Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
50/14.0T8CNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: NOMEAÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO
PRAZO
CONTESTAÇÃO
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – CANTANHEDE – SEC. CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 24º, Nº 4 DA LEI Nº 34/2004, DE 29/07.
Sumário: I – Pretendendo o Réu a nomeação de patrono, para que possa obter a interrupção do prazo da contestação facultada pelo art. 24º, nº 4 da Lei 34/2004, de 29/7, deve juntar, dentro do prazo em curso, o documento comprovativo do requerimento apresentado na Segurança Social visando a concessão de apoio naquela modalidade.

II - Todavia, se o Tribunal, dentro desse prazo, fica a saber através de ofício remetido pela Ordem dos Advogados, que foi requerida e deferida a concessão ao R de nomeação de patrono, só um espúrio rigorismo formalista pode levar a sustentar que ainda não está preenchida a essencial razão de ser subjacente à imposição do acima aludido dever.

III - Ademais, se a secretaria funcionalmente dependente do juiz, remeteu ao patrono nomeado e ao próprio R a notificação de que o prazo para a apresentação da contestação se iniciou a partir de então, esse comportamento gerou no R a legítima expectativa e a fundada confiança de que poderia praticar tal acto nesse prazo.

IV – Ora, incumbindo aos tribunais, no exercício do essencial poder judicial do Estado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, estes não esperam da sua parte qualquer afronta ao clima de boa-fé e de confiança em que têm o direito de acreditar na sua relação com todos os poderes públicos, porquanto as expectativas por eles legitimamente criadas, resultantes de comportamentos dos poderes públicos, impõem a previsibilidade da actuação destes, ínsita no princípio do estado de direito democrático, nas suas vertentes dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

       M..., Lda intentou esta acção, ao abrigo do disposto no DL 269/98 de 1/9, contra F..., pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 10.326,10, acrescida de juros de mora.

1)- Em 16/10/2014, o R foi citado.

2)- Em 29/10/2014 (13 dias após), foi remetida ao processo pela Ordem dos Advogados, por correio electrónico, a seguinte comunicação: «Na sequência do deferimento do pedido de apoio judiciário, referente ao Processo da Segurança Social supra-referido, comunicamos a V. Exa. que foi nomeado para o patrocínio, o Senhor Advogado Dr. ...».

3)- Em 31/10/2014 o Instituto da Segurança Social-IP remeteu ao processo um ofício, em que a secção central do Tribunal apôs um carimbo com a data de 24/11/2014, comunicando: «Na sequência do requerimento de protecção jurídica formulado em 17-10-2014 (…) vem notificar-se V. Exa. da decisão proferida no âmbito do processo de protecção jurídica supra identificado (…) o requerente tem direito a protecção jurídica (…) nas modalidades (…) - dispensa de taxas de justiça e demais encargos com o processo; - nomeação e pagamento da compensação de patrono».

