Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
161682/12.7YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: INJUNÇÃO
CONTRATO DE EMPREITADA
CAUSA DE PEDIR
RESOLUÇÃO
EFEITO LIBERATÓRIO
EFEITO RESTITUTÓRIO
Data do Acordão: 05/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ – 3.º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 1207º C. CIVIL, ART. 29.º DO DL 12/2004 (NA REDACÇÃO DO DL 18/2008, DE 29 DE JANEIRO
Sumário: 1 - Uma factura não é, só por si, fundamento (causa de pedir) duma pretensão pecuniária, ainda que efectivada por intermédio de requerimento de injunção; em que, mesmo na injunção, a causa de pedir está no concreto negócio/contrato celebrado (que a factura se limita a documentar para fins contabilísticos e fiscais).

2 - Sendo tal contrato de empreitada e pretendendo o empreiteiro o pagamento do preço da obra, tem que alegar o regulamento contratual combinado (as obras a realizar e os preços combinados), após o que deve dizer quais foram exacta e concretamente os trabalhos/obras executados, em função dos quais (nos termos do regulamento contratual antes alegado) lhe assiste o direito ao preço/pagamento peticionado.

3 - Num preço global de € 116.300,00, a pagar “40% no início dos trabalhos e o restante no decorrer dos mesmos”, e de que já foram pagos € 96.500,00, tudo o que falta pagar – na ausência duma explícita ligação entre concretos e exactos momentos/fases de execução da obra e as prestações do “restante” – só é devido com a conclusão/entrega da obra; o que, não estando provada a conclusão/entrega da obra, é só por si suficiente para estabelecer a improcedência de qualquer pretensão pecuniária.

4 - Tendo o empreiteiro deixado, no Verão de 2011, a moradia/obra inacabada e com um vasto conjunto de anomalias e não tendo, intimado em 09/09/2011, procedido a quaisquer trabalhos até Maio de 2012, ocorreu “abandono” da obra e incumprimento definitivo, o que legitima o exercício da resolução contratual por parte do dono da obra.

5 - Resolvido o contrato de empreitada, improcede o pedido de pagamento duma parte do preço; a função liberatória da resolução dispensa/exonera o dono da obra do dever de cumprir qualquer prestação do preço (assim como também dispensa o empreiteiro de executar o que falta da obra e de reparar as deficiências).

6 - Operada a resolução, o que foi cumprido e o que faltava cumprir, por cada um dos contraentes, deve ser perspectivado à luz do efeito restitutório resultante da função recuperatória da resolução; mas, não sendo razoável que a retroactividade da resolução imponha a demolição da obra/moradia executada, basta-se a mesma (retroactividade) com a compensação restitutória, havendo que avaliar o valor da obra executada e efectuar a compensação restitutória com o montante do preço já pago.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., residente em (...), Figueira da Foz, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo especial de injunção, contra B... e C..., residentes em (...), Figueira da Foz, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de € 13.254,72, sendo € 12.596,41 de capital, € 556,31 de juros de mora e € 102,00 de taxa de justiça liquidada.

Alegou tão só que celebrou com os RR. um contrato de empreitada para a construção duma moradia e que do mesmo se encontra em dívida a factura n.º 516, no valor de € 12.596,41.

Os RR. contestaram.

Começaram por dizer que o preço orçado para a empreitada foi de € 116.300,00, a pagar ao longo da obra, sendo 10% a 15% aquando da sua conclusão, o que – conclusão da obra – não aconteceu, apresentando ainda a obra defeitos; razões porque os RR., após solicitarem sem êxito a sua conclusão e reparação, resolveram o contrato e procederam, recorrendo a terceiros, à sua conclusão e à reparação dos defeitos.

Mais referiram que pagaram, por conta do preço, € 96.500,00, havendo que descontar ao preço acordado: € 4.429,85 de materiais e trabalhos, conforme previsto no orçamento, € 4.849,91 de materiais adquiridos directamente pelos RR. aos fornecedores, e € 3.000,00 pagos directamente ao canalizador/electricista (e que eram devidos pelo requerente); e havendo que tomar em conta, ainda, € 8.303,35, gastos pelos RR. na conclusão e reparação dos defeitos da obra.

Razões pelas quais defendem nada dever ao A., concluindo pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador – em que se julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e dispensada a selecção/organização da matéria factual e base instrutória.

Designado dia para a audiência, finda a produção de prova, foi designado dia para a decisão da matéria de facto e prolação da sentença, em que julgou totalmente improcedente a presente acção e, consequentemente, se absolveram os réus dos pedidos formulados.

Inconformado com tal decisão, interpôs o A. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que “determine o reenvio do à 1ª Instância para se proceder a nova audiência de julgamento, ou caso assim não se entenda, que condene os RR. no pedido.”

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

I- O Recorrente notificado da Douta Sentença e dela pretendendo recorrer quer da matéria de facto, quer da matéria de direito, verificou da falta de gravação da prova.

II- O processo de injunção com a oposição do Requerido segue os trâmites processuais do processo declarativo, pelo que a prova testemunhal é sempre gravada, nos termos do artigo 155º do NCPC.

III- A inquirição das testemunhas arroladas pelas partes teve início na audiência de julgamento de 08-10-2013, sendo que a reforma legal a que foi sujeito o processo civil entrou em vigor no dia 01 de Setembro de 2013.

IV- Impunha-se a gravação da prova atento o disposto no nº1 do artigo 5º do NCPC que estabelece que sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, é imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes.

V-A omissão da falta de gravação da prova belisca o direito do Autor à impugnação em concreto da matéria de facto e impede o Tribunal de recurso de escrutinar a decisão do Tribunal recorrido quanto aos factos dados como provados.

VI- A falta de prova gravada dos depoimentos das testemunhas prestados em sede de audiência de julgamento é gerador de uma nulidade – art. 195º, n.º 1, do NCPC.

VII- Da nulidade em questão deriva nulidade da própria sentença, nos termos do n.º 2 do art.º 195º, do NCPC, visto que a sentença depende em absoluto dos factos que forem considerados provados pela 1ª instância e sobre os quais se irá debruçar a própria Relação.

VIII- Deverá ser declarada a nulidade do julgamento, anulando-se consequentemente a sentença recorrida.

IX- A Douta sentença recorrida enferma de contradições insanáveis e erro na apreciação das questões de Direito.

X- O Tribunal a quo não deveria ter dado como provado que a factualidade narrada na parte final em 1 foi admitida por acordo das partes, porque não consta do orçamento constante a fls. 20 dos autos a menção de que pelo menos 10% seria a pagar aquando da conclusão dos trabalhos.

XI- O Tribunal a quo não deveria ter dado como provado que a factualidade narrada em 9. foi admitida por acordo das partes, pois da prova documental carreada no processo constam que as interpelações dos Réus tiveram sempre resposta do Autor na devida altura.

XII- Ademais, “o ónus de impugnação especificada consagrada no artigo 490º nº2 do C.P.C não tem aplicação à dedução de excepção em contestação produzida em processo cuja tramitação não está legalmente previsto articulado próprio de resposta à contestação, não estando consequentemente os factos alegados no último articulado admissível, abrangidos pela previsão do artigo 505 do C.P.C. que supões articulado posterior.” – Cfr. Acordão TRC de 23-10-2012, processo 29063/11.1YIPRT.C1.

XIII- A tipologia processual não admite resposta à oposição deduzida pelos RR., o A. face à compensação peticionada pelos RR., lançou mão do princípio do contraditório plasmado no artigo 3º do CPC e apresentou e ditou oralmente para ata a sua resposta.

XIV- O Tribunal a quo desatendeu à abundante prova documental junta e deu como provado os pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 10, quando resulta cabalmente que as caleiras não se encontram previstas nem incluídas no orçamento.

