Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
302/11.0GAMMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CONTUMÁCIA
LEI CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL
Data do Acordão: 03/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 2.º, N.º 1 E 4, 118.º, N.º 1, ALÍNEA C), 119.º, N.º 1, 120.º, 121.º, N.º 1, ALÍNEA A), B) E C), N.º 2 E N.º 3, DO CÓDIGO PENAL
ARTIGO 282.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ARTIGOS 7.º, N.º 3 E 4, DA LEI N.º 1-A/2020, DE 19 DE MARÇO
ARTIGO 6.º-B, N.º 3, DA LEI N.º 4-B/2021, DE 1 DE FEVEREIRO
Sumário: I – A contumácia de um arguido e correspondente suspensão dos termos do processo não obsta à declaração de extinção do procedimento criminal por prescrição.

II – Antes de apurar o prazo máximo da prescrição do procedimento criminal, previsto no artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal, é sempre imperativo verificar se o prazo normal se atingiria numa data aquém desse prazo máximo, situação em que releva sempre este prazo normal, só funcionando o prazo máximo quando o prazo normal fique para além.

III – A actual redacção do artigo 120.º do Código Penal é concretamente mais favorável ao arguido, porque fixa um prazo máximo de suspensão de prescrição decorrente da vigência da declaração de contumácia, enquanto que na redacção anterior, que não estabelecia qualquer prazo, o processo podia estar indefinidamente suspenso.

IV – A previsão das Leis nºs 1-A/2020, de 19/3, e 4-B/2021, de 1/2, com referência a prazos de prescrição, só pode vigorar para o futuro, ou seja, para factos praticados durante a sua vigência.

Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

 1. O DESPACHO RECORRIDO

… por despacho datado de 24 de Outubro de 2022, foi decidido o seguinte: 

«Compulsados os autos, verifica-se que:

- o arguido foi nessa qualidade constituído a 04-05-2011 (fls. 6);

- a 05-05-2011, foi deduzida acusação contra o arguido por factos alegadamente ocorridos a 04-05-2011, os quais, no entendimento ali subscrito, consubstanciariam a prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, com referência aos artigos 121º, nº 1, 122º, nº 1, e 123º, nº 1, alínea b), do Código da Estrada, na sequência do que se determinou a suspensão provisória do processo, não tendo o arguido cumprido as injunções determinadas (fls. 15 e seguintes);

- por despacho de 13-01-2012, foi proferido despacho de acusação em processo abreviado (fls. 44)

- na sequência da impossibilidade de notificar o arguido da data designada para audiência de discussão e julgamento, por despacho de 19-09-2012, declarou-se o arguido contumaz (fls. 81).

Tendo em conta o crime de que o arguido se mostra acusado, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos, desde a prática do facto – artigos 118º, nº 1, alínea c), e 119º, nº 1, do Código Penal.

Assim, tendo os factos ocorrido a 04-05-2011, o procedimento criminal, à partida, prescreveria a 04-05-2016.

Todavia, com a declaração de contumácia, a 19-09-2012, interrompeu-se e suspendeu o prazo da prescrição até ao limite máximo de 5 anos (logo, até, 19-09-2017), momento em que reiniciou a contagem do prazo da prescrição – artigos 120º, nº 1, alínea c), e nº 3, e 121º, nº 1, alínea c), e nº 2, ambos do Código Penal.

Assim, o prazo interrompeu e suspendeu a 19-09-2012 até 19-09-2017, já que, entretanto, não ocorreram outras causas de interrupção ou suspensão da prescrição. A 19-09-2017 reiniciou o prazo normal de 5 anos da prescrição, o qual foi atingido no passado dia 19-09-2022.

No que respeita à prescrição imperativa prevista no artigo 121º, nº 3, do Código Penal, esta seria atingida a 04-10-2023, correspondente ao somatório de 5 anos do prazo normal de prescrição, com 2 anos e 6 meses que são metade daquele prazo, mais 5 anos da suspensão por causa da declaração de contumácia, após a data da prática dos factos. Todavia, esta prescrição só releva se antes não for atingida a prescrição normal.

Já em relação à constituição de arguido, esta, de facto, interrompeu o prazo da prescrição (artigo 121º, nº 1, alínea a), do Código Penal), contudo, isto ocorreu no dia da prática dos factos, além de não ditar a suspensão do prazo da prescrição, pelo que, na prática, não tem qualquer relevância no cálculo acabado de fazer.

