Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
213/07.4TAPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: INEXISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
DIREITO DE DEFESA
BUSCA
ESCUTA TELEFÓNICA
VÍCIOS
IN DUBIO PRO REO
Data do Acordão: 02/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL DE POMBAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 16.º, 26.º, Nº 1, 32.º, NºS 1 E 5 DA CRP; ARTS. 61.º, Nº 1, AL. C); 140.º A 144.º; 177.º, Nº 2; 187.º A 190.º; 269.º; 355.º, 356.º, 410.º, Nº 2, 412.º, NºS 3 E 4, DO CPP; ARTS. 169.º E 170.º, DO CP
Sumário: I - A categoria da inexistência, referida aos actos processuais penais, não se encontra prevista no CPP.

II - A inexistência em sentido jurídico de um acto processual significa que este existe na vida real mas é absolutamente irrelevante face ao direito processual, por lhe faltar um requisito exigido para o reconhecimento da sua existência jurídica.

III - Não se percebe como possa a recorrente invocar a violação do seu direito de defesa, quando, por razões que só a si dizem respeito, não exercitou os mecanismos processuais colocados pela lei ao seu dispor para tal efeito, não invocou na contestação qualquer vício, nulidade ou violação do direito de defesa, e optou por não comparecer em juízo.

IV - A busca é um meio de obtenção de prova que visa a detenção do arguido ou de outra pessoa, ou a descoberta de objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, quando existam indícios de que se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público (art. 174.º, n.º 2, do CPP).

V - Por não terem regimes legais exactamente coincidentes, há que distinguir entre busca domiciliária e busca não domiciliária.

VI - Traduzindo-se a busca numa restrição à inviolabilidade do domicílio assegurada pelo art. 34.º, n.ºs 1, 2 e 3, da CRP, certo é que o Tribunal Constitucional tem adoptado um conceito amplo de domicilio, definindo-o habitação humana ou seja, todo o espaço fechado e vedado a estranhos, onde de forma recatada e livre se desenvolve o acervo de condutas e procedimentos caracterizadores da vida privada e familiar.

VII - O princípio in dubio pro reo, enquanto corolário do princípio constitucional da presunção da inocência, responde à questão processual da dúvida sobre o facto, impondo ao julgador que o non liquet da prova seja resolvido favoravelmente ao arguido. Não se destina a solucionar qualquer dúvida sobre a validade ou invalidade de acto processual e, muito menos, qualquer dúvida sobre a interpretação e/ou aplicação do direito.

VIII - Deve realçar-se que a dúvida relevante para este efeito, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas, a dúvida que este não logrou ultrapassar e fez constar da sentença ou que por esta é evidenciada.

IX - A escuta telefónica consiste na captação, feita por terceiro – interceptor –, de uma comunicação telefónica entre pessoas, por meio de processo mecânico e electrónico, sem conhecimento de, pelo menos, uma dessas.

XI - Numa outra perspectiva, colocando o acento tónico nos seus requisitos legais, a escuta telefónica pode definir-se como um meio de obtenção de prova que visa recolher provas da prática de crimes de especial gravidade, que depende de prévia autorização do juiz de instrução, a ser dada em decisão devidamente fundamentada e definidora das condições em que o OPC realizará a intercepção e gravação das conversações ou comunicações telefónicas determinadas.

XII - A escuta telefónica, enquanto meio de obtenção de prova, tem carácter excepcional, pela grande danosidade social que implica ao invadir, de forma muito relevante, os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.

XIII - A escuta telefónica não pode ser autorizada para a obtenção de prova relativa a todo e qualquer crime, mas apenas para os crimes do catálogo isto é, os previstos no n.º 1 do art. 187.º do CPP.

XIII - O nº 4 do art. 187.º do CPP contém a lista de quem pode ser alvo de escuta telefónica.

XIV - É da exclusiva competência do juiz de instrução a autorização para a realização da escuta telefónica no inquérito, a requerimento do Ministério Público, através de despacho devidamente documentado.

XV - Em regra, a escuta telefónica autorizada para a investigação do crime ou dos crimes referidos na fundamentação do despacho de autorização, não pode servir para a investigação de outro ou de outros crimes.

XVI - As conversações escutadas, levadas aos autos de transcrição, não podem ser consideradas declarações do arguido pois estas são, apenas e só, as prestadas nos termos do art. 140.º, 141.º, 143.º e 144.º do CPP e as únicas cuja leitura na audiência, a alínea b) do n.º 1 do art. 356.º do mesmo código interdita.

XVII -A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste, basicamente, numa oposição na matéria de facto provada [v.g., dão-se como provados dois ou mais que dois factos que estão entre si, em oposição sendo, por isso, logicamente incompatíveis], numa oposição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada [v.g., dá-se como provado e como não provado o mesmo facto], numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto [v.g., quando se dá como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo exposto, que seria outra a decisão de facto correcta], ou ainda quando existe oposição entre a fundamentação e a decisão [v.g., quando a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença consta decisão de sentido inverso].

XVIII - E existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal valora a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, Editorial Verbo, pág. 341).

IXX - O lenocínio simples tutela um outro bem jurídico, que não a liberdade e autodeterminação sexual e que se traduz numa certa concepção da vida que não se compadece com a aceitação do exercício profissional ou com a intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição (Mouraz Lopes e Caiado Milheiro, Crimes Sexuais, Análise Substantiva e Processual, Coimbra Editora, pág. 106).

XX - Assim, no n.º 1 do art. 169.º do CP censura-se o aproveitamento económico da prostituição feito por terceiro, não visando a incriminação a defesa da liberdade sexual da prostituta.

XXI - Não estando em causa um bem jurídico eminentemente pessoal, um direito de personalidade, uma vez que, como vem provado, as condutas dos recorrentes, ainda que prolongadas no tempo, resultam de uma mesma resolução criminosa, há que concluir que praticaram um único crime de lenocínio simples.

Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

            No [já extinto] 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Pombal o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, dos arguidos, Associação D... , A... , B... , e C... , todos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes:

- Aos quatro arguidos, em co-autoria material e concurso real, a prática de um crime continuado de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelos arts. 26º, 30º, nº 2 e 79º do C. Penal e 182º, nºs 1, 2 e 3 e 183º, nºs 1, 2 e 5, da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, e a prática de um crime continuado de angariação de mão-de-obra ilegal, p. e p. pelos arts. 26º, 30º, nº 2 e 79º do C. Penal e 182º, nºs 1, 2 e 3 e 185º, nºs 1 e 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho;

- Aos arguidos A... , B... e C... , em autoria material e concurso real com aqueles, a prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelos arts. 26º e 299º, nºs 1, 2 e 3 do C. Penal;

- Ao arguido C... , em autoria material e concurso real com os anteriores, a prática de trinta e oito crimes de lenocínio, p. e p. pelos arts. 26º e 169º, nº 1 do C. Penal;

- Aos arguidos A... e B... , em co-autoria material e concurso real com os anteriores, a prática de cinquenta e três crimes de lenocínio, p. e p. pelos arts. 26º e 169º, nº 1 do C. Penal;

- A arguida associação, em co-autoria material e concurso real com os primeiros, a prática de quinze crimes de lenocínio, p. e p. pelos arts. 11º, nºs 1, 2, a), 4, 5, 6 e 7, 26º e 169º, nº 1 do C. Penal;

- O arguido A... e a arguida associação, em co-autoria material e concurso real com os primeiros, um crime tentado de lenocínio de menores agravado, p. e p. pelos arts. 11º, nºs 1 e 2, a), 22º, 23º, nº 1, 73º e 175º, nºs 1 e 2, d), do C. penal;

- As arguidas B... e associação, em co-autoria material e concurso real com os primeiros, um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 26º do C. Penal e 3º, nº 2, g), 86º, nº 1, d) e 95º, do regime Jurídico das armas e Munições;

- A arguida associação incorreu ainda na pena de dissolução, prevista no art. 90º-F do C. Penal e na pena acessória de encerramento definitivo de estabelecimento, prevista no art. 90º-L, nºs 1 e 2 do C. Penal.    

Por acórdão de 21 de Dezembro de 2012, depositado no dia imediato, foi decidido:

- Condenar o arguido A... , pela prática, em co-autoria, de três crimes de lenocínio, p. e p. pelo art. 169º, nº 1 do C. Penal, na pena de 2 anos de prisão por cada um e, em cúmulo, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, com regime de prova;

- Condenar a arguida B... , pela prática, em co-autoria, de três crimes de lenocínio, p. e p. pelo art. 169º, nº 1 do C. Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão por cada um e, em cúmulo, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período;

- Condenar a arguida associação, pela prática, em co-autoria, de três crimes de lenocínio, p. e p. pelos arts. 11º, nº 2, 90º-A, nº 1, 90º-F e 169º, nº 1, do C. Penal, na pena de dissolução;

- Absolver os arguidos A... , B... e associação dos demais crimes que lhes eram imputados e absolver o arguido C... de todos os crimes que lhe eram imputados.


*

            Inconformado com a decisão, recorreu o arguido A... , formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            A. Com o presente recurso sobre os vícios do douto acórdão recorrido, reapreciação da prova bem como sobre matéria de Direito, no tocante à interpretação da norma penal incriminatória (não preenchimento integral dos requisitos objectivos para a punição), exerce-se o direito de "manifestação de posição contrária" ou "discordância de opinião", traduzido no direito de recorrer, vertido no nº 1 i) do art. 61º CPP e 32º, nº 1 da CRP;

            B. As alegadas escutas telefónicas, por não terem sido reproduzidas em audiência de discussão e julgamento nem mesmo levadas ao conhecimento do arguido vendo assim o mesmo também por esta via limitados de forma inexorável os seus direitos de defesa face às mesmas, não poderão ser valoradas nos termos do art. 355º CP e consequentemente terão de ser dados por não provados os factos 80 a 93, na sua integralidade, e parcialmente o facto 94 no tocante ao transporte;

C. Têm-se por nulas tais alegadas escutas telefónicas, nos termos do art. 190º CPP, dado que foram interseccionadas em momento muitíssimo anterior ao da constituição como arguido do recorrente nos presentes autos, foram levadas a cabo no âmbito de inquérito distinto, realizadas no Inquérito 309/07.2GAANS, que veio a ser arquivado posteriormente, tendo sido ordenadas e realizadas no Inquérito 309/07.2GAANS, e estando em causa estabelecimento diverso, não incidindo sobre a Associação D... , alvo dos presentes autos e igualmente arguida, qualquer douto despacho de autorização das escutas;

D. Ademais representam intromissão abusiva na vida privada, em violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, lealdade e boa-fé bem como de concordância prática, restringindo claramente o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26º, nº 1 da CRP), o direito ao sigilo e à inviolabilidade das comunicações (artigo 34º CRP) e o direito à palavra (falada), uma vez que, havendo toda uma panóplia imensa de acções de fiscalização, da mais diversa ordem (desde vigilâncias, buscas, apreensões, etc.) bem como inquirições de imensas testemunhas, não se percebe como se pôde ter, e doutamente decidir, por indispensável para descoberta da verdade ou por impossível ou muito difícil de obtenção da prova, sendo o requerimento de pedido das mesmas unicamente instruído pelo texto da lei, vagos conceitos de direito e sem qualquer concretização concreta de tal impossibilidade ou indispensabilidade, sendo assim, também por esta via, nulas;

E. Tem-se por inconstitucional, por violação das garantias de defesa, a interpretação e dimensão normativa do art. 188º nº 7 CPP segundo a qual a transcrição de tais escutas, desacompanhada de qualquer audição das mesmas em sede de audiência de discussão e julgamento, possa valer como prova documental, nos termos dos arts. 164º ss CPP, a ser livremente valorada pelo Tribunal, sem necessidade de leitura em audiência ou exarar da sua análise em acta, na medida em que, ademais, sendo o papel em si mesmo mudo deixa por percepcionar aspectos deveras importantes da comunicação, como seja o tom de voz, prontidão, encadeamento e lógica da conversa, etc;

F. Dando por integralmente reproduzidas, por razões de economia processual, as passagens supra identificadas em sede de motivação, maxime relativas aos depoimentos das testemunhas E... , F... , G... , H... e I... , tem-se assim por justificada a reapreciação da matéria de facto e da prova gravada, em conjugação com a demais, no sentido de se ter por logicamente inválida a generalização operada tendo por base um depoimento que se mostrará temporalmente delimitado até 16 de Fevereiro de 2007, da testemunha I... , inexistindo assim prova de que nos eventuais e posteriores actos de cariz sexual houvesse qualquer contrapartida para os arguidos bem como fomento, intenção lucrativa e efectivo lucro dos mesmos, a ponto de lhes possibilitar a sobrevivência e, pese embora a contradição imanente, aquisição de "bens de mais elevado de características não apuradas";

G. O recorrente nunca foi identificado, tido por presente na Associação em causa ou por qualquer outra forma sido encontrado em nenhuma das acções de vigilância ali de fiscalização ou demais actos levados a cabo, da mesma forma que não foi apontado por patrão ou pessoa que desse ordens/instruções por nenhuma das mulheres, sendo tal sido relatado serenamente pelas testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento fossem elas mulheres inspectores, órgãos de polícia criminal, clientes ou ouvidas em qualquer outra qualidade.

H. Sem prejuízo da absolvição que infra se peticionará, apenas poderá ser dado por provado a existência de duas vítimas, e logo, sem prejuízo da defesa de crime continuado, dois crimes na medida em que erra o Tribunal a quo ao fazer, a fls. 34, alusão às declarações da testemunha H... pois em momento algum a mesma afirmou com segurança que havia tido relações com três mulheres diferentes, referindo sempre duas conforme ressalta cristalinamente da passagem 07:24 a 07:35 do seu depoimento, estando assim o Tribunal num colete-de-forças (como comprova o ponto 78 em que dá por provados 3 casos mas apenas identifica duas mulheres!), do qual não se poderá libertar sem, violação do princípio in dubio pro reo, pois nada autoriza que uma dessas duas mulheres não fosse a própria I... , tendo de inexistir assim soma dela própria às duas referidas pelo cliente;

I. Ao não discriminar as receitas e despesas fica o Tribunal a quo impedido de catalogar corno lucros certas eventuais receitas não provadas, sendo que, ademais, tal qual decorre da factualidade dada por provada seria praticada a actividade de alterne, no âmbito da qual haveria repartição em partes iguais ao passo que, a fazer fé no que se mostra dado por provado, sempre nos actos de cariz sexual, a percentagem seria menor inexistindo assim qualquer necessidade expressa por parte dos arguidos de exploração da mesma dadas as receitas advenientes dos "copos";

J. Perante a nebulosa de declarações é manifesto, claro e inequívoco que fica a dúvida sobre a efectiva prática dos factos (maxime a existência de contrapartida para os arguidos após Fevereiro de 2007 bem como efectivo e prévio fomento da prostituição!), redundando a condenação em prejuízo das garantias de defesa e do princípio in dubio pro reo, devendo o arguido ser absolvido em razão da ausência e insuficiência de prova, pois em caso de empate ou dúvida a CRP decide a contenda não a favor do recorrente em particular mas de todo e qualquer arguido colocado na mesmíssima situação, não se podendo ter tal salto lógico e mortal, para as. aspirações legítimas do arguido, por válido, mostrando-se a douta decisão ora recorrida unicamente no sentido da culpabilidade face a tais 3 crimes;

K. A ilação derivada de uma presunção natural não pode formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal, em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável, sendo que in casu a ausência de prova revela, claramente, um sentido e a decisão extrai ilação contrária, logicamente impossível por ser por generalização indevida, mostrando-se a fundamentação do douto acórdão recorrido contrária à prova produzida, retirando o Tribunal a quo, de diversos depoimentos prestados diversas conclusões logicamente inaceitáveis, decidindo contra demais meios de prova, cuja força probatória não foi infirmada;

L. A factualidade dada por provada, maxime ao nível dos factos 10 (voluntarismo das mulheres) e 106 (tratamento concedido bem corno liberdade plena) não preenche de forma plena o tipo legal de ilícito, inexistindo qualquer acto de favorecimento, fomento ou facilitismo na prática de prostituição (a menos que se entenda que se tratará de um crime sem vítima!), uma vez que in casu, inexiste por completo tal estatuto na medida em que, mais que a própria liberdade de autodeterminação sexual aquilo que estará em causa é a liberdade de acção ou omissão das vítimas, traduzindo-se num crime de perigo concreto, não se vislumbrando ameaça a tais bens jurídicos nem o constrangimento e a concretização inequivocamente especificante dos contactos de natureza sexual atenta a liberdade de que dispunham, ausência de controlo e uma vez querendo abandonar o local o fariam sem problemas (relato da testemunha I... )!

M. É manifesta e notoriamente incompatível com uma intenção lucrativa, na qual se tem por lógico e admite por provável que haveria interesse em que as relações sexuais tivessem não só efectivamente lugar como fossem levadas a cabo nos quartos para maximizar a alegada receita dos arguidos, toda a liberdade individual de que gozavam as mulheres quer no que concerne à opção de levar ou não a cabo tais práticas, de fixar livremente o preço e receber elas próprias a quantia e mesmo com ausência de qualquer controlo ordens ou instruções de realização das ditas relações em local diverso (maxime no motel das redondezas!);

N. Enferma a douta decisão recorrida, à imagem da douta acusação pública, do vício de não tomar em linha de conta a aplicação de normas penais no tempo pois, à data dos factos relatados pela testemunha I... , a redacção do art 169º CP era diversa e não punia a prática de lenocínio (punido pelo art. 170º) mas sim crime diverso!

O. Tem-se por injustificada, a haver condenação, a preterição da aplicabilidade da figura do crime continuado, devendo haver punição por apenas um crime, dado que, sem prejuízo de contradição insanável, não pode o Tribunal a quo dar por provada a existência de um bem jurídico eminentemente pessoal sem depois extrair as devidas ilações ao nível da exclusão da ilicitude pelo consentimento operado por cada uma das alegadas mulheres envolvidas, inexistindo qualquer vítima ou mesmo qualquer ofensa de bem jurídico sempre e quando, como nos presentes autos, as mulheres se mostravam totalmente livres, consentindo em tais práticas, as quais eram por si livremente assumidas, praticas e nas condições por si livremente delimitadas, aceites e fixadas;

P. Conforme decorre claramente de fls. 48 in fine, o Tribunal a quo refere que estariam preenchidos todos os demais requisitos do nº 2 do art. 30º CP para a punição a título de crime continuado (factos seguidos no tempo, contornos semelhantes, mesma actividade e execução externa à conduta dos arguidos, diminuição sensível da culpa, e actuação dos arguidos meramente passiva e alheia a essa conjugação de vontades), mais referindo que "seria indiscutivelmente um caso de aplicação do nº 2", pelo que, defendendo-se que o bem jurídico não será eminentemente individual deixa de haver tal obstáculo devendo assim haver punição a título de crime continuado!

Q. Trata-se de um ciclo vicioso e de um colete-de-forças do qual nem o legislador nem os ilustres julgadores alguma vez se conseguirão libertar enquanto permanecer a lei vigente dado que se por um lado considerarem que se trata de um bem jurídico eminentemente pessoal, terá de haver exclusão da ilicitude sempre e quando haja consentimento livre e esclarecido por parte da mulher, ou seja, fora dos casos vertidos no nº 2 da incriminação penal ao passo que, se porventura, optarem cor um bem jurídico de ordem moral da sociedade e "defesa dos sentimento geral de pudor e de moralidade sexual", então, facilmente se conclui que tais condutas não têm relevo nem dignidade penal e deverá haver absolvição, em nome dos princípios da proporcionalidade, subsidiariedade e ultima ratio da intervenção penal;

R. In casu tertium non datur, pois ou terá de haver absolvição pela exclusão da ilicitude pelo consentimento das mulheres [art. 31º nº 1 e 2 d) CP] e ausência do preenchimento do vertido no nº 2 do art. 169º CP (à data, face ao primeiro caso 170º) ou, no limite e a haver condenação, punição a título de crime continuado, não se afigurando legítima a condenação operada pois, verdadeiramente, adopta uma posição, já de si mesmo controversa na jurisprudência e doutrina, sem dela extrair a totalidade de efeitos e consequências, ou seja, descriminalização da conduta por ausência de vítima, ofensa ao bem jurídico que entende estar subjacente ao crime;

S. As penas, parcelares de dois anos de prisão e pena única de 4 anos e seis meses, ainda que suspensa na sua execução e com regime de prova, revelam-se excessivas e violadoras dos princípios da culpa, proporcionalidade, exigências de prevenção e reintegração, devendo ser atenuada, conforme é de Justiça, com o sanar de tais vícios processuais e consideração em diversa medida de diversos factos a favor do arguido I) abandono voluntário da actividade ou prática alegadamente delituosa (ponto de facto provado 105 in fine), II) dos factos não decorreu qualquer danosidade social deveras significativa, inexistiu preterição ou violação de bens de terceiros, inexistindo quaisquer danos na esfera particular que urja reparar, e II) ausência de prática de factos similares após a sua constituição como arguido, como comprava a ausência de qualquer factualidade imputada, dada por provada ou diligência probatória de relevo, após 27 de Maio de 2009;

T. Pese embora, pelas razões supra alegadas se defenda a absolvição ou no limite apenas a punição pela prática de um único crime, em caso de naufrágio recursório de tal pedido sempre se têm por adequadas as penas parcelares de 1 ano e seis meses de prisão e em concurso a pena única não deverá ir além de 3 anos e seis meses, igualmente suspensa nos termos doutamente decididos.