XV- E também não resulta provado que os Réus pagaram 96.500,00€, uma vez que as declarações juntas pelos RR., constantes nos autos a fls. 150,153, 154, 157, 164, 167 e 170, foram elaboradas e subscritas pelos mesmos, sem qualquer assinatura e reconhecimento do aqui Recorrente, e portanto desprovidas de qualquer valor para efeitos jurídicos.

XVI- O Tribunal a quo também dá como provado que o autor abandonou a obra no Verão de 2011 inacabada e com anomalias .

XVII- Na sua motivação Tribunal a quo entendeu que o autor deixou a obra inacabada por não terem sido instaladas as caleiras e a janela velux. Quando nem as caleiras, nem a janela velux faziam parte do orçamento que consta dos autos a fls 20.

XVIII- Sendo que o Tribunal a quo na sua motivação refere o depoimento da testemunha António José Freitas Antunes que afirmou que em Agosto de 2011 a obra estava concluída.

XIX- Assim como, no Livro de Obra junto a fls. 44-51 o Técnico Responsável pela Assistência da Obra no dia 23-09-2011 fez constar no referido livro que a obra se encontrava concluída na parte contratualmente estabelecida.

XX- Ora, se o Tribunal a quo para a formação da sua convicção levou em consideração o facto de constar no Livro de Obra que o Técnico fez constar algumas imprecisões, à semelhança deveria ter considerado como provado a entrega e aceitação da referida obra naquela data – verão de 2011.

XXII- Do exposto, teria forçosamente de retirar-se que a obra estava concluída no verão de 2011.

XXIII- Aliás, todas as restantes obras a realizar cabiam aos Recorridos contratarem, uma vez que as mesmas não estavam previstas no orçamento a fls 20.

XXIV- O Autor aqui Recorrente, ao contrário do que é mencionado na Douta sentença, impugnou ao abrigo do art. 3, n.º 3 do CPC os alegados defeitos, que consta da Ata de 29-05-2013 com referência 4793104.

XXV- O Tribunal a quo desatendeu à prova documental carreada nos autos que não mente e fez uma incorrecta fundamentação do Direito.

XXVI- O Recorrente e Recorridos celebraram um contrato de empreitada nos termos do artigo 1207º do C.C. que se traduz num “contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.

XXVII- O Recorrente concluiu a obra aos Recorridos no verão de 2011.

XXVIII- Nos termos do artigo 1219º do C.C. “O empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, com o conhecimento deles.”

XXIX- O Tribunal a quo levou a sua motivação, baseando-se no Livro de obra junto aos autos a fls. 49 a 51, no sentido que as imprecisões constavam do referido Livro de obra.

XXX- Ora, tais imprecisões constam do livro de obra em datas anteriores à data onde consta no mesmo Livro de Obra a conclusão da obra.

XXXI- Logo, os alegadas imprecisões/defeitos já existiam não se podendo assacar qualquer responsabilidade ao aqui Recorrente.

XXXII- O prazo de denúncia dos defeitos quando aqueles surgem no decurso dos cinco anos após a entrega da obra, é o que consta nos art.º 1225º e 1220º do C.C.

XXXIII- A eliminação dos defeitos só pode ser imposta ao empreiteiro por via judicial, nos termos do art. 828º do C.C.

XXXV- Tal como foi efectuado pelo RR é vista como forma de autotutela não consentida na lei, a não ser que a eliminação fosse considerada urgente, o que não é o caso em apreço.

XXXVI- O dono da obra apenas pode encarregar terceiros de proceder à eliminação de defeitos a expensas do empreiteiro, quando exista uma sentença nesse sentido e, que o empreiteiro se recuse ainda assim a eliminar os defeitos, não foi o caso sub Júdice.

XXXVII- O Tribunal a quo não deveria ter considerado como válida a eliminação dos defeitos levada a cabo pelos Recorridos bem como atender às quantias peticionadas imputando-as no valor do orçamento.

XXXVIII- O direito dos RR. caducou, uma vez que tendo denunciado os defeitos em 09-09-2011 a acção judicial para exigir a eliminação dos defeitos teria de ser proposta dentro do prazo de um ano, ou seja, até Setembro de 2012.

XXXIX- Os Recorridos nunca exigiram judicialmente a eliminação dos defeitos, tendo o seu direito caducado nos termos do artº 1224º do C.C.

XL- A Douta Sentença enferma de um erro na interpretação da lei ao admitir como válida a resolução do contrato de empreitada feita pelos Recorridos.

XLI- O exercício dos direitos do dono da obra obedece a uma hierarquia, sendo certo que em primeiro lugar poderá exercer o direito à eliminação dos defeitos, se não puderem ser eliminados terá direito a uma nova construção, em terceiro lugar poderá exigir a redução do preço e, por fim a resolução do contrato, atento o disposto nos artigos 1221º e 1222º do C.C.

XLII- A resolução do contrato é a última ratio e exige o preenchimento de dois requisitos: a recusa do empreiteiro em eliminar os defeitos ou executar obra nova (após sentença nesse sentido) e se tais defeitos tornam a obra inadequada para o fim a que se destina, nos termos do artigo 1222º do CC.

XLIII- Não se provou que a alegada existência de imprecisões/ defeitos tornassem a obra inadequada para o fim a que se destina.

XLIV- O Tribunal a quo não deveria ter considerado existir fundamentos para a resolução do contrato de empreitada, tendo aplicado erroneamente o disposto no artigo1222º do CC.

XLV- O Tribunal a quo andou mal ao levar em consideração a figura da compensação.

XLVI- O Tribunal a quo entendeu que a compensação apenas deveria ser invocada na reconvenção, mecanismo, todavia, inadmissível na presente tipologia processual.

XLVII- No entanto, o Tribunal a quo na Douta sentença acabou por aplicar a figura da compensação, uma vez que os valores peticionados pelos RR que perfazem a quantia de €18.216,83 foram feitos a título de compensação;

XLVIII- E ao deduzir alguns desses montantes ao orçamento, o Tribunal a quo não está a fazer mais do que aplicar o instituto da compensação.

XLIX- A Douta sentença enferma de erro na aplicação do direito ao admitir a dedução de tais valores no valor do orçamento, verificando-se assim a aplicação da compensação alegada pelos Réus, ainda que não admissível.

L- De acordo com o preceituado no artigo 848.º, n.º 1, do Código Civil a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra – que é o que os réus pretendem fazer com a respectiva invocação na deduzida contestação -, tratando-se de uma forma de o devedor se livrar da sua obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor.

LI- De facto, a compensação é uma forma de extinção das obrigações em que no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito liberando-se do seu débito, por uma espécie de acção directa.

LII- Ora, no presente caso dos autos, os Réus formulam pedido compensatório contra o Autor, invocando a seu favor a existência de um crédito superior ao deste, pelo que, fizeram-no incorrectamente do ponto de vista processual, deduzindo o competente pedido por via de excepção.

LIII- As quantias referentes a alegada eliminação de defeitos, atento o seu valor não poderiam figurar a título de compensação, teriam antes de ser peticionadas a título de pedido reconvencional, que não é processualmente admissível no presente processo.

LIV- Pelo que, o Tribunal a quo não deveria ter abatido as quantias peticionadas a título de compensação.

LV- O Tribunal a quo não deveria na Douta sentença ter abatido 10% ao preço fixado, ou seja, aos 116.300,00€, uma vez que não resulta do orçamento a fls 20 dos autos a menção de que pelo menos 10% seria a pagar aquando da conclusão dos trabalhos.

LVI- Assim, não deve ser abatido 10% do valor a receber pelo Recorrente.

LVII- O Tribunal a quo deveria ter dado como provado que está em divida a quantia de 12.596,41€ resultante do contrato de Empreitada.

