Considerações",'

• as patologias observadas no paramento interior da parede exterior foram também

observadas numa parede interior” (Z).

24 - O relatório anexo ao auto de vistoria, assinado pelo Eng. (…), conclui: “se atendermos ao historial de vistorias realizadas e às alegações de A (…), facilmente se conclui que estamos em presença de uma questão entre particulares - a resolver em sede própria - não tendo esta autarquia qualquer tutela sobre o assunto, uma vez que não estamos em presença de más condições de segurança ou de salubridade, e muito menos de perigo para a saúde pública, conforme se pode verificar através do teor do auto de vistoria” (AA).

25 - Houve uma inundação na fracção “B” a 14/05/1999 (BB).

26 - O A., após ter adquirido a fracção, fez obras de recuperação e beneficiação (1º).

27 - Depois, conjuntamente com o seu companheiro, mobilou a casa a seu gosto e fez dela o seu lar doméstico (2º).

28 - Aí passou a dormir, a confeccionar e tomar as suas refeições e a passar os seus

momentos de descanso e lazer (3º).

29 - O prédio identificado em B) apresentava alguma degradação quando o A. adquiriu a fracção “B” (4º).

30 - A fachada principal apresentava diversas fissuras e uma fenda acentuada no lado direito da cornija (5º).

31 - A mesma fachada apresentava sinais de humidade e a tinta e o reboco já tinham caído nalgumas zonas nomeadamente no lado direito da fachada na zona localizada entre R/C e o 1° andar (6º).

32 - Na fachada posterior havia uma fenda horizontal acentuada, fissuras ligeiras e

sinais de humidade (7º).

33 - A fachada lateral direita permitia a infiltração de águas pluviais pelo que tinha de ser impermeabilizada (8º).

34 - A caleira estava estragada e necessitava de ser reparada ou substituída (9º).

35 - No interior do 1º andar algumas das paredes exteriores apresentavam sinais de humidade como manchas negras e amareladas em virtude da ocorrência de infiltrações de água (10º).

36 - A estrutura de madeira da cobertura encontrava-se em muito mau estado de conservação, com muitos barrotes e ripas apodrecidas que podiam ceder a qualquer altura

(11º).

37 - A 11/05/2000, o prédio encontrava-se na situação descrita em M) e N) (12º).

38 - A pedido do A., em Janeiro de 1999, o Eng. (…) fez uma vistoria ao prédio, da qual elaborou o relatório junto a fls. 58/60 (13º).

39 - Na altura em que foi elaborado o relatório, na fachada traseira, a cinta que se encontra entre o piso térreo e o 1° piso, está lascada em alguns pontos, estando os elementos de resistência à vista e em contacto com o ar (14º).

40 - A placa do terraço das traseiras apresenta um elevado grau de degradação do seu isolamento de humidade (15º).

41 – Tornava-se necessário a recuperação do isolamento e tratamento da fachada cega e o tratamento da cinta nos seus pontos nevrálgicos (16º).

42 - Estas degradações deviam-se à idade do prédio e à falta de obras de manutenção do mesmo (17º).

43 - O A. avançou sozinho com a promoção das obras de recuperação das fachadas (20º).

44 - O terraço foi impermeabilizado por ordem do A. (21º).

45 - Em Agosto de 2000, encomendou a obra de reparação do tecto do quarto oeste do rés-do-chão à empresa (…) que esta executou (23º).

46 - Tendo pago pela mesma a importância de € (47.500$00=) 236,93 (24º).

47 - A obra de recuperação da fachada do prédio foi adjudicada ao construtor civil (…) (28º).

48 - Este, concluída a obra, apresentou em Setembro de 2006, as seguintes facturas:

a) nº 250, de 14/09/2006, do montante total, IVA incluído, de € 3.301,82 – fls. 78;

b) nº 251 da mesma data, do montante total, IVA incluído, de € 3.746,25 – fls. 79 (29º).

49 - Das referidas facturas constam os materiais que foram gastos na obra e o valor da mão-de-obra (30º).

50 - Ambas as facturas foram pagas, integral e exclusivamente, pelo A. (31º).