Tendo em conta as concretas passagens probatórias, em termos de recorte dos depoimentos oralmente prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, deixadas supra, as quais ora se dão por reproduzidas em nome do princípio da economia processual, têm-se como:

FACTOS INCORRECTAMENTE DADOS POR PROVADOS E QUE O NÃO DEVERÃO SER maxime a factual idade imputada ao arguido, no que concerne à prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento dos pontos de facto dados por provados sob os nºs 9 (o recorrente não era nem poderia ser visto diariamente no estabelecimento!), 21 (maxime generalização relativa à contrapartida monetária a prática de relações sexuais), 23 (proveitos dos arguidos relativos à prostituição), 26 (existência de relações de sexo em troca de dinheiro e nas condições atrás mencionadas), 77 (ausência de prova face à identidade da mulher em causa, atenta a negação pela própria bem como contrapartida e destino da mesma), 78 (existência de relações sexuais face aos três casos, apenas havendo prova de segura de um deles ou no limite dois), 79 (contrapartida e intenção dos arguidos), 94 (exploração pelos arguidos da actividade de prostituição e generalização para além de 2007), 95 (ausência de prova e nexo de tal factualidade pois a actividade sexual a existir, nunca teve lugar na sede da associação ou seu espaço físico), 96 (recebimento de quantias pelos arguidos radicadas nos actos de cariz sexual e destino de tais bens, por ausência de prova), 97 (ausência de fomento da prática de prostituição e de intenção lucrativa) e 98 (ausência de intenção lucrativa e exploração da exploração), que deverá ser dada por não provada no tocante à intenção lucrativa. Bem como quaisquer outros demais que se mostrem em oposição com o recurso considerado no seu conjunto!

Deverá ainda ser dado por provada a liberdade de escolha individual de cada mulher de prática das relações sexuais (veja-se o próprio ponto de facto 55 que é elucidativo!), ausência de sugestão de tal prática pelos arguidos bem como do respectivo local, que tanto poderia passar pelos quartos do 1º piso como pelo motel da redondezas, na senda das declarações para memória futura da cidadã JJ... (fls. 7 e 20 no tocante ao local e 24 relativamente à não sugestão de tais práticas infra da transcrição).

Normas jurídicas violadas: maxime arts. 40º, 71º nºs 1 e 2 a) a f), 169º nº 1 CP; arts. 97º nº 1b) e 4, 124º nº 1, 125º, 126º nº 3, 127º, 187º nºs 1, 4 e 7, 188º n° 11, 190º, 355º e 410º 2 CPP; arts. 1º, 2º, 3º nº 3, 8º n.ºs 1 e 2, 13º nº 1, 17º, 18º nºs 1, 2 e 3, 26º e 34º CRP; art. 514º nº 1 CPC; art. 9º CC.

Princípios violados e erroneamente aplicados: maxime livre apreciação da prova, in dubio pro reo, da culpa, legalidade, proibição da dupla valoração, igualdade, proporcionalidade, dignidade humana, subsidiariedade e ultima ratio do Direito penal bem como inerentes aos fins das penas.

Destarte,

Sempre com o V/mui douto suprimento

requer-se, mui humilde e respeitosamente a V/Exas., a procedência do presente recurso e a consequente revogação do douto acórdão recorrido, atentos os vícios de que o mesmo padece (erro notório na apreciação da prova, nulidade, ausência e insuficiência desta, errada interpretação de normas legais e violação de princípios constitucionais bem como contradição entre fundamentação e decisão), devendo o arguido ser absolvido em nome de um direito penal que se queira justo e processualmente conforme atenta a ausência de preenchimento integral do tipo de ilícito objectivo;

Mais se requer que em razão da reapreciação da prova gravada se venha a revogar o douto acórdão recorrido relativamente à imputação da autoria dos factos ao ora recorrente, possibilitando assim a sua absolvição;

Ad cautelam, no caso de naufrágio recursório do supra exposto. no tocante à medida das penas, defende-se a sua atenuação, em razão do circunstancialismo pessoal, sócio-económico, abandono de prática dos factos e visão de conjunto, a atenuar sobremaneira as exigências de prevenção especial e geral, devendo as penas parcelares, e consequentemente única, ser atenuadas em obediência aos princípios da igualdade, proporcionalidade, culpa e finalidades da punição

V/Exas., como sempre, decidindo, farão a costumada e almejada Justiça!


*

            Igualmente inconformada com a decisão, recorreu a arguida B... , formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            A. Com o presente recurso sobre os vícios do douto acórdão recorrido, reapreciação da prova bem como sobre matéria de Direito, no tocante à interpretação da norma penal incriminatória (não preenchimento integral dos requisitos objectivos para a punição), exerce-se o direito de "manifestação de posição contrária" ou "discordância de opinião", traduzido no direito de recorrer, vertido no nº 1 i) do art. 61º CPP e 32º, nº 1 da CRP;

            B. A douta acusação pública bem como a condenação proferida padecem do vício da inexistência jurídica a impor a absolvição da arguida, uma vez que nunca a mesma foi confrontada com tal factualidade e imputação, conforme decorre expressamente do seu auto de constituição como arguida, o qual, a fls. 216 dos autos, é cristalino ao apontar que apenas lhe foi comunicado que, na qualidade de gerente da Associação D... , esta seria "suspeita de estar envolvida na prática dos crimes de tráfico de pessoas e de auxilio à imigração i1egal", sendo assim totalmente omisso (e manifesta a ausência) em relação a uma qualquer suspeita de prática do crime de lenocínio ou descrição de factualidade a ele subjacente (favorecimento de prostituição!) e que fosse imputável à própria arguida;

C. Não se trata de qualquer nulidade mas sim de um vício maior, dado que coloca em causa a própria existência processual, tendo-se por inconstitucional, por violação do nºs 1 e 5 do ar. 32º da CRP, a dimensão normativa e interpretação do art. 61º nº c) CPP no sentido de a ausência de comunicação dos factos imputados poder legitimar a dedução de acusação surpresa ou mesmo, a fortiori, condenação por tais factos omitidos em sede de processo-crime, com julgamento à revelia e na ausência da arguida, face a factos não constantes de tal comunicação, igualmente se tendo por disforme à Lei fundamental a dimensão normativa ou qualquer interpretação no sentido de tal vício processual, em razão da sua gravidade e preterição suprema de um expresso direito da arguida ser apto a inquinar todo o processo, se mostrar sanado pelo decurso do tempo ou inacção da arguida!

D. Têm-se por nulas e consequentemente incapazes de suportar qualquer juízo decisório-condenatório, por violadoras das formalidades legais (em concreto art. 177º nº 2 CPP), maxime ao nível da hora a que foram realizadas (ou seja, fora do período normal entre as 07h00 e as 21 h00 pese embora alguma tentativa de camuflar com aposição de escrito diverso) e baseadas em autorização de pessoa sem poderes de representação da Associação, tal qual decorre dos respectivos Estatutos públicos, as diligências levadas a cabo no dia 16 de Fevereiro de 2007 (factos provados 32 a 50) e 9 de Outubro de 2008 (factos provados 57 a 79) aos quartos sitos no andar superior do imóvel por, ademais, não contenderem com o alvo;

E. Tem-se assim por inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e legalidade a interpretação do 177º nº 2 CPP sempre e quando permita a realização de busca domiciliária e consequente apreensão no horário compreendido entre as 21h00 e as 07h00, ou seja fora do período dito normal, sem que tal conste expressamente do teor do mandado que autorize tal diligência e tendo por base suposta autorização de pessoa diversa da que constitua alvo da diligência e sem poderes bastantes de representação da pessoa colectiva, sendo disforme à lei fundamental a interpretação de tal norma legal sempre e quando permita uma busca domiciliária para além do quadro normal de validade de tais diligências e uma apreensão efectuada ao abrigo de uma busca nula nunca poderá ser validada a posteriori, ganhando assim aura de legalidade!

Acaba o Tribunal a quo igualmente por entrar em contradição insanável pois se para efeitos de legitimação de tais diligências probatórias se acaba por referir que as próprias cidadãs consentiram, assinando cada mulher individualmente tais autorizações de busca na qualidade de "proprietário(a)/residente com a disponibilidade do local/domicílio no quarto" que depois surge numerado, em razão efectiva posse e fruição, tal equivalerá a dizer que os quartos estariam na sua livre disponibilidade e não já dos arguidos, não se podendo assim condenar uma associação quando os factos ilícitos terão lugar fora dos seus limites físicos;

G. As alegadas escutas telefónicas, por não terem sido reproduzidas em audiência de discussão e julgamento nem mesmo levadas ao conhecimento da arguida vendo assim o mesmo também por esta via limitados de forma inexorável os seus direitos de defesa face às mesmas, não poderão ser valoradas nos termos do art. 355º CP e consequentemente terão de ser dados por não provados os factos 80 a 93, na sua integralidade, e parcialmente o facto 94 no tocante ao transporte;

H. Tem-se por nulas tais alegadas escutas telefónicas, nos termos do art. 190º CPP, dado que foram interseccionadas em momento muitíssimo anterior ao da constituição como arguida da recorrente nos presentes autos, foram levadas a cabo no âmbito de inquérito distinto que veio a ser arquivado posteriormente, tendo sido ordenadas e realizadas no Inquérito 309/07.2GAANS, no qual a recorrente não era o alvo por não ser aí arguida nem suspeita nem qualquer interveniente processual por em tais autos estar em causa estabelecimento diverso não incidindo sobre a Associação D... , alvo dos presentes autos e igualmente arguida, qualquer doutos despacho de autorização das escutas;

I. Ademais representam intromissão abusiva na vida privada, em violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, lealdade e boa-fé bem como de concordância prática, restringindo claramente o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26º, nº 1 da CRP), o direito ao sigilo e à inviolabilidade das comunicações (artigo 34º CRP) e o direito à palavra (falada), uma vez que, havendo toda uma panóplia imensa de acções de fiscalização, da mais diversa ordem (desde vigilâncias, buscas, apreensões, etc.) bem como inquirições de imensas testemunhas, não se percebe como se pôde ter, e doutamente decidir, por indispensável para descoberta da verdade ou por impossível ou muito difícil de obtenção da prova, sendo o requerimento de pedido das mesmas unicamente instruído pelo texto da lei, vagos conceitos de direito e sem qualquer concretização concreta de tal impossibilidade ou indispensabilidade, sendo assim, também por esta via, nulas;

J. Tem-se por inconstitucional, por violação das garantias de defesa, a interpretação e dimensão normativa do art. 187º nº 7 CPP no sentido de escutas telefónicas levadas a cabo em processo distinto, e temporalmente prévias à sua constituição em tal qualidade processual no processo de futuro destino das mesmas, puderem ser usadas contra arguido/pessoa diversa de tal alvo, sempre e quando no processo ordenante de tais diligências de prova tal pessoa não seja arguida, suspeita ou interveniente processual na medida em que, por força da ausência de tal qualidade, se mostra prejudicada no direito ao acesso às mesmas, exercício de contraditório , a cabal garantia de defesa, maxime, pala efeitos do nº 11 do art. 188º CPP;

K. Por identidade de razões, tem-se por disforme à Lei fundamental a interpretação e dimensão normativa do art. 188º nº 7 CPP segundo a qual a transcrição de tais escutas, desacompanhada de qualquer audição das mesmas em sede de audiência de discussão e julgamento, possa valer como prova documental, nos termos dos arts. 164º ss CPP, a ser livremente valorada pelo Tribunal, sem necessidade de leitura em audiência ou exarar da sua análise em acta, na medida em que, ademais, sendo o papel em si mesmo mudo deixa por percepcionar aspectos deveras importantes da comunicação, como seja o tom de voz, prontidão, encadeamento e lógica da conversa, etc., maxime para quem não foi alvo das mesmas ou tomou parte directa nas conversações interceptadas;

L. Dando por integralmente reproduzidas, por razões de economia processual, as passagens supra identificadas em sede de motivação, maxime relativas aos depoimentos das testemunhas E... , F... , G... , H... e I... , tem-se assim por justificada a reapreciação da matéria de facto e da prova gravada, em conjugação com a demais, no sentido de se ter por logicamente inválida a generalização operada tendo por base um depoimento que se mostrará temporalmente delimitado até 16 de Fevereiro de 2007, da testemunha I... , inexistindo assim prova de que nos eventuais e posteriores actos de cariz sexual houvesse qualquer contrapartida para os arguidos bem como fomento, intenção lucrativa e efectivo lucro dos mesmos, a ponto de lhes possibilitar a sobrevivência e, pese embora a contradição imanente, aquisição de "bens de mais elevado de características não apuradas";

M. Sem prejuízo da absolvição que infra se peticionará, apenas poderá ser dado por provado a existência de duas vítimas, e logo, sem prejuízo da defesa de crime continuado, dois crimes na medida em que erra o Tribunal a quo ao fazer, a fls. 34, alusão às declarações da testemunha H... pois em momento algum a mesma afirmou com segurança que havia tido relações com três mulheres diferentes, referindo sempre duas conforme ressalta cristalina mente da passagem 07:24 a 07:35 do seu depoimento, estando assim o Tribunal num colete-de-forças (como comprova o ponto 78 em que dá por provados 3 casos mas apenas identifica duas mulheres!), do qual não se poderá libertar sem, violação do principio in dubio pro reo, pois nada autoriza que uma dessas duas não tenha sido a I... , uma vez que não se mostram identificadas nem a testemunha referiu o âmbito temporal dos factos, tendo de inexistir assim a soma dela própria às duas referidas pelo cliente sob pena de preterição das mais elementares garantias de defesa;

N. Ao não discriminar as receitas e despesas fica o Tribunal a quo impedido de catalogar como lucros certas eventuais receitas não provadas, sendo que, ademais, tal qual decorre da factualidade dada por provada seria praticada a actividade de alterne, no âmbito da qual haveria repartição em partes iguais ao passo que, a fazer fé no que se mostra dado por provado, sempre nos actos de cariz sexual, a percentagem seria menor inexistindo assim qualquer necessidade expressa por parte dos arguidos de exploração da mesma dadas as receitas advenientes dos "copos";

O. Perante a nebulosa de declarações é manifesto, claro e inequívoco que fica a dúvida sobre a efectiva prática dos factos (maxime a existência de contrapartida para os arguidos após Fevereiro de 2007 bem como efectivo e prévio fomento da prostituição!), redundando a condenação em prejuízo das garantias de defesa e do princípio in dubio pro reo, devendo a arguida ser absolvida em razão da ausência e insuficiência de prova, pois em caso de empate ou dúvida a CRP decide (e assim terá de fazer também o Tribunal!) a contenda não a favor da recorrente em particular mas de todo e colocado na mesmíssima situação, não se podendo ter tal salto lógico e mortal, para as aspirações legítimas da arguida, por válido, mostrando-se a douta decisão ora recorrida unicamente no sentido da culpabilidade face a tais 3 crimes;

P. A ilação derivada de uma presunção natural não pode formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal, em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável sendo que in casu a ausência de prova revela, claramente, um sentido e a decisão extrai ilação contrária, logicamente impossível por ser por generalização indevida, mostrando-se a fundamentação do douto acórdão recorrido contrária à prova produzida retirando o Tribunal a quo de diversos depoimentos prestados diversas conclusões logicamente inaceitáveis, decidindo contra demais meios de prova, cuja força probatória não foi infirmada;

Q. A factualidade dada por provada, maxime ao nível dos factos 10 (voluntarismo das mulheres) e 106 (tratamento concedido bem como liberdade plena) não preenche de forma plena o tipo legal de ilícito, inexistindo qualquer acto de favorecimento, fomento ou facilitismo na prática de prostituição (a menos que se entenda que se tratará de um crime sem vítima!), uma vez que in casu, inexiste por completo tal estatuto na medida em que, mais que a própria liberdade de autodeterminação sexual aquilo que estará em causa é a liberdade de acção ou omissão das vítimas, traduzindo-se num crime de perigo concreto, não se vislumbrando ameaça a tais bens jurídicos nem o constrangimento e a concretização inequivocamente especificante dos contactos de natureza sexual atenta a liberdade de que dispunham, ausência de controlo e uma vez querendo abandonar o local o fariam sem problemas (relato da testemunha I... )!

R. In casu, atento o consentimento, voluntarismo e desejo radicado em cada uma das mulheres, terá a recorrente (bem como os demais arguidos!) de ser expressamente absolvida atenta a exclusão da ilicitude, na medida em que se tem por inconstitucional, por compressão ilícita e não proporcional, nos termos do art. 18º CRP, bem como violação dos direitos à liberdade (mesmo sexual, radicando em tal campo o direito à diferença!) e ao trabalho, consagrados nos arts. 1º, 27º nº 1, 58º) a dimensão normativa de tal norma (art. 38º nº 1 CP) quando interpretada no sentido de se ter por contrária aos bons costumes, para efeitos de não exclusão da ilicitude, a livre prática de relações sexuais, fora da via pública e em reserva da respectiva intimidade, ainda que a troco de dinheiro, sempre e quando a mesma seja levada a cabo entre maiores, de sexos distintos, radicando numa vontade e desejo livres e esclarecidos de ambas as pessoas sem qualquer coacção, violência ou ameaça grave, constrangimento, ardil ou manobra fraudulenta, abuso de autoridade ou aproveitamento de incapacidade psíquica ou especial vulnerabilidade da vitima;

S. É manifesta e notoriamente incompatível com uma intenção lucrativa na qual se tem por lógico e admite por provável que haveria interesse em as relações sexuais tivessem não só efectivamente lugar como fossem levadas a cabo nos quartos para maximizar a alegada receita dos arguidos, toda a liberdade individual de que gozavam as mulheres quer no que concerne à opção de levar ou não a cabo tais práticas, de fixar livremente o preço a receber elas próprias a quantia, e mesmo, com ausência de qualquer controlo, ordens ou instruções, de realização das ditas relações em local diverso (maxime no motel das redondezas!);

T. Alega-se a questão da não conformidade constitucional e subsidiariedade do Direito penal derivada da preocupação que parece radicar em tal preceito legal de confundir necessidade de intervenção do Direito Penal de ultima ratio com moral e bons costumes, entendendo-se que os factos descritos na douta acusação (e a fortiori os dados como provados!) não atingem o patamar mínimo de dignidade penal a justificar a entrada no terreno de jogo do Direito Penal, tal como se constata pela evolução normativa face ao art. 215º da edição original do Código Penal, defendendo-se, à imagem de Anabela Rodrigues, Comentário Conimbricense I, 531que se mostra necessária a exploração efectiva da situação e dependência da vitima para o preenchimento do tipo de crime material e não formal;

U. Impor-se-á sempre aquilatar do preenchimento da chamada bagatela penal, como limite mínimo, que, por desmerecer a tutela de tal ramo do direito, violaria o principio da intervenção mínima, tendo-se por pacifico que não se poderão criminalizar situações embora desagradáveis, que não tenham o mínimo de dignidade penal, dada a não identidade perfeita entre acto social ou moralmente inaceitável e criminalmente punível, entendendo-se que os factos não atingem o minus de relevância penal a ponto de exigir a intervenção de tal ramo do Direito, tendo assim de ficar de fora os actos bagatelares ali considerados insignificantes bem como todos aqueles que, ainda que de algum significado e impróprios, atenta a sua reduzida ocorrência não sejam obstáculo de forma significativa à livre determinação sexual da vítima;

V. Como afirma Roxin, não sendo a concepção do bem jurídico estática, esta deve sempre conformar-se com os fins das normas constitucionais, as quais estão abertas às mutações sociais e aos progressos do conhecimento científico, indo os mesmos no sentido de uma maior abertura, tendo de presidir in casu um certo dolo especifico e toda uma multiplicidade de elementos objectivos (efectivo contacto de natureza sexual), não se podendo tomar como limite a questão da moralidade sexual mas sim averiguar se tais factos têm em si a relevância exigível do ponto de vista criminal a justificar a sua tipificação como crime ou consubstanciam unicamente actuação menos correcta, cortês, delicada e/ou moral;

W. E temos assim por violados os principias da igualdade (que consiste em tratar de forma igual o igual e de forma diferenciada o desigual), proporcionalidade bem como do carácter de ultima ratio do Direito Penal que assim se vê convocado quando a litigiosidade e danosidade material se mostra secundária e a "justiça restauradora" pelo abandono de tal actividade pela arguida uma realidade ocorrida, não sendo a progressividade mais do que a densificação do conceito de justiça proveniente da igualdade material, princípio base de todo o Direito, pressupondo um conceito de democraticidade (a lei penal é igual para todos) e abstendo-se de defender um sentimento de pudor e de moralidade sob pena de ser um Direito penal de fachada;

X. Com o carácter subsidiário e fragmentário do Direito Penal importa conjugar um outro principio fundamental – o da proporcionalidade – a significar a exigência de razoabilidade na proporção da necessidade de tutelar um bem fundamental, sendo certo que a intervenção do Direito Penal, por força das sanções jurídicas que lhe são características, colide com o direito de liberdade que é um direito fundamental do cidadão, só devendo intervir quando a sua tutela é necessária e útil, tendo alguma eficácia, o que in casu se não vislumbra atenta a ausência de consequências e reduzida expressão dos alegados factos;

Y. Tem-se assim por inconstitucional o entendimento, e dimensão normativa do art. 169º nº 1 CP, segundo o qual o crime de lenocínio se baste com a existência de actos de cariz sexual, livremente entre maiores, em local cujo domínio pertence à esfera própria e privada da mulher ou por si livremente escolhido, sem qualquer controlo ou ingerência dos arguidos, pelo preço por ela acordado e traduzindo-se num comportamento instantâneo, sob pena ele, a assim se entender, se alargar o âmbito da reacção penal de forma desmesurada, sendo certo que todos os preceitos constitucionais integram normas que fornecem os parâmetros de interpretação recta do Direito que lhe está infra ordenado, devendo assim lançar-se mão do princípio da interpretação conforme a Constituição da República Portuguesa, constituindo a essência do princípio da igualdade não em tratar tudo por igual sob pena de, por paradoxal que pareça, gerar manifesta e clara desigualdade, mas sim em tratar de forma igualo igual e de forma diferenciada o desigual;

Z. Apresenta-se igualmente disforme à Lei fundamental a dimensão normativa e interpretação de tal norma no sentido de consubstanciar crime de lenocínio a mera prática de relações de natureza sexual entre maiores quando inexista qual preterição da sua liberdade e autodeterminação sexual bem como instrução, vigilância ou qualquer outra espécie de controlo a exercer pelos arguidos ou por quem quer que seja, tendo a mulher domínio pleno da sua actuação e acção e tratamento condigno e condizente com a sua condição humana, ao nível de cordialidade, simpatia, liberdade e autodeterminação sexual, inexistindo. assim qualquer ofensa a algum bem jurídico ou mesmo vítima;

AA. Tomando por parâmetro o vertido na douta decisão de que o bem jurídico tutelado é eminentemente pessoal (fls. 49), acaba o Tribunal a quo por entrar em contradição uma vez que sem quaisquer dos actos típicos descritos no nº 2 do art. 169º CP inexistirá a prática de um crime de lenocínio atenta a manifesta inexistência de qualquer vítima e exclusão da ilicitude em razão do expresso consentimento, e ausência de coacção, resultante do voluntarismo da sua prática (facto 10 provado), não se mostrando defensável uma punição titulo de crime sem violação efectiva de qualquer bem jurídico, que, sendo eminentemente pessoal, terá de ter um rosto na parte passiva, uma vítima concreta e decortável e que in casu inexiste por completo, pois nenhuma das mulheres ou demais testemunhas ouvidas logrou apontar qualquer violação ou preterição de tais direitos por obra dos arguidos, antes pelo contrário, como deu o Tribunal a quo por provado!