LVIII- Com a Douta sentença, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 5º e 155ºdo Novo Código Processo Civil, bem como o disposto nos artigos 828º, 847º, 848º, 851º, 1219º, 1220º, 1221º, 1222º, 1224º e 1225º todos do Código Civil.

Os RR. responderam sustentando que a sentença recorrida não violou qualquer norma substantiva, designadamente, as referidas pelo recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) Não existe qualquer nulidade, resultante da não gravação da prova, pois, neste tipo de ação (especial), diversamente da ação declarativa do CPC, a prova só será gravada quando tal for requerido pelas partes;

B) Não existe qualquer contradição na matéria de facto dada como provada, sendo a mesma a correta expressão da prova produzida, no seu todo, documental e testemunhal, devidamente valorada e apreciada;

C) A presente não é uma ação de eliminação de defeitos (intentada pelos apelados contra o apelante), mas sim uma ação para pagamento, intentada por este contra aqueles, na qual os apelados excecionam o incumprimento do apelante e a compensação de créditos;

D) Devem, pois, improceder todas as conclusões do recurso, por total falta de fundamento fáctico e jurídico.

Foram dispensados os vistos legais, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

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II – Fundamentação de Facto

A – Factos provados:

1. Mediante contrato celebrado em Outubro de 2009, o autor obrigou-se perante os réus a construir uma moradia destinada a habitação, mediante preço orçado em € 116.300,00, a pagar 40% no início dos trabalhos e o restante no decorrer dos mesmos.

2. Nos termos do orçamento, ao preço referido em 1 seria descontado o ferro adquirido pelos réus.

3. Embora não prevista no orçamento, a colocação das caleiras estava incluída no preço referido em 1.

4. Os réus pagaram € 96.500,00 por conta do preço referido em 1.

5. Os réus gastaram € 3.113,94 na aquisição de varão em ferro.

6. Os réus adquiriram directamente aos fornecedores mosaicos, azulejos e rodapés no valor de € 2.788,06, pó de rejuntar no valor de € 84,28 e louças de casa de banho no valor de € 927,20.

7. Os réus pagaram directamente ao canalizador/electricista, com o acordo do autor e por conta do valor da obra, € 3.000,00 devidos por este.

8. O autor abandonou a obra no Verão de 2011 inacabada e com as seguintes anomalias:

- caleiras por colocar;

- estore da janela Velux por instalar;

- manchas na pintura exterior;

- deficiente aplicação da tela ao nível da soleira junto ao chão (cave);

- ferrugem nos mosaicos da entrada e da sala;

- rodapés de madeira estalados/descolados e com mudança de cor;

- manchas de tinta e uma pedra lascada na despensa;

- tomada do exaustor mal colocada;

- mosaico da casa de banho do poliban partido e azulejo partido junto ao espelho do chuveiro;

- porta da casa de banho do poliban riscada junto à fechadura e sem um batente;

- portas dos roupeiros dos quartos descaídas/empenadas e com riscos;

- racha na parede de topo de um dos quartos;

- topos das portas não envernizados;

- aros das portas com diferentes tonalidades e a clarear;

- portas do corredor e outras sem folgas;

- pedra do primeiro degrau do rés-do-chão para a cave suja com massa de juntas;

- porta de acesso à cave sem fechar;

- salitre na pintura junto à porta de acesso à cave;

- existência de um espaço, em forma de quadrado, atrás do depósito de águas quentes sem a 2.ª demão de tinta;

- manchas na pintura e rachas nas paredes da cave;

- um dos tubos de esgoto da casa de banho da cave por pintar e outro usado e/ou ressequido;

- reboco partido junto à torneira da máquina de lavar roupa;

- paredes interiores do rés-do-chão e da cave com riscos do rolo de tinta e manchas;

- materiais de construção, ferramentas e lixo espalhados pela obra;

- portão da cave pintado em fase de obra, sendo visível a cor de origem;

- moldura do portão da cave com uma pedra partida.

9. Por carta enviada em 09.09.2011, junta a fls. 52-53, os réus intimaram o autor a concluir os trabalhos e eliminar as deficiências e, perante a inacção deste, enviaram-lhe, em 07.05.2012, nova carta, junta a fls. 55, que o mesmo recebeu, comunicando-lhe a resolução do contrato e a entrega da conclusão dos trabalhos a outro construtor.

10. Para conclusão dos trabalhos e reparação das anomalias enumeradas em 8 os réus gastaram:

- € 50,00 na licença para acabamentos;

- € 70,00 na substituição do director técnico e construtor;

- € 1.230,00 em serviços de construção;

- € 1.119,30 em serviços e materiais de carpintaria;

- € 4.594,05 em serviços e materiais de pintura;

- € 180,00 em serviços de pedreiro;

- € 650,00 na substituição do portão;

- € 410,00 na colocação das caleiras.  

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B – Factos não provados.

Não se provou que:

a) Os réus gastaram € 784,00 em varandas inox e € 875,00 em varandas em ferro;

b) Os réus adquiriram directamente aos fornecedores placas EPS 5 cm e 4 cm no valor, respectivamente, de € 898,56 e € 495,92 e torneiras de casa de banho no valor de € 280,00;

c) A obra apresentasse as seguintes anomalias:

- porta do quarto de trás com riscos e sem seis parafusos nas dobradiças;

- caixa de derivação com parafusos diferentes;

- pedras da varanda interior sujas, com massa de juntas;

- portão da cave com mais 10 cm do que o acordado;

- portas com 2,10 m de altura e não 2 m como acordado;

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III – Fundamentação de Direito

A questão dos autos/recurso está marcada, a nosso ver e com o devido respeito por opinião contrária, pela congénita insuficiência e escassez na exposição e concretização da matéria de facto, tendo em vista o êxito da pretensão deduzida pelo A.

É recorrentemente assim quando o A., em questões sem grande simplicidade factual, decide recorrer à providência de injunção e depois, sendo deduzida oposição, não há um despacho de aperfeiçoamento[1] a mandar, no fundo e em termos práticos, o processo começar de novo (ou seja, a mandar o A. alegar tudo o que devia ter alegado e que não consta do requerimento injuntivo).

Compreende-se que se aproveitem as vantagens práticas da providência de injunção – em face da não oposição, na generalidade dos casos, do requerido – porém, quando há oposição, deparamo-nos – especialmente, na fase de recurso, em que já não é possível mandar o processo começar de novo – com situações que, noutros tempos, seriam processualmente difíceis de conceber.

Repare-se:

O que no relatório inicial se disse que o A. alegou – isto é, que “alegou tão só que celebrou com os RR. um contrato de empreitada para a construção duma moradia e que do mesmo se encontra em dívida a factura n.º 516, no valor de € 12.596,41” – é mesmo tudo (e não um mero e sintético resumo) o que o A. alegou em todo o processo[2]; após o que se limitou a juntar a factura 516, em cuja discriminação se diz tão só “trabalhos acordados e mais acertos[3].

O que significa, se se quiser ser rigoroso, que, verdadeiramente, a acção até não tem sequer causa de pedir.

A causa de pedir[4] – é pacífico – “é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido[5], o que quer dizer que o A. deve fazer a indicação dos factos concretos constitutivos do direito invocado, não bastando sequer a indicação da relação jurídica abstracta[6].

Foi isto – o conceito de causa de pedir acabado de delinear – que o A. não cumpriu devidamente, uma vez que se limitou a aludir genericamente a um contrato de empreitada e a “trabalhos acordados e mais acertos” (nunca identificando sequer um único e concreto e exacto trabalho que tenha efectuado[7]).