51 - Todas as janelas exteriores do prédio foram betumadas, tratadas e pintadas (32º)

52 - O A., através do construtor civil (…) procedeu à reparação da parte baixa da parede Norte, até à altura de 2 ms., dessa forma eliminando fissuras que permitiam a entrada da água no prédio (35º).

53 - O Autor pagou na totalidade o custo desse serviço que se cifrou em € 612,75 (36º).

54 - Todas as obras foram feitas com conhecimento dos RR. (39º).

55 - Que nunca a elas se opuseram (40º).

56 - As obras em causa incidiram sobre partes comuns do prédio onde se integram as fracções autónomas de que são proprietários A. e RR. (41º).

57 - Ambas as fracções têm a área coberta de 109 m2 (42º).

58 - Todas as restantes despesas comuns do prédio sempre foram pagas pelo A. e R. na proporção de metade por metade (43º).

59 - A fracção “B” esteve desabitada durante alguns anos (44º).

60 - Algum tempo após a realização da vistoria referida em I), em 1998, o A. iniciou as obras de remodelação e reparação da fracção do 1° andar, procedendo à alteração dos alçados principal e posterior, a forma dos telhados e área de habitação, construindo no vão do telhado uma mansarda com dois estúdios (46º).

61 - Quando iniciou as obras o A. não tinha o competente alvará (47º).

62 - Os RR. comparticiparam no pagamento da caleira à firma (…) na proporção da sua permilagem, no montante de 38.025$00 (= €189,67) (50º).

63 - Este terraço constitui varanda da mansarda (52º).

64 - A inundação referida em BB) causou danos no tecto do corredor e no tecto da casa de banho (52º-A).

65 – O A. mandou reparar tais danos (52º-B).

66 - O R. marido assinou o pedido de licenciamento referido em S) a pedido do A., que pretendia remodelar a fachada do prédio, e após o ter informado que não comparticiparia nas respectivas despesas (54º e 55º).

67 - O R. marido não tinha conhecimento do projecto de arquitectura que nunca lhe foi apresentado (56º).

68 - O A. nunca apresentou aos RR. qualquer orçamento para a remodelação da fachada do prédio (57º).

69 - Nem nunca remeteu aos RR. as facturas e recibos relativos às obras no prédio, nem os interpelou para procederem ao pagamento de qualquer quantia, o que só foi feito através desta acção (58º).

70 – Por escritura pública de 5 de Dezembro de 1979, lavrada no 2.º Cartório da Secretaria Notarial de Aveiro, (…), viúva, como legítima proprietária da casa de r/c e 1.º andar com quintal, sita na Rua (...), n.º (...), freguesia de (...) – Aveiro, descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º x(...) do Livro B – 76 e inscrita na matriz predial sob o artigo n.º 621, constituiu-a no regime de propriedade horizontal com duas fracções: fracção A, correspondente ao r/c, e fracção B, correspondente ao 1.º andar, ambas para habitação e com permilagem igual de 500 mil avos, cada uma – fls. 203/206.

71 – A propriedade horizontal foi registada pela Inscrição F-1, Ap. 18/020180 – fls. 41 e 242.

72 – O prédio identificado em 2 – dos Factos Provados (FP) esteve antes descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º x (...), a fls. 85 v. do Livro B – 76 – fls. 40 e 241.

73 – A fracção B do mesmo prédio é constituída por dois quartos, corredor, sala, sala de jantar, cozinha e quarto de banho – fls. 36 e 237.

           

            IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Questão prévia: tempestividade ou intempestividade do recurso

Nas suas contra-alegações, os apelados sustentam ser intempestivo o recurso interposto.

Referem, para tanto, que a sentença foi notificada aos mandatários das partes no dia 22.02.2011, por via electrónica, pelo que se presume efectuada na data da expedição e, sendo o prazo de interposição de recurso de 30 dias, acrescido de 10 dias, por ter incidido também sobre a decisão da matéria de facto, o termo do prazo ocorreu em 03.04.2011, que, por ser domingo, se transferiu para o dia imediato - 04.04.2011. Tendo o recurso dado entrada em juízo no dia 05.04.2011 sem pagamento imediato da taxa de justiça a que se refere o artigo 145º, nº 5, a) do Código de Processo Civil, é o mesmo extemporâneo.