No caso, após a declaração da contumácia já decorreram mais de 10 anos: 5 que correspondem ao limite máximo da suspensão por causa daquela declaração e outros 5 que correspondem ao prazo da prescrição normal.

Pelo exposto, declara-se cessada a contumácia do arguido AA e declara-se a prescrição do procedimento criminal contra este arguido, o qual, em consequência, se extingue.

…».

2. O RECURSO

… o Ministério Público recorreu do mesmo, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões …

«…

A declaração de contumácia do arguido determinou a suspensão do prazo de prescrição pelo período de 5 anos, de acordo com o disposto no artigo 120º nº 1 al. c) e nº 3 do Código Penal).

A declaração de contumácia também impôs a interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do artigo 121º nº 1 al.c) do Código Penal.

O prazo de prescrição do presente procedimento criminal, por força da interrupção causada pela declaração de contumácia é de 7 anos e 6 meses, isto é, o prazo normal de prescrição acrescido de metade.

Aos 7 anos e 6 meses do prazo de prescrição acresce o período de 5 anos da suspensão do prazo de prescrição decorrente da declaração de contumácia do arguido (artigos 120º 1 al.c) e nº 3 e 121º nº 3).

Considerando os períodos de suspensão e de interrupção da prescrição, o prazo da prescrição do presente procedimento criminal a considerar é de 12 anos e 6 meses desde a data da prática dos factos.

Assim sendo, a prescrição do presente procedimento criminal ocorrerá em 4/11/2023.

…».

3. Não houve respostas.

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador da República pronunciou-se neles, sendo seu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso.

II – FUNDAMENTAÇÃO

… o recurso abrange apenas matéria de DIREITO.

Assim sendo, é apenas esta a questão a decidir por este Tribunal:

O procedimento criminal movido ao arguido encontra-se PRESCRITO?

2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

2.1. São estes os factos processuais relevantes para a decisão deste recurso:

o arguido foi nessa qualidade constituído a 4 de Maio de 2011 (fls. 6);

a 5 de Maio de 2011, foi deduzida acusação em processo sumário contra o arguido por factos alegadamente ocorridos a 4 de Maio de 2011, os quais, no entendimento ali subscrito, consubstanciariam a prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, com referência aos artigos 121º, nº 1, 122º, nº 1 e 123º, nº 1, alínea b), do Código da Estrada, na sequência do que, em 5 de Maio de 2011,  se determinou a suspensão provisória do processo, não tendo o arguido cumprido as injunções determinadas (fls. 15 e seguintes);

foram os autos devolvidos ao MP para efeitos de acusação em processo abreviado em 11 de Janeiro de 2012 (fls 43);

por despacho de 13 de Janeiro de 2012, foi proferido despacho de acusação em processo abreviado (fls. 44);

na sequência da impossibilidade de notificar o arguido da data designada para audiência de discussão e julgamento, por despacho de 19 de Setembro (e não Dezembro, como, por lapso, surge no parecer do MP que antecede) de 2012, foi o arguido declarado CONTUMAZ (fls. 81).

2.2. Antes de mais, convém dizer que consideramos que a contumácia de um arguido e correspondente suspensão dos termos do processo não obsta à declaração de extinção do procedimento criminal, por prescrição.

Como aduz sabiamente o Acórdão da Relação de Guimarães, com toda a propriedade e pertinência:

«(…) com base no disposto no artº 335º/3 C.P.P., a contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo, até à apresentação ou à detenção do arguido. Daqui que, para o recorrente, não pudesse ser declarada a prescrição por o processo estar suspenso.

É um argumento literal, mas que não vale tudo.

É que este tipo de argumentos só podem manter validade, enquanto não se tornem absurdos e devem ceder quando põem em causa outro tipo de princípios gerais.

Ora e desde logo e como vem reconhecendo a Jurisprudência, a suspensão dos termos ulteriores do processo não impede que o Tribunal determine se proceda à realização de diligências com vista à procura do arguido, sua detenção para prestação de T.I.R. e até à sua prisão preventiva, mediante despacho nesse sentido.

Com efeito, a contumácia não pode significar que o arguido atingiu um “oásis processual”, em que nada pode ser feito.

E muito mais, quando o que está em causa à própria existência do processo criminal.