Numa acção como a presente, o A., para expor devidamente os factos concretos que hão-de fundamentar a sua pretensão, deve começar por alegar o regulamento contratual combinado (isto é, no caso, os elementos essenciais do concreto contrato de empreitada), identificando as obras a realizar, os preços combinados e/ou os critérios para os mesmos; após o que deve dizer quais foram exacta e concretamente os trabalhos/obras executados.

Só assim o A. expõe devidamente os factos que fundamentam o pedido; ao limitar-se a remeter para uma factura, cujo conteúdo não concretiza nem o que foi combinado nem o que foi executado (que não acrescenta nada ao que [não] foi alegado), não estará até a permitir o direito de defesa da parte contrária e a respeitar o princípio do contraditório (que impõe que ao R. seja dado conhecimento dos factos fundamentadores da pretensão contra ele formulada).

Enfim – depois de apreciar inúmeros recursos interpostos por AA. em processos iniciados como injunção – do confronto entre a omissão quase completa e total do que em rigor jurídico-processual tem que ser alegado pelo A. e a mera e repetitiva alusão a facturas, fica-se até com a ideia que se cuida que a mera emissão e junção duma factura é o fundamento (causa de pedir) da pretensão deduzida, quando, como é evidente, o fundamento está nos concretos negócios/contratos celebrados que as facturas se limitam a documentar para fins contabilísticos e fiscais[8].

E o que acaba de ser dito – pensar o A. que uma mera alusão e invocação duma factura é o fundamento (causa de pedir) da pretensão deduzida – acaba por marcar a apreciação crítica dos factos, a decisão de facto e o desfecho dos autos/recurso.

Tendo o A. pecado por insuficiência (no mínimo) no cumprimento do disposto no então art. 467.º/1/d) do VCPC, não tendo sido proferido o despacho de aperfeiçoamento do então art. e 508º/1 e 3 do VCPC e prosseguindo os autos em tal “estado” para julgamento, este acabou por ser feito a partir e com base na insuficiente e escassa exposição e concretização da matéria de facto.

E se uma parte significativa de tal insuficiência ficou como que “sanada” com a posição assumida pelos RR. na “contestação” (ao alegar alguns elementos factuais quer do regulamento contratual combinado quer da fase executiva do contrato), a verdade é que o processo ficou e continua em certa medida “invertido”.

Sejamos claros e elementares:

Quando, num contrato de empreitada, o empreiteiro pede o pagamento do preço da obra (e é disto que a presente injunção trata), é ele, evidentemente, que tem que demonstrar que realizou a obra; não é o dono da obra que tem que demonstrar que a obra não foi realizada.

A realização da obra – o cumprimento perfeito da obrigação/prestação de resultado do empreiteiro – é um facto constitutivo do direito ao preço; o empreiteiro deve alegar, como já se referiu, o regulamento contratual combinado (identificando as obras a realizar, os preços combinados e/ou os critérios para os mesmos), após o que deve dizer quais foram exacta e concretamente os trabalhos/obras executados, em função dos quais (e nos termos do regulamento contratual antes alegado) lhe assiste o direito ao preço/pagamento peticionado.

Ora, é o ponto, percorrendo todos os factos dados como provados, não encontramos assente a execução do que quer que seja da obra; temos a fase estipulativa nos 3 primeiros factos e, depois, vicissitudes (omissões e defeitos) da fase executiva do contrato, porém, em momento algum se diz que o A. executou a obra.

Parece – e continua a ser este o raciocínio vicioso da alegação recursiva do A/apelante – que a execução/conclusão da obra está demonstrada como que “por defeito”, mas não é assim; é exactamente ao contrário.

Num litígio decorrente dum contrato de empreitada, como é o caso, tem o tribunal a dado passo do seu mais elementar raciocínio silogístico – tendo em vista dar ganho de causa ao empreiteiro e condenar o dono da obra a pagar o preço (uma parte do preço, uma prestação ou todo o preço) – que dizer/concluir que, em face da factualidade provada (que há-de referenciar), o empreiteiro executou a obra acordada e por isso lhe assiste o direito ao preço peticionado.

Como é evidente, é logo isto que em rigor falha.

Começamos por não saber a que exactos e concretos trabalhos se reporta a peticionada factura 516 e, naturalmente, também não sabemos se tais trabalhos foram executados; o que – na medida em que tal significa a não prova dos factos constitutivos do direito do A. – é só por si suficiente para conduzir à improcedência da acção e da apelação.

Enfim, não conseguimos efectuar o tal elementar raciocínio silogístico; não conseguimos dizer que, em face dos factos provados, o A. concluiu a obra e executou os trabalhos a que factura 516 diz respeito, razão porque não lhe assiste o direito ao preço peticionado.

*

Isto dito – explicado que a congénita insuficiência e escassez na exposição e concretização da matéria de facto condenava a injunção, se contestada, ao quase certo insucesso, uma vez que, não estando alegados pelo A. os factos constitutivos do direito ao preço, o mais certo seria, como aconteceu, que também não ficassem provados – pode dizer-se que as demais questões suscitadas no recurso ficam prejudicadas (uma vez que o desfecho do recurso está traçado), porém, para que não subsistam dúvidas e porque é o caso, não deixaremos de referir e explicar que também em tais questões (e no modo como as coloca) não assiste razão ao A/apelante.

Vejamos, então:

Os recursos têm, segundo a lei processual, âmbitos e fundamentos próprios e específicos.

A apelação duma sentença, como é o caso, tem em vista, em 1.ª linha e via de regra, o controlo/escrutínio da matéria/decisão de direito; tem por fundamento a violação de lei substantiva ou processual, alegando, para tal, o recorrente que na decisão recorrida foi cometido um erro na escolha da norma, um erro na subsunção da norma ou um erro na determinação da estatuição da norma aplicada.

Além disto, em 2.ª linha e em casos contados, a apelação pode ter em vista e como fundamento o controlo/escrutínio da matéria/decisão de facto.

Efectivamente, os DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro, ao darem nova redacção ao art.º 712º do CPC[9], vieram ampliar os poderes da Relação na apreciação e controlo do julgamento da matéria de facto efectuado pela 1ª instância; “ampliação” entretanto dilatada pelo art. 662.º do NCPC, segundo o qual a Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Sucede, porém – é este o ponto – que, no caso vertente, nenhuma das hipóteses referidas no transcrito art. 662.º do NCPC se verifica.

No caso vertente – como a acta do julgamento o espelha – os depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª Instância se baseou para decidir a matéria de facto, não foram gravados.

E tal não gravação não constituiu uma nulidade; e, ainda que porventura constituísse, não teria sido arguida nos termos e prazos referidos no art. 155.º/3 e 4 do NCPC.

Não constitui nulidade uma vez que a audiência se iniciou em 29/05/2013, data em que as partes ofereceram as provas; ou seja, em data em que estava em vigor o VCPC, que fazia depender a gravação da audiência de requerimento (art. 512.º do VCPC), o que – tal requerimento – nos autos não aconteceu.

Entretanto, é verdade, quando os depoimentos foram produzidos (em 08/10/2013), estava já em vigor o NCPC que manda (mesmo sem requerimento) que se proceda sempre à gravação (155.º/1 do NCPC).

Assim:

Por o despacho (proferido em 29/05/2013, a fls. 182) sobre os meios de prova ter feito caso julgado formal não é o referido art. 155.º/1 do NCPC imediatamente aplicável ao caso; e nenhuma nulidade foi cometido por não se haver procedido à gravação da audiência.

Todavia, ainda que se entendesse que o referido art. 155.º/1 do NCPC é/era imediatamente aplicável ao caso, então, a nulidade devia ter sido arguida – o que não aconteceu – nos termos e prazos referidos no art. 155.º/3 e 4 do NCPC.