BB. Entende-se que os factos não se mostram subsumíveis em qualquer incriminação legal e até contam com uma causa de exclusão da ilicitude (o consentimento!), uma vez que não sendo a prostituição em si mesma proibida e fazendo parte da "livre disponibilidade da sexualidade individual", apenas o aproveitamento económico de terceiros poderá ser punido quando se mostre para além de tal livre disponibilidade e corresponda a uma ideia de enriquecimento ilegítimo ou ilícito, sendo que, in casu, dos autos parece transparecer a prossecução de actividade económica na qualidade de trabalho autónomo, tal como pode ser encarada à luz de tal perspectiva aceite pelo Tribunal de Justiça das Comunidades (sentença de 20 de Novembro de 2001), sendo que a permissão de actividade das pessoas que se prostituem nos Estados membros da Comunidade impede uma discriminação quanto à autorização de permanência num Estado da União Europeia.

CC. A normal legal ora em causa (o art. 169º nº 1 CP, qual caldeirão e albergue espanhol) foi criada para contornar qualquer eventual lacuna de punibilidade, com um âmbito de aplicação geral, tendo-se por inconstitucional tal forma de legislar, por violação da exigência de lei certa e do principio da legalidade, vertidos nos arts. 10 nº 1 CP e 29º nº 1 CRP atenta a não determinação concretizante do facto ilícito típico ou da vítima, sendo, não uma norma legal mas um princípio jurídico que se mostra depois concretizado e subsumido no número seguinte dada a impossibilidade de, sem violência ou ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, abuso de autoridade resultante de relação familiar, de tutela ou curatela, dependência hierárquica, económica ou de trabalho bem como aproveitamento de incapacidade psíquica ou especial vulnerabilidade, ocorrer a prática ou mera possibilidade de tal crime e existência de uma vítima!

D.D. Ao dar como provado que a recorrente fomentava prática da prostituição (e apenas esta conduta lhe é imputada no ponto de facto 97) o Tribunal a quo errou, devendo a arguida ser absolvida, pois em caso algum colaborou no processo de decisão individual de cada mulher inexistindo actuação dos arguidos a levar a tais práticas não determinando nenhuma delas pois as mulheres ouvidas foram unânimes em afirmar que já se dedicavam anteriormente a tais actividades e eram tratadas com simpatia e cordialidade, apenas podendo haver colaboração no processo de decisão mediante os meios plasmados no nº 2 da norma legal, tendo-se assim, por impossibilidade de ocorrência e descriminalizada, quer de lege ferenda, quer de lege lata, a conduta plasmada no nº 1;

E.E. Mostra-se a douta decisão a padecer do vício de contradição insanável entre factos provados e fundamentação, concretamente ponto de facto 97 e o vertido a fls. 411, onde se refere à conduta facilitadora dos arguidos sendo que tratando-se de conceitos de Direito nem deveriam ser levados ao elenco dos factos provados resultando todavia de fls. 48, último parágrafo, que seria "a actuação dos arguidos meramente passiva e alheia a essa conjugação de vontade (das mulheres)" não havendo assim prática do crime e ademais, a sua punição a título de fomento radicando a douta decisão novamente em contradição insanável pois uma coisa não pode ser o que é e simultaneamente o seu contrário!

F.F. Deve a arguida ser absolvida em razão da questão e relevo da causalidade virtual, uma vez que independentemente da sua actuação o resultado surgiria em tempo e sob condições semelhantes ou por força de comportamentos de terceiros ou de com comportamentos naturais das próprias mulheres, nenhum contributo tendo para tal facto sendo ainda a sua conduta manifestação irrelevante pois os factos sempre teriam lugar, dado as mulheres se dedicarem livremente a tal actividade e fosse no 1º andar ou no motel os actos, se fossem desejados pela mulher e cliente, seriam levados a cabo;

GG. Enferma a douta decisão recorrida, à imagem da douta acusação pública, do vicio da desconsideração das normas de aplicação de normas penais no tempo pois. à data dos factos relatados pela testemunha I... (fevereiro de 2007!), a redacção do art. 169º CP era diversa e não se punia em tal norma a prática de lenocínio (punido pelo art. 170º), mas sim crime diverso!

HH. Subsidiariamente e ad cautelam, tem-se por injustificada, a haver condenação, a preterição da aplicabilidade da figura do crime continuado, devendo haver punição por apenas um crime, dado que, sem prejuízo de contradição insanável, não pode o Tribunal a quo dar por provada a existência de um bem jurídico eminentemente pessoal sem depois extrair as devidas ilações ao nível da exclusão da ilicitude pelo consentimento operado por cada uma das alegadas mulheres envolvidas, inexistindo qualquer vítima ou qualquer ofensa de bem jurídico sempre e quando, como in casu, as mulheres se mostravam totalmente livres, consentindo e desejando tais práticas, que eram por si livremente praticadas e nas condições por si livremente delimitadas, aceites e fixadas;

II. Conforme decorre claramente de fls. 48 in fine, o Tribunal a quo refere que estariam preenchidos todos os demais requisitos do nº 2 do art. 30º CP para a punição a título de crime continuado (factos seguidos no tempo, contornos semelhantes, mesma actividade e execução externa à conduta dos arguidos, diminuição sensível da culpa, e actuação dos arguidos meramente passiva e alheia a essa conjugação de vontades), mais referindo que "seria indiscutivelmente um caso de aplicação do nº 2", pelo que, defendendo-se que o bem jurídico não será eminentemente individual deixa de haver tal obstáculo devendo assim haver punição a título de crime continuado!

JJ. Trata-se de um ciclo vicioso e de um colete-de-forças do qual nem o legislador nem os ilustres julgadores alguma vez se conseguirão libertar enquanto permanecer a lei vigente, dado que se por um lado considerarem que se trata de um bem jurídico eminentemente pessoal, terá de haver exclusão da ilicitude sempre e quando haja consentimento livre e esclarecido por parte da mulher, ou seja, fora dos casos vertidos no nº 2 da incriminação penal ao passo que, se porventura, optarem por um bem jurídico de ordem moral da sociedade e "defesa do sentimento geral de pudor e de moralidade sexual", então, facilmente se conclui que tais condutas não têm relevo nem dignidade penal e deverá haver absolvição, em nome dos princípios da proporcionalidade, subsidiariedade e ultima ratio da intervenção penal;

KK. In casu tertium non datur, pois ou terá de haver absolvição pela exclusão da ilicitude pelo consentimento das mulheres [art. 31º nº 1 e 2 d) CP] e ausência do preenchimento do vertido no nº 2 do art. 169º CP (à data, face ao primeiro caso 170º) ou, no limite e a haver condenação, punição a título de crime continuado, não se afigurando legítima a condenação operada pois, verdadeiramente, adopta uma posição, já de si mesmo controversa na jurisprudência e doutrina, sem dela extrair a totalidade de efeitos e consequências, ou seja, descriminalização da conduta por ausência de vítima, ofensa ao bem jurídico que entende estar subjacente ao crime.

LL. As penas, parcelares de 1 anos e três meses de prisão e pena única de 2 anos e nove meses, ainda que suspensa na sua execução revelam-se excessivas e violadoras dos princípios da culpa, proporcionalidade, exigências de prevenção e reintegração, devendo ser atenuada, conforme é de Justiça, com o sanar de tais vícios processuais e consideração em diversa medida de diversos factos a favor da arguida: I) ausência de antecedentes criminais à data (ponto de facto 104), II) abandono voluntário da actividade ou prática alegadamente delituosa (ponto de facto provado 105 in fine), III) dos factos não decorreu qualquer danosidade social deveras significativa, inexistiu preterição ou violação de bens de terceiros, inexistindo quaisquer damos na esfera particular que urja reparar e IV) ausência de prática de factos similares após a sua constituição como arguida, como comprava a ausência de qualquer factualidade imputada, dada por provada ou diligência probatória de relevo, após 13 de Maio de 2009

M.M. Pese embora, pelas razões supra alegadas se defenda a absolvição ou no limite apenas a punição pela prática de um único crime, em caso de naufrágio recursório de tal pedido sempre se têm por adequadas as penas parcelares de 9 meses de prisão, tendo-se por ajustadas, consoante sejam dois ou três os crimes em concurso, respectivamente pena única não superior a 15 ou 22 meses de prisão, igualmente suspensa nos termos doutamente decididos.

Tendo em conta as concretas passagens probatórias, em termos de recorte dos depoimentos oralmente prestados em sede de audiência de discussão e julgamento deixadas supra em sede de motivação prévia, as quais ora se dão por reproduzidas em nome do princípio da economia processual, têm-se como:

FACTOS INCORRECTAMENTE DADOS POR PF;()VADOS E QUE O NÃO DEVERÃO SER maxime a factualidade imputada à arguida, no que concerne à prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento dos pontos de facto dados por provados sob os nºs 21 (generalização relativa à contrapartida monetária e prática de relações sexuais), 23 (proveitos dos arguidos relativos à prostituição), 26 (existência de relações de sexo em troca de dinheiro e nas condições atrás mencionadas), 77 (ausência de prova face à identidade da mulher em causa, atenta a negação pela própria bem como contrapartida e destino da mesma), 78 (existência de relações sexuais face aos três casos, apenas havendo prova de segura de um deles ou no limite dois), 79 (contrapartida e intenção dos arguidos), 94 (exploração pelos arguidos da actividade de prostituição e generalização para além de 2007 bem como facultar de transporte pela arguida), 95 (ausência de prova e nexo de tal factualidade pois a actividade sexual a existir, nunca teve lugar na sede da associação ou seu espaço físico), 96 (recebimento de quantias pelos arguidos radicadas nos actos de cariz sexual e destino de tais bens, por ausência de prova), 97 (ausência de fomento da prática de prostituição e de intenção lucrativa) e 98 (ausência de intenção lucrativa e exploração da exploração), que deverá ser dada por não provada no tocante à intenção lucrativa. Bem como quaisquer outros demais que se mostrem em oposição com o recurso considerado no seu conjunto!

Deverá ainda ser dado por provada a liberdade de escolha individual de cada mulher de prática das relações sexuais (veja-se o próprio ponto de facto 55 que é elucidativo!), ausência de sugestão de tal prática pelos arguidos bem como do respectivo local, que tanto poderia passar pelos quartos do 1º piso como pelo motel das redondezas, na senda das declarações para memória futura da cidadã JJ... (fls. 7 e 20 no tocante ao local e 24 relativamente à não sugestão de tais práticas infra da transcrição).

Normas jurídicas violadas: maxime arts. 40º, 71º nºs 1 e 2 a) a f), 169º nº 1 CP; arts. 97º nº 1 b) e 4, 124º nº 1, 125º, 126º nº 3, 127º, 177º, 178º, 187º nº 1, 4 e 7, 188º nº 11, 190º, 355º e 410º 2 CPP; arts 1º, 2º, 3º nº 3, 8º nº 1 e 2, 13º nº 1, 17º, 18º nº 1, 2 e 3, 26º, 32º nºs 1, 5 e 8, 34º e 58º CRP; art. 514º nº 1 CPC; art. 9º CC.

Princípios violados e erroneamente aplicados: maxime livre apreciação da prova, in dubio pro reo, da culpa, legalidade, proibição da dupla valoração, igualdade, proporcionalidade, dignidade humana, subsidiariedade e ultima ratio do Direito penal bem como inerentes aos fins das penas.

Destarte,

Sempre com o V/mui douto suprimento

requer-se, mui humilde e respeitosamente a V/Exas., a admissão e procedência do presente recurso, com a consequente revogação do douto acórdão recorrido, atentos os vícios de que o mesmo padece (erro notório na apreciação da prova, nulidade, ausência e insuficiência daquela, errada interpretação de normas legais e violação de princípios constitucionais bem como contradição entre factualidade provada, fundamentação e decisão), devendo a arguida ser absolvida em nome de um direito penal que se queira justo e processualmente conforme aos seus mais elementares direitos de defesa e garantias processuais, atenta a ausência de prática de qualquer crime pelo não preenchimento integral do tipo de ilícito objectivo:

Mais se requer que em razão da reapreciação da prova gravada, e consequente alteração do julgamento da matéria de facto, nos termos supra expostos, se venha a revogar o douto acórdão recorrido relativamente à imputação da autoria dos factos à ora recorrente, possibilitando assim a sua absolvição;

Ad cautelam, no caso de naufrágio recursório do supra exposto, no tocante à medida das penas, defende-se a sua atenuação, em razão do circunstancialismo pessoal, sócio-económico, abandono de prática dos factos, ausência de qualquer factualidade posterior à constituição como arguida possibilitar uma visão de conjunto a atenuar sobremaneira as exigências de prevenção especial e geral, devendo as penas parcelares, e eventual e consequentemente única, ser atenuadas em obediência aos princípios da igualdade, proporcionalidade, culpa e finalidades da punição.

V/Exas., seres humanos sábios, pensarão e decidirão necessariamente de forma justa por ser impossível alcançar justiça sem sabedoria, todavia, como sempre, decidindo farão a costumada e almejada Justiça, rainha e senhora de todas as virtudes!


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            Respondeu aos recursos a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

1. Quando teve lugar a constituição como arguida de B... , por parte do Órgão de Policia Criminal, foi integralmente respeitado o estatuto processual de arguido, cfr. art.º 58º e 61º do CPP.

2. A acusação não enferma qualquer vicio processual, designadamente a nulidade, sendo que a sua arguição deveria ter lugar até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar à instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito. Não o tendo feito, ainda que aquela nulidade tivesse ocorrido, o que não se verifica, tem de se considerar definitivamente sanada.

3. Em caso algum se pode aceitar que tenham sido coartados os direitos de defesa da arguida, já que podia ter requerido a abertura da instrução, o que não fez, podendo ainda exercer todos os direitos de defesa na audiência de julgamento, à qual não compareceu apesar de devidamente notificada.

4. Sendo as buscas um meio de obtenção de prova, sujeitas a um apertado regime previsto nos art.ºs 174º e seg. do C.P.P., foram observadas todos as formalidades legais, provindas de órgão com competência e executadas em conformidade com o disposto nos art.ºs 174º, 176º e 177º n.ºs 1 e 2 do CPP.

5. As interceções e gravação das comunicações telefónicas sendo um meio de obtenção de prova de carácter excecional, rege-se pelos critérios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade, cfr. art.º 18º n.º 2 da CRP.

6. In casu o momento processual em que foi proferido o despacho que autorizou a interceção e gravação das chamadas no inquérito permite afirmar que a investigação não dispunha de outros meios que lhe permitissem alcançar os autores dos ilícitos denunciados, não se tratando de ser o último meio a lançar-se mão, num sentido cronológico, mas sim o último no plano lógico ou lógico-funcional.

7. As escutas telefónicas efetuadas regularmente durante o inquérito, uma vez transcritas em auto, passam a constituir prova documental, que o Tribunal de julgamento pode valorar de acordo com as regras da experiência – essa prova documental não carece de ser lida em audiência.

8. O art.º 169º n.º 1 do Código Penal não enferma de inconstitucionalidade, devendo ter lugar a sua aplicação sem qualquer constrangimento.

9. Não há erro notório na apreciação da prova testemunhal nem erro de julgamento.

10. Da leitura da matéria de facto provada e não provada, bem como a fundamentação em que o tribunal colectivo explanou as razões da sua opção quanto aquela matéria, conclui-se que o tribunal fez uma correta leitura dos elementos de prova disponíveis e deles retirou as devidas ilações, explicitando detalhadamente o modo como formou a sua convição, não se vislumbrando que tenha errado nas conclusões que retirou da prova, ou que tais conclusões sejam desajustadas, não se justificado por isso a sua alteração.

11. Encontram-se verificados os requisitos objetivos e subjetivos do crime de lenocínio p.p. pelo art.º 169º n.º 1 do C.P., sendo o bem jurídico protegido pela norma a liberdade sexual individual da prostituta e a sua dignidade pessoal.

12. A conduta dos arguidos consubstancia-se na prática de tantos crimes de lenocínio quantas as mulheres cuja atividade sexual foi por aqueles explorada – pelo menos três mulheres.

13. Não merece qualquer reparo a pena em que os arguidos foram condenados, não havendo fundamento para alteração das penas parcelares bem como da pena única.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso em análise e mantida a decisão recorrida.

No entanto Vossas Excelências farão, como SEMPRE a acostumada JUSTIÇA!


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a contramotivação do Ministério Publico e concluiu pelo não provimento dos recursos.

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Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido a recorrente, reafirmando os argumentos apresentados na motivação, e concluiu pela procedência do seu recurso.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes – que de tão extensas e repetitivas, dificilmente cumprem a finalidade que lhes é assinalada na norma, supra, citada [resumo das razões do pedido], as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A inexistência jurídica da acusação e da condenação e a inconstitucionalidade do art. 61º, nº 1, c) do C. Processo Penal, por violação do art. 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido de que a não comunicação de factos imputados no acto de constituição de arguido legitima a dedução de acusação ‘surpresa’ e posterior condenação, à revelia e na ausência daquele [conclusões B e C da motivação da recorrente];

- A nulidade e a inconstitucionalidade das buscas [conclusões D e F da motivação da recorrente]; 

- A nulidade a inconstitucionalidade das escutas telefónicas [conclusões C e D da motivação do recorrente e conclusões H, I e J da motivação da recorrente];

 - A violação do art. 355º do C. Processo Penal pela não reprodução das escutas telefónicas na audiência de julgamento [conclusão B da motivação do recorrente e conclusão G da motivação da recorrente] e a inconstitucionalidade do art. 188º, nº 7 do C. Processo Penal quando interpretado no sentido de que a transcrição das escutas desacompanhada da sua audição em audiência pode ser valorada como prova documental [conclusão E da motivação do recorrente e conclusão K da motivação da recorrente];

- Os vícios da contradição insanável [conclusão EE da motivação da recorrente] e do erro notório na apreciação da prova [1º § da conclusão das conclusões da motivação do recorrente];

- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto, relativamente aos pontos 9, 21, 23, 26, 77 a 79 e 94 a 98, devendo ainda ser considerado provado, a liberdade de escolha das mulheres, e a ausência de sugestão dos arguidos [início da parte final das conclusões formuladas em cada motivação] e a violação do pro reo;   

- A inobservância da aplicação da lei no tempo relativamente ao crime de lenocínio [conclusão N da motivação do recorrente do e conclusão GG da motivação da recorrente];

- O não preenchimento do tipo do crime de lenocínio e a existência de causa de exclusão da ilicitude [conclusão R da motivação do recorrente e conclusões Q a X, AA e KK da motivação da recorrente];

- A não aplicação da figura do crime continuado [conclusões O a Q da motivação do recorrente do e conclusões HH a JJ da motivação da recorrente];

- A inconstitucionalidade do art. 169º, nº 1 do C. Penal [conclusões Y, Z e CC da motivação da recorrente];

- A medida excessiva das penas [conclusões S eT da motivação do recorrente do e conclusões LL e MM da motivação da recorrente].