Sobre tal questão pronunciou-se expressamente a Srª Juiz da primeira instância que, afastando a invocada extemporaneidade do recurso, considerou o mesmo tempestivo.

Nos termos do artigo 685º-C), nº 5 do Código de Processo Civil, “a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior…”, pelo que sempre poderá esta Relação não admitir o recurso, apesar do decidido em primeira instância, se a invocada intempestividade se configurar.

De acordo com o nº1 do artigo 685º do Código de Processo Civil, é, por regra, de 30 dias o prazo de interposição de recurso, sendo, no caso, este o aplicável por não se verificar nenhuma das situações previstas na última parte do referido normativo.

Mas se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, a esse prazo acrescem 10 dias, como decorre do nº 7 do mesmo preceito legal.

Os mandatários das partes foram notificados da sentença proferida, agora objecto de recurso, por via electrónica, constando, como data da sua elaboração, o dia 22.02.2011.

De acordo com o nº 5 do artigo 254º do Código de Processo Civil, na versão introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, “as notificações por transmissão electrónica presumem-se feitas na data da expedição”.

Mas segundo o n.º 5 do artigo 21.º-A da nº 114/2008, de 6/2, na redacção que lhe foi conferida pela Portaria n.º 1538/2008, de 30 de Dezembro, logo posterior à novel redacção do artigo 254º, nº5 citado, “o sistema informático CITIUS assegura a certificação da data de elaboração da notificação, presumindo-se feita a expedição no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil”.

Este normativo, destinado especificamente a regular as notificações através do sistema CITIUS, estabelece, na segunda parte, um regime similar ao previsto no n.º 3 do artigo 254.º do Código de Processo Civil para a notificação postal quando determina: “a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”, sendo certo que, de acordo com o n.º 6 do citado artigo 254.º, “as presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis”.

A data da elaboração da notificação, cuja certificação é assegurada pelo sistema informático CITIUS, corresponde à data em que o objecto da mesma é colocado em versão final, ficando disponível no referido sistema, não se exigindo coincidência com a data de expedição - que, em bom rigor, nem sequer tem lugar, sendo antes acedida por quem disponha dos necessários instrumentos que autorizem e facultem tal acesso - , presumindo-se esta efectuada no terceiro dia posterior ao da sua elaboração, ou no primeiro dia útil imediato quando o termo do prazo ocorra em dia não útil. Como se esclarece no Acórdão desta Relação de 09.11.2010[3], “a razão de ser desta dilação contende com eventuais vicissitudes que possam ocorrer entre o envio da notificação através do sistema informático e a posterior visualização pelo mandatário destinatário”, e a prática tem revelado que algumas delas se têm verificado.

A harmonização entre o nº 5 do artigo 254º do Código de Processo Civil e o n.º 5 do artigo 21.º-A da nº 114/2008, de 6/2, na redacção que lhe foi conferida pela Portaria n.º 1538/2008, de 30 de Dezembro, pressupõe que a notificação se presuma efectuada no terceiro dia, ou primeiro dia útil subsequente se o termo do prazo coincidir com dia não útil, posterior ao da elaboração da notificação, cuja data é certificada pelo sistema informático CITIUS.

Tal presunção, criada para protecção do notificado, só por ele pode ser ilidida, demonstrando que a notificação se concretizou em data posterior, ou nem sequer existiu.

Assim, da conjugação dos apontados normativos ter-se-á de concluir, como o fez a primeira instância, pela tempestividade do recurso interposto a 05.04.2011.

2.Impugnação da decisão da matéria de facto

(…)

3. Do mérito da acção

3.1.Natureza das obras

3.1.1. Legitimidade do Autor para, por si só, promover obras nas partes comuns do prédio

3.1.2. Reembolso dos custos das mesmas

Reclama o Autor dos Réus o pagamento da quantia de € 5.010,11 (além de juros), correspondente a metade do valor das obras que mandou efectuar, com o conhecimento e sem oposição destes, em partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal, composto de duas fracções, sendo os Réus proprietários do rés-do-chão e o Autor comproprietário do 1º andar, e por este exclusivamente suportadas.

