Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
873/16.5T8CTB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
ADITAMENTO DE FACTOS INSTRUMENTAIS OU COMPLEMENTARES
ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO DE MENOR
QUESTÃO DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
INCUMPRIMENTO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
MULTA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 662º, Nº 2, AL. C) DONCPC; 1906º C.CIVIL; 40º, Nº1 DO RGPTC (LEI Nº 141/2015, DE 8/09).
Sumário: I – Em sede de recurso da matéria de facto só de aditam aos factos provados os factos instrumentais ou complementares que sejam indispensáveis à decisão – al. c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.

II - A cessação de um acompanhamento psicológico prolongado, do qual beneficiava uma menor de 12 anos, com necessidades especiais, decidida apenas por um dos pais, sem conhecimento e acordo do outro, integra-se no conceito de «questão de particular importância» mencionado no n.º 1 do artigo 1906.º do Código Civil.

III – A condenação em multa do progenitor que falta ao cumprimento dos deveres parentais, prevista no n.º 1 do artigo 40.º (Incumprimento) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível – Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro –, só deve ocorrer nas situações em que a sua aplicação seja necessária para assinalar a gravidade da conduta sancionada ou para motivar o agente no sentido de evitar novo incumprimento no futuro.

IV – A indemnização por danos não patrimoniais, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil e n.º 1 do artigo 40.º (Incumprimento) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível – Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro –, só deve ser atribuída nos casos graves, por ser exigível que os sujeitos passivos do dano suportem altruisticamente alguns danos em prol da coesão das relações familiares ou entre ex-cônjuges quando cooperam no desempenho das responsabilidades parentais.

Decisão Texto Integral:





     Recurso de Apelação – Processo n.º 873/16.5T8CTB-B.C1

Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo

Sumário:

I – Em sede de recurso da matéria de facto só de aditam aos factos provados os factos instrumentais ou complementares que sejam indispensáveis à decisão – al. c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.

II - A cessação de um acompanhamento psicológico prolongado, do qual beneficiava uma menor de 12 anos, com necessidades especiais, decidida apenas por um dos pais, sem conhecimento e acordo do outro, integra-se no conceito de «questão de particular importância» mencionado no n.º 1 do artigo 1906.º do Código Civil.

III – A condenação em multa do progenitor que falta ao cumprimento dos deveres parentais, prevista no n.º 1 do artigo 40.º (Incumprimento) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível –  Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro –, só deve ocorrer nas situações em que a sua aplicação seja necessária para assinalar a gravidade da conduta sancionada ou para motivar o agente no sentido de evitar novo incumprimento no futuro.

IV – A indemnização por danos não patrimoniais, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil e n.º 1 do artigo 40.º (Incumprimento) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível – Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro –, só deve ser atribuída nos casos graves, por ser exigível que os sujeitos passivos do dano suportem altruisticamente alguns danos em prol da coesão das relações familiares ou entre ex-cônjuges quando cooperam no desempenho das responsabilidades parentais.


*

Recorrente (pai) …………..V...;

Recorrida (mãe)……………A...;

Menores……………………..B...; e

………………………………...M...

I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto da sentença que antecede, a qual decidiu os pedidos formulados pelo recorrente V... relativos ao incumprimento das responsabilidades parentais que este imputa à requerida A...

Em síntese, alega que a Recorrida, mãe das duas menores filhas de ambos, interrompeu o acompanhamento terapêutico da menor M... com o Dr. J..., psicólogo, que a acompanhava desde outubro de 2015, sem ter obtido o acordo do pai, o ora recorrente, tendo-o feito sem informar sequer o recorrente, tendo-o feito porque ficou desagradada com um relatório elaborado pelo referido psicólogo e sem ter tido em conta o interesse da filha, sendo certo que se trata de assunto que respeita às questões de particular importância a decidir por ambos os pais, consoante o regime previamente fixado.

Em relação à filha B..., referiu que a mãe declarou na conferência de pais, ocorrida em 2016, que esta já tinha uma consulta de psicologia agendada, mas apenas a terá agendado em 2018, o que configura igualmente incumprimento.

Terminou pedindo a condenação da recorrida em multa e indemnização a favor do Recorrente e das filhas menores.

A mãe das menores confirmou que retirou a filha das mencionadas consultas de psicologia, mas que o acompanhamento da filha não foi interrompido porquanto passou a ser feito por outro psicólogo, no caso pela Dra. M..., a qual já tinha procedido anteriormente a uma avaliação da M...

Justificou a alteração por duas razões: por um lado, porque o psicólogo que acompanhava a M... exarou num relatório factos ofensivos para a pessoa da Recorrida, sem prévio contraditório, os quais são e não correspondem à realidade e, por outro, porque o psicólogo lhe disse que não era previsível que as limitações pessoais da sua filha tivessem uma evolução positiva.

Antes da audiência de julgamento o tribunal solicitou ao inquérito crime n.º ... remessa de certidão do relatório pericial referente à perícia cuja realização aí havia sido determinada com referência à jovem M...

Solicitou-se também a realização de uma perícia psicológica e psiquiátrica à progenitora das crianças, com vista a aferir, para além do mais que for tido por pertinente, se aquela padece de doença que lhe retire ou diminua as competências para cuidar adequadamente das filhas;

Pediu-se ao Agrupamentos de Escolas frequentados pelas menores informação sobre a assiduidade, pontualidade, aproveitamento e comportamento das menores;

Oficiou-se ao Departamento de Psiquiatria do Hospital da … e ao Serviço de Pedopsiquiatria do Hospital …, informação sobre a atual situação clínica de M...

Em 25 de junho de 2018 o pai das menores juntou aos autos um requerimento, alegando que a M... afinal não tinha tido consultas com a Dra. M..., como a mãe tinha dito na conferência de pais e informava que o Dr. J... considerava contraproducente a M... ser acompanhada por dois psicólogos ao mesmo tempo, pedindo a condenação da mãe das menores como litigante de má fé.

Em conferência de pais realizada em 4 de setembro de 2018 (no apenso A), apurou-se que por falta de acordo entre os pais quanto à identidade do psicólogo, a M... não frequentava consultas de psicologia desde o pretérito mês de julho de 2018, pelo que  tribunal determinou que o acompanhamento da menor se realizasse no Departamento de Pedopsiquiatria do Centro Hospitalar da …, onde a menor já frequentava a consulta de psiquiatria da infância e adolescência e onde não se encontrava a ter acompanhamento psicológico pelo facto de, até Junho de 2018, estar a ser apoiada por outro psicólogo.

Após outras diligências, realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida a sentença recorrida, com o seguinte dispositivo:

 «Em face do exposto, decido julgar improcedente a presente acção, absolvendo a progenitora dos pedidos contra si peticionados e, designadamente, da implícita pretensão de retoma, pela jovem M..., do acompanhamento psicológico que mantinha com o Dr. J..., considerando que o actual acompanhamento de que beneficia (no Centro Hospitalar da …) tem vindo a revelar-se adequado à salvaguarda do superior interesse daquela.

Custas pelo requerente».

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte do pai da menores, cujas conclusões são as seguintes:

...

c) Contra-alegou a mãe das menores pugnando pela manutenção da decisão porquanto «…ainda que se entenda que a alteração de psicólogo, no caso da M..., é uma questão de particular importância, o contexto em que a decisão da mãe foi tomada justifica plenamente a referida mudança, não só porque não havia condições de confiança da parte da mãe, sendo posta em causa em relatórios que foram distribuídos por várias pessoas, com acusações graves e sem a mínima legitimidade ou conhecimento para tal (uma vez que nunca a mãe foi consultada por aquele clínico), como claramente a terapêutica não era a adequada, sendo notória a evolução da M... após a mudança.

 Não se tratou assim de uma decisão egoísta e fútil (até porque se assim fosse teria sido, com certeza, em data anterior), mas antes de uma decisão que permitiu continuar o acompanhamento psicológico da filha nas condições adequadas em que o envolvimento dos progenitores, em particular daquele com quem a M... reside, é fundamental e isso estava inevitavelmente comprometido.

Acresce que seria muito difícil, em tempo útil, ter o acordo do pai para uma solução alternativa. Na verdade, até hoje o pai não aceitou mais nenhum dos psicólogos, nem a escolhida pela mãe, nem a indicada pelo tribunal, pois, como acima se disse, o pai continua, à data de hoje, a proibir a senhora psicóloga do Hospital da C… de dar consultas à filha».

d) O  Ex.mo Procurador do Ministério Público pronunciou-se sobre o recurso e concluiu do seguinte modo:

«1 – Por sentença datada de 18/11/2020, proferida nos autos referenciados em epígrafe, foi julgada improcedente a ação de incumprimento do regime de RERP, fixado relativamente a B... e a M..., nascidas ambas a 16/11/2004, filhas de V... e de A...

2 - Com efeito, por decisão datada de 25/02/2013, proferida nos autos de Divórcio por Mútuo Consentimento nº ..., da Conservatória do Registo Civil de …, foi homologado acordo de RERP, relativamente às jovens B... e M..., sendo que a residência destas foi fixada junto da mãe, exercendo as responsabilidades parentais, em comum, ambos os progenitores, no que às questões de particular importância respeita. Mais foi estabelecido um regime de convívios, das jovens com o pai, bem assim um regime de alimentos, a prestar pelo progenitor às filhas.

3 - Por sentença datada de 27/06/2017, proferida nos autos principais de alteração do regime de RERP, foi julgada improcedente tal ação, no que diz respeito à pretensão do progenitor das jovens, no sentido da fixação da residência, consigo, das duas filhas. Procedeu-se, no entanto, à alteração do regime de convívios, do progenitor com as jovens, mantendo, no mais, o regime de RERP em execução.