Oficiosamente, haverá que conhecer dos reflexos dos recursos interpostos na não recorrente, arguida associação


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            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta do acórdão recorrido. Assim:

            A) Nele foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

            1. O estabelecimento situado na (...) , (...) embora esteja classificado e licenciado como café/snack-bar/restauração e bebidas funciona, desde data exacta não apurada, como estabelecimento de diversão nocturna, sendo conhecido localmente e não só como um local onde se podem encontrar mulheres a dançar, beber copos, actividade essa designada por alterne, e ainda onde se podem manter relações sexuais com algumas dessas mulheres mediante contrapartida em dinheiro.

2. Com efeito, é essa a base do negócio explorado naquele local sendo daí que advêm os lucros daquele estabelecimento, que se encontra arrendado a KK..., proprietário do imóvel.

3. O arguido A... celebrou com KK... , dois contratos de arrendamento do referido estabelecimento, sendo um por volta do ano de 2003/2004 em seu nome pessoal e outro no ano de 2006, em nome da arguida Associação, mas por si subscrito, implicando o pagamento mensal de uma renda diferenciada para o rés-do-chão, onde se situava a boîte e para o primeiro andar, que continha quartos/fracções habitacionais.

4. Assim, são pagos 500 € mensais pelo rés-do-chão e 200 € por cada uma das duas fracções habitacionais do primeiro andar.

5. Os pagamentos quase sempre feitos em dinheiro, mas também ocasionalmente em cheque, inicialmente eram efectuados pelo arguido A... e desde desta exacta não apurada, mas em todo o caso ocorrida há 2 ou 3 anos, pela arguida B... , que com o primeiro vivia maritalmente.

6. A exploração desse estabelecimento, que era conhecido e referido também pelo antigo nome de “ K... ”, e de outros com características similares, desde data exacta não apurada, mas em todo o caso próxima da primeira das mencionadas em 3. era, factualmente, do arguido A... , sendo toda a actividade daquele gerida e orientada por si, mesmo que não compareça com frequência no estabelecimento, contando com a participação activa e ajuda nessa actividade de gestão, desde data exacta não apurada da arguida B... “ B... ”.

7. Na verdade, B... desde data exacta não apurada coadjuvava activamente o arguido A... na actividade diária de gestão do estabelecimento, como caixa/recepcionista mas também como gerente de facto, sendo ela quem, na ausência do arguido A... controlava o funcionamento diário do referido estabelecimento.

8. C... , por vezes auxiliava no dito estabelecimento desde data e até data exacta não apurada, funcionando como porteiro, entregando e recebendo cartões de consumo, o que fez número exacto de vezes não apurado.

9. Tanto o arguido A... como a arguida B... desde data exacta não apurada faziam da exploração do dito estabelecimento e de outros que na zona Centro do país o arguido A... chegou a explorar a sua principal forma de obtenção de rendimento, daí obtendo o grosso dos seus rendimentos mensais, já que era em tal exploração que eram vistos diariamente.

10. No referido estabelecimento, como em todos os outros do género funcionava um sistema mais ou menos regular de rotatividade das mulheres, que circulavam por várias casas do género, umas exploradas pelo próprio A... e outras por terceiros, tanto por força de contactos que o mesmo arguido A... tinha no ramo tendo por referência as necessidades de cada uma das casas, como porque as próprias mulheres conhecedoras dos estabelecimentos, passam palavra umas ás outras e se voluntariam para trabalhar ora aqui ora ali, consoante os seus próprios interesses financeiros e necessidade ou não de transporte e alojamento, todos visando obter o maior lucro possível de todos, como ocorre genericamente nesta área de actividade.

11. Por motivos e com finalidades exactas não apuradas, no dia 24 de Março de 2006, no Cartório Notarial (...) , sito em Coimbra, foi constituída a arguida Associação, comparecendo como outorgantes e sócios fundadores os arguidos A... e C... e ainda Q... , tendo a “Associação D... ”, sem fins lucrativos, como objecto: a) Proporcionar momentos de lazer aos associados; b) Organizar conferências, seminários e sessões de esclarecimento aos associados sobre lazer, convívio e práticas lúdicas; c) Organizar eventos para que os associados interajam entre si.

12. Ficou a constar que a entrada apenas seria permitida a sócios da “Associação” arguida, com a competente emissão de cartões e a sua exibição à porta.

13. Durante período exacto não apurado, mas em todo o caso situado apenas no ano da constituição acabada de mencionar, foram emitidas fichas de associados e os cartões correspondentes e apostas nalguns deles vinhetas comprovativas de pagamentos de quotas

14. Relativamente a esse ano existiram pastas organizadas com fichas de pagamento de quotas com os nomes dos “sócios”, embora muitas delas contenham apenas fichas de “sócios” relativamente ao ano de fundação da associação (2006) e sem qualquer rigor no que diz respeito aos respectivos nomes, já que os mesmos eram referidos, muitas vezes, por alcunhas ou pelo primeiro nome (“nikeneim”, significando “nickname” (alcunha, em inglês).

15. Mesmo assim, apesar de conterem um espaço para a assinatura dessas fichas pelo presidente, a quase totalidade das fichas não se encontra assinada e, em grande parte delas, apenas uma quota referente a um mês se indicava como paga, sendo ainda certo que os valores a título de “quotas” variavam de “sócio” para “sócio”, tanto pagando um euro num mês, 5 euros noutros ou 100 euros noutros.

16. Apesar de não constar dessas pastas a ficha do sócio n.º 1, sendo as seguintes correspondiam os arguidos C... e B... , seguindo-se QQ... .

17. A 9 de Outubro de 2008 as referidas pastas continham 2100 fichas relativas ao mesmo número de “sócios”.

18. As fichas de sócios referidas que se encontravam assinadas pelo Presidente continham a assinatura do arguido A... .

19. Na prática, pelo menos passado pouco tempo sobre a constituição da Associação, não obstante a mesma e o processado que se tem vindo a referir, qualquer pessoa ali passou a poder entrar normalmente, como em qualquer outro estabelecimento comercial, excepção feita às autoridades quando não munidas de autorização legal para a entrada no estabelecimento, tudo se passando como se a arguida Associação não existisse e sendo tratado quem ali se dirigia e pretendia entrar como clientes e colaboradores do estabelecimento, a quem era entregue um cartão de consumo à entrada e exigida a sua exibição com prova de pagamento à saída.

20. De facto, o estabelecimento em causa, conforme já referido, é composto por dois andares distintos sendo que no rés-do-chão funciona o Bar, onde são levadas a cabo as actividades de alterne enquanto que no primeiro andar, cujo acesso é feito por escadas laterais exterior, se situam os quartos onde permanecem alojadas algumas mulheres que não têm residência na zona, durante o período em que no bar “prestam funções”, mediante uma contrapartida monetária fixa diária, de montante exacto não apurado ao longo do tempo, mas que no ano de 2007 se situava em 5 €.

21. As mulheres que trabalham no bar, em actividades de alterne, quando o pretendem, mantêm relações sexuais com clientes, nos quartos situados no 1º andar, a troco de dinheiro, mediante contrapartida monetária para a arguida “Associação”, de conteúdo exacto não apurado, mas que, no ano de 2007, se situava em 10 €, e seus gestores de facto, daí retirando parte dos lucros da actividade desenvolvida no local.

22. Também na actividade de alterne, uma parte do preço das bebidas consumidas revertia para a casa e o restante para a alternadeira, sendo que, no ano de 2007, tal proporção era de 50% para cada.

23. Tal dinheiro esse que revertia para os arguidos, funcionando como parte dos lucros auferidos com a exploração do estabelecimento e inserido nas actividades levadas a cabo naquelas divisões.

24. Cada mulher que pretendesse sair para o andar de cima com um cliente para com ele praticar relações sexuais, deslocava-se ao balcão previamente, onde o cliente pagava a conta e era anotada a subida, pagando depois o cliente o custo do acto sexual, na altura mencionada de montante exacto não apurado, mas em todo o caso aproximadamente de 30 €, directamente à mulher, havendo depois um encontro de contas entre esta e a casa.

25. Em média trabalhavam na K... / “Associação D... ” número variável de mulheres, mas que nas alturas de maior afluência podiam chegar às 15 a 20 mulheres.

26. Todas as mulheres trabalhavam no salão – com bar e discoteca – situado no rés-do-chão, conversando com os clientes, dançando, aliciando-os a beberem e a pagarem-lhes a elas próprias uma bebida, sendo que número exacto não apurado delas combinavam com os clientes, por iniciativa de um ou de outro as subidas aos quartos, a fim de manterem relações de sexo em troca de dinheiro, nas condições supra mencionadas.

27. A 7 de Abril de 2005 foi levada a cabo uma fiscalização por parte do SEF ao então denominado “ K... ”, tendo aí sido detectadas catorze mulheres, entre as quais a arguida B... , sendo apenas uma de nacionalidade portuguesa, sendo as restantes de nacionalidade brasileira.

28. Essas cidadãs estrangeiras foram identificadas como sendo: B... , à data destes factos em avançado estado de gravidez; X... ; Y... ; Z... ; AA... ; W... ; BB... ; CC... ; DD... ; EE... ; L... ; FF... e GG...

29. Dessas treze cidadãs estrangeiras, seis encontravam-se em situação ilegal, sendo dessas seis cinco detidas e uma notificada para abandono voluntário do território nacional.

30. No dia 26 de Maio de 2006, foi apurado em vigilância ao estabelecimento, que às 23H46 saíram dois indivíduos, um do sexo masculino e outro do sexo feminino do interior das instalações da boîte, tendo para o efeito utilizado a porta principal de acesso à casa nocturna. Este casal deslocou-se imediatamente para a sua direita, subindo as escadas laterais localizadas à direita do imóvel e entraram de seguida por uma porta de acesso ao 1º andar. Exactamente à mesma hora, um outro casal desceu as escadas localizadas à esquerda do imóvel e entraram imediatamente nas instalações da boîte, através da porta principal. Pelas 23H51 sai um casal do interior da boîte, pela porta principal e sobe as escadas laterais localizadas à direita do imóvel e entraram de seguida por uma porta de acesso ao 1º andar. Pelas 23H52 um casal desce as escadas localizadas à esquerda do imóvel e entraram imediatamente nas instalações da boîte, através da porta principal. Pelas 23H58 um casal sai do interior da boîte, pela porta principal e sobe as escadas laterais localizadas à esquerda do imóvel e entraram de seguida por uma porta de acesso ao 1º andar. Pelas 00H05 um casal sai do interior das instalações da boîte, tendo para o efeito utilizado a porta principal de acesso à casa nocturna. Este casal deslocou-se imediatamente para a sua direita, subindo as escadas laterais localizadas à direita do imóvel e entraram de seguida por uma porta de acesso ao 1º andar. Pelas 00H07 um casal desce as escadas localizadas à esquerda do imóvel e entra imediatamente nas instalações da boîte, através da porta principal. Pelas 00H22 um casal desce as escadas localizadas à direita do imóvel e entra imediatamente nas instalações da boîte, através da porta principal. Pelas 00H24, um casal sai do interior da boîte, pela porta principal e sobe as escadas laterais localizadas à esquerda do imóvel e entraram de seguida por uma porta de acesso ao 1º andar. Pelas 00H38, um casal desce as escadas localizadas à esquerda do imóvel e entra imediatamente nas instalações da boîte, através da porta principal. Pelas 01H17, um casal sai do interior das instalações da boîte, tendo para o efeito utilizado a porta principal de acesso à casa nocturna. Este casal deslocou-se imediatamente para a sua direita, subindo as escadas laterais localizadas à direita do imóvel e entraram de seguida por uma porta de acesso ao 1º andar. Pelas 01H32, um casal sai do interior das instalações da boîte, tendo para o efeito utilizado a porta principal de acesso à casa nocturna. Este casal deslocou-se imediatamente para a sua direita, subindo as escadas laterais localizadas à direita do imóvel e entraram de seguida por uma porta de acesso ao 1º andar. Pelas 01H36, um casal sai do interior das instalações da boîte, tendo para o efeito utilizado a porta principal de acesso à casa nocturna. Este casal deslocou-se imediatamente para a sua direita, subindo as escadas laterais localizadas à direita do imóvel e entraram de seguida por uma porta de acesso ao 1º andar. Pelas 01H43 um casal desce as escadas localizadas à direita do imóvel e entra imediatamente nas instalações da boîte, através da porta principal. Exactamente à mesma um casal sai do interior das instalações da boîte, tendo para o efeito utilizado a porta principal de acesso à casa nocturna. Este casal deslocou-se imediatamente para a sua direita, subindo as escadas laterais localizadas à direita do imóvel e entraram de seguida por uma porta de acesso ao 1º andar. Pelas 01H48 o um casal desce as escadas localizadas à direita do imóvel e entra imediatamente nas instalações da boîte, através da porta principal. Exactamente à mesma hora um segundo casal sai do interior das instalações da boîte, tendo para o efeito utilizado a porta principal de acesso à casa nocturna. Este casal deslocou-se imediatamente para a sua esquerda, subindo as escadas laterais localizadas à esquerda do imóvel e entraram de seguida por uma porta de acesso ao 1º andar. Pelas 01H52 um casal sai do interior das instalações da boîte, tendo para o efeito utilizado a porta principal de acesso à casa nocturna. Este casal deslocou-se imediatamente para a sua direita, subindo as escadas laterais localizadas à direita do imóvel e entraram de seguida por uma porta de acesso ao 1º andar. Pela 01H56 um casal desce as escadas localizadas à direita do imóvel e entra imediatamente nas instalações da boîte, através da porta principal. Pelas 02H01 um casal sai do interior das instalações da boîte, tendo para o efeito utilizado a porta principal de acesso à casa nocturna. Este casal deslocou-se imediatamente para a sua esquerda, subindo as escadas laterais localizadas à esquerda do imóvel e entraram de seguida por uma porta de acesso ao 1º andar. À mesma hora um casal sai do interior das instalações da boîte, tendo para o efeito utilizado a porta principal de acesso à casa nocturna. Este casal deslocou-se imediatamente para a sua direita, subindo as escadas laterais localizadas à direita do imóvel e entraram de seguida por uma porta de acesso ao 1º andar.

31. Durante essa vigilância foram observados inúmeros carros de clientes estacionados no parque de estacionamento.

32. No âmbito de uma acção de fiscalização levada a cabo pelo SEF a 16 de Fevereiro de 2007, foram encontrados: na caixa registadora, localizada dentro do balcão do Bar, cento e quarenta e cinco euros;

33. Na carteira pertencente a B... ; seiscentos e quinze euros; Um caderno com a inscrição “Basic Black”, contendo anotações manuscritas de receitas do Bar/Associação, no valor de 322 €, despesas de 225 € no dia da semana de 4ª feira, constando ainda das mesmas quantias relativas a “caixa”, no valor de 447,7 €; “copo”, no valor de 95 € e outras despesas designadas “DE S.”, no valor de 130 € e ainda receitas cobradas às mulheres com a expressão “diária” no valor de 100 €, constando ainda desse caderno anotações manuscritas de contas referentes às mulheres que ali trabalhavam, sendo estas referidas pelos nomes próprios ou artísticos: “ RR... 10 €”; “ SS... 10 €”; “ TT... 10 €”; “ UU... 10 €”; “ VV... 10 €”; “ XX... 10 €”; “ WW... 10 €”, “ YY... 10 €”; “ ZZ... 10 €” e “ AAA... 10 €” num total de 100 €; Um talão de depósito do Banco Millenium BCP, em numerário, no valor de 1000 €, datado de 27 de Abril de 2006, depositado na conta do arguido A... ; Um folheto publicitário contendo no verso anotações manuscritas de contas referentes a mulheres referidas pelos nomes próprios ou artísticos: BBB... = pago”; CCC... = pago 5 €”; “ YY... 15 €”; “ EEE... = pago”; “ SS... = pago”; “ AAA... = pago”; “ WW... ”, “ VV... ”, “ GGG... ” e “ B... = pago”, no valor total de 155 €; valores esses com conteúdo e alcance exacto não apurado.

34. Numa carteira de mulher cuja propriedade não foi concretamente apurada foram encontrados sete preservativos da marca “Millione”; sete preservativos da marca “Control”; um tubo de gel lubrificante de marca “Bioglide”; um pacote e toalhitas de marca “Pingo Doce” e um kit de lençóis descartáveis de marca “Arlibe”;

35. Na carteira pertencente à cidadã brasileira MMM... foram encontrados seis preservativos da marca “Millione” e um pacote de toalhitas de marca “Pingo Doce”;

36. No interior de um sofá situado na área adjacente às casas de banho foram encontrados dois preservativos da marca “Millione”;

37. No interior de uma carteira de cor preta cuja propriedade não foi concretamente apurada e encontrada na sala de jogos foram encontrados dois tubos de gel lubrificante de marca “KY Jelly”; um pacote de toalhitas de marca “Eco+”; treze preservativos da marca “Unidus” e cinco preservativos de marca “Million”;

38. Na cozinha foram encontradas duas caixas de preservativos de marca “Millione” contendo cada uma cento e quarenta e quatro preservativos, num total de 288 preservativos e uma caixa de preservativos de marca “Amut”, contendo cento e quarenta e quatro preservativos;

39. Na carteira pertencente à cidadã brasileira DDD... foram encontrados três talões de depósito em numerário do Banco “BES”, um datado de 23-01-2007 e os outros de 13-02-2007, respectivamente, com os valores de novecentos e sessenta euros, de duzentos euros e de oitocentos euros, todos eles depositados na conta de DDD... ;

40. Na carteira pertencente à cidadã brasileira EEE... foram encontrados dez preservativos da marca “Romantic”; cinco preservativos da marca ”Amut”; um tubo de gel lubrificante de marca “KY”; um talão de depósito em numerário do Banco “BES”, datado de 30-01-2007, no valor de quatrocentos euros, depositado na conta de EEE... ; um talão de depósito em numerário do Banco “BES”, datado de 13-02-2007, no valor de duzentos e dez euros, depositado na conta de NNN... por EEE... e ainda um pacote de toalhitas da marca “Pingo Doce”;

41. Nos quartos existentes nas instalações onde se situa a “Associação D... ” foram apreendidos: no quarto n.º 1, sito no primeiro andar, habitado pela cidadã portuguesa I... , uma agenda com a designação “Agenda Condor”, referente ao ano de 2005 contendo diversas anotações manuscritas relativas a receitas diárias auferidas no estabelecimento “ K... /Associação D... ” no período compreendido entre 10 de Agosto e 9 de Dezembro e ainda cinquenta e três preservativos, dos quais cinquenta e um eram da marca “Million”, um de marca “prevex” e outro de marca “Due”;

42. No quarto n.º 2, sito no primeiro andar, habitado pela cidadã brasileira YY... , duas caixas de preservativos de marca “Million”, contendo cada uma doze unidades e uma caixa de preservativos da marca “Unidus”, contendo doze unidades;        43. No quarto n.º 3, sito no primeiro andar, habitado pela cidadã brasileira DDD... , cento e trinta e um preservativos de marca “Million” e cinco de marca “Unilatex”;

44. No quarto n.º 4, sito no primeiro andar, habitado pelas cidadãs brasileiras EEE... e FFF... , cento e seis preservativos de marca “Million”, quinze da marca “Romantic”, duas embalagens de toalhitas de limpeza de marca “Pingo Doce” e uma agenda com a designação “Topics”, contendo diversas anotações manuscritas relativas, essencialmente, a receitas diárias auferidas no período compreendido entre 1-01-2007 e 31-01-2007, perfazendo um total de 2.200 € e ainda referente ao período compreendido entre 01-02-2007 a 14-02-2007;

45. No quarto n.º 5, sito no primeiro andar, habitado pela cidadã brasileira II... , um impresso de depósito em numerário do Banco “BES”, datado de 30-01-2007, no valor de trezentos euros, onde figura o nome dessa cidadã, oitenta e três preservativos da marca “Million”, oito de marca “Unilatex”, dez de marca “Preventor” e um de marca “Zigzag”;

46. No quarto n.º 6, sito no primeiro andar, habitado pela cidadã brasileira GGG... , cem preservativos de marca “Amut” e dez de marca “Million”.

47. O arguido C... , na ocasião dessas diligências foi identificado pela entidade que efectuou a busca como gerente/porteiro e assinou o auto correspondente.

48. Nessa ocasião, foi verificado que grande parte das mulheres que ali se encontravam a trabalhar para lá da cidadã portuguesa I... Geraldes Filipe, as seguintes cidadãs de nacionalidade brasileira: YY... ; DDD... ; EEE... ; FFF... ; II... ; GGG... ; HHH... ; III... ; JJJ... ; LLL... .

49. YY... e FFF... foram detidas por permanência ilegal no território nacional.

50. DDD... e LLL... estavam em situação irregular no território nacional pelo que foram notificadas nessa data para abandonar voluntariamente o nosso país.

51. HH... nasceu a 21.2.1991.

52. Desde data não concretamente apurada mas que em todo o caso é de cerca de 4 meses e se situa durante o Verão de 2007 a referida HH... trabalhou como alternadeira no bar denominado x..., sito em (...) e na altura também explorado pelo arguido A... em termos em tudo semelhantes aos anteriormente referidos, mas sem que nas proximidades existissem acomodações relacionadas com a prática de actos sexuais, muito embora dotado de reservados, tendo sido começado a trabalhar naquele local em condições exactas não apuradas.