Insurgem-se os Réus, ora apelantes, contra a obrigação de custearem parte dessas obras com o argumento de que, não se revestindo as mesmas de carácter de urgência, a sua realização teria de ser promovida pelo administrador ou pela assembleia de condóminos, órgãos de decisão e execução no instituto da propriedade horizontal, pelo que tendo o Autor, unilateralmente, diligenciado pela execução das obras, não pode exigir daqueles metade das despesas com elas efectuadas.

Dispõe o artigo 1427º do Código Civil que “as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino”.

De acordo com este normativo, para que um condómino possa realizar, por sua iniciativa, obras em partes comuns do prédio[4] e as respectivas despesas serem repartidas segundo o critério fixado no artigo 1424º do Código Civil, exige-se a reunião cumulativa de três requisitos: que não haja administrador ou que este não possa intervir, que as obras sejam indispensáveis, isto é, que sejam necessárias para garantirem uma boa conservação e fruição dessas partes comuns, e que sejam urgentes, ou seja, quando a sua não execução coloque em risco a segurança e a tranquilidade dos condóminos, ou potencie danos imediatos no prédio, devendo o grau de urgência ser sempre avaliado em função do tempo ou natureza do impedimento do administrador[5].

O condómino que efectue as obras fora do condicionalismo imposto pelo artigo 1427º do Código Civil poderá apenas obter o seu reembolso - na parte em que exceda a sua quota - através do enriquecimento sem causa, ou mesmo não obter qualquer reembolso, caso não se mostrem reunidos os requisitos necessários a accionar o referido instituto[6].

Daí que a prudência aconselhe o condómino que entenda proceder a obras que incidam sobre partes comuns do edifício, ainda que as mesmas não tenham natureza inovadora, a submeter a questão ao administrador ou à assembleia de condóminos, podendo esta deliberar sobre a natureza urgente ou não das obras a realizar, assim se evitando posterior discussão acerca da natureza de tais obras e do direito ao reembolso dos seus custos por parte do condómino que as promoveu[7].

Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 20.03.2007[8], “…nos termos constantes do nº.1 do art. 1430º.do C. Civil, a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador. Tal significa que relativamente às partes comuns, os condóminos, individualmente considerados, não se podem sobrepor ao administrador eleito, apenas podendo, nos termos consagrados no artigo 1427º., do C. Civil, proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício, na falta ou impedimento do administrador (…).

Efectivamente, o administrador meramente executa a vontade manifestada pelo grupo condominial e em sua representação, sendo vinculante para todos os membros.

O estado de degradação em que se achava o edifício que integra as fracções do Autor e dos Réus reclamava a realização de obras. A indispensabilidade dessas obras é clara. A não realização das mesmas implicaria a persistência das infiltrações e o seu progressivo aumento e acentuaria ainda mais o estado de degradação já existente, podendo, com o decurso do tempo, comprometer a própria estrutura do prédio.

Não tinham, porém, natureza urgente, como se reconhece na sentença recorrida. Urgência não se confunde com necessidade.

Tal implica que “…sendo a reparação necessária, mas não urgente hoc sensu, o condómino poderá apenas tentar obter a sua realização através do administrador ou da assembleia…”[9].

No caso em apreço, o prédio constituído em propriedade horizontal é composto apenas por duas fracções com identidade de permilagem.

Como sublinham Pires de Lima/Antunes Varela[10], “o que verdadeiramente caracteriza a propriedade horizontal é (…) a fruição de um edifício por parcelas ou fracção independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afectados ao serviço do todo. Trata-se, em suma, da coexistência, num mesmo edifício, de propriedades distintas, perfeitamente individualizadas, ao lado da compropriedade de certos elementos, forçadamente comuns (…).

O condomínio é, assim, a figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial - daí a expressão condomínio - sobre fracções determinadas”.