4 - Por sentença datada de 18/11/2020, proferida nos apensos autos de alteração do regime de RERP (apenso A), foi julgada improcedente tal ação, no que diz respeito a todas as pretensões do progenitor das jovens.

5 - Sob o apenso C corre termos processo de promoção e proteção, em benefício das jovens B... e M..., devido a alegados maus tratos destas, por parte da progenitora, os quais tiveram início num relatório psicológico, datado de 04/05/2018, elaborado pelo Dr. J..., psicólogo que, à data, acompanhava a jovem M..., portadora de diversas patologias, entre as quais, perturbação do espetro do autismo.

6 - Tal factualidade deu origem ao inquérito criminal nº ... da Procuradoria da República do Juízo Local Criminal de Castelo Branco, sendo que, por despacho, datado de 17/04/2019, foi ordenado o arquivamento dos autos, nos termos do disposto no art. 277, nº 2, do C. Processo Penal, por se haver entendido não indicar, o processo, a prática, pela progenitora das jovens, de qualquer crime de violência doméstica, cometido na pessoa das filhas.

7 - Requerida, nesse processo, a abertura de instrução, foi o mesmo rejeitado, por inadmissibilidade legal, por decisão datada de 02/08/2019.

8 - Interposto recurso, de tal despacho, por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 15/01/2020, foi aquele julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

9 - No aludido processo de promoção e proteção foi celebrado acordo, tendo sido aplicada, em benefício das jovens, a medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe.

10 - Em conformidade com o relatório social datado de 13/01/2021, elaborado pela técnica gestora do caso, junto a tal processo de promoção e proteção, nele é emitido parecer no sentido do arquivamento do processo, em virtude de se entender que as jovens não se encontram em qualquer situação de perigo.

11 - Nos presentes autos de incumprimento do regime de RERP, o progenitor das jovens alega que as questões referentes à saúde das filhas se configuram como questões de particular importância, imputando à progenitora ter agido de motu próprio, sem lhe prestar qualquer informação e sem o consultar, quando tomou a decisão de M... deixar de consultar o Dr. J..., psicólogo que a acompanhava desde outubro de 2015.

12 – Requer-se, na presente ação, a condenação da requerida, progenitora das jovens, numa multa, bem assim numa indemnização a favor das filhas e dele próprio, progenitor.

13 – No presente recurso, o ora recorrente faz afirmações falsas, relativamente ao Ministério Público, sendo ofensivo, também, para com o tribunal e outras entidades, tais como a CPCJ, sendo que todos temos o direito de expressar entendimentos diferentes daquele que o ora recorrente perfilha, sendo que não deixaremos de o fazer, sem necessidade de recorrer a ofensas.

14 – Perante tudo o alegado e pretensamente provado, muito se estranha que o progenitor das jovens não tenha interposto recurso, nos processos de alteração do regime de RERP apensos.

15 - Sim, porque a ser dada razão ao ora recorrente, nesses processos, nomeadamente, com a fixação da residência das filhas junto dele, no seu entendimento, tudo mudaria para melhor.

16 - Na verdade, nos presentes autos, o pedido formulado é apenas de condenação em multa e em indemnização a favor do recorrente e das filhas.

17 – Relativamente aos factos dados como provados e àqueles que, no entender do recorrente o deveriam ter sido e não foram, a prova consta dos autos, pelo que o Tribunal a analisará e decidirá como for de justiça;

18 - Sendo que, em nosso entendimento, o Tribunal “a quo” fez correta apreciação da prova produzida, em sede de audiência de julgamento, refletindo, a matéria de facto dada como assente, a prova produzida nos autos.

19 - As questões de saúde poderão ser ou não consideradas questões da vida corrente ou questões de particular importância, consoante a situação em concreto.

20 - Admite-se que as questões de saúde relativas à jovem M... sejam questões de particular importância, atenta a gravidade dos problemas de saúde daquela e a interferência que têm com o seu desenvolvimento e com a sua vida presente e futura.

21 - É verdade que, após a elaboração do relatório psicológico datado de 04/05/2018, pelo Dr. J..., a progenitora da jovem M... tomou a decisão de que a filha deixasse de ser acompanhada por tal clínico.

22 – Perante o teor do relatório psicológico de 04/05/2018, questiona-se se havia condições, por parte da progenitora de M..., bem assim, por parte do psicólogo – Dr. J... -, para manter o acompanhamento da jovem.

23 - Em nosso entendimento não havia condições para o Sr. Dr. J... manter tal acompanhamento da jovem M..., já que, em nosso entendimento, para um acompanhamento frutuoso desta natureza necessária é a existência de um clima de confiança entre o clínico, o jovem acompanhado e os progenitores deste, no caso de ser menor de idade, como é o caso dos autos.

24 - Aliás, como transcreve o ora recorrente, na motivação apresentada, o próprio Dr. J... disse em audiência de julgamento: “… Eu tinha a noção que a partir do momento em que eu elaborasse o relatório, eu tinha a plena noção que a mãe da M... iria … tomar a decisão que ela depois fez: retirar a filha da terapia”.

25 - E assim sendo, neste contexto, por falta de quebra de confiança, entendemos que não havia condições para continuar com o referido acompanhamento psicológico, não sendo de imputar, por isso, à progenitora da jovem M..., um incumprimento do regime de RERP, culposo e ilícito.

26 - O mesmo se refere, relativamente a qualquer acompanhamento psicológico à jovem B..., a qual, após consulta, rejeitou sempre manter tal tipo de acompanhamento, por se encontrar bem e, entender, dele não necessitar.

27 - A referência a acompanhamento psicológico de B... apenas é feita na sentença proferida nos autos principais, de alteração do regime de RERP, datada de 27/06/2017, sendo que ali é feita uma sugestão e não imposta uma obrigação.

28 - A verdade é que o progenitor das jovens, relativamente a tais questões, que reputa de particular importância, quer quanto a M..., quer quanto a B..., nunca instaurou qualquer ação, nos termos do artº 44 do RGPTC.

29 - A progenitora da jovem, a avó materna desta e B..., irmã de M..., negaram a ocorrência da factualidade imputada no relatório psicológico de 04/05/2018;

30 - Objeto de investigação criminal, a factualidade participada pelo progenitor da jovem, com base no referido relatório psicológico, o inquérito criminal foi arquivado, nos termos do disposto no art. 277, n.º 2, do C. Processo Penal;

31 - Os relatórios sociais elaborados pela EMAT da Segurança Social, no âmbito do processo de promoção e proteção apenso, que se iniciou, também, através de denúncia do progenitor das jovens, com base no aludido relatório psicológico, já por duas vezes, emitiram parecer no sentido do arquivamento de tal processo, por entenderem que as jovens não se encontram em qualquer situação de perigo, mormente, que sejam maltratadas pela mãe;

32 - A jovem B... não pretende que a sua residência seja fixada junto do pai, sendo que M… uma vez referirá que sim e outras que não;

33 - As informações e relatórios escolares, bem assim o depoimento dos professores de M...., negaram sempre que esta algum dia ali tivesse apresentado quaisquer indícios de maus-tratos;

34 - A progenitora das jovens é educadora de infância, exercendo tal atividade, efetivamente, em jardim-de-infância, da Santa Casa da Misericórdia de …, desde há vários anos;

35 - As perícias realizadas à progenitora das jovens, embora reconhecendo a existência de alguns problemas de saúde, nomeadamente, traços de instabilidade emocional e perturbação de ansiedade, entendem que esta, desde que acompanhada regularmente, ao nível psiquiátrico, possui capacidades para a gestão das responsabilidades parentais, relativamente às filhas, não havendo razões que a impeçam de continuar a exercer os direitos e deveres inerentes ao papel de mãe das suas filhas menores;

36 - Aquando da realização da perícia à filha M..., realizada no Instituto de Medicina Legal de Coimbra, no âmbito do referido processo criminal, cujo relatório data de 08/10/2018, a progenitora daquela reconhece que a castiga, “não vê televisão, não vê os desenhos animados que ela gosta … posso pegar-lhe nos braços com mais força, seguro-lhe a cara com as minhas mãos … também posso ter gritado algumas vezes… mas nunca lhe apertei o pescoço”. … D. A... reconhece que, a longo do tempo, se foi desiludindo com os resultados que este psicólogo (Dr. J...) estava a utilizar para abordar a problemática da sua filha, verbalizando que terá sido a sua indisposição para com este clinico/psicanalista, que a levou a interromper as consultas (que se vinham a arrastar desde 2015). Acrescenta ainda que ao longo destes anos, nunca lhe foram dadas estratégias concretas para lidar com as limitações desta filha.

37 - Segundo informação clínica do Departamento de Psiquiatria do CHCB, datado de 05/07/2018, M... frequenta a consulta desde 06/09/2016; do ponto de vista comportamental tem feito muito boa evolução, com melhoria no controlo dos impulsos, na labilidade emocional, nos comportamentos desajustados, na perseverança, na motivação e no limiar à frustração; encontra-se com melhoria na expressão de sentimentos e mais adequada na relação; nunca houve qualquer relato da menor, de sua mãe ou da avó materna, no sentido de aquela se encontrar exposta a violência por parte da mãe.

38 - Nunca mais houve notícia, inclusive por parte de M..., relativamente a novos factos idênticos aos participados no relatório psicológico de 04/05/2018.

39 - Em nosso entendimento, o Tribunal “a quo” fez correta apreciação da prova produzida, em sede de audiência de julgamento, refletindo, a matéria de facto dada como assente, a prova produzida nos autos. 

40 – Correta integração do direito, à matéria de facto provada, fez, também, o Tribunal “a quo”, não tendo sido violadas quaisquer disposições legais.