53. Foi encontrada naquele local e identificada, na altura de uma intervenção policial levada a cabo no dito estabelecimento em Dezembro de 2007, sendo que, pelo menos nessa altura foi sabido que a mesma à data tinha apenas 16 anos de idade.

54. Por causa dessa circunstância em data exacta não apurada, mas em todo o caso posterior à acabada de mencionar, falou com o arguido A... e ambos reconheceram que a mesma não poderia continuar a trabalhar naquele local, tendo-lhe ele dito que se quisesse, ela poderia ir trabalhar “no K... ”, bar esse que ela já conhecia, sabendo também, por ouvir dizer, que ali se praticava a prostituição.

55. Não falaram exactamente sobre as funções que a mesma desempenharia no local, mas ele explicou que o bar era diferente, que ali se exercia alterne mas também prostituição e disse-lhe que ela era livre de fazer como entendesse.

56. A HH... aceitou exercer funções de alternadeira no referido local, mas apenas ali esteve a trabalhar uma noite, porque não lhe agradou o sítio, nem a clientela, desconhecendo-se se voltou, ou não a trabalhar nesta área.

57. No dia 9 de Outubro de 2008, em cumprimento de mandados de busca e apreensão emitidos pelo Tribunal Judicial de Ansião no âmbito do Inquérito n.º 309/07.2GAANS foi levada a cabo pela GNR uma busca à “Associação D... ” tendo sido apurado que ali se encontravam diversos clientes e a trabalhar as seguintes mulheres, todas de nacionalidade brasileira: B... (arguida nos autos); MM... ; NN... ; OO... ; PP... .

58. A arguida B... , nessa madrugada, encontrava-se ao balcão a controlar a gestão do estabelecimento, tendo sido encontrada, dentro da sua mala pessoal, uma carteira de homem onde se encontravam diversos documentos pessoais do arguido A... entre os quais um talão de multibanco, um cartão de sócio da arguida D... , um talão de levantamento do BPN; uma comunicação de cliente do BPN e um extracto de movimento do Millenium BCP.

59. No âmbito dessa acção de fiscalização foram apreendidos diversos objectos em diversos locais do edifício onde funciona a boîte e nos quartos supra mencionados.

60. Assim: No hall de entrada foram apreendidos uma pasta de argolas, formato A4 de cor castanha, contendo no seu interior sete cartões de consumo já pagos e com ticket de caixa registadora agrafado bem como vários modelos de proposta para sócio, encontrando-se alguns preenchidos e outros em branco; cartões de sócio, uns preenchidos e outros em branco que se encontravam numa pequena mesa; 56 cartões de consumo em branco sobre a aludida mesa;

61. No interior do bar onde a arguida habitualmente trabalhava, mas onde por vezes também estavam outros indivíduos, encontrava-se uma caixa de cartão contendo diversos cartões de sócio; seis pastas A4 de cor verde contendo identidades e pagamentos de quotas de sócios e um pedaço de cabo eléctrico com uma pega na extremidade, tipo bastão;

62. Por detrás do balcão de atendimento e perto da caixa registadora, dez cartões de consumo em branco e três cartões de consumo pagos; dois preservativos da marca “Jumper” dentro de uma gaveta; uma carta da Câmara Municipal de (...) endereçada ao arguido A... e enviada para a sede da arguida “ D... ”; dentro de um copo em cima da bancada por detrás do balcão estava um BI de S... e dois cartões de sócio e um cartão multibanco de V... ;

63. Dentro de uma bolsa pertencente a MM... foram encontrados catorze preservativos;

64. Num compartimento lateral foram encontradas duas bolsas contendo no seu interior diversos artigos, incluindo toalhetes e preservativos, que estavam no chão; um saco de plástico que se encontrava pendurado junto aos casacos contendo diversos artigos incluindo toalhetes e preservativos; uma bolsa contendo diversos artigos incluindo toalhetes e preservativos que estava sobre uma mesa atrás da porta;

65. No primeiro quarto do lado esquerdo, foi encontrada uma caixa de preservativos vazia sobre uma das camas;

66. No segundo quarto foram apreendidos quatro preservativos e uma embalagem de toalhetes que se encontravam dentro de uma bolsa no armário;

67. Num quarto que se situava na extremidade da cozinha foi apreendida uma caixa em cartão que se encontrava dentro do armário contendo no seu interior diversos preservativos;

68. No quarto seguinte foi encontrado um preservativo usado que se encontrava no chão;

69. Num outro quarto foi apreendida, dentro de uma mala que se encontrava debaixo de uma cama, um saco plástico contendo preservativos;

70. Na segunda cozinha bem como numa dependência anexa á mesma foi encontrada uma grande quantidade de toalhas e lençóis usados;

71. Na lareira dessa cozinha foram encontrados vários preservativos usados, lenços de papel e toalhetes sujos;

72. O objecto apreendido no interior do bar (um pedaço de cabo eléctrico com uma pega na extremidade, tipo bastão), submetido a exame, apurou tratar-se de um cabo eléctrico de cor preta, com 67 cm de comprimento e 1,5 cm de diâmetro, contendo uma das pontas envolta com fita isoladora de cor cinzenta clara numa porção de 7 cm, fixando uma pega em nylon de cor vermelha com os dizeres “É possível com Smirnoff”, com o intuito de servir de punho e respectiva alça, tratando-se de arma da classe A.

73. Embora não tenham sido apreendidos tais objectos, foram observados e fotografados no espaço físico da boîte um conjunto grande toalhas e lençóis com uma factura em nome de B... .

74. No automóvel de matrícula (...) BB, pertencente ao arguido A... foi apreendido um cartão de consumo com talão que se encontrava na porta do lado direito; uma carta verde do veículo (...) NB e ainda um talão de extracto de movimento do BCP, que se encontrava no porta-luvas.

75. No dia 20 de Fevereiro de 2009, em cumprimento de mandados de busca e apreensão emitidos pelo Tribunal Judicial de Pombal, foi levada a cabo pela Polícia Judiciária e SEF uma busca à “Associação D... ” tendo sido apurado que ali se encontravam diversos clientes e a trabalhar as seguintes mulheres, todas de nacionalidade brasileira: G... ; OOO...; PPP...; QQQ...; RRR...; SSS...; TTT...; UUU...; VVV....; a arguida B... ; WWW....; JJ... .

76. WWW.... e JJ... foram detidas nessa ocasião por permanência ilegal no território nacional porquanto não dispunham de vistos ou autorizações de autorização válidos.

77. Nessa ocasião foi igualmente apurado que G... se encontrava a ter relações sexuais com H... a troco de dinheiro, sendo que parte dele revertia para a arguida “Associação” e para os arguidos A... e B... .

78. Número exacto não apurado de cidadãs brasileiras referidas bem como algumas cidadãs portuguesas encontradas no “ K... / D... ”por ocasião das acções policiais levadas a cabo, mas pelo menos em número de três (entre elas se contando a mencionada G... e I... ) dedicavam-se, não só a acompanhar os clientes na boîte, já na parte final dos factos descritos e após a criação da arguida Associação, praticando “alterne” e aí trabalhando, mas também a praticar com eles nos quartos existentes, mediante o pagamento dos preços acima referidos, relações sexuais.

79. A contrapartida destas acções era dinheiro, objectivo que os arguidos A... , B... e a “Associação” visavam, permitindo tais tarefas a respectiva subsistência e a continuação da exploração da “casa”.

80. Como forma de melhor prosseguir as suas actividades tendentes ao lucro no âmbito da sua actividade de gestão da arguida “Associação D... ”, o arguido A... utilizava, pelo menos entre os meses de Junho e Setembro de 2008, um telemóvel com o número (...) e através do mesmo contactava e era contactado, sempre que havia necessidades de transporte e colocação de mulheres a trabalhar no estabelecimento que geria, sempre que era necessário dar indicações sobre a gestão efectiva daquela boîte e sempre que necessitava de confirmar e convidar mulheres para os seus desígnios lucrativos, actividades que realizava mesmo que fisicamente ausente das instalações da Associação.

81. Assim, no dia 20 de Junho de 2008, foram solicitadas instruções ao arguido A... por um indivíduo não concretamente apurado mas que seria um seu colaborador na boîte, a fim de saber a que horas poderia ir buscar mulheres a Coimbra para as trazer para as instalações da “Associação D... ”, indicada como situada em baixo, por oposição a cima, que significava outra casa de alterne em (...) , a fim de aí trabalharem e praticarem actos de prostituição.

82. No dia 23 de Junho de 2008 o arguido A... , tendo previamente combinado com um indivíduo cuja identidade não foi concretamente apurada a distribuição de mulheres, deu instruções sobre a colocação de cinco mulheres estrangeiras que chegariam de Lisboa para trabalhar para si nas instalações da “Associação D... ”.

83. Sabia que pelo menos algumas das aludidas mulheres praticavam actos de prostituição, actividade que designava também por “fazer quartos” tendo para o efeito falado com um seu empregado de identidade não concretamente apurada, dando-lhes instruções para colocar as aludidas mulheres todas num quarto por cima das instalações da Associação a pernoitar depois de trabalharem nessa noite nesse local.

84. No dia 25 de Junho de 2008, o arguido A... determinou que um seu colaborador fosse buscar duas mulheres de nacionalidade estrangeira a Coimbra a fim de as colocar a trabalhar na “Associação D... ”, referida ainda pelo antigo nome de “ K... ”, fazendo, após, a distribuição dessas e de outra mulher da forma entendida como mais rentável para si próprio e para a “Associação D... ”, que representava.

85. No dia 1 de Julho de 2008, o arguido A... recebeu uma mensagem telefónica de texto proveniente do n.º (...) no seu telemóvel n.º (...) com o seguinte teor “Queres mais miúdas ai para o K...”.

86. No dia 7 de Julho de 2008, o arguido A... recebeu um telefonema avisando-o de que deveria pagar a luz da arguida “Associação”.

87. Nos dias 7 e 14 de Julho de 2008, o arguido A... , através de telefonemas, convidou duas mulheres de nacionalidade brasileira para trabalharem para si nas instalações da arguida “Associação D... ”, dizendo que a casa estava a rebentar pelas costuras e que se ganhava rios de dinheiro, tendo sido informado que uma dessas mulheres que trabalhava para si era conhecida e que tinha vindo do Brasil directamente para a “Associação D... ” trabalhar para o arguido.

88. No dia 9 de Julho de 2008, o arguido A... , no intuito de potenciar a sua actividade lucrativa de exploração da prostituição e de mão-de-obra ilegal e sendo certo que um dos seus colaboradores não poderia trabalhar nessa noite, tomou a iniciativa de ir buscar mulheres e “fazer a volta” com as mesmas pelas suas casas, incluindo a “Associação D... ”.

89. Nos dias 14 e 30 de Julho de 2008, o arguido A... , combinou com um indivíduo não concretamente apurado, ir buscar mulheres a Lisboa e ao Algarve a fim de as colocar a trabalhar na “Associação D... ” e ainda receber cinco mulheres, mediante pagamento de quantia ao transportador na “Associação D... ”.

90. Nos dias 22, 23 e 25 de Julho de 2008, o mesmo arguido encetou conversa telefónica com uma sua colaboradora de nacionalidade brasileira, de nome N... , a propósito das declarações que esta prestaria na Polícia sobre as suas actividades, tendo-lhe dito que dissesse que não sabia de nada.

91. Referiu o resultado de uma diligência em Tribunal em que esteve presente, em Coimbra, tendo aí uma mulher de nome AQ... prestado declarações, tendo o arguido dito que essa mulher não referiu nessa diligência que se faziam as denominadas “saídas”.

92. No dia 7 de Agosto de 2008 o arguido A... efectuou um telefonema para uma mulher com sotaque brasileiro, convidando-a para ir trabalhar para o “ K... /Associação D... ”, tendo sido informado que uma outra mulher, de nome AR..., também iria trabalhar juntamente com aquela mulher para as instalações da arguida Associação, tendo-lhe sido transmitido, por essa primeira mulher, que teria de pagar uma multa do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no valor de 600 €, pelo que teria de juntar dinheiro.

93. O arguido referiu-lhe que caso fizesse “subidas” no K... ganharia mais dinheiro, afirmando que seria melhor ir para a boîte “ K... /Associação D... ”, onde teria ela própria e a sua amiga AR... lugar para ficar, determinando-lhe que ficaria naquele estabelecimento, pois o mês de Agosto era muito bom, disponibilizando-se ainda para as ir buscar onde se encontrassem.

94. Pretendiam os arguido A... e B... os arguidos explorar, visando o lucro, a actividade de alterne bem como a prostituição levada a cabo pelas mulheres que a ela estavam dispostas a dedicar-se, dando alojamento às que dele necessitavam, mediante uma contrapartida diária e providenciando a algumas delas transporte, quando tal se revelava necessário.

95. Sabiam os arguidos que nessa actividade actuavam também no interesse e em nome da “Associação D... ”, utilizada pelo menos a partir de determinada altura exclusivamente com o intuito de obter os proventos resultantes das actividades de alterne e prostituição.

96. Os arguidos B... e A... obtiveram, assim, desde pelo menos o ano de 2004 data exacta não apurada, mas em todo o caso contida dentro dos períodos supra mencionados, vantagens patrimoniais não exactamente quantificadas para além do que supra se deixou dito, decorrente também das quantias monetárias que recebiam por cada acto sexual que as mulheres que a tal se dedicavam praticavam com os clientes do aludido estabelecimento sendo que os montantes que foram arrecadando permitiam-lhes fazer face às suas despesas correntes e do respectivos agregados familiares, bem como adquirir bens de mais elevado de características exactas não apuradas.

97. Os arguidos B... e A... agiram de forma livre, voluntária e consciente, dirigindo e coordenando, desde data exacta não apurada, mas pelo menos situada no ano de 2004 até à data da última das fiscalizações supra mencionadas, as actividades referidas bem sabendo que fomentavam a prática da prostituição com o propósito bem delineado e concretizado de obter proventos económicos.

98. Desde data exacta não apurada mas ocorrida pelo menos no ano de 2006 ou 2007 e passado algum tempo sobre a data da Constituição da arguida Associação, actuaram também os referidos arguidos: aquele da qualidade de sócio fundador e seu “indigitado presidente” e a arguida B... enquanto colaboradora do mesmo com responsabilidades de facto na gestão do estabelecimento explorado em nome daquela, em concertação, no interesse e em representação desta, pois, pelo menos nessa altura, não obstante a constituição formal da referida sociedade com finalidades exactas não apuradas, passaram a usá-la na senda do que já antes vinham fazendo, dela se servindo para prosseguirem aquelas actividades ilícitas, visando sempre maximizar o lucro através da exploração da prostituição.

99. No ano de 2009, o arguido A... declarou fiscalmente rendimentos de trabalho dependente, indicando como entidade patronal “ AS..., Ldª”.

100. Por decisão transitada em julgado, arguido A... , foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 5 anos.

101.     Tal pena foi considerada extinta por decisão datada de 2.7.2004.

102.     Por decisão transitada em julgado e datada de 9.12.2004 foi condenado pela prática em 3-2002 de um crime de lenocínio, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.

103.     Tal pena foi declarada extinta, por datada de 24.9.2008.

104.     Às arguidas B... e Associação D... não são conhecidos antecedentes criminais.

105. O estabelecimento em causa nos autos gira agora com a denominação KW..., explorado por pessoa concreta não identificada e com contornos exactos não apurados, mas em todo o caso aparentemente sem envolvimento de qualquer dos arguidos nos autos, o que ocorre desde data exacta não apurada após os factos supra dados como provados.

106. Durante os factos supra mencionados as mulheres que exerciam funções no estabelecimento eram tratadas com cordialidade e simpatia, sendo livres na sua actuação e sem que sobre elas fosse exercido qualquer tipo de violência.

(…)”.

B) Nele foram considerados não provados os seguintes factos:

“ (…).

Não se provaram quaisquer outros factos para lá dos acabados de descrever.

            Em especial, não se provou:

- Que a moradia tenha outras características que não as que se dão como provadas;

- Qualquer dos arguidos tenha actuado de modo livre, deliberado e consciente, de qualquer outra forma, com outros contornos, intenções específicas, consequências ou finalidades que não aquelas que supra se deram como provadas;

- Que outras mulheres, com outros contornos, finalidades ou compensações concretas não apuradas tenham estado envolvidas em actos efectivos de prostituição para além daquelas que se deram como provadas;

- Que logo ao criarem a arguida Associação qualquer dos arguidos tivesse a específica intenção mencionada na acusação ou qualquer outra de conteúdo exacto apurado, para além do que a esse respeito se dá como provado;

- Que o arguido C... alguma vez tenha dominado o funcionamento do estabelecimento mencionado nos factos provados ou nele levado a cabo qualquer outra actividade para além da que se dá como provada;

- Que os arguidos actuando de modo voluntário livre e consciente facilitassem a vinda, trânsito e trabalho de mulheres em situação ilegal em Portugal com qualquer específica intenção própria;

- Que o arguido A... ou qualquer outro tivesse efectivo conhecimento de que qualquer das mulheres que empregava se encontrava em situação ilegal;

- Que fosse a arguida B... ou qualquer outra pessoa com identidade concreta apurada que detivesse efectivamente o objecto encontrado nas instalações da associação e mencionado nos factos provados, com as intenções mencionadas na acusação ou quaisquer outras concretamente apuradas;

- Que o arguido A... tivesse aliciado efectivamente HH... a praticar actos sexuais mediante contrapartida económica, sabendo que a mesma tinha 16 anos de idade e por via disso não tinha discernimento para dar consentimento livre e esclarecido àquele tipo de actos;

- Que os factos que envolveram tal arguido e a referida HH... tivessem tido outros antecedentes, contornos, consequências ou intenções que não as que se dão como provadas;

- Que qualquer dos arguidos tenha, conjuntamente com terceiros ou de forma conjugada entre si, para além do que se dá como provado, actuado de forma concertada, organizada, previamente pensada, para além do que a esse respeito se considerou como provado;

- Que os arguidos hajam auxiliado de qualquer forma à entrada ilegal de mulheres estrangeiras, ou coadjuvado a sua permanência no País, nessa situação, sabendo que tal ilegalidade existia;

- Que conhecessem a situação de ilegalidade das mulheres que trabalhavam no estabelecimento nas ocasiões dadas como provadas e que tenham apesar disso decidido contratá-las; que o arguido A... tenha apresentado demissão do cargo de Presidente da Associação arguida em Novembro de 2008 ou em qualquer outra data; que tenha sido impedido de frequentar as respectivas instalações ou de manter qualquer contacto com as pessoas ligadas à mesma;

- Que tenha sido reeleito em Assembleia-Geral realizada em 30 de Março de 2008 ou em qualquer outra.

(…)”.

C) E dele consta a seguinte motivação de facto:

“ (…).

A convicção do Tribunal formou-se, no que aos factos provados respeita, com  base nos elementos documentais juntos aos autos e respectivos apensos, designadamente: certidão de fls. 561 e segs.; Apenso composto por cópias dos recibos de rendas; Anexo 1, referente ao licenciamento do estabelecimento e características do imóvel; informações de fls. 453 e segs.; fls. 32 a 38 e 31 do Inq. 30/08.4TAPBL, apenso e 18 e segs. dos autos; pastas contendo as fichas de associado e cartões de sócio; Auto de busca de fls. 2 e segs do Apenso A de documentação extraída do inquérito nº 309/07.2GAANS em parte incorporado nos presentes autos; certidão de fls. 2 e segs. extraída do Proc. 2/05.0GALSA/104/08.1TAPBL; fls. 236 e segs. e relatório de busca de fls. 280 e segs. do Inq. 2/05.0GALSA/104/08.1TAPBL; autos de apreensão e fotografias de fls. 4 e segs. do mencionado apenso A do Inq. 309/07; auto de exame de fls. 645; auto de detenção de fls. 145 e segs., fls. 819 a 821 e fls. 845.

Igualmente foram tidos em conta os relatos de diligência externa constantes dos autos e recolha de documentação subsequente, constantes de fls. 49 e segs, 61, 62, 68, 69 e 72 a 82 do Inq. 30/08.4TAPBL; 60, 61, 66, 67, 70 e 71, 105, 106, 134, 135, 146, 146, mas apenas na parte em que apresentaram dados objectivos, confirmados ou confirmáveis pelos respectivos autores e já não conclusões do/dos subscritores, de obtusa explicação, quando não confirmados integralmente em audiência.

De facto, o auto de vigilância constante de fls. 232 a 234 da certidão extraída do Proc. 2/05.0GALSA/104/08.1TAPBL, que se considerou no que tange aos seus elementos objectivos, vai ao ponto de, sem explicação aparente, numerar os casais, usando letras do alfabeto, tendo estado na base da acusação que considerou que só nesse dia, 15 mulheres diferentes se tinham prostituído no 1º andar do estabelecimento em causa nestes autos.

Da análise dos autos de diligência externa, alguns dos quais acompanhados de fotografias ou relatos descritivos do local efectuados pelos respectivos autores, bem como da prova testemunhal ouvida em audiência a que infra se fará referência mais pormenorizada, resulta, com alguma clareza que a casa onde funciona o estabelecimento é uma vivenda relativamente isolada e de difícil observação sem detecção do exterior, pois que tem um descampado/parque de estacionamento, imediatamente defronte que dificulta ou até impede uma vigilância próxima e discreta de quem entra e sai do estabelecimento (cfr. fls. 62) e que possuía videovigilância para o exterior (cfr. fls. 71), embora sem que as imagens fossem guardadas.