Enfim, dum modo ou doutro, a não gravação da audiência é algo que está consolidado nos autos, que é insusceptível de censura processual, aqui e agora; não configurando qualquer nulidade e não provocando qualquer anulação quer da audiência/julgamento quer da sentença.

O que significa que não constam do processo todos os elementos probatórios com que a 1.ª Instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto, e, por conseguinte, não é, com tal fundamento, possível modificar aquela decisão.

Ademais, o processo também não contém quaisquer elementos que, só por si, contrariem o decidido em termos de matéria de facto; nem foi junto qualquer documento, superveniente ou não, que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

O julgamento da matéria de facto efectuado pela 1ª instância é pois, no caso vertente, imodificável.

Concretizando:

É completamente “imprestável”, com o devido respeito, tudo o que se alegou e concluiu, na peça recursiva do A/apelante, sobre o modo como a prova produzida – documental e testemunhal – devia ter sido apreciada e sobre o que, em face de tal apreciação e análise, devia ter sido ou não dado como provado.

Desde logo – e como é evidente – não se tendo acesso ao conteúdo duma parte da prova (testemunhal) em que a 1.ª Instância também se baseou para decidir/julgar a matéria de facto[10], fica afastada a possibilidade de com base na outra parte da prova (documental) reapreciar e modificar a decisão de facto.

Tão pouco se verifica qualquer deficiência, obscuridade ou contradição sobre pontos da decisão de facto que suscite o uso dos poderes de rescisão ou cassatórios previstos quer no art. 712.º/4 do CPC quer no art. 662.º/2 do NCPC.

Como é de elementar evidência, não se verifica qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, quer na decisão de facto, quer na motivação da decisão de facto; motivação esta em que a Exma. Juíza explica, suficiente e congruentemente, as razões da sua convicção.

Não se vislumbra, naturalmente, onde é que está a contradição no facto 3 – em que se diz que “embora não prevista no orçamento, a colocação das caleiras estava incluída no preço”; aliás, em rigor – voltamos ao que supra escrevemos – não conhecemos (por nunca o A. o ter alegado) sequer o detalhe dos trabalhos combinados, pelo que, evidentemente, nem temos onde reportar e apoiar um qualquer juízo seguro de contradição.

Há apenas dois factos, percorrendo toda a motivação da decisão de facto da sentença recorrida, em que os depoimentos testemunhais (não gravados) não são também invocados como meios de prova especificamente tomados em conta: os factos 1 e 9.

Quanto ao facto 9, dá-se no mesmo apenas como provado o que foi escrito pelos RR. nas cartas – e isto não é contestado pelo A., que aceita que as recebeu – e não que aquilo que os RR. imputam nas cartas seja verdadeiro (o que se imputa nas cartas ficou provado noutros factos, em que foram tomados em conta meios de prova – designadamente, testemunhais – a que não temos acesso); assim, nenhuma censura merece o ter-se dito, na motivação da decisão de facto da sentença recorrida, que o facto 9 foi admitido – ficou provado – por acordo.

Quanto ao facto 1 – a propósito do qual se disse que se dava como provado por acordo que “mediante contrato celebrado em Outubro de 2009, o autor obrigou-se perante os réus a construir uma moradia destinada a habitação, mediante preço orçado em € 116.300,00, a pagar ao longo da obra conforme o seu estado, sendo pelo menos 10% aquando da conclusão dos trabalhos” – estamos perante o exemplo acabado do tal vício, supra referido, de “inversão” processual.

Como já se referiu, nunca o A. alegou os termos do contrato em que baseia a sua pretensão pecuniária; tendo sido os RR. que alegaram o que foi dado como provado no facto 1, juntando para tal o “orçamento” junto a fls. 20, pouco legível e de conteúdo bastante incompreensível.

E em tal “orçamento”, do que é legível e compreensível, parece dizer-se que o preço é pago “40% no início dos trabalhos e o restante no decorrer dos mesmos”, pelo que – embora se trate, no contexto dos autos, duma especiosidade sem o menor relevo jurídico, como a seguir se explicará – a partir de tal meio de prova (documento/orçamento), como se diz na motivação da decisão de facto da sentença recorrida, era apenas isto que se devia ter dado como provado, razão porque procedemos supra, em consonância, à rectificação da redacção de tal facto 1.

Em síntese, não tendo sido requerida e efectuada a gravação da audiência final, uma apelação útil e eficiente ter-se-ia que circunscrever ao controlo/escrutínio da decisão de direito; ao controlo/escrutínio da escolha, subsunção e aplicação do estatuído nas normas.

Partindo – naturalmente e como sempre – apenas e só dos factos provados; e não, como faz o A/apelante, de factos que nunca alegou e que não estão reunidos no elenco factual[11].

Assim, neste domínio – da reapreciação da decisão de direito – o mais fácil e eficiente é expormos apenas e só os raciocínios jurídicos pertinentes que os factos convocam; os quais reflectirão, indirectamente, a improcedência dos caminhos e argumentos jurídicos do A/apelante.

Vejamos, então, cingindo-nos, repete-se, ao caminho jurídico pertinente:

Celebraram as partes um contrato de empreitada; que, por definição legal (art. 1207º C. Civil), é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.

Contrato de empreitada que no caso não seria consensual.

Tendo o contrato de empreitada sido celebrado em Outubro de 2009, era-lhe aplicável o art. 29.º do DL 12/2004 (na redacção do DL 18/2008, de 29 de Janeiro), de que resulta a obrigatoriedade – em face do valor de € 116.300,00 – da sua redução a escrito e o ter que ter um “conteúdo mínimo”.

Em todo o caso, a circunstância do “orçamento” de fls. 20 não representar o completo cumprimento de tal exigência formal – prevendo a lei (referido art. 29.º/4) como sanção, para a inobservância da forma, uma nulidade/invalidade mista (em que a nulidade tem que ser invocada pelo dono da obra) – não acarreta/gera (por não ter sido invocada pelos RR.) a nulidade do contrato.

Estamos pois perante um válido contrato de empreitada[12].

Todavia, como resulta do já antes e por diversas vezes referido, perante um contrato de empreitada de que desconhecemos o regulamento contratual preciso, exacto e exaustivo das obrigações e das prestações e contra prestações de cada uma das partes.

E – em face dos equívocos que os autos encerram não será despiciendo salientá-lo – na área dos contratos (em que o princípio da autonomia privada se manifesta em toda a sua plenitude – cfr. art. 405.º do C. Civil) é a vontade das partes que é a principal fonte de determinação da regulamentação contratual; são as partes/contraentes que determinam o “regulamento contratual” segundo as suas conveniências subjectivas, que determinam os chamados elementos essenciais do contrato, os elementos que correspondem aos termos básicos da operação económica levada a cabo; uma vez que, sobre muitos dos aspectos dum regulamento contratual, a lei, em regra, não intervém com previsões substitutivas que tomem o lugar da vontade ausente dos sujeitos privados (e compreende-se que assim seja, uma vez que tratando-se dos elementos que definem a própria lógica da operação, a sua substância e o seu racional económico, é óbvio que a respectiva determinação deve competir, por regra, aos interessados).

Ora, lendo-se o que [não] foi alegado e o que [não] está provado atinente ao regulamento contratual e à fase estipulativa do contrato, de imediato se constata que são muitos os aspectos que – sem contender com a determinabilidade do objecto contratual e com a sua validade (art. 280.º do C. Civil) – o mesmo não contém, não prevê e omite por completo; nada se diz no mesmo quer sobre o prazo da prestação do A/empreiteiro – sobre o início dos trabalhos e sobre o prazo para a conclusão – quer sobre o exacto momento do pagamento do preço por parte dos RR./dono da obra e tão pouco o conteúdo da prestação do A/empreiteiro está definido com total clareza, exactidão e precisão.