41 – Assim sendo, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada, na íntegra, a sentença recorrida. Vossas Exªs, Senhores Juízes Desembargadores, no entanto, decidirão e farão Justiça»

II. Objeto do recurso.

O âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

As questões que este recurso coloca são as seguintes:

(a) Em primeiro lugar, cumpre verificar se a sentença padece de nulidade, resultante da eventual existência de uma contradição entre a fundamentação de direito e a decisão proferida (fls. 17, 59, 79 das alegações) – 615.º, nº 1, al. c), do Código de processo Civil –, porquanto o tribunal por um lado diz que a interrupção do acompanhamento clínico da menor M... poderá constituir uma tomada de decisão em sede de «questão de particular importância» para a vida da menor e, por outro, concluiu em desconformidade com esta asserção.

(b) Em segundo lugar, cumpre analisar a impugnação/ampliação da matéria de factos.

Estão impugnados os factos provados n.º 13, 21, 37, 39, 43, 44, 47 e 65.

O Recorrente pretende ainda a adição dos seguintes factos:

1 - Por email de 9 de maio de 2018 a mãe informou o psicólogo que as consultas cessavam.

2 - A mãe não consultou o pai quanto ao termo do acompanhamento.

3- A mãe não informou o pai da sua decisão de pôr termo ao acompanhamento.

4 - A mãe nunca transmitiu ao pai qualquer problema, conflito ou discordância com a intervenção psicológica em curso.

5-  A progenitora decidiu terminar o acompanhamento com o Dr. B... porque este «se tornou testemunha do pai», «houve um grande exagero, uma confusão por causa dos comportamentos da M... e eu não sei como hei-de agir», e quando o questionava sobre o progresso da M... lhe dizia que o quadro era aquele.

6 - A progenitora, sem conhecimento do pai, já tinha decidido passar a M... para acompanhamento psicológico no SNS.

7- A mãe não cumpriu o determinado na Conferência de Pais de 5 de junho de 2018, não tendo agendado qualquer consulta da menor M... junto do Dr. J...

8. Previamente à elaboração do relatório mencionado em 5 (fls. 42) o Dr. J... confrontou a progenitora e a avó da M... com os factos relatados pela menor, tendo as mesmas admitido ter dificuldade de controlar a M...

9. Após confrontada pelo psicólogo, Dr. J..., dos factos relatados pela M..., o acompanhamento manteve-se.

(c) Em terceiro lugar, colocam-se as questões atinentes ao mérito da causa, ou seja, saber se existiu incumprimento por parte da mãe quanto às responsabilidades parentais respeitantes à menor M..., nas seguintes situações:

Quando decidiu unilateralmente terminar o acompanhamento psicológico da filha M... com o psicólogo que a acompanhava;

Quando na sequência da conferência de pais não marcou sessões com o psicólogo Dr. J... como tinha ficado acordado;

Quando não viabilizou a estadia da M... em P… com o pai no Verão.

(d) Por fim, verificar se deve condenar-se a progenitora (I) em multa e (II) indemnização a favor da menor M... e do recorrente.

III. Fundamentação

a) Nulidade de sentença

O Recorrente argui a nulidade da sentença porque existirá contradição entre a fundamentação de direito e o dispositivo da decisão proferida – 615.º, n.º 1, al. c), do Código de processo Civil –, porquanto o tribunal, por um lado, diz que a interrupção do acompanhamento clínico da menor M.... poderá constituir uma decisão que se integra no conceito de «questão de particular importância» para a vida da menor e, por outro, decidiu depois em desconformidade com esta asserção.

Não ocorre a nulidade invocada.

O que o tribunal referiu foi que o caso concreto até poderia integrar em abstrato um caso de decisão relativa a uma «questão de particular importância», mas no caso concreto isso não ocorria e decidiu em conformidade.

Há contradição entre os fundamentos e a decisão quando «…os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto» - Alberto dos Reis. Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, (reimpressão). Coimbra Editora/1984. pág. 141.

Ou seja, o juiz conduz a argumentação que consta da fundamentação jurídica da sentença num certo sentido e, depois, no dispositivo da sentença, tira uma conclusão inesperada, isto é, contraditória com a argumentação anterior.

É nisto que consiste a contradição apontada nesta norma, mas tal contradição não ocorre no caso dos autos.

Com efeito, se um leitor hipotético fizer o exercício de ocultar o dispositivo da sentença e ler de seguida apenas a respetiva fundamentação, se esse leitor tivesse de escrever a decisão após ter lido a fundamentação, concluiria no mesmo sentido que consta do dispositivo da sentença sob recurso, isto é, a conclusão (decisão) da sentença é a esperada face às premissas que o juiz fez constar da fundamentação.

Improcede, por conseguinte, a apontada nulidade de sentença.

b) Impugnação da matéria de facto

1 -  Começando pela ampliação da matéria de facto.

O n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, que disciplina a modificabilidade da decisão de facto, dispõe que «A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) …; b) …; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».

Vê-se pelo teor desta norma que a ampliação da matéria de facto exige, como se refere na parte final da alínea «c)», acabada de reproduzir, que a ampliação seja «indispensável».

Tal indispensabilidade só se colocará, em regra, quando o facto ausente da matéria de facto seja essencial para o preenchimento da causa de pedir ou de alguma exceção.

Relativamente aos factos essenciais e no que respeita à forma do processo comum, se estes não tiverem sido alegados, não é permitido ao tribunal considerá-los na sentença, como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, que tem esta redação e na qual não há referência aos factos essenciais:

«2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;

c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções».

Concluindo, se o facto for essencial e não tiver sido alegado, as partes não podem, em recurso, pedir que o tribunal da Relação o declare provado.

Só os factos instrumentais ou complementares poderão ser aditados à matéria de facto, tenham ou não sido alegados, neste último caso se resultarem da discussão da causa, mas só no caso de se revelarem indispensável para decisão da causa.

Compreende-se que assim seja não só por razões de economia processual, como também para evitar uma complexidade desnecessária que multiplicaria as questões e não promoveria a clarificação das questões efetivamente relevantes.

É certo que este é um processo de jurisdição voluntária e, como tal, não está submetido ao formalismo rígido do processo comum, mas tal não implica que não se devam observar também estes princípios, como seja, o da indispensabilidade do facto que se pretende adicionar à base factual.

Com efeito, considerando a liberdade com que se alegam factos ou se omite a respetiva alegação nos processos de jurisdição voluntária, sem que daí decorram consequências preclusivas para os interessados, bem como a amplitude das questões factuais colocadas às testemunhas quando ouvidas, se não existirem restrições à ampliação da matéria de facto em sede de recurso, existiria quase sempre motivo para se solicitar a ampliação, porquanto o juiz não leva à sentença toda a factualidade que de alguma forma é afirmada nos autos, seja pelos interessados nos seus requerimentos, seja pelas testemunhas, pelos técnicos ou mesmo a constante de relatórios técnicos e outros documentos.

Por conseguinte, para evitar um excessivo alargamento das questões factuais que produzirá consumo relevante de atividade processual sem o correspondente proveito para decisão do mérito da causa, deverão observar-se nos processos de jurisdição voluntária as mesmas regras e razões que vigoram no processo comum no que respeita aos factos complementares ou instrumentais, ou seja, só de aditam em sede de recurso, se para tanto existirem razões, os factos indispensáveis à decisão.

No caso concreto, só se analisarão os factos a seguir indicados por serem suficientes e respeitarem à causa que levou o Recorrente a dar início ao presente procedimento:

Quando recebeu o relatório elaborado por este psicólogo, datado de 4 de maio de 2018, a mãe decidiu e fez cessar o acompanhamento da M... pelo Dr. J... Procedeu deste modo sem ter consultado ou informado o pai sobre esta decisão, a qual teve como motivo o teor do mencionado relatório na parte em que se referia a si.

Indica-se como motivo para a decisão da mãe da menor «o teor do mencionado relatório na parte em que se referia a si», em vez de indicar a «perda da confiança no psicólogo» porque assim se evita incluir uma afirmação de caráter subjetivo na matéria de facto.

No que respeita à formação da convicção sobre a sua correspondência com a realidade, cumpre referir que esta factualidade deve ser declarada provada porquanto resulta dos autos de modo consensual, designadamente das declarações da mãe da menor M... feitas na conferência de pais do dia 5 de junho de 2018, das quais resulta que ela admitiu como tendo ocorrido tal factualidade.

Por isso, sem necessidade de outras considerações, este facto (acima em itálico) será acrescentado no final dos factos declarados provados.

2 - O Recorrente pretende que a seguir ao facto provado n.º 13 se coloque «A Mãe não cumpriu o determinado na Conferência de Pais de 05.06.2018, não tendo agendado qualquer consulta da menor M... junto do Dr. J...».

Não há qualquer dúvida sobre este facto, no sentido de ter ocorrido.

Será acrescentado como facto 13-A

3 – Vejamos agora os factos provados impugnados.

• Facto 37 do dos factos provados (fls. 49 da sentença) – «37. Quer M..., quer os pais vinham sendo colaborantes nas sessões».

O Recorrente sustenta que este facto 37 não corresponde à realidade porquanto ele não é chamado à colaboração, apesar de estar disponível.

Por isso, no que lhe diz respeito deve constar que «a Senhora Psicóloga do Centro Hospitalar da … só atende o Pai, presencialmente, à segunda-feira de manhã, não o fazendo por telefone, correio electrónico ou outro meio de reunião à distância».

Justifica a alteração com as suas próprias afirmações nesse sentido produzidas nos autos.

Assiste em parte razão ao Recorrente no sentido do facto não dever conter alusão à sua colaboração.