Escreveu-se acertadamente na sentença recorrida: “…a interdependência estrutural (a falta de autonomia estrutural das várias fracções) é sempre indispensável para que exista propriedade horizontal. Nada parece impedir que o seu regime continue a ser aplicável se faltar a dependência funcional, isto é, se faltarem espaços de uso comum (“entradas, vestíbulos, escadas, corredores ou passagem de uso comum a dois ou mais condóminos” – alínea c) do n.º 1 do art. 1421.º). Trata-se de soluções intermédias em que a solução preferível “consistirá em submeter as situações deste tipo ao regime de propriedade horizontal, mas tão-somente quanto aos elementos em que exista comunhão”(…).

As duas (e únicas) fracções que integram o edifício em causa nesta acção não têm autonomia estrutural – o edifício é único e há elementos que são comuns, como sejam, o solo, os alicerces, os pilares, as paredes mestras e perimetrais, o telhado e o terraço, em suma, todos os que constituem a estrutura do prédio. Mas não existe dependência funcional, por cada fracção ser totalmente autónoma da outra, não sendo necessário ao gozo (uso e fruição) de cada uma o aproveitamento de partes comuns. Está, pois, na situação intermédia de que falámos antes. O regime da propriedade horizontal só pode aplicar-se, portanto, aos elementos em que exista comunhão.

Problema, aqui, é saber se, em tais casos intermédios, existe verdadeiramente condomínio, no sentido de entidade socialmente organizada (embora sem personalidade jurídica), por ser dotada de órgãos - art. 1430.º - e de um património, rudimentar embora - art. 4º do DL n.º 268/94, de 25/10.

Pensamos que não.

A própria lei parece contemplar situações desta natureza quando afasta a exigência do regulamento de condomínio se os condóminos forem quatro ou menos – art. 1429.º-A.

 A disciplina do uso das partes comuns, neste caso, não se afigura para o legislador tão necessária e tão apertada.

No nosso caso, os condóminos são apenas dois. Não existem espaços de uso comum, pelo que nem se põe a hipótese de ter de haver um administrador: - administrava o quê?! A reunião da assembleia de condóminos faria pouco sentido e teria pouca eficácia prática quer no caso de os condóminos estarem em desacordo, por ambas as fracções terem a mesma permilagem e não poder haver vencimento – n.º 3 do art. 1432.º - quer no caso de estarem de acordo, por, então, bastar o consenso informal.

Seja como for, certo é que as normas que regulam a realização de obras nas partes comuns do edifício são, como dissemos, de aplicar”.

O que inevitavelmente conduz à conclusão que as reparações no prédio aqui em causa teriam de ser realizados pelo administrador do condomínio. Que, no caso, não tem existência de facto.

Não existindo administrador e não se revestindo as reparações do imóvel de natureza urgente, exigia-se que a sua aprovação, ou não, fosse submetida a deliberação da assembleia de condóminos.

A impraticabilidade da convocação da assembleia de condóminos e a impossibilidade de nela vir a ser alcançada uma deliberação quanto à aprovação das obras são evidentes numa situação em que existem apenas dois condóminos, proprietários de fracções de igual área, com posições divergentes quanto à realização e comparticipação das mesmas.

Perante a constatada impossibilidade de accionar os mecanismos específicos para aprovação e realização de obras indispensáveis, mas não urgentes, em partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal, como no caso em apreço, e sendo os condóminos comproprietários dessas partes comuns, a questão deve ser equacionada com recurso ao regime legal definido para a compropriedade, que não colida com o regime da propriedade horizontal, designadamente o estabelecido no artigo 1407º, nº1 do Código Civil, e o regime supletivo nele contemplado.

Foi com base nesse raciocínio, sem razão para censura, que a sentença recorrida sustenta a afirmação de que “… se as obras foram realizadas nas partes comuns do edifício, se beneficiarem este no seu todo, se eram indispensáveis para conservação do edifício, se os RR. se não opuseram a elas, temos de concluir que foram legitimamente feitas e devem ser suportadas, em partes iguais, por ambos os condóminos”.

As obras realizadas por iniciativa do Autor, cujo pagamento é reclamado por este, tal como resultou demonstrado, à excepção das que tiveram por objecto o tecto do quarto oeste do rés-do-chão, incidiram sobre partes comuns do prédio e foram obras de conservação - recuperação da fachada do prédio, e reparação da parte baixa da parede norte, até à altura de dois metros, com eliminação de fissuras que permitiam a entrada de água -, sendo distintas das mencionadas no artigo 60º dos factos provados, cuja comparticipação nos respectivos encargos não é peticionado.