Imagine-se um processo em que um contumaz morre e o processo tem acesso à própria certidão de óbito …

Ora, aquele entendimento levaria ao absurdo de também neste caso se não poder declarar a extinção do procedimento criminal, por o arguido ser contumaz; e, por estar morto, este estado do processo nunca poderia alterar-se uma vez que nunca o arguido se poderia apresentar ou ser detido (artº 336º/1 C.P.P.), únicas formas de se poder operar a caducidade da contumácia.

O que determinaria que o procedimento criminal se mantivesse suspenso para sempre por via da contumácia, o que seria um contra senso.

Ora, o Direito e a Justiça quando provocam contrasensos no caso concreto, têm de ser repensados. Por isso existem as interpretações restritivas, extensivas ou analógicas, nomeadamente tendo por referência o elemento teleológico.

Ora e no caso dos autos perguntar-se-á também que razão há em manter um processo suspenso e pendente, quando o mesmo está notoriamente prescrito, em termos de procedimento criminal? …

É óbvio que a manutenção deste processo suspenso, por via da contumácia briga com as mais elementares regras da economia processual, impostas por lei – cfr. artsº 6º/1 e 130º C.P.V., via artº 4º C.P.P. …».

Por tal motivo, entendemos que foi avisada a decisão da Mª Juíza do tribunal recorrido em suscitar a questão da prescrição do procedimento criminal, não obstante a contumácia do arguido.

2.3. Entremos então no âmago da discussão.

O crime em apreço tem a moldura penal abstracta de 1 mês a 2 anos de prisão ou pena de 10 a 240 dias de multa.

O prazo da prescrição do procedimento criminal (e não da pena pois nunca foi proferida sentença nestes autos) é de 5 anos [artigo 118º, nº 1, alínea c) do Código Penal, doravante CP], correndo tal prazo desde o dia em que o facto se consumou (no caso, em 4 de Maio de 2011) – cfr. artigo 119º, nº 1 do mesmo diploma.

Portanto, à partida, o procedimento criminal prescreveria no dia 4 de Maio de 2016.

Ninguém duvida que a prescrição do procedimento criminal expressa a renúncia por parte do Estado ao seu direito de punir, recusa esta estribada no decurso de certo período temporal.

Tal significa que, decorrido certo tempo após a prática de um facto ilícito-típico, deixa de ser possível o procedimento criminal, radicando a sua razão de ser deste instituto na impossibilidade de se cumprirem os fins das penas, nomeadamente na desnecessidade da prevenção geral e especial, relacionada com o esquecimento do facto criminoso por efeito do lapso de tempo entretanto decorrido.

Como nos ensina Jorge de Figueiredo Dias «quem for sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização e de segurança” (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 699).

O balizamento da perseguição do facto criminoso, por efeitos da prescrição, funda-se, ainda, no reconhecimento de que o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados mais problemáticos a investigação e o consequente apuramento da verdade material.

Não obstante os fundamentos da prescrição do procedimento criminal, a verdade é que na regulação do instituto da prescrição, não se foi insensível ao poder/dever punitivo do Estado, ao ponto de mediante a verificação de determinados circunstancialismos, se mostrar travado o decurso do prazo de prescrição.

Na linha do sentenciado pelo Acórdão da Relação do Porto de 12/5/2021 (Pº 327/05.5PGMTS-A.P1):

«O instituto da prescrição serve interesses claros: considera-se que não é benéfico fazer perdurar no tempo a possibilidade de execução da pena, alimentando a possibilidade de sobrevir algum ócio e arbitrariedade do Estado acerca do momento específico em que a decide fazer cumprir.

Acresce que a censura comunitária se vai esbatendo com o decorrer do tempo, como vão perdendo sentido e oportunidade as exigências de prevenção geral e especial ligadas tanto à perseguição do facto como à execução da sanção. Por isso, a Lei estabelece um prazo gradativo, em função da relevância dos crimes e das penas, durante o qual o Estado é obrigado a desenvolver todos os esforços possíveis com vista à sua execução prática, sob pena de, esgotado o prazo estabelecido, a pena não puder mais ser aplicada.

E, por isso, a prescrição é “uma autolimitação do Estado no exercido do jus puniendi e a sua razão de ser está no não exercício, em tempo congruente, do direito de perseguiram o agente de um crime ou de executar uma pena aplicada a quem tenha sido condenado- Ac da RL de 8/03/2017, processo 27/01.5IDLSB.L1.-3, in www.dgsi.pt (c/ voto vencido).