Porém, o tribunal não forma a convicção positiva no sentido de que «a Senhora Psicóloga do Centro Hospitalar da ….  só atende o Pai, presencialmente, à segunda-feira de manhã, não o fazendo por telefone, correio electrónico ou outro meio de reunião à distância», pelo facto de esta ou outras testemunhas não terem sido inquiridas sobre a matéria de modo a confirmar ou infirmar a afirmação em questão.

Com isto não se pretende dizer que o facto não possa corresponder à realidade, mas apenas que não foi produzida proava suficiente para desfazer dúvidas.

Mas as suas declarações bastam para declarar provado que ele não participou nas sessões, pois se isso não correspondesse à realidade seria facilmente desmentido.

Altera-se o facto ficando com esta redação: «37. Quer a M..., quer a mãe vinham sendo colaborantes nas sessões».

Outros factos.

O Recorrente diz ainda que «… o tribunal a quo não deu como provado e devia, que resultou da perícia mencionada em 20, que M... estará a dizer a verdade quando afirma que a mãe lhe tenha batido (a própria mãe não o nega).

m. Porém, o Tribunal a quo optou por não trazer ao elenco de factos provados, e mal, muito mal, que a progenitora tem ansiedade de traço, considera que “as pessoas são falsas...”, tem intensa ansiedade e à ideação paranóide detetada (cf. página 8 do relatório psicológico), tem “episódios noturnos em períodos de maior tensão e ataques de pânico, muda com alguma frequência de humor” (cf. página 5 do relatório psicológico)»

Infere-se que o Recorrente pretende que seja declarado provado o seguinte:

«Que a mãe bateu na filha M... nos termos declarados por esta ao psicólogo Dr. J...».

«Que a progenitora tem ansiedade de traço, considera que “as pessoas são falsas...”, tem intensa ansiedade e ideação paranoide; tem “episódios noturnos em períodos de maior tensão e ataques de pânico, muda com alguma frequência de humor”».

Não assiste razão ao Recorrente

É um facto que tais afirmações constam do relatório elaborado pelo Dr. J..., datado de 4 e maio de 2018 e como tal constam dos autos, mas declarar que existiram efetivamente agressões físicas por parte da mãe e que esta padece das apontadas patologias mentais não é possível por insuficiência de prova.

Aliás, a mãe da menor foi absolvida no processo criminal que lhe foi movido a respeito dessas agressões físicas e quanto às patologias mentais seria necessária uma perícia ad hoc que as confirmasse ou infirmasse, pelo que não se poderá ir além das conclusões da perícia realizada nos autos e á qual se aludirá a seguir.

Improcede, por isso, esta pretensão.

Facto provado n.º 47 (fls. 50 da sentença), o qual tem esta redação:

«47. Não existem razões de natureza psiquiátrica que impeçam a progenitora de exercer os seus direitos e deveres inerentes ao papel de mãe mas, atendendo ao quadro psicopatológico que apresenta – perturbação de ansiedade e instabilidade emocional -, a progenitora carece de um regular e adequado acompanhamento médico-psiquiátrico (psicofarmacológico e psicoterapêutico)»

O Recorrente pretende que o facto provado n.º 47, seja completado nos exatos termos constantes do Relatório Psiquiátrico (pág. 8) ou seja, referindo-se que «(…) a progenitora carece de um regular e adequado acompanhamento médico-psiquiátrico (psicofarmacológico e psicoterapêutico) de que nunca beneficiou, tendente a influenciar positivamente (e na medida do possível) o prognóstico do caso».

Ou seja, pretende-se que se adicione «…que nunca beneficiou, tendente a influenciar positivamente (e na medida do possível) o prognóstico do caso».

Procede esta pretensão, na parte «de que nunca beneficiou», pois corresponde à realidade.

Quanto ao resto «…tendente a influenciar positivamente (e na medida do possível) o prognóstico do caso» está já subentendido, pois se carece do tratamento é porque isso influenciará o desempenho futuro da paciente no desempenho das suas responsabilidades.

Acrescentar-se-á apenas «de que nunca beneficiou».

• Facto provado n.º 65 (fls. 53 da sentença): «A progenitora iniciou acompanhamento psiquiátrico regular em Janeiro de 2020 e é acompanhada em consultas de psicologia desde Outubro de 2016».

O Recorrente diz que este facto deve ser alterado porquanto o que resulta dos autos é que a progenitora iniciou consultas de psicologia em 2019, considerando o teor dos documentos onde o tribunal diz ter fundado a sua convicção, e as declarações da progenitora.

De facto, a mãe das menores quando foi ouvida em 14 de outubro de 2020 referiu (minuto 34:52) que tem acompanhamento regular (15 em 15 dias) em psicologia desde janeiro de 2019.

Por conseguinte, o facto em causa ficará com esta redação:

«A progenitora iniciou acompanhamento psiquiátrico regular em janeiro de 2020 e é acompanhada em consultas de psicologia desde janeiro de 2019».

• Factos a adicionar no contexto dos factos provados 67 e 57 (fls. 51 da sentença):

Às vezes M... chega à escola mais nervosa, porque a Mãe lhe gritou. – depoimento prof. N... a (00:28:48 a 00:30:19).

A progenitora tem comportamentos de negação da situação da filha M.... - depoim. Dr. J...  em ( 00:26:10 a 00:29:16) e (00:58:07 a 00:59:25).

O Psicólogo, Dr. J...., ao longo do acompanhamento realizado, transmitia aos progenitores e Avó como lidar com a M..., como a acalmar, como falar com ela, e que a aplicação de castigos não era adequada – vide (00:39:51 a 00:40:51)

Não procede esta pretensão por duas ordens de razões:

Em primeiro lugar, repete-se o já atrás referido acerca dos factos complementares e instrumentais.

Em segundo lugar, cumpre referir que não é pelo facto de alguém afirmar algo que o tribunal adquire a convicção de que essa afirmação corresponde a algo que ocorreu mesmo ou que ocorreu como é afirmado.

Vejamos a afirmação factual «Às vezes M... chega à escola mais nervosa, porque a Mãe lhe gritou», que resulta do depoimento do prof. N...

Trata-se de uma apreciação subjetiva de uma testemunha que não presenciou os factos e se baseia certamente nas declarações da menor.

Ora, o tribunal para adquirir a convicção de que certo facto aconteceu carece de ter informação presencial e, em regra, variada, não bastando que alguém afirme algo que lhe parece ter ocorrido e que não viu por si mesmo, como no caso «a mãe lhe gritou».

Por outro lado, dizer que a «A progenitora tem comportamentos de negação da situação da filha M...» é pressupor que existiram factos concretos de «negação», mas que ficam ocultos sob esta palavra «negação», pelo que não sendo concretizados, o tribunal não sabe do que se tratará.

Por conseguinte, o tribunal não pode levar este tipo de afirmações à matéria factual provada porque se trata de abstrações em relação a algo concreto e é só este algo concreto que deve figurar nos factos provados.

Quanto ao facto «O Psicólogo, Dr. J...., ao longo do acompanhamento realizado, transmitia aos progenitores e Avó como lidar com a M..., como a acalmar, como falar com ela, e que a aplicação de castigos não era adequada» o mesmo resulta das palavras do próprio psicólogo e, como já se disse, o tribunal não adquire a convicção no sentido de que algo ocorreu apenas porque uma testemunha o afirma.

Acrescendo, neste caso, que os factos terão ocorrido num contexto de relações privadas, no sentido de se tratar de conversas não presenciadas por terceiros.

Não havendo outra fonte que as corrobore o tribunal não adquire a convicção de que essa factualidade ocorreu e, por conseguinte, não se levam ao rol dos factos provados.

d) 1. Matéria de facto – Factos provados

...

e) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

1- Vejamos se a atuação da Requeria mãe, que consistiu na decisão de fazer cessar unilateralmente o acompanhamento psicológico que a filha M... estava a ter com o psicólogo Dr. J... é um caso de incumprimento das suas responsabilidades parentais relativamente à menor, na medida em que se trata de matéria de particular importância, a ser decidida por ambos os pais, sendo certo que a mãe agiu sem o conhecimento e consentimento do pai.

Esta matéria encontra-se regulada no artigo 1906.º do Código Civil, que trata do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento.

Importa salientar o disposto no seu n.º 1, com o seguinte teor:
«As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível».