E com isto não se está a querer dizer que, numa empreitada particular (duma moradia), os termos do contrato – mais exactamente, a prestação do empreiteiro – devem estar definidos/contidos num rigoroso caderno de encargos, num cuidadoso mapa de trabalhos, num minucioso projecto de execução (que contenha as referências de todos os materiais a utilizar e as medidas de todos os trabalhos a efectuar); tais peças, compreende-se, representam um encargo que a previsão/plano de custos do dono da obra pode não comportar, porém, se se compreende que não se vá a tal detalhe e pormenor, já mal se compreende que um regulamento contratual escrito – o tal “orçamento” de fls. 20 – nada diga sobre o prazo da prestação do empreiteiro, sobre o concreto momento do pagamento do preço por parte do dono da obra e que vá ao ponto de deixar dúvidas sobre o exacto conteúdo e extensão da prestação do empreiteiro.

Tanto mais que se há matéria em que a prova testemunhal é aleatória, contingente e, acima de tudo, improfícua[13] é justamente aquela em que as partes visam, com tal prova testemunhal, preencher e integrar as lacunas do regulamento contratual escrito.

Mas – isto dito, explicado o que uma acção decorrente de contrato deve conter, para, em função da “qualidade processual”, permitir que se atinja a “qualidade substantiva” – deixemos as lacunas em geral e concentremo-nos nas lacunas que têm relevo para o estrito objecto do processo/recurso.

Em que o A. pretende receber uma parte do preço do contrato de empreitada, mais exactamente € 12.596,14.

E dizemos “uma parte do preço”, uma vez que, entretanto, veio a apurar-se que o contrato de empreitada tinha o preço global de € 116.300,00[14]; assim como veio a apurar-se que “os réus pagaram € 96.500,00 por conta do preço”.

O que significa, tendo sido estipulado que o preço era a pagar “40% no início dos trabalhos e o restante no decorrer dos mesmos”, que tais € 12.596,14 fazem parte da prestação do “restante”.

Prestação (ou prestações) esta, do “restante”, que, assim estabelecida, com tal imprecisão e inexactidão, é o mesmo que nada[15]; ou seja, não adianta nada de novo, para a solução do caso, em relação à disposição supletiva legal que diz que “o preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra” (art. 1211.º/2 do C. Civil).

É o dia a dia dos contratos de empreitada (em que a obra é uma moradia) estabelecer-se o pagamento do preço em prestações e “atrelar-se” o vencimento das mesmas a concretos e exactos momentos/fases de execução da obra; fazendo depois coincidir a última prestação com a conclusão/aceitação da obra.

Mas não é isto que consta do tal “orçamento” de fls. 20; se foi isto que as partes quiseram/acordaram, não o souberam dizer, nem no tal “orçamento”, nem agora nos autos.

E num preço global de € 116.300,00 (em que não se diz se é com IVA ou sem IVA), a pagar “40% no início dos trabalhos e o restante no decorrer dos mesmos”, e de que já foram pagos € 96.500,00, tudo o que falta pagar – na ausência duma explícita ligação entre concretos e exactos momentos/fases de execução da obra e as prestações do “restante” – só é devido com a conclusão/entrega da obra.

O que, não estando alegada/provada a conclusão/entrega da obra, seria só por si suficiente para estabelecer a improcedência da acção e do recurso.

Desde logo por força do art. 428.º do CC, que concede, em certos termos, aos contraentes, nos contratos bilaterais, a “faculdade” de recusar a sua prestação[16].

“Exceptio”, é certo, que não é de conhecimento oficioso; ou seja, verificando-se os requisitos de que depende o seu funcionamento, fica, ainda assim, o exercício de tal “faculdade/poder” na total disponibilidade dos contraentes, não podendo o tribunal substituir-se ou contrariar o não exercício da faculdade por parte dos contraentes.

Porém – é o caso – não se poder dizer que o tribunal se está a substituir-se aos contraentes ou a ir contra a posição dos contraentes quando, em obediência e nos termos do art. 664.º do VCPC = 5.º/3 do NCPC, se limitar a qualificar e a aplicar o direito às suas (dos contraentes) próprias alegações e invocações[17].

Sendo a “base” do litígio um contrato bilateral e sinalagmático e traduzindo-se o litígio num pedido de parte do preço, os RR. ao alegarem/dizerem que os trabalhos executados pelo A. não lhe conferem o direito a tal parte do preço, estão a invocar a “exceptio”.

Mas não se fica por aqui a falta de razão substantiva do A..

Mesmo na lógica já referida e que emana dos autos, de “inversão processual” – de ser a conclusão/entrega da obra algo que possa resultar provado como que “por defeito” – a falta de razão substantiva da A. é evidente.

Efectivamente, deu-se também como provado que o A. abandonou a obra, no Verão de 2011, inacabada e com um conjunto de anomalias que se descrevem; razão porque, por carta enviada em 09/09/2011, os RR. intimaram o A. a concluir os trabalhos e a eliminar as deficiências; e, perante a inacção deste, enviaram-lhe, em 07/05/2012, nova carta, que o mesmo recebeu, comunicando-lhe a resolução do contrato[18].

Ou seja, havendo fundamento para a resolução – isto é, produzindo a resolução declarada os seus devidos efeitos – o contrato de empreitada já não estará vigente e vinculativo, tendo antes entrado na chamada “relação de liquidação”.

Vejamos:

A resolução, é sabido, pode fundar-se na lei ou em convenção[19]; sendo o caso sub-judice, claramente, de uso e invocação da resolução com fundamento legal.

Resolução esta, legal, que, via de regra, pressupõe o incumprimento definitivo que ocorre sempre que a prestação não tenha sido realizada e já não possa vir a sê-lo posteriormente, o que, segundo o C. Civil (808.º/2), acontece em 2 situações: quando o credor perdeu objectivamente interesse na prestação ou quando decorreu o prazo suplementar (admonitório) de cumprimento estabelecido pelo accipiens.

E, ainda, numa terceira causa/situação, quando o devedor declara expressamente, de modo claro e inequívoco, que não pretende cumprir a prestação a que está adstrito, hipótese em que, compreensivelmente, é desnecessário o credor estabelecer-lhe um prazo suplementar para haver incumprimento definitivo; causa/situação esta, de incumprimento definitivo, em que pode entrar, no contrato de empreitada, o “abandono da obra” por parte do empreiteiro.

E é esta terceira causa de incumprimento definitivo que, no caso, consideramos verificada[20].

Sintetizando os factos provados, temos que, no Verão de 2011, o A. deixou a obra inacabada e com um vasto conjunto de anomalias, que, embora intimado, em 09/09/2011, não concluiu ou eliminou até Maio de 2012.

E embora (voltando às lacunas estipulativas) não saibamos qual o prazo para a conclusão da obra, a verdade é que, interpretando os factos provados (e a circunstância do A. formular um pedido que, satisfeito, perfaz grosso modo a totalidade do preço global), somos levados a afirmar que o A., a partir do Verão de 2011, passou a estar atrasado na execução/conclusão dos trabalhos, não se podendo afirmar, do mesmo passo, que os RR. (tendo já pago € 96.500,00) estivessem atrasados em qualquer obrigação/prestação a favor da A. (como se explicou, o que falta pagar do preço só se vence com a conclusão/entrega da obra).

Pelo que, tendo a A. deixado de trabalhar na obra após o Verão de 2011, ficando a obra parada desde essa data e não tendo o mesmo acabado o que faltava e reparado os defeitos, deve tal paragem na execução dos trabalhos ser juridicamente caracterizada como um “abandono” da obra (isto é, como uma recusa no cumprimento perfeito da sua prestação).