2.4. Neste ponto radica a razão de ser dos institutos da interrupção e da suspensão do procedimento criminal.

A lei prevê causas de suspensão e de interrupção da prescrição do procedimento criminal (cfr. artigos 120º e 121º do CP).

De facto, na contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal deverá atender-se aos factos que a lei atribui efeito suspensivo e interruptivo da prescrição, sendo que enquanto a interrupção da prescrição inutiliza o prazo já decorrido, começando a correr novo prazo por inteiro, na suspensão da prescrição o prazo decorrido não se inutiliza, voltando a correr a partir do dia em que cessa a causa a suspensão (cfr. artigos 120º, nº 3 e 121º, nº 2, ambos do CP).

Os mecanismos de suspensão e interrupção dos períodos de prescrição justificam-se, de acordo com a lei, pela necessidade de conter ou atrasar o benefício do arguido por via do decurso destes períodos quando o jus puniendi do Estado já foi formalizado ou quando não existam meios (jurídicos) possíveis para prosseguir com o julgamento.

Será que existem, in casu, causas de suspensão ou interrupção de tal prazo?

Nos autos, temos os seguintes actos plausíveis de constituírem causas de interrupção ou suspensão desse prazo: a constituição de arguido [facto interruptivo – artigo 121º, nº 1, alínea a) do CP)] e a declaração de contumácia (facto interruptivo e suspensivo, nos termos dos artigos 120º, nºs 1, alínea c) e 3 e 121º, nº 1 c) do CP].

Há ainda que ter em conta que neste processo existe ainda uma outra causa da suspensão do procedimento criminal, nos termos do artigo 282º, nº 2 do CPP, nunca referida pelo recorrente ou pelo despacho recorrido, ou seja, a suspensão provisória do processo, tendo ela decorrido durante 8 meses e 6 dias (de 5.5.2011 – cfr. fls 19-22 - até 11.1.2012 - cfr. remessa dos autos ao MP de fls 43).

Teremos ainda de trazer à colação o preceituado na lei penal quanto ao prazo máximo de prescrição do procedimento criminal que corresponde ao prazo normal da prescrição acrescido de metade desse prazo – aqui fala-se do prazo em que, desde o seu início, independentemente das causas de interrupção da prescrição, mas ressalvando o tempo de suspensão da prescrição, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar (cfr. artigo 121º, nº 3 do CP).

E chegou o legislador a este prazo atento o efeito sucessivo das várias causas de interrupção da prescrição, tendo na sua génese o reconhecimento de que o decurso de um lapso temporal muito elevado atenua fortemente a necessidade de imposição de uma pena e potencia a ocorrência de um erro judiciário.

Mas antes de chegarmos a este prazo máximo, torna-se sempre imperativo verificar se nas contas quanto ao prazo normal se atingiria uma data aquém desse prazo máximo, situação em que releva sempre esse prazo normal e não o prazo máximo que só funcionará, pois, quando o prazo normal fique para além desse prazo máximo.

Ora, nos autos, interrompe tal prazo a constituição como arguido, o que neste caso se torna irrelevante pois essa constituição decorreu no próprio dia da pretensa autoria dos factos delituosos (cfr. artigo 121º, nº 1, alínea a) do CP].

Também o faz a notificação da acusação (artigo 121º, nº1, alínea b) do CP], começando a correr novo prazo depois desta interrupção.

E quanto à suspensão de tal prazo?

Para além da causa do artigo 282º, nº 2 do CPP, dispõe o artigo 120º do CP o seguinte:

1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;

b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;

c) Vigorar a declaração de contumácia; 

d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;

e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;

f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.

3 - No caso previsto na alínea c) do nº 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição.

4 - No caso previsto na alínea e) do nº 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo.

5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.

6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão».

Note-se que esta redacção do artigo 120º decorreu da entrada em vigor da Lei nº 19/2013 de 21/2 (diploma que veio rever o CP) pois, antes da sua entrada em vigor, a declaração de contumácia tinha por consequência a suspensão infinita de tal prazo de prescrição – em 2013 foi decidido que a declaração de contumácia nunca poderia justificar a suspensão desse prazo para além do prazo normal de prescrição – no nosso caso, 5 anos.

Esta redacção do artigo 120º é claramente mais favorável ao arguido do que a norma vigente à data da prática dos factos (anterior a 2013), como é bem de ver.