Cumpre começar, então, por definir o que sejam «questões de particular importância para a vida do filho».
Esta norma do artigo 1906.º do Código Civil foi introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, e na Exposição de Motivos do Projeto de Lei n.º 509/X, que veio dar origem àquela lei declara-se o seguinte sobre esta matéria:
«O exercício conjunto, porém, refere-se apenas aos “actos de particular importância”; a responsabilidade pelos “actos da vida quotidiana” cabe exclusivamente ao progenitor com quem o filho se encontra. Dá-se por assente que o exercício conjunto das responsabilidades parentais mantém os dois progenitores comprometidos com o crescimento do filho; afirma-se que está em causa um interesse público que cabe ao Estado promover, em vez de o deixar ao livre acordo dos pais; reduz-se o âmbito do exercício conjunto ao mínimo – aos assuntos de “particular importância”. Caberá à jurisprudência e à doutrina definir este âmbito; espera-se que, ao menos no princípio da aplicação do regime, os assuntos relevantes se resumam a questões existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças. Pretende-se que o regime seja praticável – como é em vários países europeus – e para que isso aconteça pode ser vantajoso não forçar contactos frequentes entre os progenitores. Assim se poderá superar o argumento tradicional de que os pais divorciados não conseguem exercer em conjunto as responsabilidades parentais» - (http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/GuiaDivorcioRespParent/anexos/anexo1).
Mas o senso comum indica-nos que há de tratar-se de questões que, sendo decididas hoje, terão, segundo as regras da experiência, repercussões no futuro da criança, no sentido de o influenciarem de modo que pode ser notado.
Isso ocorre quando no futuro se possa olhar para o passado e dizer «naquele tempo se soubesse o que sei agora teria seguido esta opção e não a que tomei» ou, então, «teria feito o mesmo», ainda que os meandros desses processos não surjam claros no momento em que se opta.
Estas questões existenciais graves e raras que pertençam ao núcleo essencial dos direitos das crianças, são, entre outras mais, que possam existir ou vir a existir, as mencionadas no Código Civil a respeito das «Responsabilidades parentais», nos artigos 1877.º a 1900.º, como sejam as questões relativas à segurança, saúde, sustento, educação, incluindo aqui a educação religiosas – artigo 1886.º do Código Civil – e administração de bens.
Claro está que em todos estes campos há questões sem importância, questões importantes e questões particularmente importantes.
Assim, no campo da educação, é irrelevante que o menor estude usando um livro novo ou servindo-se de um exemplar do mesmo livro já usado por um irmão em ano anterior.
Será uma questão importante o menor beneficiar/ou não beneficiar de explicações para melhorar notas, salvo se no caso concreto se verificar que essa atividade pode, de facto, implicar ou não a entrada numa determinada escola ou curso que, por sua vez, poderão determinar o modo de vida futuro do menor.
É questão de particular importância a frequência pelo menor de uma certa escola no caso de existir mais de uma opção e existirem aspetos positivos e negativos a considerar em relação a cada estabelecimento escolar.
Se o menor só puder frequentar uma certa escola, a questão estará resolvida por natureza, porquanto o ensino é obrigatório. Mas se existirem opções, a escolha da escola, por razões que cada caso evidenciará, pode revelar-se decisiva na vida futura do menor e por isso mesmo deve ser escolha de ambos os pais.
Vejamos o que diz a doutrina sobre esta matéria.
Helena Bolieiro e Paulo Guerra referem que estas questões «pertencem ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças» e dão exemplos, como: «decisão sobre intervenções cirúrgicas no filho (inclusive as estéticas); saída do filho para o estrangeiro, não em turismo mas em mudança de residência, com algum caráter duradouro; saída do filho para países em conflito armado que possa fazer perigar a sua vida; obtenção de licença de ciclomotores; escolha de ensino particular ou oficial para a escolaridade do filho; decisões de administração que envolvam oneração; educação religiosa do filho (até aos seus 16 anos); prática de atividades desportivas que representem um risco para a saúde do filho; autorização parental para o filho contrair casamento; orientação profissional do filho; uso de contraceção ou interrupção de uma gravidez; participação em programas de televisão que possam ter consequências negativas para o filho» - A Criança e a Família – Uma Questão de Direito(s); Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família e das Crianças e Jovens. Coimbra Editora, pág. 175-176.
M. C. Sottomayor considera que a «noção de particular importância, porque varia de acordo com a personalidade de cada criança e com os costumes de cada família, deve ser concretizada no acordo dos pais» e que o conceito deve ser “interpretado restritivamente sob pena de se criar demasiada incerteza para o progenitor residente e para terceiros”. Destaca ainda o facto de a delimitação entre atos correntes e atos de particular importância ser difícil de estabelecer em abstrato, “pois existe entre estas duas categorias uma ampla zona cinzenta formada por atos intermédios”, cuja fronteira depende dos “costumes de cada família concreta”, dos “usos da sociedade num determinado momento histórico”, sendo que, na sua ótica, a “restrição do conceito (…) confere, à família pós-divórcio e às crianças, uma maior estabilidade” pelo que defende um “alargamento da noção de orientações educativas relevantes cuja definição pertence ao progenitor residente” - Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio”, 6ª edição. Almedina, pág. 312 e 322.
Segundo Tomé D’Almeida Ramião,  as questões de particular importância referem-se  a «questões existenciais graves, centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde e formação da criança, todos os atos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das circunstâncias», como «intervenções cirúrgicas da qual possam correr riscos para a saúde do menor; a prática de atividades desportivas radicais ou outras que possam comportar perigos para a sua integridade física; a saída do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo e quando acompanhado com um dos progenitores, ou para países em conflito de que resultem riscos acrescidos para a sua segurança; a educação religiosa do menor; a frequência de atividades extracurriculares, como a música ou o teatro; matrícula em colégio privado; mudança de residência do menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado; as decisões relativas à administração dos bens do filho que impliquem disposição ou oneração» - Divórcio e Questões Conexas – Regime Jurídico Atual (De acordo com a Lei n.º 61/2008). Quid Juris, pág. 147.

Segundo Helena Gomes de Melo «a definição do que seja questão de particular importância mostra-se hoje de especial relevo, pois ela constituirá a pedra basilar do exercício das responsabilidades parentais e o centro de todo o regime, devendo ser encontrada por contraposição aos atos da vida quotidiana (…) que o n.º 3 do art. 1906.º do CC designa como «atos da vida corrente»”. Consideram, assim, que as questões de particular importância correspondem ao “conjunto dos atos de fundo que constituem as traves mestras da vida da criança ou do adolescente e que compõem o núcleo essencial dos seus direitos. Para menores com necessidades especiais, designadamente a nível de aprendizagem, ou de saúde frágil, o leque de atos que devam ser considerados de particular importância será certamente muito mais alargado do que para a generalidade das outras crianças e adolescentes. Neste pressuposto, é de admitir que num mesmo processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, em que estejam em causa vários irmãos, o que seja questão de particular importância para um deles, possa ser um ato da vida corrente para o outro» - Poder Paternal e Responsabilidades Parentais. Quid Juris, 2009, págs. 136 e 138. 

Para uma visão geral da doutrina e jurisprudência nacionais em questões de particular importância relacionadas com a religião, ensino, mudança de residência e viagens ao estrangeiro saúde, trabalho, administração de bens, celebração do casamento, nome e exercício do direito de queixa – Clara Emanuel Coelho Silva Fernandes. Exercício das Responsabilidades Parentais Quanto às Questões de Particular Importância. Dissertação de Mestrado - Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2019.

(https://eg.uc.pt/bitstream/10316/86415/1/O%20exerc%C3%ADcio%20das%20Responsabilidades%20Parentais%20quanto%20%C3%A0s%20Quest%C3%B5es%20de%20Particular%20Import%C3%A2ncia.pdf)

2 - Exposta esta panorâmica, vejamos o caso dos autos.

a) No que respeita aos factos que deram origem a este procedimento judicial, consistiram, em síntese, no que vai ser referido, sem prejuízo de, em seguida, se fazer um melhor enquadramento no respetivo cenário factual mais amplo.

A menor M... nasceu em 16 de novembro de 2004, tendo 13 anos à data dos factos, sendo uma criança que desde cedo revelou ter problemas de ordem psiquiátrica e psicológica.

Estava então a beneficiar de acompanhamento psicológico com o psicólogo Dr. J...

Na sequência deste acompanhamento, este psicólogo elaborou um relatório, com data de 4 de maio de 2018, que entregou a ambos os progenitores e às médicas que acompanhavam a M… - pediatra do Hospital … e pedopsiquiatra do Hospital da ….

Constam desse relatório as seguintes conclusões:

«-M... continua a manifestar muitos sintomas de natureza psicótica/autística, embora tendo tido ganhos e melhorias consideráveis na sua condição clínica face a anos anteriores;

- Em contexto terapêutico, M... verbaliza constantemente muitos relatos e manifesta características o seu comportamento que pontam para estar exposta a algum grau de violência física e psicológica por parte da sua mãe;

- O quadro psicopatológico psicótico de M... é mantido e significativamente agravado pelos comportamentos e atitudes agressivas por parte da sua mãe;

- A mãe de M... manifesta muitos sintomas indicativos de ter um funcionamento psicótico;

- Possibilidade de atitudes retaliatórias da mãe face a M...».

Sucedeu então, como de refere no facto provado 75, que «Quando recebeu o relatório (…) a mãe decidiu e fez cessar o acompanhamento da M... pelo Dr. B... Procedeu deste modo sem ter consultado ou informado o pai sobre esta decisão, a qual teve como motivo o teor do mencionado relatório na parte em que se refere a si».

Foi este o núcleo factual que desencadeou o presente procedimento, isto é, esta cessação do acompanhamento psicológico decidida apenas pela mãe da M..., sem ter tido o acordo do pai ora Recorrente.

No decurso dos autos, o pai das menores veio ainda apontar outro incumprimento por parte da mãe, em relação à menor B..., que consistiu no facto da mãe ter declarado na conferência de pais, realizada no ano de 2016, que estava já marcada uma consulta de psicologia para a B..., mas tal consulta só se realizou afinal em 17 de maio de 2018 e uma outra em março de 2019, e através de um psicólogo de sexo masculino, quando é certo que a menor pretendia ter sessões com uma psicóloga.

Além disso, foi acordado entre ambos os pais que a M... passaria uma semana com o pai em P…, durante as férias de verão, tendo ficado agendada a data, mas não se concretizou porque a menor teve uma consulta de pedopsiquiatria na C…, nessa semana, e a mãe não a remarcou para outra data.

Renovou a condenação da mãe das menores em multa e indemnização a favor da menor e do pai.

b) Vejamos o cenário factual de fundo em que ocorreram os factos.

As menores M... e B... viveram com ambos os progenitores até agosto de 2012, data em que estes se separaram, continuando as menores a viver com a mãe, até ao presente.