4)- Em 17/11/2014, a secretaria do Tribunal enviou pelo correio ao Sr. Advogado referido em 2) uma notificação nos seguintes termos: «Fica deste modo V. Exa. notificado de que foi nomeado patrono a (…). O prazo para a prática do acto inicia-se com a presente notificação». E, nesse mesmo dia, enviou pelo correio ao próprio R a seguinte notificação: «Fica deste modo V. Exa. notificado de que lhe foi nomeado patrono o Dr. (…), a quem deve prestar toda a colaboração».
5)- Em 5/12/2014, o R apresentou a contestação nos autos, subscrita pelo Sr. Advogado referido em 2).
6) - Em 18/12/2014, a Sra. Juíza decidiu não admitir tal contestação, por extemporânea, dado não ter sido «junto aos autos o documento comprovativo da apresentação do requerimento para a concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono» e, na sequência, conferiu força executiva à petição.
Não se conformando com o despacho que não admitiu a sua contestação, o R apelou, suscitando a questão de saber se, para efeitos de interrupção do prazo em curso, nos termos do art. 24º, nº 4 da Lei 34/2004, de 29/7, deve considerar-se relevante a comunicação junta aos autos de que, na sequência do deferimento do pedido de apoio judiciário, lhe fora nomeado um patrono, independentemente de o mesmo ter incumprido o dever de juntar, naquele prazo, documento comprovativo da apresentação na Segurança Social do requerimento de apoio nessa modalidade.
Cumpre decidir, para o que releva o antecedentemente relatado.
Deveria o apelante juntar, no prazo da contestação, o documento comprovativo da apresentação na Segurança Social do seu requerimento com que promovera o procedimento administrativo visando a concessão de apoio na modalidade de nomeação de patrono? Sim, deveria porque a tanto estava vinculado pelo comando ínsito no citado normativo ([1]).
Todavia, mesmo não olvidando esse dever, pensamos que, perante os concretos contornos fácticos do caso, a acima enunciada questão merece uma resposta afirmativa, pelas razões que, muito sumariamente, passamos a expor:
Em primeiro lugar, logo em 29/10/2014, o Tribunal ficou a saber, não apenas que fora requerida, mas até que fora deferida a concessão ao R de apoio na modalidade de nomeação de patrono. Ora, se o comprovativo da simples apresentação do requerimento de concessão de apoio tem a virtualidade de interromper o prazo, só um espúrio rigorismo formalista poderia levar a sustentar que ainda não estava preenchida a essencial razão de ser subjacente à imposição do aludido dever e que, portanto, não estava interrompido o prazo, então ainda em curso, para a apresentação da contestação, quando, afinal, estava já comprovada a concessão de tal apoio ([2]).
Ademais, admitindo que, como tudo indica, o R soubesse já daquele deferimento, o seu incumprimento ocorre num contexto em que ainda não estava representado por qualquer advogado, o que tudo o sujeita a um mitigado grau de censura: à luz do senso comum, os cidadãos dificilmente compreenderão que os diversos órgãos e organismos do Estado não se articulem entre si nos serviços que lhes prestam e para que foram criados.
Depois, o Tribunal – nele incluído, obviamente, a secretaria funcionalmente dependente da respectiva Titular ([3]) – remeteu em 17/11/2014 ao patrono nomeado e ao próprio R a informação de que o prazo para a apresentação da contestação se iniciaria a partir de então. Quando assim procedeu, o Tribunal não teve quaisquer dúvidas sobre o pedido formulado pelo R junto da Segurança Social, mas, se as tivesse – neste caso, injustificadas – podia e devia ter convidado o R a juntar a cópia em falta ou solicitar a sua remessa a tal entidade.
Assim, com aquela notificação, o R ficou com a legítima expectativa e a fundada confiança de que poderia praticar tal acto no prazo de 20 dias ([4]), contado a partir do 3º dia útil seguinte (20/11/2014), ou seja, até 10/12/2014.
Ora, as expectativas, legitimamente criadas pelos cidadãos, resultantes de comportamentos dos poderes públicos impõem a previsibilidade da actuação destes, ínsita no princípio do estado de direito democrático ([5]), nas suas vertentes dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.
Por isso, incumbindo aos tribunais, no exercício do essencial poder judicial do Estado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos ([6]), estes não esperam da parte daqueles, ao administrarem a justiça em concreto, qualquer afronta ao clima de boa-fé e de confiança em que os cidadãos têm o direito de acreditar, na sua relação com todos os poderes públicos.
Por conseguinte, a apontada falta do R deve considerar-se suprida, para efeitos de interrupção do prazo em curso, nos termos do citado normativo, com a dita informação de 29/10/2014.
Síntese conclusiva.

1ª - Pretendendo o R a nomeação de patrono, para que possa obter a interrupção do prazo da contestação facultada pelo art. 24º nº 4 da Lei 34/2004 de 29/7, deve juntar, dentro do prazo em curso, o documento comprovativo do requerimento apresentado na Segurança Social visando a concessão de apoio naquela modalidade.
2ª - Todavia, se o Tribunal, dentro desse prazo, fica a saber através de ofício remetido pela Ordem dos Advogados, que foi requerida e deferida a concessão ao R de nomeação de patrono, só um espúrio rigorismo formalista pode levar a sustentar que ainda não está preenchida a essencial razão de ser subjacente à imposição do acima aludido dever.
3ª - Ademais, se a secretaria funcionalmente dependente do juiz, remeteu ao patrono nomeado e ao próprio R a notificação de que o prazo para a apresentação da contestação se iniciou a partir de então, esse comportamento gerou no R a legítima expectativa e a fundada confiança de que poderia praticar tal acto nesse prazo.
4ª – Ora, incumbindo aos tribunais, no exercício do essencial poder judicial do Estado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, estes não esperam da sua parte qualquer afronta ao clima de boa-fé e de confiança em que têm o direito de acreditar na sua relação com todos os poderes públicos, porquanto as expectativas por eles legitimamente criadas, resultantes de comportamentos dos poderes públicos, impõem a previsibilidade da actuação destes, ínsita no princípio do estado de direito democrático, nas suas vertentes dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.

Decisão.
Pelo exposto, julgando procedente a apelação, decide-se revogar o despacho recorrido, que, na sequência, deve ser substituído por outro que considere atempadamente apresentada a contestação, com as devidas consequências.
         Sem custas (a apelação).
Coimbra, 05/05/2015

Alexandre Reis (Relator)
Jaime Ferreira
Jorge Arcanjo

[1] Que dispõe: «Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo».
[2] Registe-se que um entendimento com este alcance foi já anteriormente admitido pelos Acs. da RC de 20/11/2012 (1038/07.2TBGRD-A.C1- Catarina Gonçalves), da RL de 26/3/2009 (10517/2008.6-Teresa Soares) e de 14/4/2008 (1985/2008.2-Nelson Carneiro) e da Ac. da RP de 9/2/2012 (5406/10.4TBMAI-A.P1-Leonel Serôdio).
[3] O juiz é o responsável pelo tribunal, dele dependendo funcionalmente, ainda que não administrativamente, a secretaria judicial e daí que os erros e omissões dos actos praticados por esta não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes (art. 157º nº 6 do CPC).
[4] Cf. art. 1º nº 2 do DL 269/98 de 1/9.
[5] Consagrado no artigo 2º da CRP.
[6] Cf. art. 202º da CRP.