De facto, e aplicando o artigo 2º, nº 4 do CP, não nos podemos esquecer que para se apurar do regime mais favorável ao arguido não basta a comparação das individualizadas normas para afirmar que a estatuição actual é mais favorável (por ser menor o período de suspensão), sendo necessário verificar todo o regime de prescrição do procedimento (suas causas de suspensão e interrupção e respectivos prazos), que vigorou desde a data dos factos até à actualidade, não sendo possível escolher as normas que em cada um dos diferentes dispositivos legais que em cada momento era mais benéfico ao mesmo.

Em sede de aplicação da lei no tempo, em matéria de prescrição, a regra é a de que a lei aplicável é aquela que se encontre em vigor no momento da prática do crime, não podendo, por isso, ser aplicada retroativamente lei mais gravosa para o arguido como é o caso da lei que alongue o prazo de prescrição ou acrescente novas causas de suspensão ou de interrupção da prescrição, cfr. nº 1 do artigo 2º do CP

No caso em apreço, a lei posterior que veio fixar um prazo máximo de suspensão de prescrição decorrente da vigência da declaração de contumácia é concretamente mais favorável para o arguido, uma vez que tal prazo é agora de cinco anos (corresponde ao prazo normal de prescrição), não havendo definição de prazo no anterior regime, o que equivaleria a vermos o prazo – e o processo - indefinidamente suspenso.

2.5. Ora, no nosso caso, o MP recorrente entende que, a partir do acto interruptivo da declaração de contumácia, se começa a contar «um novo prazo de prescrição de 7 anos e 6 meses desde a data da prática dos factos».

Aqui labora, a nosso ver, o seu equívoco.

A partir dessa data de 19 de Setembro de 2012 começa a contar um novo prazo de cinco anos (o prazo normal) e não o de sete anos e seis meses, assente que apenas iremos buscar tais dois anos e seis meses quando estamos a contabilizar o prazo máximo do nº 3 do artigo 121º e não quando estamos a contabilizar o prazo normal de prescrição.

Note-se que o MP faz depois acrescer a esse prazo de 7 anos e 6 meses os cinco anos da suspensão da contumácia, o que lhe perfaz a data alargada de 4/11/2023, essa, de facto, a data em que se atingiria, na sua posição, o prazo máximo da prescrição que, no caso, fica para além do prazo normal que se atingiu, a nosso ver, e aqui se concordando com a decisão recorrida, no dia 19 de Setembro de 2022.

Veja-se.

Depois de 19/9/2012, começa a contar-se novo prazo normal de prescrição (artigo 121º, nº 2 do CP), havendo apenas que atender aos 5 anos de suspensão do artigo 120º, nº 1, alínea c) que, no caso, não pode ser superior a 5 anos (nº 3 do artigo 120º).

Por conseguinte, e falando apenas do prazo normal de prisão (a primeira operação a fazer, e antes da contabilização do prazo máximo), as contas fazem-se do seguinte modo:

partindo da data inicial de 4/5/2011, temos um último acto interruptivo a 19/9/2012, a partir do qual contamos mais 5 anos (o prazo da prescrição ligado ao crime em apreço);

depois, contamos mais 5 anos durante o qual esteve suspenso tal prazo, à luz do artigo 120º, nºs 1, alínea c) e 3 do CP.

Ou seja, atinge-se a data de 19 de Setembro de 2022, aquém da data do prazo máximo da prescrição que é a de 4 de Julho de 2024, como se verá a seguir.

E note-se que na contabilização deste prazo normal de prescrição não faz sentido contabilizar o decurso do prazo de suspensão provisória do processo – que durou, de facto, oito meses, nos termos do artigo 280º, nº 2 do Código de Processo Penal - que decorreu necessariamente antes da dedução de acusação em processo abreviado e antes da declaração de contumácia a partir da qual estamos a contar o prazo desde o início o prazo (já que a contumácia tem esse duplo efeito interruptivo e suspensivo).

A nosso ver, esse prazo de suspensão só interessaria se estivesse em causa a determinação do prazo máximo do artigo 121º, nº 3 do CP.

Já o prazo máximo da prescrição tem de ser aferido assim:

Contam-se a partir do dia do evento delituoso - dia 4 de Maio de 2011 - sete anos e meio (5 anos da prescrição a que acrescem dois anos e meio por ser metade desse prazo), a que se deve aditar o prazo de 5 anos por força da redacção dada em 2013 ao nº 2 do artigo 120º (pelo facto de ter existido uma causa de suspensão por força da declaração de contumácia), bem como o prazo de oito meses e seis dias da suspensão provisória do processo.