No acordo de regulação das responsabilidades parentais ficou assente entre ambos os pais, o seguinte:

«O exercício das responsabilidades parentais é exercido em comum por ambos os progenitores, nos termos do disposto no artigo 1906.º, n.º 1 do Código Civil, pelo que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das menores, são exercidas por ambos os progenitores».

Referir-se-á de seguida o que respeita à menor M..., porquanto o recurso não versa sobre a irmã B...

A menor M... tem um diagnóstico de epilepsia desde os 2 anos de idade (2007) e desde os 2 anos, até meados de 2014, foi seguida no Hospital Pediátrico de Coimbra, sem ter tido qualquer outro acompanhamento, apesar de, logo desde o 1.º ano do 1.º ciclo, ter revelado, designadamente, dificuldades de aprendizagem e comportamentais.

Iniciou consultas de psicologia em setembro de 2014.

Em outubro de 2015 a menor teve a primeira consulta com o psicólogo Dr. J..., o qual em 3 de abril de 2016 diagnosticou à menor uma patologia Asperger (muito grave), ou seja, «perturbação do espectro do autismo, associada a uma condição médica conhecida (epilepsia), de nível de gravidade 3, requerendo suporte muito substancial».

As consultas de pedopsiquiatria decorrem no Hospital da… , na C… e para além destas consultas participou no mesmo hospital em sessões de terapia da fala, terapia ocupacional e motricidade, com uma periodicidade quinzenal.

É seguida no Hospital …, no Serviço de Neurologia Pediátrica, por doença neurológica crónica, com diagnóstico de epilepsia refratária, perturbação do espectro do autismo, perturbação de hiperatividade de défice de atenção e défice cognitivo.

Atualmente a M... frequenta o 6.º ano, sendo uma aluna diagnosticada com necessidades educativas especiais, tendo apoio da educação especial.

A M... integrou tal estabelecimento de ensino pela primeira vez e tem vindo a surpreender pela positiva, pois que, em termos comportamentais, não tem havido registos negativos a apontar sendo que, nas aprendizagens, a menor tem mostrado motivação, interação e empenho na sala de aulas, sendo assídua e pontual, o que revela empenho nesse sentido por parte da família, que a acompanhando nas tarefas escolares, proporcionando-lhe o apoio necessário para que estas sejam realizadas com sucesso, o que é considerado um facilitador substancial.

No dia 07 de maio de 2020 a M... fez a última consulta de psicologia com o Dr. J...

A M... foi atendida em consulta de psicologia na ULS de …, no dia 17.05.2018, pelo Dr. L...

Nos dias 22.05.2018, 28.05.2018, 07.06.2018, 13.06.2018 e 26.06.2018, a M... teve consultas de psicologia com a psicóloga Dra. ..., em clínica privada; nos dias 22.05.2018, 14.06.2018 e 28.06.2018, frequentou sessões de terapia ocupacional e psicomotricidade no Hospital da C…; nos dias 21.06.2018 e 06.09.2018 frequentou a consulta de pedopsiquiatria no Hospital da C….

No ano de 201 ficou definido por ambos os progenitores e foi decidido em conformidade pelo Tribunal que, nas férias escolares desse Verão, a M... e a B... passariam o mês de julho e a última quinzena do mês de agosto com o seu progenitor, assim como que, até que tal situação fosse devidamente avaliada, a jovem M..., sem prejuízo do acompanhamento psicológico iniciado com a Dra. ..., manteria o acompanhamento psicológico que vinha tendo com o Dr. J..., com a periodicidade e nos moldes que viessem a ser definidos por cada um dos psicólogos.

Contudo, nos meses de julho e agosto de 2018, M... não frequentou consultas de psicologia pelo que, por decisão judicial proferida a 4 de setembro de 2018, foi solicitado ao Hospital da C… que o acompanhamento psicológico de M... fosse aí levado a cabo, tendo em consideração que a mesma já era acompanhada nessa unidade de saúde em consultas de pedopsiquiatria e em outras terapias.

Tal acompanhamento teve início no dia 30 de outubro de 2018.

À data de 28 de junho de 2018 M... encontrava-se sem crises de epilepsia desde julho de 2016, estando medicada diariamente com quatro medicamentos anti-epilépticos.

A essa data, tinha apoio do ensino especial, por forma a otimizar as suas capacidades e vinha fazendo alguns progressos na escolaridade.

O nível intelectual de M... corresponde a uma debilidade mental moderada, que se enquadra na categoria pedagógica de «treinável», porquanto, indivíduos com tal nível de funcionamento cognitivo podem beneficiar de treino laboral e, com relativa supervisão, poderão adquirir alguma autonomia, ainda que necessitem sempre da orientação e supervisão de terceiros, assim como de permanecer em segurança e num ambiente protegido.

À data de 08 de outubro de 2018, a complexidade da condição clínica de M... não permita concluir que a mesma fosse portadora, em exclusivo, de uma perturbação do espectro de autismo – síndrome de asperger, já que as características observadas no seu funcionamento psicológico/emocional apresentavam um misto de várias patologias, tornando a classificação da sua condição clínica de grande complexidade.

O grau de debilidade intelectual de M... é suficientemente forte para a impedir de desenvolver o ato voluntário de fantasiar e de criar.

A probabilidade de que M... consiga discernir a real intenção da mãe quando afirma que a mesma lhe bateu é reduzida, atribuindo-lhe a intenção de maltrato, perante a tendência que tem em fazer uma interpretação literal da linguagem, nem sempre conseguindo alcançar o duplo sentido das palavras.

No ano letivo 2019/2020 M... frequentou o 9.º ano de escolaridade, com implementação de medidas universais, seletivas e adicionais de suporte à aprendizagem e à inclusão.

M... frequentou o 9.º ano por disciplinas, ou seja, no ano letivo de 2019/2020, foram avaliadas as disciplinas de português, história, ciências físico-químicas, educação visual, espanhol e oferta complementar, sendo que no final do primeiro período desse ano letivo teve aproveitamento a todas as disciplinas.

À data de 10 de janeiro de 2020 era vista como uma aluna assídua e pontual, com uma postura correta, trabalhadora, empenhada, com comportamento adequado, atenta, educada, cumpridora e com aproveitamento.

Tem consultas de psicologia com uma periodicidade quinzenal, demonstra gosto pela escola e sente-se motivada, sendo vista como uma jovem muito trabalhadora.

Presentemente, M... é acompanhada por dois professores de educação especial e os seus níveis de ansiedade e de fadiga diminuíram.

c) Descrito este fundo factual, é tempo de ponderar e responder à questão de saber se existiu ou não por parte da mãe da menor M... infração à norma do n.º 1 do artigo 1906.º do Código Civil, na parte em que aí se determina que as decisões atinentes às responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores, nos termos que vigoravam na constância do matrimónio.

Ou seja, cumpre verificar se a cessação do acompanhamento psicológico com o Dr. J... carecia de acordo de ambos os progenitores.
Na 1.ª instância entendeu-se que a situação em abstrato poderia ser qualificada como de infração a esta norma, mas, olhando ao caso concreto, não era de fazer tal qualificação, por duas razões:
Por um lado, porque resulta dos factos provados que a cessação resultou, digamos, de uma situação de incompatibilidade pessoal de relacionamento da mãe da M... com o Dr. J..., após o relatório de 4 de maio de 2018, devido às imputações de sentido negativo que lhe eram feitas no relatório, de onde consta, nomeadamente, que o seu autor tinha chegado à conclusão segura de que a ora Recorrida agredia fisicamente a filha M..., que esta tinha medo dela e que a mãe apresentava uma «personalidade com claros traços psicóticos» (fls. 18 do relatório) e que não possuía «as competências parentais mínimas para cuidar adequadamente da M…» (fls. 19 do relatório).     
Considerou-se em 1.ª instância que estas informações, remetidas não só à mãe como ao pai e outra entidades, tornaram impossíveis os contatos entre a mãe da M... e o mencionado psicólogo, por esta última ter perdido a confiança no psicólogo e também porque o próprio clínico não desejaria continuar com o acompanhamento da menor após divulgar o relatório, uma vez que não alertou, durante vários meses, o Ministério Público ou a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens para esses eventuais maus tratos, sendo ainda certo que tais agressões não resultaram provadas no processo criminal que a esse respeito foi movido à mãe da M...

Por outro lado, considerou-se que não existiu uma efetiva interrupção do processo terapêutico, mas apenas uma alteração da identidade dos agentes responsáveis pela sua condução técnica e científica, ou seja, por palavras mais simples, porque se mudou apenas de psicólogo.

Nestas circunstâncias particulares, entendeu-se em 1.ª instância que a Requerida não infringiu a referida norma, a qual exige o acordo de ambos os pais quanto à tomada de decisões em matérias de particular importância para a vida dos filhos.

O Recorrente pai discorda nos termos que ficaram já indicados, nas suas alegações porque, em síntese, o caso concreto não revela uma intervenção clínica pontual ou de rotina, mas sim um acompanhamento prolongado de uma criança com epilepsia e patologia Asperger (de nível muito grave), pelo que a cessação desse acompanhamento não pode deixar de se traduzir num dano para o paciente, o que revela tratar-se de questão de particular importância.

E mesmo que se mude de psicólogo deve ser observado um processo de transição com a participação do antigo e do novo clínico.

Vejamos então.

Afigura-se que nesta parte assiste razão ao Recorrente.

Efetivamente, pode considerar-se que uma intervenção clínica de rotina em sede de psicologia, psiquiatria ou medicina não pede, em regra, a decisão conjunta de ambos os pais, por se tratar de uma ação que, em abstrato, não tem relevância na vida dos filhos que aconselhe ser tomada por ambos os pais.