Tem, pois, o Autor direito a ser reembolsado no montante de € 4.121,96 (quatro mil cento e vinte e um euros e noventa e seis cêntimos), correspondente a metade das despesas comprovadamente por ele suportadas com a realização das obras em causa: no ano de 2000, despesas com alvará e com requerimento de emissão de licença (respectivamente, €60,11+€25,00= €85,11); no ano de 2005/2006, despesas com alvará, e despesas com a reparação da fachada do prédio, e reparação da parte baixa da parede norte (respectivamente, €498,00, €7.048,07 e €612,75= €8.158,82).

Se assim não fosse, numa situação com a particularidade da aqui discutida, ou ficaria inviabilizada a realização das obras indispensáveis à conservação do edifício nas partes comuns deste, ou, a serem realizadas apenas por um condóminos e suportando este exclusivamente os respectivos encargos, ainda que o outro a elas se não tenha oposto e delas retire os correspondentes benefícios, tal desembocaria num desequilíbrio de posições e redundaria numa flagrante injustiça.

4. Do pedido reconvencional

Em sede de reconvenção, pretendem os Réus, ora apelantes, que o Autor seja condenado a indemnizá-los pelos prejuízos que alegadamente sofreram com fundamento no facto de, em finais do ano de 2006, ter havido uma fuga de água na fracção “B”, proveniente da canalização do A., que se espalhou por aquele andar, inundando-o e se infiltrou do soalho da fracção “B” para o tecto da fracção “A” e do tecto desta espalhou-se pelas paredes da sala de estar, cozinha e quarto frontal, danificando-os. Acrescentam os Réus que a referida fuga só ocorreu porque o A. não tomou as devidas precauções quanto ao bom funcionamento e limpeza da canalização, e limpeza dos algerozes.

Dispõe o nº1 artigo 493º do Código Civil que “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
A responsabilidade civil delitual depende da verificação de vários pressupostos que condicionam a obrigação de indemnizar que recai sobre o lesante, desempenhando cada um desses pressupostos um papel próprio e específico na complexa cadeia das situações geradoras do dever de reparação.
Reconduzindo esses pressupostos à terminologia técnica assumida pela doutrina, podem destacar-se os seguintes requisitos da mencionada cadeia de factos geradores de responsabilidade por factos ilícitos: a) o facto; b) a ilicitude; c) imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Assim, antes de mais, para que o facto ilícito gere responsabilidade é necessário que o agente tenha actuado com culpa, pois a responsabilidade objectiva ou pelo risco tem carácter excepcional.
Com efeito, a responsabilidade civil, em regra, pressupõe a culpa, que se traduz numa determinada posição ou situação psicológica do agente para com o facto. Aqui operam as fundamentais modalidades de culpa: a mera culpa (culpa em sentido estrito ou negligência) e o dolo, traduzindo-se aquela no simples desleixo, imprudência ou inaptidão, e esta na intenção malévola de produzir um determinado resultado danoso (dolo directo), ou apenas aceitando-se reflexamente esse efeito (dolo necessário), ou ainda correndo-se o risco de que se produza (dolo eventual).
            A culpa define-se, para este efeito, na circunstância de uma determinada conduta poder merecer reprovação ou censura do direito, ou seja, importará sempre avaliar se o lesante, face à sua capacidade e às circunstâncias concretas do caso em que actuou, podia e devia ter agido de outro modo[11].
Via de regra, e segundo o disposto no artigo 487º, nº1 do Código Civil, incumbe ao lesado a prova da culpa do autor da lesão[12], ressalvando o mesmo normativo os casos em que a lei estabelece presunções de culpa do responsável.
A situação contemplada no nº1 do artigo 493º do Código Civil é justamente um desses casos. Com tal preceito, todavia, “…não se altera o mencionado princípio de que a responsabilidade depende de culpa, mas, tão só, a regra de que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão para ser sobre este último que passa a recair o encargo de demonstrar que nenhuma culpa teve, sob pena de se considerar que a teve, ou seja, só a prova da falta de culpa pode funcionar como causa de exclusão da responsabilidade, por elisão da presunção (arts. 483.º, 487.º-1 e 493.º)”[13].
Tal significa que quem formule pedido indemnizatório por facto delitual ancorado no referido artigo 493º do Código Civil, apenas beneficia de uma presunção de culpa em relação ao lesante, não terá de proceder à sua demonstração nos termos exigidos pelo nº1 do artigo 487º. Não fica, porém, desonerado de comprovar a existência dos demais pressupostos daquela responsabilidade, como lhe é imposto pelo nº1 do artigo 342º do Código Civil.
No caso vertente, não lograram os Réus satisfazer tal ónus probatório, tendo, logo à partida, resultado indemonstrado o facto ilícito: fuga de água da fracção do Autor, conforme por aqueles alegado.
Logo, teria de sucumbir, como sucumbiu, a pretensão reconvencional.
Não merece, assim, censura, também nesta parte, a sentença recorrida.