Logo, tal prazo máximo seria sempre a data de 10 de Julho de 2024 (e não 4/10/2023 – quanto muito, não contando estes 8 meses e seis dias, 4/11/2023).

Em esquema:

1º- PRAZO NORMAL:

A partir de 19.9.2012 (facto interruptivo) contam-se cinco anos, a que acrescem cinco anos de suspensão (artigo 120º/1 c) e 3) – logo 19.9.2022 (está prescrito o procedimento criminal), não se contabilizando aqui o prazo não autónomo de 8 meses e seis dias de suspensão pela SPP, só o usando quando estamos as contas para o prazo máximo.

2º PRAZO MÁXIMO:

A partir de 4.5.2011 (facto delituoso), contamos cinco anos MAIS dois anos e seis meses (artigo 121º/3), acrescendo ainda os tempos de suspensão – 5 anos pela contumácia e oito meses e seis dias pela SPP.

Logo - 10.7.2024.

E, como bem afere a decisão recorrida, este prazo de prescrição só releva se antes não for atingida a prescrição normal.

No caso, chega-se à prescrição normal antes da máxima, razão pela qual é a primeira que releva.

2.6. A terminar, diremos ainda que estamos completamente de acordo com a tese segundo a qual a causa de suspensão de prescrição do procedimento criminal estabelecida nas Leis nº 1-A/2020 (artigo 7º, nºs 3 e 4) e nº 4-B/2021 (artigo 6º-B, nº 3) – diplomas que vigoraram durante o período pandémico recentemente vivido também em Portugal -, apenas se aplica aos factos praticados durante a sua vigência, seguindo de muito perto toda a brilhante dissertação feita pela nossa actual Presidente de Secção no Pº 200/09.8TASRE.C3 (aresto de 7/12/2021 ).

De facto, é a própria CRP que não autoriza que o estado de emergência possa ser usado como “via verde” para afastar a proibição da aplicação retroactiva da lei penal (e contraordenacional), através do alargamento de prazos de prescrição quanto a factos praticados antes do estado de emergência.

Ora, a circunstância de a Lei nº 1-A/2020, de 19/3, e de a Lei nº 4-B/2021, de 1/2, terem iniciado a sua vigência depois do decretamento da situação de estado de emergência não é apta a ditar a suspensão dos prazos prescricionais aos processos que têm por objeto factos praticados em momento anterior a cada um daqueles diplomas.

Por isso, não tem este tribunal de aferir a aplicação dessas leis temporárias, assente que os factos dos autos são muito anteriores às datas dos ditos diplomas.

2.7. É isto o bastante para fazer improceder o recurso na sua globalidade.

2.8. Em sumário, diremos:

A contumácia de um arguido e correspondente suspensão dos termos do processo não obsta à declaração de extinção do procedimento criminal, por prescrição.

Antes de chegarmos ao prazo máximo da prescrição do procedimento criminal previsto no artigo 121º, nº 3 do CP, torna-se sempre imperativo verificar se nas contas quanto ao prazo normal se atingiria uma data aquém desse prazo máximo, situação em que releva sempre esse prazo normal e não o prazo máximo que só funcionará, pois, quando o prazo normal fique para além desse prazo máximo.

A lei posterior que veio fixar um prazo máximo de suspensão de prescrição decorrente da vigência da declaração de contumácia é concretamente mais favorável para o arguido, uma vez que tal prazo corresponde agora ao prazo normal de prescrição, não havendo qualquer definição de prazo no anterior regime, o que equivaleria a vermos o prazo – e o processo - indefinidamente suspenso.

A previsão das Leis nºs 1-A/2020, de 19/3, e 4-B/2021, de 1/2, com referência a prazos de prescrição, só pode vigorar para o futuro, ou seja, para factos praticados durante a sua vigência.

III – DISPOSITIVO    

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso intentado pelo Ministério Público, confirmando o despacho recorrido.

Sem custas.

Coimbra, 8 de março de 2023

(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94º, nº 2, do CPP -, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do artº 19º da Portaria nº 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20/09)

Relator: Paulo Guerra

Adjunta: Alcina da Costa Ribeiro

Adjunta: Cristina Pêgo Branco