Como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de setembro de 2018, no processo n.º 4597/16.5T8PRT, a «submissão de um menor a consultas de psicologia clínica, nos dias de hoje, não deve considerar-se como ato de particular importância, por se ter tornado num expediente corrente a que os pais recorrem crescentemente em casos de suspeita de inadaptação social ou emocional». 

Mas, como refere Helena Gomes de Melo, «Para menores com necessidades especiais, designadamente a nível de aprendizagem, ou de saúde frágil, o leque de atos que devam ser considerados de particular importância será certamente muito mais alargado do que para a generalidade das outras crianças e adolescentes» - Ob. cit., pág. 136 e 138. 

Com efeito, no caso dos autos, não se trata de uma intervenção clínica de rotina, mas sim da cessação de um acompanhamento que estava a ser feito há uns quatro anos, tratando-se de uma jovem com necessidades especiais, por padecer de epilepsia e ter diagnóstico de patologia Asperger (de nível muito grave).

Por conseguinte, a cessação de um acompanhamento com estas caraterísticas é adequada a causar algum dano na saúde do paciente (ainda que na prática não venha a ocorrer em todos os casos), porquanto o paciente estava a auferir um benefício com esse acompanhamento que deixa de receber.

E mesmo que exista, como no caso destes autos, uma cessação do acompanhamento por parte de um psicólogo e início de novo acompanhamento por parte de outro psicólogo, dois ou três meses mais tarde, a qualificação da situação não se altera.

Não se altera porque estamos perante uma intervenção de um dos pais num processo de intervenção prolongado na saúde de uma menor com necessidades especiais.

Em processos desta índole, dada a sua relevância para o futuro da pessoa, a intervenção de ambos os pais é requerida durante todo o processo.

Deste modo, embora as consequências dos atos também sejam relevantes na análise e ponderação das situações quotidianas, mesmo que a cessação do acompanhamento por parte de um psicólogo não tenha tido, em concreto, consequências negativas, porque o acompanhamento foi retomado depois por outro clínico, nem por isso deixa de existir incumprimento da regra do n.º 1 do artigo 1906.º do Código Civil, quando um dos pais, salvo situações urgentes, faz cessar um determinado acompanhamento psicológico sem o acordo do outro.  

E isto afigura-se suficiente para considerar que a cessão de um tratamento prolongado como o que aqui está em análise integra o conceito de «questão de particular importância».

Verificando-se que a mãe da M... fez cessar o acompanhamento sem ter obtido a concordância do pai, pelo que infringiu o disposto no n.º 1 do artigo 1906.º do Código Civil.

d) Quanto aos restantes casos de incumprimento:

Omissão de agendamento de consultas com o Dr. J....; e não concretização da estadia da menor com o pai em P….

 (I) Dos factos provados n.º 13 e 13-A resulta que ficou definido entre os pais que até a situação então vivida não estivesse devidamente avaliada, a M..., sem prejuízo do acompanhamento psicológico iniciado com a Dra. ..., manteria o acompanhamento psicológico que vinha tendo com o Dr. J..., com a periodicidade e nos moldes que viessem a ser definidos por cada um dos psicólogos e resulta também que a mãe não agendou qualquer consulta da menor M... com do Dr. J...

Como a mãe não agendou qualquer consulta, verifica-se que existiu incumprimento.

 (II) Não concretização da estadia da menor com o pai em P….

Nesta parte não se mostra que tenha existido incumprimento.

Adianta-se que a menor não esteve com o pai porque lhe foi designada uma consulta e a mãe não procurou desmarcá-la.

Esta factualidade é insuficiente para decidiu se existiu incumprimento ou não existiu, porquanto uma consulta não se repercute e inviabiliza um mês inteiro, certamente, considerando as deslocações, não ocuparia mais que uma semana.

3 – Vejamos se a Requerida deve ser condenada em multa e indemnização a favor do Recorrente pai e da menor M...

Sobre esta matéria, o n.º 1 do artigo 40.º (Incumprimento) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível -  Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro – dispõe do seguinte modo:

«1. Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos».

(I) Quanto à multa.

a) Resulta desta norma que a imposição de multa não é automática, ou seja, não se segue obrigatoriamente à constatação da infração.

Ou seja, exige-se que a situação assuma suficiente gravidade no caso concreto que justifique a aplicação de uma multa.

Neste sentido, refere-se no texto do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-02-2017, no processo 23/14.2T8VCT-A.G1 (Fernando Freitas) onde se ponderou  que «…conserva a actualidade o entendimento, que era uniforme, de que só o incumprimento grave e reiterado do progenitor remisso justifica a condenação, havendo, assim, de verificar se o comportamento do incumpridor é ilícito e culposo».

E o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/11/2013, no proc.º 910/10.7TBGMR-C.G1 (Edgar Valente) quando diz que «Apesar do clima evidente de animosidade existente (de que os factos ilustram expressivamente), apenas se encontra provada a recusa de entrega da menor por duas vezes num só dia. Cremos que, muito embora seja evidentemente censurável a actuação da mãe ao permitir/determinar tal incumprimento (que sacrifica os interesses da menor em detrimento dos seus), o mesmo ainda não se reveste da gravidade suficiente para justificar uma condenação em multa.

Com efeito «não basta verificar-se a não ocorrência objectiva da visita para declarar o incumprimento. É necessário a formulação de um juízo objectivo de censura ao comportamento do progenitor que impediu a sua concretização [...] e tem sido também este o entendimento dos nossos tribunais. Como se defende no Ac.do TRL de 14.09.2010, só existe incumprimento do poder paternal relevante, no que ao direito de visitas diz respeito, quando o progenitor que incumpre [...] tiver criado intencionalmente uma situação reiterada e grave, culposa, que permita assacar-lhe um efectivo juízo de censura».

Ou no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/05/2012, proc.º 2518/08.8TMLSB-B.L1-7, (Luís Espírito Santo) quando refere que «Trata-se aqui de uma sanção específica prevista na lei para o incumprimento do regime estabelecido em matéria de regulação do exercício do poder paternal, pressupondo sempre a ilicitude e a culpa inscritas no comportamento - relevantemente censurável - assumido pelo incumpridor.

Não são abrangidos pela penalização em referência as situações em que os motivos da não concretização do regime vigente foram alheios à vontade do progenitor ou que representem actuações sem gravidade ou particular significado».

b) Cumpre, por isso, verificar se no caso dos autos o comportamento da mãe assume suficiente gravidade que justifique o sancionamento com multa.

1 - Começando pela interrupção do acompanhamento psicológico.

A resposta é negativa, pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, cumpre ter presente a razão de ser da aplicação de uma multa ou qualquer outro tipo de sanção.

Embora a norma não diga respeito à matéria dos autos, as mencionadas razões são as que vêm indicadas no n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal, ou seja, a «proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».

Ou seja, pretende-se que os comportamentos desrespeitadores dos valores necessários à condução adequada da vida em sociedade sejam omitidos, quer sancionando para o efeito os prevaricadores, para que não repitam a ação reprovada, quer mostrando aos restantes essa censura, para que não façam eles o mesmo no futuro.

Estas finalidades hão de mostrar-se necessárias no caso, para que a pena de multa se justifique.

Em segundo lugar, verifica-se que a mãe da menor agiu como agiu, é certo, por motivos pessoais, mas motivos que se enquadram dentro de um padrão de comportamento que, embora não sendo o adequado ao dever e não seja o pretendido pela lei, será observado por um grande número de pessoas se colocadas na mesma situação concreta em que esteve a Requerida.

Ou seja, a Requerida decidiu terminar o acompanhamento da M... por parte do Dr. J... porque recebeu o relatório elaborado por este psicólogo, datado de 4 de maio de 2018, e verificou que constava do mesmo a convicção deste psicólogo de que a menor M... estava sendo «…exposta a algum grau de violência física e psicológica por parte da sua mãe»; que «O quadro psicopatológico psicótico de M... é mantido e significativamente agravado pelos comportamentos e atitudes agressivas por parte da sua mãe», que «A mãe de M... manifesta muitos sintomas indicativos de ter um funcionamento psicótico» e que após a divulgação do relatório existia a «Possibilidade de atitudes retaliatórias da mãe face a M...».

A mãe da menor alega que perdeu a confiança neste clínico não só por causa destas imputações, mas também pela ausência de melhorias da saúde mental da filha.

Independentemente daquilo que cada um possa dizer, é um facto que foi a emissão do relatório e o respetivo conteúdo que desencadeou na Requerida a vontade de fazer cessar, como fez, o acompanhamento clínico.

Mas não se tratou de um comportamento eivado de razões fúteis.

A generalidade das pessoas, colocadas no lugar da Requerida, ficariam descontentes com o teor do relatório e com o autor do mesmo, dado o desvalor aí contido em relação à pessoa visada e à publicidade feita, e passariam a evitar estar perante a pessoa em causa porque o contato lhe traria mal-estar e colocariam fim a esse contato, pelo menos no imediato.

Poder-se-á dizer, com razão, que o psicólogo em questão fez o que tinha de fazer; que agiu de acordo com aquilo que considerou ser o seu dever e que a Requerida devia ter tido isso em consideração e aceitado resignadamente o facto, mantendo o acompanhamento da filha com esse clínico, procurando, quando muito, obter o consentimento do pai para que a filha, no futuro, fosse acompanhada por outro psicólogo.

Este teria sido o comportamento ideal, querido pelo dever e pela lei, mas, como se disse, nem todas as pessoas conseguem agir assim, sem que isso implique que são pessoas socialmente incapazes de assumirem a responsabilidades parentais e que se justifica aqui um sancionamento através de uma pena pecuniária a favor do Estado, para que de futuro o prevaricador vença os seus instintos e sentimentos e atue como a lei pretende.