Daí se retira, à luz das regras de experiência comum (à míngua de qualquer outra explicação sobre a localização que no caso não foi dada por escrito nem verbalmente) que qualquer vigilância exterior ou teria que ser feita suficientemente longe para não ser detectada, o que impediria o reconhecimento da identidade de quem entrava e quem saía do estabelecimento em direcção ao 1º andar.

No auto referido não se faz qualquer referência à localização das pessoas que levaram a cabo a vigilância, mas refere-se que foram usadas 3 viaturas diferentes (não se sabe se usadas pela mesma pessoa se por pessoas diversas) e o respectivo auto encontra-se assinado apenas pelo “instrutor”, que não se sabe também se foi a única pessoa que recolheu a informação ou se apenas a coligiu, por escrito, até porque o mesmo (a testemunha AG...), em audiência, no que se refere a tal diligência, se limitou a referi-la muito vagamente e como tendo ocorrido em 2005 (o que até é compreensível, face ao tempo já decorrido e à natureza das suas funções).

Diga-se, aliás, que durante anos de investigação essa foi a única diligência externa com resultados minimamente descritivos em termos das actividades ali levadas a cabo, o que, estamos certos não seria caso único, na circunstância de não ser de facto extremamente difícil efectuar qualquer observação exterior próxima sem detecção.

Não pôde, pois, de tal auto, o tribunal concluir, conjugados todos esses elementos que de facto a movimentação de casais que ali é mencionada se referisse a pessoas, mormente mulheres, diversas e no exacto número ali mencionado, desde logo porque não é de descartar, como foi referido por várias testemunhas que num estabelecimento deste tipo, uma mesma mulher efectue múltiplas subidas com clientes diversos e o auto, nesse particular, não é claro nem elucidativo, antes se nos afigurando algo conclusivo, pelo que apenas foi tido em conta no demais ali relatado, que se pode considerar objectivo.

Foi igualmente tido em conta o teor das escutas telefónicas judicialmente determinadas em processo incorporado parcialmente nestes autos e devidamente transcritas, cuja análise, salvo melhor opinião não nos leva a concluir em termos probatórios, mesmo à luz das regras de experiência comum, nada mais do que os factos que se consideraram provados e, aliás, corresponde à generalidade da actuação levada a cabo em casas de alterne e/ou prostituição, conforme a experiência prática e profissional nos ensina: existe rotatividade de mulheres entre os vários estabelecimentos do mesmo dono ou de donos diversos, mas com relacionamento entre si, como forma de manter a clientela; numa determinada ocasião, nesta zona do país, tal tipo de actividade era levada a cabo essencialmente por mulheres de nacionalidade brasileira, que aqui procuravam, de forma mais ou menos prolongada, angariar rendimentos, sem que a sua “contratação” tivesse associada a qualquer tipo de formalidade específica: umas vezes as mulheres conheciam a casa, porque já lá tinham trabalhado, conheciam o dono ou o encarregado da gestão diária do estabelecimento, telefonavam a perguntar se podiam lá trabalhar ou apareciam, simplesmente, na companhia de alguém e invariavelmente sem que fossem colocadas questões de maior eram admitidas, consoantes as possibilidades e necessidades, por vezes até sem que se discutissem previamente as condições que já eram previamente do conhecimento de quem circulava no meio.

Outras vezes, os “donos das casas”, conhecendo outros ou esta ou aquela rapariga, quando tinham falta de pessoal, procuravam as mulheres de que necessitavam em termos em tudo semelhantes e facilitam o seu transporte ou alojamento, nos casos em que as mesmas deles careçam, seja no próprio local onde trabalham, seja em local diverso, como por vezes ocorre, mediante uma contrapartida diária.

Não são feitas perguntas, não são pedidos passaportes, muitas vezes nem os nomes verdadeiros são conhecidos e tudo se passa com uma informalidade não só conhecida como desejada por todos os intervenientes e na generalidade dos casos, como também aqui aparenta ocorrer, há casos em que as casas não garantem acomodações propícias à prática de prostituição (sem que isso signifique necessariamente que ela não seja praticada, mormente nos chamados “privados”), e quando garante, também na generalidade dos casos, cabe à mulher escolher as actividades a que se dedica.

Nada na análise das ditas escutas nos permite concluir que neste caso algo de diverso ocorresse, até porque duas menções feitas em conversas telefónicas ao SEF, por pessoas de nacionalidade brasileira, não faz presumir o conhecimento da situação de ilegalidade ou sequer que ela de facto exista, pois todos os estrangeiros, mesmo que legalizados, estão sujeitos a controles ocasionais e têm assuntos a tratar junto daquela entidade e nenhuma prova em sentido oposto foi feita, no caso concreto, antes se nos afigurando até que os parâmetros da normalidade mencionada ocorriam neste caso concreto.

Também da prova testemunhal a que infra se fará referência mais especificada nada se retira em sentido contrário, antes se nos afigurando que no caso dos autos tudo se passava dentro da normalidade que se tem vindo a descrever ou, pelo menos, não foi feita prova do contrário e ela não se pode presumir.

No que tange à prova testemunhal, em audiência foram produzidos os seguintes depoimentos:

KK... é o proprietário do imóvel onde funciona o estabelecimento que descreveu e situou da forma que se dá como provada.

Disse que a primeira vez que o arrendou foi ao arguido A... (toda a casa, incluindo r/ch e 1º andar), o que terá ocorrido talvez em 2003 ou 2004, pelo valor de 200 € cada uma das fracções habitacionais existentes no 1º andar, em número de 2 e 500€ pelo estabelecimento sito no r/ch.

Não sabe o que lá funcionava, porque nunca lá entrou, embora tenha chegado a ver o bar aberto de dia, embora sempre à tarde. Nessa altura chamava-se K... .

Passados 2 ou 3 anos novamente com o arguido A... fez outro contrato nos mesmos moldes, mas agora em nome de uma Associação.

Quem pagava a renda inicialmente era o arguido A... , quase sempre em dinheiro, embora uma ou duas vezes também tenha usado cheques e depois, de há 2 ou 3 anos para cá passou a ser a B... , companheira do A... , segundo pensa.

ZZZ...é inspector do SEF e nessa qualidade participou em fiscalização ao estabelecimento (pensa que terá sido em 2005), e pensa que na altura o bar se chamava K... .

Actualmente já não se lembra especificamente de nada do que aconteceu, embora pense que foi detido um número significativo de mulheres que estariam em situação ilegal.

Estavam presentes outros agentes e foi elaborado o competente expediente.

Sabe que ocorreram outras acções subsequentes, mas já não teve intervenção nelas.

M... , também é inspector do SEF e ter a qualidade de chefe de departamento entre 2005 a 2008. Participou na fiscalização de 2005 e no expediente que se lhe seguiu, cujo teor confirma, mas já não se recorda especificamente de nada do que se passou.

Pensa que não teve qualquer outra intervenção em acções no dito estabelecimento.

AB..., igualmente inspector do SEF, declarou também ter participado na acção de fiscalização de 2005.

Referiu ainda estar convicto de ter em 2007 participado noutra acção no mesmo estabelecimento.

Não se recorda de pormenores (pensa que era uma busca), mas tudo ficou registado no expediente. A ele foi-lhe atribuída a fiscalização no que se refere à ilegalidade de pessoas em território nacional, tendo o resto sido levado a cabo por outros órgãos de polícia.

E... , também inspector do SEF declarou ter estado envolvido em acções de fiscalização no ano de 2005 ao K... , na área de (...) e a outro estabelecimento em (...) , de nome x....

Também participou numa acção mais tarde (pensa que foi uma busca).

Hoje já não recorda com pormenor mas sabe que havia bastantes senhoras em ambas as casas, algumas ilegais.

Pensa que quem os recebeu nas buscas foi um senhor de nome C... , que pensa que se identificou como responsável, mas hoje já não o consegue identificar, mas na fiscalização não recorda. Recorda que havia uma senhora que esteve presente das duas vezes (da 1ª estava em situação irregular mas da 2ª já não), chamava-se B... .

Nunca esteve com o arguido A... .

AG.., também inspector do SEF participou nas buscas de 2007 e pensa que na fiscalização de 2005.

De ambas as vezes encontraram mulheres, sobretudo brasileiras em situação ilegal, algumas foram detidas e outras notificadas para abandono voluntário.

Quem se identificou como responsável foi um senhor que disse chamar-se C... e identificou pelo BI (reconheceu-o na sala de audiências, como sendo a mesma pessoa a que se estava a referir, embora inicialmente tivesse dito que não seria capaz de o identificar hoje em dia).

Das duas vezes estava lá uma senhora brasileira na caixa que se chamava B... .

AC... pertence à GNR de (...) e participou em várias acções de fiscalização.

Estava presente quando encontraram uma menor num estabelecimento em (...) : o x....

Foi ele o participante dessa situação e confirma o que fez constar do expediente respectivo.

Das outras vezes em que teve participação já não se recorda, porque a responsabilidade pela participação não terá sido sua, mas acha que têm a ver com agressões e intervenções dessa índole.

AD..., pertencia à GNR de (...) naquela altura.

Teve intervenção na fiscalização de 2008 e embora hoje já não recorde de muita coisa, confirma que os autos contêm o que se passou.

Recorda-se, porém, que o J... tentou fugir e que quem se identificou como responsável foi uma senhora que estava atrás do balcão que era esposa do arguido A... , embora já não se lembre do seu nome.

Admite ter participado em acções de vigilância porque era o chefe de equipa e aquele tipo de estabelecimentos era fiscalizado com frequência, bem como os outros do género, mas já não se recorda bem. Sabe, porém, que nessas ocasiões, tudo o que colocavam em auto era apenas o que constataram.

AP... pertence, também à GNR de (...) .

Nessa qualidade participou em diversas fiscalizações ao K... e depois à D... .

Hoje já não recorda o que se passou, mas confirma que o que fazem constar corresponde ao que se passou.

Pensa que também participou em acções no interior do estabelecimento e que era uma senhora que vivia com o arguido A... que se identificava como responsável pelo estabelecimento, o mesmo acontecendo com o próprio A... quando estava.

O nome C... não lhe diz nada.

Confirma que foram feitas apreensões, mas já não sabe precisar sobre o que incidiram.

AE..., também GNR em (...) , só se recordava de ter feito uma busca ao bar w... em (...) , que pensa que era explorado por um AJ....

Não se recorda de ter feito vigilâncias a este estabelecimento, mas se a fez, relatou-o em auto.

AF..., também GNR em (...) , relatou ter feito tentativas de entrar no estabelecimento, fardado e identificando-se como agente da autoridade, tendo-lhe sido vedada a entrada com a invocação de que se tratava de uma Associação Privada e ele não ser sócio.

Fez constar isso mesmo do expediente que lavrou.

Depois participou numa busca em 2008, da qual, também foi lavrado o competente expediente.

AH..., também GNR em (...) , disse ter estado envolvido em vigilâncias a este estabelecimento mas também ao x... em (...) e ao w..., em (...) , que se pensava estarem relacionados com o mesmo indivíduo.

Isso terá ocorrido 2008 ou finais de 2007.

Na busca de 2008 esteve no x....

Confirma o que foi feito constar dos expedientes respectivos.

AI... é inspector da PJ e nessa qualidade participou em vigilâncias e na busca à Associação, onde foram detidas 2 mulheres.

Confirma o expediente lavrado.

Do que lhe foi dado ver quem geria as casas era o A... , sendo o Sr. QQ... e o Sr. C... “testas de ferro” daquele.

T... , também inspector da PJ disse já ter participado em inúmeras acções naquele estabelecimento pelo que nem sequer se recorda em concreto do que nos autos está em causa.

Porém, sabe que tudo o que subscreveu corresponde à verdade.

F... , disse ter trabalhado para o arguido A... como segurança, mais ou menos 4 meses, na casa da (...) , conhecida por K... , sendo que já lá não estava quando a mesma terá mudado de nome. Descreveu-a como sendo “uma casa de meninas”. Elas por vezes subiam aos quartos com clientes, o que acontecia quase todas as noites em que lá esteve, embora ele nada soubesse de pagamentos, que não lhe eram feitos a ele.

Havia raparigas que saiam mais que uma vez na mesma noite com clientes diferentes.

Haviam mulheres que dormiam na parte de cima e outras não. O número de mulheres que lá trabalhava não era sempre o mesmo, havendo mais ao fim de semana. A maioria delas era brasileira.

Existia sistema de rotatividade, algumas permaneciam 15 dias ou 3 semanas e depois saiam para outros sítios por ali perto.

Durante aquele tempo sempre foi o arguido A... que esteve à frente do estabelecimento e já tinha trabalhado para ele noutra casa perto de Coimbra.

Algumas das raparigas conhecia-as de lá (de vista, mas não sabe o nome de ninguém), mas outras nunca as tinha visto.

Por vezes as que não pernoitavam na parte de cima também subiam com clientes.

G... disse que esteve três dias a alternar no estabelecimento onde foi encontrada aquando de uma das buscas. Tinha ido com duas amigas, sendo que uma delas já lá tinha trabalhado. Quando lá chegaram falaram com a B... , que estava no bar, que foi quem as admitiu, mas não sabe se ela era a dona.

Foi combinado que 60% do preço das bebidas era para elas e o restante para a casa.

Havia lá várias mulheres e algumas dormiam lá, mas não sabe ao certo quantas. Nunca pernoitou no local porque ia e vinha de Leiria com as amigas.

Não sabe se era paga diária, pois nunca falaram sobre esse assunto.

Ela ficava no salão e nunca se apercebeu que alguém saísse.

Não sabe ao certo quanto ganhava por noite, porque não fez as contas.

Nunca se apercebeu se havia alguém à porta (segurança).

Por vezes no estabelecimento também estava um indivíduo de nome AL..., mas entrava e saia.

Nunca teve qualquer cartão de sócia nem pagou quotas.

UUU... trabalhou no local dois dias até á data em que lá foi a polícia.

Quem indicou a casa, cujo nome já não recorda foi uma amiga sua portuguesa, chamada KA...., que foi para lá consigo.

Quando lá chegaram falaram com a rapariga que estava no balcão, chamada B... e combinaram que o preço das bebidas era 50% para as meninas e 50% para a casa. Não sabe se era ela a dona.

Só entrou no bar e por isso não sabe o que havia lá em cima.

À entrada era dado um cartão de consumo. Foi sempre o mesmo homem que lho deu, mas não sabe quem é, nem se lembra do nome dele.

Estavam lá mais ou menos 15 raparigas. Não tem conhecimento que elas fizessem “sobe e desce”.

Ela ia para Leiria todas as noites.

Conhece a G... , mas não foi com ela, ela já lá estava quando lá chegou.

Depois de a polícia lá ter estado nunca mais lá voltou.

U... estava no local como cliente quando a policia lá esteve, embora não recorde a data, porque já lá tinha ido outras vezes

Entrou livremente, tendo-lhe sido entregue um cartão de consumo.

Sabia que era um bar de alterne e embora tivesse ouvido dizer que havia sexo, ele nunca lá o praticou.

Não sabe o que havia na parte de cima.

Quando lá estava, ás vezes via raparigas sair sozinhas e voltar pela porta de entrada, mas não sabe onde iam, quanto tempo demoravam nem se apercebeu que fossem acompanhadas, porque quando lá estava já tinha sempre bebido bastante.

Quem estava atrás do balcão era uma senhora. À porta estava um porteiro normal, que não avistou em Tribunal.

H... , disse que frequentava ao local algumas vezes e estava lá quando lá foi a polícia judiciária.

Nunca foi sócio e para entrar só lhe entregavam um cartão de consumo.

Havia lá raparigas que alternavam e quem quisesse subia ao piso de cima. Saiam do bar pelo exterior, subiam por umas escadas e iam para os quartos, manter relações sexuais. Pagavam 30 € à rapariga, desconhecendo o que ela depois fazia ao dinheiro.

Não se apercebeu da frequência das subidas.

No dia em que lá esteve a polícia ele próprio tinha subido e mantido relações sexuais com uma das raparigas e ia a sair, depois disso.

Não sabe quem explorava a casa, mas quem entregava os cartões à entrada era um homem e no bar umas vezes estava um homem e outras uma mulher.

Subiu várias vezes com mulheres diferentes, em número que não pode precisar mas que será pelo menos de 3.

O... estava no local como cliente quando lá esteve a polícia.

Era uma casa de alterne e foi lá beber um copo.

Havia lá mais ou menos 10 raparigas e havia gente que saía e entrava.

Sabia que havia uns quartos lá em cima e supõe que alguns iam para lá.

Quem estava na caixa era uma mulher de nome B... e o cartão era entregue à saída depois de pagar.

Num dos dias que lá foi com um amigo e esse amigo subiu com uma rapariga. Combinaram Tudo à sua frente, mas já não se lembra bem se o preço eram 20 € ou 40 €.

P... , também estava no local, como cliente, quando lá esteve a polícia.

Entrava-se livremente, contra a entrega de um cartão de consumo.

Quem recebia os pagamentos era uma senhora ou uma senhora que costumavam estar ao pé da caixa, viu lá pessoas diferentes e não sabe quem são.

Era uma casa de alterne mas também lá se praticava prostituição. Quando queriam ter relações sexuais, pagavam o cartão, subiam por fora aos quartos em cima e depois do acto pagavam 30 € à rapariga (ele subiu uma vez). Não sabe o que ela fez ao dinheiro.

Ia lá 2 ou 3 vezes por ano e costumava haver pelo menos algumas caras diferentes.

Q... , também lá estava como cliente aquando da ida da polícia.

Frequentava a casa livremente, mediante e entrega de um cartão de consumo e depois pagava na caixa antes de sair.

Pensa que havia prostituição lá no 1º andar, o pagamento era acordado no valor de 30 € e feito à rapariga. Não sabe para quem era esse dinheiro.

Havia lá sempre várias raparigas, umas mudavam outras não.

Desconhece quem era o dono do estabelecimento.

Quem recebia era quem estava atrás do balcão, às vezes uma senhora brasileira outras um senhor.

Quando subia era quase sempre com a mesma rapariga, embora admita que possa tê-lo feito com duas diferentes.

AT... estava no local como cliente, também no dia da intervenção policial.

Não conhecia aquilo como Associação, mas como casa de alterne.

Descreveu o acesso em termos iguais aos das anteriores testemunhas.

Nunca subiu ao andar superior, mas foi abordado por raparigas para tal.

Às vezes via pessoas a sair com elas e elas regressavam umas vezes sozinhas outras acompanhadas.

Não se apercebeu se a mesma rapariga chegava a subir várias vezes numa noite.

No balcão estava sempre a mesma pessoa: uma rapariga de cor e o porteiro era um rapaz novo também de cor. Não viu nenhum deles no Tribunal.

I... estava no bar a trabalhar quando a polícia lá foi.

Conhecia como gerente da casa uma rapariga brasileira que estava ao balcão (a B... ) e um moço de cor chamado AL....

Soube da casa através de mulheres conhecidas. Falou com quem estava ao balcão, mas já não recorda se era ele ou ela.

O arguido A... conhece-o como companheiro da B... , mas viu-o lá muito poucas vezes. Não sabe se era ele o patrão, mas não tratou de nada com ele.

Dormia no piso superior e pagava como diária 5 €.

O preço dos copos revertia 50% para a casa e o restante para ela e por cada subida para acto sexual pagava 10 € à casa, independentemente da diária. O cliente pagava-lhe a ela, à parte, no mínimo 30 €.

Subia todos os dias, mas não sabe dizer a média diária de subidas porque era variável.

Quando não queria ir não ia, tirava os dias de folga que entendesse, em regra 2 ou 3 por semana.

Só trabalhava naquela casa, era dali que tirava o seu sustento e as contas eram feitas diariamente.

Havia lá outras mulheres, mas não sabe exactamente quantas. Via sair algumas delas, mas não sabe o que iam fazer, não falavam entre si sobre esses assuntos.

Quando lá foi a polícia estava lá havia 4 ou 5 dias e nunca mais lá voltou.

Pensa que o quarto onde dormia era só dela e supõe que se passava o mesmo com as outras.

Acha que na altura era a única portuguesa que lá trabalhava.

O porteiro era um rapaz de cor chamado AM... ou AMM..., não se recorda de nenhum português como porteiro e nunca ouviu falar de um treme-treme.

Às vezes via lá um C... à porta a entregar os cartões aos clientes.

R... estava no local como cliente quando lá esteve a polícia e já antes tinha frequentado o local algumas vezes.

Também ele descreveu a entrada em termos iguais aos das anteriores testemunhas.

Sabia que aquilo era uma casa de alterne.

No dia em causa não praticou relações sexuais mas chegou acontecer outras vezes, pagava 30 € à mulher, mas não tem bem a certeza, acha que antes do acto. As bebidas eram pagas antes, ao balcão. Quem ali estava a receber era uma senhora de pele escura que tinha sotaque que podia ser brasileiro.

Ia lá há uns anos, mas apenas esporadicamente.

Algumas mulheres saiam com os clientes e depois regressavam, mas não atentou em pormenores. Também não sabe quantas mulheres lá estavam podiam ser 4, 5 ou até 7.