Não estamos a dizer ou sustentar que o comportamento dum empreiteiro que pare a execução duma obra e passa algum tempo sem comparecer na obra deva ser sempre juridicamente interpretado como de “abandono” e incumprimento definitivo.

O facto, nu e cru, dum empreiteiro parar a execução duma obra é, em si mesmo e só por si, relativamente inconcludente; pode tê-la parado por lhe estar a faltar material ou trabalhadores, por pretender forçar o dono da obra a pagamentos que considere em falta, por pretender “abandoná-la”, etc.

Serão pois as razões da paragem, as circunstâncias coevas e as ulteriores à paragem que hão-de permitir “interpretar/qualificar” a concreta paragem.

E é justamente por isto que entendemos que impõe a sua qualificação como “abandono” a circunstância do A. nunca mais ter voltado à obra, não obstante intimado para a vir acabar e corrigir os defeitos.

Em síntese, em face dos factos, o A/apelante estaria em mora na execução/conclusão da obra e, encontrando-se em tal situação, nunca mais voltou à obra; aos RR/apelantes não é imputável, em face dos factos provados, qualquer incumprimento unilateral do programa contratual.

Pelo que, sendo a resolução, por natureza, um direito que é concedido à parte adimplente[21] “contra” e tendo por fundamento um inadimplemento de alguma gravidade/importância da contraparte a quem se dirige a declaração resolutiva, assistia aos RR/apelantes o direito à resolução legal.

Concluindo – neste ponto – estavam preenchidos os pressupostos da resolução e a carta de 07/05/2012 vale como declaração do direito resolutivo legal, isto é, a resolução produziu os seus efeitos[22].

E, reconhecido o correcto exercício da resolução, impõe-se passar a analisar os efeitos da mesma[23], uma vez que é esta luz – efeitos da resolução – que a relação entre as partes passa a ter que ser perspectivada.

Quanto aos efeitos da resolução, a lei (art. 433.º do CC) equipara a resolução à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico; equiparação que se traduz numa eficácia retroactiva – devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (289.º/1 do CC) – bem como e implicitamente numa eficácia liberatória das obrigações ou prestações ainda não efectuadas.[24]

Equiparação legal que, apesar do peso literal (dos art. 433.º e 434.º/1/1.ª parte, do CC), não pode significar uma total identificação da “liquidação resolutiva” aos efeitos da invalidade negocial.

“(…) O alcance remissivo do art. 433.º do CC não pode levar o intérprete a aderir a uma rectroactividade tout court (e que é, no fundo, a do art. 289.º, n.º 1, do CC) imposta pelo legislador e que funciona como expediente técnico-jurídico (ou ficção dogmática) vocacionada a uma destruição quase-plena da eficácia do negócio.

A resolução, apesar da sua carga etimológica, não é um instrumento puramente negativo, concretizado numa rectroactividade mais ou menos arbitrária, mas visa (maxime quando houve um princípio de execução contratual) uma liquidação adequada à própria finalidade normal (ou funcionalidade) do direito. (…)[25].

Ou seja, no caso – numa empreitada de construção duma moradia (decerto em terreno do dono da obra e com materiais do empreiteiro, em que os materiais se consideram adquiridos pelo dono da obra à medida que vão sendo incorporados – cfr. 1212.º/2 do C. Civil) – uma rectroactividade tout court poderia levar à demolição da obra à custa do empreiteiro, em vez de, como por certo será o mais razoável, à compensação do empreiteiro pelo que prestou.

Enfim, resolvido o contrato, a improcedência do pedido formulado pelo A. – respeitante ao pagamento duma parte do preço – resulta logo da função desvinculativa/liberatória das prestações contratuais; a resolução dispensa/exonera os RR., titulares do direito à resolução, do dever de cumprir qualquer prestação do preço (assim como também dispensa o faltoso, ou seja, o A. deixa de estar obrigado a executar o que falta da obra e a reparar as deficiências).

Por outro lado, operada a resolução, o que foi cumprido e o que falta cumprir/reparar, por cada um dos contraentes, pode/deve ser perspectivado à luz do efeito restitutório resultante da função recuperatória da resolução.

Mais, a resolução – pese embora a sua referida dupla função, desvinculativa e restitutiva das prestações cumpridas – pode ainda ser insuficiente para a satisfação do interesse contratual da parte que a declara; uma vez que, em face da recíproca obrigação de restituição que gera, pode originar prejuízos para a parte “inocente”, radicáveis na ruptura contratual decorrente do inadimplemento (que foi pressuposto da própria resolução). Daí que a lei haja previsto expressamente a cumulação da resolução com a indemnização (art. 801.º/2 e 802.º/1, ambos do CC)[26].

Em conclusão e encurtando razões e explicações, não sendo razoável (para ninguém) que a retroactividade da resolução imponha a demolição da obra executada – que assim subsiste – e bastando-se a mesma (retroactividade) com a compensação restitutória, há que perceber/avaliar o valor da obra executada e, efectuando a compensação restitutória (decorrente do efeito restitutório resultante da função recuperatória da resolução) com o montante do preço já pago, concluir quem, dos contraentes, é o credor e o devedor[27].

E, continuando na “inversão processual” em que vimos raciocinando – partindo do princípio que “por defeito” o A. executou a obra, com excepção do que se provou não ter executado – temos que o executado pelo A. poderá quando muito ser do valor de € 98.082,17[28], pelo que, tendo o A. já recebido € 96.500, por conta do preço, não lhe assistirá o direito a um montante como aquele que inscreveu na factura que invoca na injunção.

*

Pelo que – é a conclusão final – o A., em face do que se provou, não é credor dos RR. a título de preço de qualquer quantia (e é isto que interessa uma vez que é esta a causa de pedir aqui invocada e apreciada) e, resolvido que está o contrato empreitada, também não seria credor, em face do que aqui se provou (e na tal lógica, incorrecta, de “inversão processual”, em que fomos raciocinando), a título de compensação restitutória (e não é esta a causa de pedir aqui invocada), duma quantia superior a € 1.582,17[29].

Sendo assim, havia, como fez a sentença recorrida, que julgar a acção improcedente, o que leva, em consequência, à total improcedência do presente recurso do A..

*

*

IV - Decisão

Nos termos expostos, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, pelo A./apelante.

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Coimbra, 20/05/2014

 (Barateiro Martins - Relator)

(Arlindo Oliveira)

(Emídio Santos)


[1] No caso, nós teríamos proferido tal despacho de aperfeiçoamento; porém, embora se trate dum poder/dever não constitui, a sua não prolação, uma nulidade a ser aqui, para mais oficiosamente, conhecida.

[2] Em absoluto contraste com a peça recursiva de 24 páginas.
[3] Daí que o A/apelante aluda e invoque as impugnações que fez no início da audiência, todavia, como é evidente, a posição processual dum A. começa por ser – e é acima de tudo – a de alegar os factos constitutivos do direito que invoca.

[4] Seguimos de perto o que, a tal propósito, já temos escritos noutros e idênticos processos.
[5] Antunes Varela, Manual de Processo, pág. 234.