Em terceiro lugar, porque a condenação em multa seria sentida como desproporcionada por quem a sofre e por qualquer pessoa colocada na mesma posição da mãe das menores, o que equivale a dizer que feriria o sentimento de justiça da comunidade.

Quer-se dizer o seguinte com isto:

A mãe (assim como o pai e outros familiares e eventualmente amigos) tem vivido ao longo dos anos uma situação de sofrimento devido à saúde mental da filha M..., que se apresenta como irrecuperável na sua plenitude, podendo apenas ser melhorada.

Não pode deixar de ser assim.

É uma situação com a qual a mãe se defronta diariamente nos seus ínfimos pormenores, pois a filha vive consigo e, por ser assim, trata da filha em todos os aspetos, desde que se levanta até que se deita, todos os dias, desde a alimentação à vigilância em todos os sentidos, sabendo que a mesma terá sempre limitações que exigirão o seu acompanhamento por parte de outra pessoa, por não ser previsível que venha a ser autónoma.

Verifica-se também que a própria mãe da M... carece de ajuda para conseguir construir um ambiente familiar favorável ao desempenho dos seus deveres parentais.

Com efeito, a mãe das menores foi observada em psiquiatria, no PIN, em 25 de março, 15 de abril e 22 de julho de 2015 e em 21 de março de 2016, padecendo de depressão (depressão major), com 4 anos de evolução, encontrando-se clinicamente melhor, em progressivo desmame de terapêutica dirigida – Factos provados n.º 98 e 99 – tomando, presentemente, um fármaco antidepressivo e um ansiolítico prescritos por médica neurologista – Facto provado n.º 40

Possui um funcionamento cognitivo global dentro dos padrões considerados normativos – facto provado n.º 41 – e não existem razões de natureza psiquiátrica que impeçam a progenitora de exercer os seus direitos e deveres inerentes ao papel de mãe, mas, atendendo ao quadro psicopatológico que apresenta – perturbação de ansiedade e instabilidade emocional -, a progenitora carece de um regular e adequado acompanhamento médico-psiquiátrico (psicofarmacológico e psicoterapêutico), de que nunca beneficiou – Facto provado n.º 47.

No decorrer deste concreto exercício dos deveres parentais, nestas circunstâncias difíceis e prolongadas no tempo, dia após dia, ano após ano, chegará fatalmente um dia de fracasso, em que não se procederá como é exigido pelo dever e, neste caso, também pela lei.

Perante esta quase inevitabilidade, sancionar este fracasso com multa seria promover na mãe das menores um estado de desmotivação para continuar a desempenhar o seu papel de mãe, que tem desempenhado em situação desvantajosa, porquanto ela mesma, como se disse, carece de ser ajudada porque também tem revelado fragilidades a nível mental.

Sentir-se-ia, sem dúvida, alvo de incompreensão.

Em quarto lugar, o que acabou agora mesmo de ser dito não significa concordância com a ação da mãe das menores, mas apenas que não deve ser sancionada com multa.

Porquanto, a decisão neste processo, no sentido de que ela não procedeu como a lei pretende que se proceda, se afigura suficiente para que de futuro passe a tomar as decisões que a lei determina que sejam tomadas em conjunto com o pai das menores, sob pena de poder vir no futuro a ser efetivamente sancionada com uma multa.

Em quinto lugar, porque a sequência dos acontecimentos após a ação da mãe não trouxe consequências nefastas para a saúde e desenvolvimento da menor.

Com efeito, resultou provado (factos provados 50, 51, 53 e 54)  que a «M... frequentou o 9.º ano por disciplinas, ou seja, no ano letivo de 2019/2020, foram avaliadas as disciplinas de português, história, ciências físico-químicas, educação visual, espanhol e oferta complementar, sendo que, no final do primeiro período desse ano letivo, teve aproveitamento a todas as disciplinas» e que «À data de 10 de janeiro de 2020, era vista como uma aluna assídua e pontual, com uma postura correta, trabalhadora, empenhada, com comportamento adequado, atenta, educada, cumpridora e com aproveitamento», «…tendo consultas de psicologia com uma periodicidade quinzenal» e «… demonstra gosto pela escola e sente-se motivada por, em termos escolares, lhe ser dada a oportunidade de frequentar as mesmas disciplinas que os colegas e de poder participar em atividades idênticas, sendo vista como uma jovem muito trabalhadora».

Sendo de salientar ainda que «Presentemente, os níveis de ansiedade e de fadiga de M... diminuíram» - Facto provado 57.

Considerando tudo o que fica exposto, é de decidir que este incumprimento assinalado à Requerida não assume uma gravidade que justifique o seu sancionado com multa.

2 – Quanto aos restantes casos de incumprimento.

O mesmo se pode dizer em relação ao outro caso de incumprimento relacionado com a omissão de marcação de sessões de clínica psicológica com o Dr. J..., até que a situação existente fosse melhor avaliada (Quanto à não concretização da estadia da menor com o pai em P… não vcuaconcluiu-se, supra, no sentido de não resultar dos factos uma situação e incumprimento).

Com efeito, durante o mês de julho de 2018, como se refere na sentença, a menor esteve em férias com o pai e ficou também programada a passagem de férias com o pai na segunda quinzena de agosto desse ano.

Depois, o tribunal interveio e por decisão judicial de 4 de setembro de 2018 foi solicitado o acompanhamento psicológico de M... ao Hospital da C…, tendo em consideração que a mesma já era acompanhada nessa unidade de saúde em consultas de pedopsiquiatria e em outras terapias e tal acompanhamento teve início no dia 30 de outubro de 2018.

Verifica-se que se tratou de um incumprimento que teve como cenário o período de férias de verão, durante as quais a menor passaria parte desse tempo com o pai, pelo que a marcação de sessões poderia trazer algumas perturbações, uma vez que o pai residia na região de Lisboa e as consultas seriam na área de residência da menor.

Por outro lado, a Requerida já tinha decidido retirar a filha do acompanhamento com o Dr. J... e estava incompatibilizada com este clínico, devido ao já mencionado relatório, pelo que o desejo de retomar esse acompanhamento não existia.

Por fim, tal omissão não se revelou, em concreto, geradora de danos para a saúde mental da menor.

Por conseguinte, este segundo incumprimento, que é um desenvolvimento do primeiro incumprimento, não se revela com gravidade tal que justifique o seu sancionamento com multa.

(II) Relativamente à indemnização.

No que respeita à indemnização pedida, também não se condena a Recorrida porque não se mostra que tenham existido danos que devam ser reparados.

Não se identificam os danos, mas certamente o Recorrente se refere a danos não patrimoniais.

No que se refere a esta modalidade de danos, o n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil dispõe que «Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».

Nas palavras de R. Capelo de Sousa não a merecem essa tutela «…os prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna. Assim não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de actos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos» - O Direito Geral de Personalidade. Coimbra, 1995, pág. 555/556.

Não se justifica, pois, atribuir indemnização por danos não patrimoniais seja nas situações que socialmente devam ser suportadas altruisticamente, promovendo-se assim a tolerância e a coesão social, seja nos casos em que é aceitável que a vítima suporte alguns danos, num contexto de adequação social, como tributo a pagar pela contrapartida dos benefícios que a vítima retira da vivência em sociedade.

Tratando-se de relações mãe vs filha menor, que vivem dentro da mesma casa, cuidando a primeira da segunda ou de relações entre ex-cônjuges a propósito do exercício conjunto das responsabilidades parentais, a indemnização dos danos não patrimoniais só deve ser atribuída nos casos mais graves, porquanto a condenação em indenização é adequada a agravar o mal-estar entre as pessoas da relação e a produzir um avolumar de conflitos no futuro próximo que serão prejudiciais à saúde dessa relação que inevitavelmente tem de ser continuamente mantida e, se possível, melhorada.

Afigura-se adequado, por conseguinte, tendo em conta a orientação indicada no n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil, que os sujeitos passivos do dano suportem altruisticamente alguns danos em prol da coesão das relações familiares ou das relações entre ex-cônjuges no desempenho das responsabilidades parentais.

O caso dos autos insere-se nesta vertente.

O Recorrente não especifica que danos sofreu, mas certamente terá ficado alterado emocionalmente com os factos descritos na matéria de facto provada.

Porém, não se afigura que se trate de um caso cuja gravidade ultrapasse as situações comuns de incumprimento, pelo que, pelas razões indicadas, não se justifica a condenação em indemnização.

4 – Concluindo.

Procede o recurso em parte; na parte em que é de qualificar como incumprimento, integrante do conceito de «questão de particular importância», mencionado no n.º 1 do artigo 1906.º do Código Civil, a decisão da mãe no sentido de interromper o acompanhamento clínico da filha M... sem conhecimento e acordo do pai.

Improcede na parte em que pretendia o sancionamento do incumprimento com a aplicação de uma multa à mãe e a sua condenação em indemnização.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e decide-se o seguinte:

1 – Que a Requerida ao fazer cessar o acompanhamento psicológico da filha M..., que fica descrito nos factos provados, infringiu o acordo existente entre ambos os progenitores, bem como o disposto no n.º 1 do artigo 1906.º do Código Civil, pelo que se revoga a sentença recorrida nesta parte.

2 – Que a atuação da Requerida não carece de ser sancionada com multa, nos termos do n.º 1 do artigo 40.º (Incumprimento) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível –  Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro.

3 – Julga-se improcedente o recurso na parte relativa à indemnização.

4 –  Mantém-se a sentença recorrida quanto ao restante.

5 – Custas por Recorrente e Recorrida na proporção e metade.


Coimbra, 20 de abril de 2021