HH... , em declarações para memória futura, descreveu os factos que lhe respeitam na exacta medida que se deu como provada.

JJ... , também ouvida em declarações para memória futura, disse que estava no K... , que descreveu como uma casa de alterne, tendo descrito o funcionamento de uma casa do género.

Disse que naquele caso, por cima do estabelecimento havia 4 ou 5 quartos, que eram ocupados por meninas, com quem não mantinha muita intimidade, mas que eram brasileiras e portuguesas, sendo aquelas que maioritariamente ocupavam os quartos no andar superior.

Disse que nunca subiu para ter relações sexuais e que não sabia o que as outras faziam, embora tenha ouvido comentários sobre irem para um motel ali perto, mas nunca viu.

Disse que quem lá mandava eram dois brasileiros, irmãos (uma mulher e um homem, ela conhecida por B... (ela tem uma filha de um português, mas não o conhece)e ele por AL...), mas não sabe se eram donos, porque dizia-se que pagavam renda.

Descreveu como chegou ao bar: telefonou, falou com ela, disse que precisava de quarto, ela assegurou alojamento e que depois falavam dos custos e disse para ir. Foi e esteve lá 14 dias, embora nem sempre lá dormisse (quando tinha boleia para a zona onde morava não ficava).

Foi para lá para trabalhar ao balcão e ganhava 35 € por noite, embora por vezes também alternasse.

Toda a gente era muito bem tratada lá.

Nunca chegou a pagar, porque foi apanhada pela polícia e nunca mais lá voltou.

As regras de experiência comum são, pois eloquentes em tornar a prova directa e indirecta constante dos autos e produzida em audiência nos factos directos que se deram como provados que, por isso, foram consignados nos termos em que o foram, mas não mais do que isso.

            Quanto aos factos não provados deve dizer-se, antes de mais, que não se produziu em julgamento qualquer prova ou prova cabal o suficiente que permitisse dar como demonstrados outros factos para lá dos que, nessa qualidade, se descreveram, em especial os que se consideraram não provados, restando acrescentar que não foi produzida prova directa ou indirecta de que a criação da Associação visasse, logo desde início encobrir a actividade levada a cabo no local, desde logo porque só num primeiro momento isso poderia resultar e depois porque conhecendo-se como se conhece a existência de Associações Privadas com objectivos semelhantes aos constantes do acto de constituição, onde se pretende refinar clientela e manter a sua privacidade, fomentando outro tipo de actividades que embora de índole pro-sexual, nada têm de ilícito, não é de descartar que essa fosse a finalidade inicial, embora a actuação posterior, embora não imediata demonstre que se esse pode ter sido um propósito concebido, foi ele descartado passado pouco tempo, pois que a casa, voltou a frequentar em termos livres, tal como em momentos anteriores em nada compatíveis com aquela declarada finalidade.

            No que tange aos factos envolvendo a menor HH... , teve o tribunal apenas em consideração o depoimento prestado pela mesma, pois nenhuma outra prova, à excepção da documental sobre eles foi produzida.

            E, com base nesse relato, não se pode concluir que o arguido A... tenha fomentado o sequer facilitado a prostituição por banda da referida menor. É que ela já trabalhava na prática de alterne havia 4 meses, quando a fazer fé no que a própria disse, ele teve conhecimento da sua idade, que não se nos afigura que seja evidente ou pelo menos não foi produzida prova do contrário, pois em muitos casos raparigas de 16 anos, próximo dos 17, apresentam graus de maturação física e intelectual que não são facilmente associáveis à sua idade.

            Depois, a própria HH... diz que nunca antes aquele arguido havia sequer falado com ela, ficando por saber por via de quem se iniciou ela na actividade em causa e o facto de lhe ter sugerido que transitasse de uma casa para a outra depois da intervenção da polícia no estabelecimento onde se encontrava, não é mais potenciadora da prostituição do que a situação em que ela própria ou outrem, que desconhecemos, se havia colocado, pois o alterne roça paredes meias com a prostituição, mesmo que nos locais não existam quartos que permitam a sua imediata prática, pois é consabido que muitas vezes esses mesmos actos são levados a cabo, nos chamados “privados” que existem nalguns estabelecimentos o que até ocorria no estabelecimento onde a menor se encontrava, conforme se retira da descrição do local feita e constante da documentação supra mencionada.

            Por outro lado, o facto de o arguido ter dito à mencionada testemunha que o outro estabelecimento funcionava em moldes diversos, mas que ela só fazia o que entendesse, pode até ser entendido como uma forma de a avisar, deixando ao seu inteiro critério a decisão, o que de facto ocorreu, pelo que, em nosso entender, se alguém introduziu a dita menor em meios que implicavam risco para a mesma se vir a prostituir, essa responsabilidade, mesmo que no âmbito da simples facilitação, com estes factos e provas e outros não existem, não se pode em nosso entender, ter como provada.

            No que tange à alegação do arguido A... de que teria apresentado demissão da presidência da Associação arguida no ano de 2008, que tenta comprovar com uma missiva, sem prova de envio onde se encontra uma assinatura aposta como pertencente à testemunha J... , declaradamente irmão da sua companheira e co-arguida, não tem qualquer vicissitude probatória, pois não só não cumpre os requisitos legais impostos por Lei ao funcionamento das associações, não havendo prova ou sequer indício de que o dono de tal suposta assinatura represente a mencionada Associação e logo, que em nome dela se possa posicionar seja perante o arguido, seja perante quem quer que for, como até a prova produzida nos autos e supra mencionada é eloquente no sentido de que o mesmo prolongou a sua actuação de representante da referida associação durante todo o período de abrangência dos factos em discussão neste processo.

            (…)”.


*

Da inexistência jurídica da acusação e da condenação e da inconstitucionalidade do art. 61º, nº 1, c) do C. Processo Penal, por violação do art. 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido de que a não comunicação de factos imputados no acto de constituição de arguido legitima a dedução de acusação ‘surpresa’ e posterior condenação, à revelia e na ausência daquele

            1. Alega a recorrente – conclusões B e C – que a acusação e a condenação padecem de inexistência jurídica uma vez que, no acto de constituição de arguida apenas lhe foi comunicado que era suspeita de envolvimento na prática de crimes de tráfico de pessoas e de auxílio à imigração ilegal, sendo totalmente omitida qualquer referência ao seu envolvimento em suspeita de crime de lenocínio, sendo inconstitucional a dimensão normativa do art. 61º, nº 1, c) do C. Processo Penal, no sentido de ser legítima a dedução de acusação e, por maioria de razão, a condenação, pelos factos omitidos, em processo com julgamento à revelia e na ausência do acusado, por violação do art. 32º, nºs 1 e 5 da Lei Constituição da República Portuguesa [doravante, CRP], sendo igualmente inconstitucional a dimensão normativa ou interpretação no sentido de tal vício se ter por sanado pelo decurso do tempo ou inacção do visado. No corpo da motivação, começando por intitular esta problemática como, «Da nulidade da acusação – surpresa e condenação a título de lenocínio», a recorrente diz que no auto de fls. 216 nada consta quanto a crimes de lenocínio ou de qualquer natureza conotada com carácter sexual, que o mesmo decorre do relatório da Polícia Judiciária, que mais nenhuma diligência processual a envolveu e se mostra documentada, pelo que a acusação, nos termos em que foi deduzida, abrangendo o crime de lenocínio, precludiu o seu direito de defesa a exercer no inquérito, não podendo tal preclusão ter-se por sanada com a posterior notificação da peça acusatória.

            Vejamos.

            A fls. 216 a 217 encontra-se o auto de interrogatório de arguido relativo à recorrente que teve lugar no dia 13 de Maio de 2009, com a presença do seu Ilustre Defensor, no qual, nos termos do art. 61º, nº 1, c) do C. Processo Penal, foi a arguida informada dos factos imputados e que eram, «A arguida é gerente da Associação D... , sita na (...) , (...) , entidade esta que se suspeita estar envolvida na prática dos crimes de tráfico de pessoas e de auxílio à imigração ilegal.», relativamente aos quais a arguida invocou o direito ao silêncio.

            No relatório da Polícia Judiciária de fls. 232 a 242, apesar de várias referências à actividade a «alterne» e «sobe-e-desce» levada a cabo no estabelecimento da dita associação, designado, no meio, como « K... », e à prática de relações sexuais com os clientes, das mulheres, nacionais e estrangeiras, que ali desenvolviam tais actividades, não se fazendo referência a crime de lenocínio, tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público, com proposta de acusação por crimes de tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal e angariação de mão de obra ilegal.

            No seguimento da realização de diligências [essencialmente, a inquirição de mulheres e clientes dos estabelecimentos envolvidos na investigação] determinadas pelo Ministério Público, foi elaborado novo relatório da Polícia Judiciária, a fls. 434 a 448, que nada mais adianta relativamente ao primeiro, tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público, com proposta de acusação por crimes de tráfico de pessoas, lenocínio, auxílio à imigração ilegal e angariação de mão de obra ilegal.

            A acusação foi proferida em 14 de Fevereiro de 2012 [cfr. fls. 656 e 693] e foi notificada à recorrente, por via postal simples com prova de depósito de 16 de Fevereiro de 2012 [cfr. fls. 698] em 22 de Fevereiro de 2012 [cfr. fls. 718], enquanto o seu Ilustre Defensor foi notificado da mesma peça, por via postal regista de 16 de Fevereiro de 2012 [cfr. fls. 703], em 22 de Fevereiro do mesmo ano.

            Em requerimento de 5 de Março de 2012 a recorrente, pronunciando-se sobre a, pelo Ministério Público promovida, na acusação, alteração do regime coactivo, referiu, além do mais, ser-lhe imputada a prática, entre outros, de crime de lenocínio e afirmou ir colocar a sustentabilidade do libelo em sede de instrução, o que, depois, não veio a fazer, tendo o autos, por despacho de 20 de Abril de 2012 seguido para julgamento, pelos factos e incriminações da acusação.

            A recorrente foi notificada da data designada para julgamento por via postal simples com prova de depósito de 22 de Maio de 2012 [cfr. fls. 779] em 25 de Maio de 2012 [cfr. fls. 797] e contestou a acusação em 20 de Junho de 2012 [cfr. fls. 835 a 837] sem suscitar a questão ora em análise. 

            A recorrente não compareceu à audiência de julgamento designada para 5 de Novembro de 2012, onde foi assistida pelo seu Ilustre Defensor [cfr. fls. 1007 a 1019] e por despacho então proferido, não se tendo considerado a sua presença imprescindível, foi determinado o início da audiência.

            A recorrente, em 12 de Novembro de 2012 [cfr. fls. 1061 a 1063] requereu a junção aos autos de prova documental.

            A recorrente não compareceu à audiência de julgamento designada para 19 de Novembro de 2012, onde foi assistida pelo seu Ilustre Defensor [cfr. fls. 1065 a 1067].

            A recorrente não compareceu à audiência de julgamento designada para 21 de Dezembro de 2012, onde foi assistida pelo seu Ilustre Defensor [cfr. fls. 1158], na qual foi lido o acórdão recorrido.

            Posto isto.

            2. A categoria da inexistência, referida aos actos processuais penais, não se encontra prevista no C. Processo Penal. A inexistência em sentido material, de um acto processual significa que nada o corporiza, como será o caso, académico, é certo, de uma acusação não escrita nem inserida no processo. A inexistência em sentido jurídico, de um acto processual significa que este existe na vida real mas é absolutamente irrelevante face ao direito processual, por lhe faltar um requisito exigido para o reconhecimento da sua existência jurídica, como é o caso de uma acusação proferida em procedimento por crime público, por quem não é magistrado do Ministério Público (cfr. João Conde Correia, Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Stvdia Ivridica 44, Coimbra Editora, 1999, pág. 114 e ss.).

            A inexistência, enquanto «fantasma processual» (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, 3ª Edição, 2002, pág. 93), distingue-se da nulidade e, em particular, da nulidade absoluta ou insanável porque, sendo ambas conceitos negativos face ao modelo do acto desenhado na lei processual penal, naquela a anomalia é tão grande que o acto nem sequer é comparável com o seu esquema normativo, não alcançando aquele mínimo imprescindível para poder ser reconhecido como tal e ter vida jurídica, enquanto nesta, o acto, ainda que imperfeito, é idóneo para produzir os efeitos jurídicos que a lei lhe atribui (João Conde Correia, ob. cit., pág. 120).

            A acusação pública de fls. 662 a 693 foi proferida por Magistrado do Ministério Público, da mesma forma que o acórdão recorrido de fls. 1095 a 1157, foi proferido por três Mmos. Juízes de direito, e todos, no exercício das respectivas funções. Por outro lado, o crime por cuja prática foi a recorrente condenada, foi-lhe imputado na acusação pública.

            Nem a recorrente, em bom rigor, questiona a genuinidade destas peças processuais.

            Quanto basta, pois, para concluir pela improcedência da invocada inexistência jurídica das mesmas. 

            3. Aliás, e como supra se deixou enunciado, o vício que a recorrente aponta é o de não ter sido informada, no seu interrogatório de arguida, de que sobre si recaíam suspeitas da prática de crime de lenocínio, e da prática do mesmo veio a ser acusada e, posteriormente, condenada [embora rejeite tratar-se de nulidade e, muito menos, que se encontre sanada, pelo decurso do tempo e/ou da sua inércia processual].

            Efectivamente, no interrogatório, a recorrente não foi confrontada com suspeitas de crime de lenocínio pois que, na fase da investigação que então decorria ele não era tido por indiciado [como decorre do primeiro relatório da Polícia Judiciária]. Logo, foi integralmente respeitado, nesta fase da investigação, o preceituado no art. 61º, nº 1, c) do C. Processo Penal.

Tendo a recorrente exercido o direito ao silêncio, percebe-se por que razão não foi novamente sujeita a interrogatório. E não o tendo sido, não prestou declarações, impositoras, nos termos da citada disposição legal, de prévia informação os novos factos indiciados.

Deles, novos factos, veio a ter conhecimento quando foi notificada da acusação. Porém, não invocou qualquer nulidade desta peça processual nem requereu a instrução. E se não compareceu em julgamento, foi porque não quis, já que para tal, foi devida e atempadamente notificada.

Não se percebe pois como possa a recorrente invocar a violação do seu direito de defesa, quando, por razões que só a si dizem respeito, não exercitou os mecanismos processuais colocados pela lei ao seu dispor para tal efeito, não invocou na contestação qualquer vício, nulidade ou violação do direito de defesa, e optou por não comparecer em juízo.

Em todo o caso, a questão processual suscitada pela recorrente não se inclui no elenco das nulidades insanáveis previsto no art. 119º do C. Processo Penal, nem nenhuma outra disposição deste código como tal a comina. Por outro lado, também não vemos que possa tratar-se de nulidade sanável, relativa ao inquérito, designadamente, a da alínea d) do nº 2 do art. 120º do C. Processo Penal sendo certo que, ainda que assim fosse, há muito se encontraria sanada (cfr. nº 3 do art. 120º citado).     

4. Finalmente, a dimensão normativa e interpretação que a recorrente pretende ter sido dada ao art. 61º, nº 1, c) do C. Processo Penal e que considera violadora do art. 32º, nºs 1 e 5 da CRP, não tem, de todo, aplicação nos autos pois que, como já se disse, no interrogatório a que foi sujeita, antes de prestar declarações – que não prestou – foi informada dos factos que, então, contra si, se indiciavam. Como é evidente, os novos factos, os que, só posteriormente àquele interrogatório se tornaram conhecidos pelas novas diligências de prova determinadas pelo titular do inquérito, não poderiam, então, ter-lhe sido comunicados.

Não se verifica pois, neste circunspecto, qualquer violação da Lei Fundamental.


*

Da nulidade e da inconstitucionalidade das buscas

            5. Alega a recorrente – conclusões D e F – que são nulas as buscas realizadas nos dias 16 de Fevereiro de 2007 e 9 de Outubro de 2008 ao imóvel, não podendo fundar a prova dos pontos de facto provados 32 a 50 e 57 a 79, respectivamente, a primeira, por não existir nos autos o mandado judicial que a autorizou ficando impedido o controlo da sua legalidade e a segunda, por ter sido realizada com violação do art. 177º, nº 2 do C. Processo Penal, ao ter sido ultrapassado o limite físico de incidência fixado, por ter decorrido fora do período normal e sido autorizada por quem não tinha poderes de representação da associação arguida, sendo inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e legalidade, a interpretação daquela norma no sentido de ser permitida a busca domiciliária entre as 21h e as 7h sem autorização expressa no mandado, tendo por base a autorização de pessoa diversa do alvo e sem poderes bastantes de representação da pessoa colectiva. No corpo da motivação acrescenta que não se encontra nos autos o mandado de busca relativo à realizada no dia 16 de Fevereiro de 2007 e não sendo possível o seu controlo deve, na dúvida, decidir-se pro reo, que a busca realizada no dia 9 de Outubro de 2008 excedeu os limites físicos constantes do mandado pois que o mandado do Ministério Público de fls. 1069 exclui os quartos do piso superior, enquanto o mandado da Mma. Juiz de instrução de fls. 1095 já permite a busca aos quartos mas refere apenas o art. 177º, nº 1 do C. Processo Penal, não referindo o nº 2 do mesmo artigo, tendo a recorrente assinado a declaração de fls. 1088, cujo texto não é da sua autoria, não tendo conhecimentos legais para a entender nem estando então assistida por defensor, nem nunca tendo sido gerente da arguida associação nem membro da sua direcção, não a podendo representar.  

            Vejamos.

            A busca é um meio de obtenção de prova que visa a detenção do arguido ou de outra pessoa, ou a descoberta de objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, quando existam indícios de que se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público (art. 174º, nº 2 do C. Processo Penal). Ela é autorizada ou ordenada por despacho da autoridade judiciária competente e deve ser realizada no prazo de trinta dias, sob pena de nulidade (nºs 3 e 4 do mesmo artigo), não carecendo, no entanto, de determinação ou autorização, quando realizada por órgão de polícia criminal [doravante, OPC] nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando existam indícios fundados da prática iminente do crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de pessoas, quando o visado tenha consentido, desde que o consentimento tenha ficado documentado e no caso de detenção em flagrante delito por crime punível com prisão (nº 5 do mesmo artigo). Antes de se proceder à busca deve ser entregue a quem tiver a disponibilidade do lugar, salvo quando não tenha sido previamente autorizada pela autoridade judiciária, cópia do despacho que a ordenou, com menção de que a ela pode assistir e fazer-se acompanhar ou substituir (art. 176º, nº 1 do C. Processo Penal).

            Por não terem regimes legais exactamente coincidentes, há que distinguir entre busca domiciliária e busca não domiciliária.

            Em regra, a busca domiciliária só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7h e as 21h, sob pena de nulidade (art. 177º, nº 1 do C. Processo Penal). Pode, porém, excepcionalmente, ser efectuada entre as 21h e as 7h nos casos, a) de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, b) consentimento do visado, desde que fique documentado por qualquer forma, c) flagrante delito por crime punível com prisão de máximo superior a três anos (nº 2 do mesmo artigo).

A busca domiciliária pode também ser ordenada pelo Ministério Público ou efectuado por OPC, a) entre as 7h e as 21h, nos casos de, i., terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando existam indícios fundados da prática iminente do crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de pessoas, ii., consentimento do visado, desde que fique documentado por qualquer forma, iii., detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão e, b) entre as 21h e as 7h, nos casos de i., consentimento do visado, desde que fique documentado por qualquer forma, ii., flagrante delito por crime punível com prisão de máximo superior a três anos (alíneas a) e b) do nº 3 do art. 177º do C. Processo Penal).

Para efeitos de um consentimento validamente prestado, visado, é a pessoa referida no mandado, suspeito ou arguido, mas, cumulativamente, titular do direito à inviolabilidade do domicílio, o que significa que pode não ser a pessoa que tem a disponibilidade do lugar em que a diligência se realiza. 

            Já a busca não domiciliária pode ser efectuada a qualquer hora do dia ou da noite, observadas as formalidades supra referidas, constantes do art. 176º do C. Processo Penal.

            Resta agora fixar o conceito de domicílio, para efeitos de qualificar a busca como domiciliária ou não domiciliária. Uma primeira aproximação é-nos permitida pelo art. 177º, nº 1 do C. Processo Penal – Busca domiciliária – estabelece que, a busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade. Assim, para a lei do processo, domicílio é sinónimo de casa habitada ou sua dependência fechada. Mas só isto não basta.

            Com efeito, traduzindo-se a busca numa restrição à inviolabilidade do domicílio assegurada pelo art. 34º, nºs 1, 2 e 3 da CRP, certo é que o Tribunal Constitucional tem adoptado um conceito amplo de domicilio, definindo-o habitação humana ou seja, todo o espaço fechado e vedado a estranhos, onde de forma recatada e livre se desenvolve o acervo de condutas e procedimentos caracterizadores da vida privada e familiar (cfr. Acs. do Tribunal Constitucional nº 452/89, de 28 de Junho de 1989, nº 507/94, de 14 de Julho de 1994 e nº 364/2006, de 8 de Junho de 2006, todos in www.tribunalconstitucional.pt). Deste modo, não relevam para a definição do conceito as circunstâncias de a habitação ser permanente ou eventual, ser principal ou ser secundária, mas nele podem incluir-se tendas, «roullotes», auto-caravanas, algumas embarcações e mesmo, quartos de hotel (cfr. Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado, 2104, Almedina, pág. 749 e Francisco Marcolino de Jesus, Os Meios de Obtenção de Prova em Processo Penal, 2011, Almedina, pág. 191 e ss.).  