*

Síntese conclusiva

- Na propriedade horizontal, as reparações que incidam sobre partes comuns do prédio só podem ter lugar, por iniciativa de um dos condóminos, na falta ou impedimento do administrador, e quando as mesmas sejam indispensáveis e urgentes.

- Quando elas não se revistam de urgência, terá de ser aprovada a sua realização pela assembleia de condóminos para que o condómino que as execute possa pedir o reembolso das despesas com elas efectuadas, a satisfazer nos termos do nº1 do artigo 1424º do Código Civil.

- Quando seja impraticável o recurso a esses mecanismos, designadamente, por o prédio constituído em propriedade horizontal integrar apenas duas fracções de igual permilagem e não dispuser de administrador, a questão da realização de obras indispensáveis de conservação das partes comuns do imóvel e seu reembolso terá de ser equacionada através do regime legal que disciplina a compropriedade, na parte que não colida com regras específicas estabelecidas para a propriedade horizontal.

- O lesado que reclame indemnização por facto ilícito nos termos do nº1 do artigo 493º do Código Civil, apenas está dispensado do ónus de demonstrar a culpa do lesante, mas não está desonerado do dever de demonstrar a existência dos demais pressupostos daquela responsabilidade.


*

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em, julgando parcialmente procedente a apelação:

A. Proceder à modificação da decisão da matéria de facto, nos termos acima enunciados;

B. Confirmar, no mais, a sentença recorrida.


Custas: pelos apelantes.


Judite Pires ( Relatora )

Carlos Gil

Fonte Ramos



[1] Artigos 684º, nº 3 e 685-A, nº 1 do C.P.C., na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
[2] Art.º 664º do mesmo diploma.
[3] Processo nº 102/07.2TBSEI-A.C1, www.dgsi.pt.
[4] As quais são indicadas no artigo 1421º do Código Civil.
[5] Cfr. Jorge Aragão Seia, “Propriedade Horizontal”, Almedina, 2ª ed., pág. 150; Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil anotado”, vol. III, 2ª ed., págs. 436, 437.
[6] Aragão Seia, ob. cit., págs. 150, 151, Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 437.

[7] Cfr. Rui Vieira Miller, “A Propriedade Horizontal no Código Civil”, Almedina, págs. 232, 233.
[8] Processo nº 241/2007-1, www.dgsi.pt.
[9] Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 437.
[10] Ob. cit., págs. 397, 398.
[11] cf. Antunes Varela, “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 102º, pág. 8 e ss.
[12] O que, de resto, se coaduna com as regras gerais da repartição do ónus da prova, plasmadas no artigo 342º do Código Civil, já que a culpa, sendo um dos pressupostos que integra e fundamenta o dever de indemnizar, é um facto constitutivo do direito a que o lesado se arroga; cf. ainda, neste sentido, entre outros, Acórdãos do STJ, 12.07.2005, 21.11.2006, 13.11.2008, Acórdão desta Relação, de 21.09.2004, todos em www.dgsi.pt.
[13] Acórdão da Relação do Porto, 20.02.2003, processo nº 0232481, www.dgsi.pt.