[6] Não correspondendo ao cumprimento do ónus de exposição/alegação dos factos que servem de fundamento à pretensão (cfr. 467.º/1/d) do CPC) a simples referência a conceitos legais ou a afirmação de certas conclusões sem o suporte e enquadramento em factos subjacentes – cfr. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil, Vol. I, pág. 204 e ss., local em que explica as diferenças entre a teoria da individualização e da substanciação (esta última consagrada, desde 1939, no nosso VCPC e NCPC).
[7] Quem for processualmente severo, repete-se, poderá dizer que o A., para fundamentar a sua pretensão, se limitou a dizer que é credor dos RR. em razão dum contrato de empreitada de que não indicou nem o preço, nem os trabalhos executados; isto é, que se limitou a invocar a relação jurídica abstracta ou fez, quando muito, uma indicação vaga ou genérica dos factos que haviam de fundamentar a sua pretensão (e mesmo esta é recondutível à falta de causa de pedir - Antunes Varela, Manual citado, nota 3, pág. 234). Para o caso tanto monta, uma vez que nulidade a que se referia o então vigente art. 193.º do VCPC era apreciada no despacho saneador (cfr. 206.º/2/1.ª parte do VCPC).
[8] Fica-se com a ideia que, na prática, o requerimento injuntivo está a ser utilizado como uma espécie de “saque” (com o sentido jurídico que esta expressão tem na LULL) sobre o requerido, representando a não oposição à injunção uma espécie de “aceite”; porém, lembra-se, nas letras e livranças, quando não há “aceite”, o saque de nada vale contra o sacado (que aqui será o requerido).

[9] Em que então se passou a dizer que a Relação podia alterar a decisão sobre a matéria de facto:

a) se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 685º-B, a decisão com base neles proferida;

b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

[10] Repare-se, a primeira coisa que se disse na motivação da decisão de facto da sentença recorrida foi: “para formar a sua convicção, o tribunal procedeu à ponderação conjugada e análise crítica de toda a prova produzida, designadamente o teor dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência”.

[11] É espantoso/copioso o que o A/apelante – que nada alegou na PI, momento nevrálgico duma acção (para qualquer A.) na medida em que é um limite importante par o objecto do processo – vem dizer e sustentar na sua alegação recursiva fora dos factos e da relação de “implicação mútua” que sempre existe entre a causa de pedir e o pedido.

[12] Mais exactamente, e por certo, perante o sub-tipo contratual de empreitada de consumo (aquela que é estabelecida entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional e outrem que exerce com carácter profissional uma determinada actividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração - cfr. art. 2.º/1 da LDC e 1.º-B/a) do DL 67/2003); que tem algumas especialidades em relação à lei geral, designadamente, chama-se a atenção, quanto ao modo de articulação/exercício dos diferentes direitos do dono da obra: enquanto no regime do C. Civil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidariedade e de alternatividade entre aqueles direitos, que limitam e condicionam o seu exercício, no âmbito do DL 67/2003 os direitos do dono da obra consumidor são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (cfr. art. 4.º/5 do DL 67/2003).

[13] Via de regra e como é da natureza das coisas da vida – costuma dizer-se que “o segredo é a alma do negócio” – não é na presença de terceiros, estranhos e alheios ao negócio, que os seus preliminares, as negociações e a conclusão ocorrem.

[14] Não se sabendo se este é o preço com IVA ou sem IVA, embora, claro, em princípio, nada se dizendo/provando, uma vez que se trata da retribuição do empreiteiro, sobre este montante ainda incidirá o IVA (mas, evidentemente, esta também pode ser uma lacuna alegatória e pode até ter sido acordado algo diferente).

[15] Daí o termos referido, supra, que “a pagar ao longo da obra conforme o seu estado, sendo pelo menos 10% aquando da conclusão dos trabalhos”, como estava, ou “40% no início dos trabalhos e o restante no decorrer dos mesmos”, como está, não tem, no contexto dos autos, o menor relevo jurídico.
[16] Dispõe-se no art. 428.º, n.º 1, do CC que “se nos contratos bilaterais não houve prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”

[17] Realmente, quando se diz que um determinada meio de defesa é uma excepção em sentido próprio e técnico – o mesmo é dizer, uma excepção que não pode ser conhecida oficiosamente – apenas se pretende dizer e significar que a alegação dos factos que lhe servem de base têm que ser da iniciativa do interessado na excepção; mas não se exige que o interessado, além da alegação dos factos, tenha que efectuar e acertar o enquadramento jurídico dos mesmos.

[18] Ao contrário do que o A/apelante invoca nada há na lei (v. g. no art. 1220.º do C. Civil) a dizer que a denúncia dos defeitos tem que ser feita judicialmente; os direitos decorrentes da não eliminação dos defeitos é que a doutrina e jurisprudência maioritárias vêm dizendo dever ser exercidos judicialmente, sob pena de caducidade (não incluindo, todavia, em tal exigência, a resolução – cfr. 436.º/1 do C. Civil); porém, como é evidente, a caducidade – que não é de conhecimento oficioso – tem que ser invocada em momento anterior às alegações recursivas.

[19] Cfr. art. 432.º, n.º 1, do C. Civil que admite que as partes, por convenção, de acordo com o princípio da autonomia privada, concedam a si próprias a faculdade de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (v. g., o não cumprimento duma concreta obrigação); convenção/estipulação contratual a que se dá o nome de cláusula resolutiva expressa.

[20] Ou seja, a carta de 09/09/2011 não valeu como interpelação admonitória, uma vez que nela não se concede um prazo suplementar (admonitório) de cumprimento e não se diz que, decorrido tal prazo, se considera incumprida a prestação do A/empreiteiro.
[21] Brandão Proença, “A Resolução no Direito Civil”, pág. 115.

[22] Em face dos factos provados – maxime, dos gastos referidos no facto 10 – não podemos dizer que estamos perante um não cumprimento parcial com “escassa importância”, hipótese em que, de acordo com o art. 802.º/2 do C. Civil, o contrato não poderia ser resolvido.

[23] O princípio geral do art. 436.º, n.º 1, do C. Civil – instituindo o regime regra da declaração extrajudicial à outra parte – não infirma uma intervenção judicial declarativa da correcção/confirmação do exercício do direito de resolução. É essa apreciação/confirmação da resolução e, principalmente, a análise dos efeitos da resolução que estamos a efectuar.
[24] Tem pois a resolução uma dupla função – liberatória e restitutória – embora a questão dos seus efeitos só ganhe significado quando assume a função restitutória, quando se entre verdadeiramente na “relação de liquidação”; efectivamente, pressupondo a resolução uma prévia situação de incumprimento definitivo, deste resulta – sem necessidade do exercício da faculdade alternativa do art. 801.º/2 do CC – a função liberatória (cfr. 795.º, n.º 1, do CC).
[25] Brandão Proença, in Resolução, pág. 178.

[26] Cumulação que é relativamente polémica no que diz respeito à delimitação do seu objecto, o mesmo é dizer, no que diz respeito à questão de saber se a tal indemnização deve colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido (tese do ressarcimento do interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento, visando colocar o lesado na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido) ou se apenas visa compensar o credor pelas desvantagens sofridas com a conclusão do contrato (tese do ressarcimento dos danos correspondentes ao interesse contratual negativo, isto é, uma indemnização que o coloque na situação em que estaria se não tivesse sequer celebrado o contrato). Questão em que, hoje, a doutrina e jurisprudência nacionais – Cfr., v. g., Paulo Mota Pinto, in “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Vol. II, pág. 1645 e ss. e Ac. STJ de 05-12-1967, in RLJ, ano 101.º, pág. 264 e ss. – se começam a inclinar no sentido de ser admissível a cumulação da resolução do contrato com o pedido de indemnização pelo interesse positivo; uma vez que se impõe reconhecer e considerar que não é possível desligar a resolução contratual do fundamento que esteve na sua origem e que é, nem mais nem menos, um incumprimento contratual.

[27] Não sendo sequer necessário perspectivar – embora também assim possa ser feito – como um direito indemnizatório (do art. 1223.º do C. Civil) o custo dos trabalhos referidos no facto 10.

[28] O valor da obra executada pelo A. será, nesta lógica, o preço combinado de € 116.300,00, diminuído dos valores referidos nos factos 5, 6, 7 e 10.
[29] Embora, claro está, neste ponto, uma melhor e mais correcta alegação e prova, possa levar a uma diferente conclusão/cálculo.