            Já não integram o conceito de domicílio, não obstante a amplitude que lhe conferiu o Tribunal Constitucional, com particular relevo para a questão sub judice, os quartos ou outras dependências anexas a estabelecimento de diversão nocturna, onde sejam praticados actos sexuais remunerados, pois não pode fazer-se corresponder o conceito constitucional de domicílio a todo e qualquer local onde sejam praticados actos que à esfera da intimidade ou da vida privada do cidadão ou seja, a natureza íntima dos actos praticados em certo lugar não implica, ipso facto, a sua qualificação como domicílio (cfr. Ac. Tribunal Constitucional nº 364/2006, já citado) e ainda, os locais de trabalho e a sede de pessoa colectiva (cfr. Santos Cabral, ob. cit., pág. 749 e ss.).

            Posto isto.

            5.1. A recorrente funda a nulidade e/ou ilegalidade da busca não domiciliária, realizada no dia 16 de Fevereiro de 2007, na circunstância de não se encontrar nos autos o mandado judicial que autorizou a diligência, o que impede o controlo da sua legalidade, devendo, na dúvida, o ‘desempate’ ser feito pela aplicação do princípio in dubio pro reo.

            O pro reo, enquanto corolário do princípio constitucional da presunção da inocência, responde à questão processual da dúvida sobre o facto, impondo ao julgador que o non liquet da prova seja resolvido favoravelmente ao arguido. Não se destina a solucionar qualquer dúvida sobre a validade ou invalidade de acto processual e, muito menos, qualquer dúvida sobre a interpretação e/ou aplicação do direito.

            Consta da acusação, mais concretamente, de fls. 685 a 686, que parte da prova documental nela oferecida resulta de certidão extraída do inquérito nº 104/08.1TAPBL que, por sua vez, resulta de certidão do inquérito nº 2/05.0GALSA.

            Por outro lado, o auto de busca e apreensão, da diligência efectuada pelas 4h do dia 16 de Fevereiro de 2007, encontra-se a fls. 236 e seguintes e a fls. 246 e seguintes do Apenso que constitui a certidão referida, neste se encontrando também várias declarações de consentimento [cfr. fls. 239 a 245]. Acresce que no Relatório de Busca de fls. 280 e seguintes do mesmo apenso se referem expressamente, o mandado de busca e apreensão para as áreas comerciais, escritórios e respectivos anexos, do estabelecimento boite Associação D... , emitido pelo Digníssimo Procurador Adjunto dos Serviços do Ministério Público da Lousã, em 23 de Janeiro de 2007, a fls. 497 dos autos, e o mandado de busca e apreensão para os domicílios existentes no estabelecimento boite Associação D... , emitido pela Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra, em 19 de Janeiro de 2007, a fls. 501 dos autos.

Da certidão em referência não fazem parte fls. 497 e 501 dos autos de onde foi extraída, pelo que, efectivamente, dela não fazem parte os referidos mandados de busca. Porém, se dúvidas tinha sobre a legalidade da respectiva emissão, bastava à recorrente ter solicitado a junção da respectiva certidão, o que não fez. O que não pode é, agora, presumir a existência de irregularidades.

Em suma, não se demonstrando a existência de qualquer nulidade, intocados ficam os pontos 32 a 50 dos factos provados.

5.2. Relativamente à busca de 9 de Outubro de 2008, a recorrente suporta a afirmada nulidade na circunstância de aquela ter ultrapassado os ‘limites físicos de incidência que constantes do mandado’, já que este claramente excluía da busca ‘os quartos superiores enquanto residência’, mas, habilmente, o que aparece no auto de busca e apreensão é a designação «Local», sendo deliberadamente omitida a excepção. Ora, ressalvado sempre o devido respeito, não se percebe a objecção levantada.    

No apenso denominado «Documentação extraída do Inquérito 309/07.2GAANS – A», a fls. 2, encontra-se um mandado de busca e apreensão, datado de 30 de Setembro de 2008, emitido por uma Magistrada do Ministério Público, onde figura como suspeito o arguido e recorrente A... , e como local da diligência o estabelecimento «Associação D... », situado na (...) , (...) . Do mesmo mandado consta, «A busca deverá incidir sobre o imóvel, mesmo na parte ocupada por pessoas diferentes do aqui suspeito, incluindo anexos e arrecadações, com excepção dos quartos superiores enquanto residência das empregadas do suspeito e ainda sobre todos os veículos encontrados na disponibilidade do suspeito e dos seus empregado(a)s.».

No mesmo apenso, a fls. 28, encontra-se um mandado de busca e apreensão, datado de 9 de Setembro de 2008, emitido pela Mma. Juíza de instrução do [já extinto] Tribunal Judicial da comarca de Ansião, do qual consta, além do mais, «A busca deverá incidir nos quartos situados no piso superior do Estabelecimento “Associação D... ”, sito na (...) – (...) .».

A busca, assim ordenada, foi iniciada pelas 2h15m do dia 9 de Outubro de 2008, pela GNR. Consta do auto – de busca e apreensão – a fls. 4 a 6 do apenso, além do mais, «Local: Estabelecimento denominado “Associação D... ”, sito na (...) – (...) (“A busca deverá incidir sobre o imóvel, mesmo na parte ocupada por pessoas diferentes do aqui suspeito, incluindo anexos e arrecadações, e ainda sobre todos os veículos encontrados na disponibilidade do suspeito e dos seus empregados.». E lê-se no relato da diligência que nele, auto, é feito, que os militares da GNR, na sua execução, percorreram o hall de entrada, o interior do bar, incluindo a zona atrás do balcão de atendimento, perto da caixa registadora, um compartimento lateral, zonas onde efectuaram apreensões, e depois, o restante espaço, onde nada mais foi apreendido. A reportagem fotográfica de fls. 7 a 17 do apenso, realizada durante o decurso das operações de busca descritas no auto, confirma que os locais fotografados correspondem às zonas do estabelecimento buscadas, acabadas de enunciar, excepção feita às fotografias 19 e 20, a fls. 16 e 17, que têm por objecto documentos existentes na porta e no porta-luvas de uma viatura que se encontrava estacionada no parque. Até aqui, portanto, não se vê que tenha sido excedido o limite espacial fixado no mandado de fls. 2.

Consta do auto – de busca e apreensão – de fls. 30 a 32, datado de 9 de Outubro de 2008, que a busca aos quartos situados no piso superior do estabelecimento se iniciou pelas 4h55m, tendo sido buscados quatro quartos, o último dos quais, habitado pela recorrente, duas cozinhas e uma dependência anexa a uma destas percorridos, tendo sido apreendidos objectos encontrados em três dos quartos. A reportagem fotográfica de fls. 33 a 40 do apenso, realizada durante o decurso das operações de busca descritas no auto, confirma que os locais fotografados correspondem aos quartos do piso superior do imóvel, referidas no auto. Assim, também daqui não resulta que tenha sido excedido o limite espacial fixado no mandado de fls. 28.

Pretende ainda a recorrente que, não fazendo os mandados de busca alusão expressa ao art. 177º, nº 2 do C. Processo Penal, e tendo tido a diligência início às 2h15m e, na parte relativa ao piso superior, às 4h55m, é a mesma nula por estar fora do âmbito temporal admissível. Sem razão, porém. Explicando.

Desde logo não colhe o argumento de inexistência de expressa alusão ao nº 2 referido, relativamente ao mandado de fls. 2 pois que, tendo nele sido invocado o art. 177º do C. Processo Penal, é quanto basta para aí se considerarem abrangidos todos os números que o integram. Em todo o caso, o ponto questionado é irrelevante.

É que a busca foi efectuada a um estabelecimento de diversão nocturna, situado na (...) , (...) , denominado Associação D... , também conhecido no meio, como K... , conforme acusação e ponto 6 dos factos provados do acórdão recorrido. Este estabelecimento de diversão nocturna, ainda que sob a capa, formal, de uma ‘associação’ e funcionando numa casa, não integra o conceito de domicilio que, supra, se deixou definido pois, sendo embora um espaço fechado e vedado a alguns estranhos, aí não desenvolvia o visado, in casu, o recorrente, o conjunto de comportamentos caracterizadores da sua vida privada e familiar. Não constituindo o local buscado um domicilio, a busca nele realizada não foi uma busca domiciliária e por isso, não estava sujeita ao período de tempo previsto no art. 177º, nº 1 do C. Processo Penal, com a ressalva do que segue.

É certo que a fls. 21 do apenso se encontra uma declaração subscrita pela recorrente, datada de 9 de Outubro de 2008, na qual a mesma, na qualidade de sócia e gerente da a associação arguida, declara autorizar a busca aos quartos do piso superior do estabelecimento, e de fls. 22 e 23, também do apenso, igualmente datadas de 9 de Outubro de 2008, assinadas por AN...e AO... se encontram idênticas declarações relativamente ao quarto que cada um habitava, constando do Relatório de Busca de fls. 24 a 27 do mesmo apenso, residir o primeiro na associação e o segundo ser o porteiro, tendo indicado como residência a Rua (...) , (...) . Por sua vez, consta do auto de busca e apreensão de fls. 30 a 32 que um dos quartos buscados era o quarto da recorrente, assim identificado também na fotografia nº 12, a fls. 39, embora esta conste, nos relatórios de busca de fls. 24 a 27 e 41 a 42 do apenso, como residente na (...) , (...) . Pois bem.

Relativamente aos quartos buscados que, vamos admitir sem conceder, pudessem ser habitados pela recorrente e pelos referidos AN...e AO... [tanto quanto as fotografias dos autos revelam, tais quartos não tinham, manifestamente, sinais de correspondentes a tal fim], sendo estes, inquestionavelmente, os titulares do direito à inviolabilidade do domicílio constitucionalmente garantido e ofendido pela busca [e não, a associação arguida e o arguido], temos por seguro que o consentimento dado a torna conforme ao disposto no art. 177º, nºs 2, b) e 3, b) do C. Processo Penal, na medida em que não exige qualquer especial conhecimento de direito o sentido comum do consentimento dado ao OPC para a realização de busca a quarto habitado. Relativamente ao quarto sobrante, nele decorrendo a prática de actos sexuais remunerados não é integrável no conceito de domicílio, como atrás se deixou dito, pelo que, a busca de que foi objecto não foi uma busca domiciliária, o que torna irrelevante a questão de saber se o consentimento dado pela recorrente o podia ou não abranger e ser, por tal razão, operante, por não estar sujeita ao limite temporal do nº 1 do art. 177º do C. Processo Penal.

Em conclusão, a busca realizada em 9 de Outubro de 2008 não padece de nulidade e, consequentemente, são válidas as apreensões efectuadas, subsistindo intocados os pontos 57 a 74 dos factos provados.

5.3. No que respeita à invocada inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade e legalidade, da interpretação do nº 2 do art. 177º do C. Processo Penal que indica [a realização de busca domiciliária entre as 21h e as 7h, sem menção expressa da autorização no respectivo mandato, e tendo como pressuposto o consentimento dado por quem não é visado nem tem poderes bastantes de representação], cumpre, em primeiro lugar, dizer que a recorrente não densificou a alegada violação de princípios constitucionais, e não compete ao tribunal de recurso, dada a pluralidade de sentidos e aspectos possíveis, escolher ou precisar os que, eventualmente, teriam orientado a sua posição. Acresce que, como resulta do que, supra, se deixou exposto, a indicada interpretação normativa não foi aplicada, pois que, na parte em que a busca foi não domiciliária, não estava sujeita a período temporal e não carecia, por isso, de consentimento, e na parte em que foi domiciliária [os três quartos supostamente habitados] o consentimento foi prestado pelos titulares do direito à inviolabilidade do domicilio [a recorrente e os dois cidadãos referidos].        

Em suma, improcede a invocada inconstitucionalidade.


*

Da nulidade e da inconstitucionalidade das escutas telefónicas

6. Alegam os recorrentes – conclusões C e D da motivação do recorrente e conclusões H, I e J da motivação da recorrente – que são nulas as escutas telefónicas, nos termos do art. 190º do C. Processo Penal, por terem sido as intersecções efectuadas em momento muito anterior ao das respectivas constituições como arguido, por terem sido efectivadas em inquérito distinto que veio a ser arquivado, por terem incidido sobre outro estabelecimento, não incidindo qualquer despacho de autorização sobre a associação arguida, e que representam uma intromissão abusiva na vida privada, em violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, lealdade, boa-fé e concordância prática, pois não se percebe como, face a todos os meios de investigação disponíveis, se entendeu indispensável para a descoberta da verdade a utilização deste meio de obtenção de prova. No corpo das respectivas motivações acrescentam, concretizando, a cronologia do início do processo, do início e termo das escutas, dos interrogatórios, da incorporação das escutas nos autos, e a recorrente, ainda que, não tendo sido alvo das escutas, não pôde valer-se da faculdade conferida pelo nº 11 do art. 188º do C. Processo Penal, sendo inconstitucional a interpretação e dimensão normativa do art. 187º, nº 7 do mesmo código, no sentido de puderem ser usadas escutas telefónicas de cujo alvo não foi o arguido, levadas a cabo em processo distinto e anteriores à sua constituição na referida qualidade processual, por violação do contraditório e garantias de defesa.

            Vejamos.

            A escuta telefónica é, igualmente, um meio de obtenção de prova, com regime previsto nos arts. 187º a 190º do C. Processo Penal, aí definida como a intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas (cfr. nº 1 do art. 187º citado).

Ela consiste, pois, na captação, feito por terceiro – interceptor –, de uma comunicação telefónica entre pessoas, por meio de processo mecânico e electrónico, sem conhecimento de, pelo menos, uma dessas. A intercepção e gravação em que se consubstancia a escuta telefónica pode ser definida como o conjunto de operações técnicas, levadas a cabo por instrumentos electrónicos de captação e registo de fluxos informacionais e comunicacionais digitais, com vista à sua gravação e conservação, em tempo real, num suporte electrónico-digital (de armazenamento – Disquete, CD, DVD, etc.), de um dado fluxo informacional ou comunicacional que, de outro modo, se teria “perdido” no seu acontecer espácio-temporalmente delimitado (Armando Veiga e Benjamim Silva Rodrigues, Escutas Telefónicas, 1ª Edição, Coimbra, 2006, pág. 140 e ss.).        

Numa outra perspectiva, colocando o acento tónico nos seus requisitos legais, a escuta telefónica pode definir-se como um meio de obtenção de prova que visa recolher provas da prática de crimes de especial gravidade, que depende de prévia autorização do juiz de instrução, a ser dada em decisão devidamente fundamentada e definidora das condições em que o OPC realizará a intercepção e gravação das conversações ou comunicações telefónicas determinadas. 

6.1. A escuta telefónica, enquanto meio de obtenção de prova, tem carácter excepcional, pela grande danosidade social que implica ao invadir, de forma muito relevante, os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, v.g., o direito à palavra, o direito à privacidade e intimidade, e o direito à não auto-incriminação, para além de ser praticamente impossível o controlo dos danos causados. Por isso, o nº 1 do art. 187º do C. Processo Penal fixa o seu requisito material, só a permitindo quando existam razões para crer que a ela é indispensável para a descoberta da verdade, ou existam razões para crer que, sem ela, a prova seria de impossível ou muito difícil obtenção.    

A escuta telefónica não pode ser autorizada para a obtenção de prova relativa a todo e qualquer crime, mas apenas para os crimes do catálogo isto é, os previstos no nº 1 do art. 187º do C. Processo Penal, a saber: crimes puníveis com pena de prisão superior a três anos; crimes relativos ao tráfico de estupefacientes; crimes de detenção de arma proibida e de tráfico de armas; crime de contrabando; crimes de injúria, ameaça, coacção, devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através do telefone; crimes de ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais de perigo; crime de evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes antecedentes.

O nº 4 do art. 187º do C. Processo Penal contém a lista de quem pode ser alvo de escuta telefónica. Em primeiro lugar, o suspeito ou o arguido, entendendo-se por aquele qualquer cidadão sobre quem recaíam indícios minimamente seguros da prática de crime do catálogo. Depois, o intermediário, entendido como todo aquele que, pela sua proximidade com o arguido ou suspeito, seja por razões de ordem familiar, seja por razões de amizade, ou por quaisquer outras que levem ao contacto com entre ambos, ainda que ocasional ou forçado, se prefigure como potencial interlocutor (Ac. da R. de Lisboa de 6 de Dezembro de 2007, proc. nº 10278/07-9, in www.dgsi.pt), desde que sobre ele recaiam fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido. Por fim, a vítima do crime, em regra, o ofendido, desde que tenha dado o seu consentimento à escuta telefónica, expresso ou presumido, pressuposta, por outro lado, a realização da diligência no seu interesse.

É da exclusiva competência do juiz de instrução a autorização para a realização da escuta telefónica no inquérito, a requerimento do Ministério Público, através de despacho devidamente documentado (arts. 187º, nº 1 e 269º, nº 1, e), do C. Processo Penal), autorização que se mantém pelo prazo de três meses, renovável por idênticos períodos, desde que se mantenha a verificação dos respectivos requisitos de admissibilidade (nº 6 do citado art. 187º).

Em regra, a escuta telefónica autorizada para a investigação do crime ou dos crimes referidos na fundamentação do despacho de autorização, não pode servir para a investigação de outro ou de outros crimes. Esta regra comporta, no entanto, excepções, que se prendem com os, comummente designados, conhecimentos fortuitos [por contraposição aos conhecimentos da investigação].

Já sabemos que uma das razões do carácter excepcional da escuta telefónica é a impossibilidade de controlar os danos causados pois nunca se sabe o que vai ser ouvido e interceptado. Com efeito, a escuta telefónica válida tem um objecto, os factos para cuja investigação, ela foi autorizada. Porém, com alguma frequência, acontece que através dela se conhecem outros factos, sem cabimento naquele objecto, por lhe serem completamente alheios, o que suscita a questão da saber se tais factos podem ou não ser considerados no processo, o que vai depender da sua qualificação como, ainda, conhecimentos da investigação ou, já, conhecimentos fortuitos. Apesar das sucessivas alterações ao C. Processo Penal, iniciadas com a Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, o legislador não clarificou a questão – na verdade, os nºs 7 e 8 do art. 187 do C. Processo Penal vieram resolver questão distinta, se bem que relacionada, como veremos de seguida – que, face ao vazio legal, continua a ser resolvida pela doutrina e jurisprudência.

Brevitatis causa, diremos que a posição seguida maioritariamente, estabelece um conjunto de ‘constelações típicas’ que considera pertencerem aos conhecimentos da investigação, entre outros, os factos que estão numa relação de concurso aparente com o crime objecto da investigação por escuta telefónica, os crimes alternativos que com aquele estejam numa relação de comprovação alternativa dos factos, os crimes fim quando a escuta telefónica tenha por objecto a investigação de uma associação criminosa, as diferentes formas de comparticipação, favorecimento pessoal e receptação, pois em todos estes casos, o processo histórico que fundamenta a decisão autorizadora da escuta telefónica abrange, à partida, os crimes posteriormente descobertos, atribuindo aos conhecimentos fortuitos um alcance residual (Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, pág. 305 e ss.). O mesmo autor, no que concerne à valoração probatória dos conhecimentos fortuitos, no próprio processo, considera necessário, para tal efeito, que se reportem a um crime do catálogo e que se verifiquem as exigências complementares tendentes a reproduzir aquele estado de necessidade investigatório que o legislador terá arquetipificamente representado como fundamento da legitimação (excepcional) das escutas telefónicas (ob. cit., pág 312 e ss.). No mesmo sentido vai Germano Marques da Silva (cfr. Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, Editorial Verbo, 2002, pág. 225). Em sentido diverso pronunciou-se Ana Raquel Conceição, para quem são conhecimentos da investigação todos os conhecimentos que se traduzam nos factos que constam do auto de autorização judicial legitimador da escuta telefónica, pois apenas para estes existe legitimidade de produção e valoração de prova, em relação aos demais, a sua valoração só será legitima para instruir ou iniciar um processo autónomo ou independente, (Escutas Telefónicas. Regime Processual Penal, Quid Juris, pág. 226 e ss.).    

Os já mencionados nºs 7 e 8 do art. 187º do C. Processo Penal vieram regular o aproveitamento das gravações de intercepção, que contenham conhecimentos de investigação e/ou conhecimentos fortuitos, noutro processo já instaurado ou a instaurar, desde que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: a pessoa escutada seja suspeito, arguido, intermediário ou vítima; o crime objecto do novo processo seja crime do catálogo; a indispensabilidade da gravação para a prova deste crime.

Posto isto.

6.2. Os presentes autos tiveram início em 27 de Fevereiro de 2007, com autuação como «inquérito (lenocínio)» [fls. 1].

O recorrente foi constituído arguido em 27 de Maio de 2009 [fls. 223] e a recorrente foi constituída arguida em 13 de Maio de 2009 [fls. 214].

Por despacho do Digno Magistrado do Ministério Público titular do inquérito, de 11 de Janeiro de 2012 [fls. 629 a 632], foi determinado, nos termos do disposto no art. 187º, nºs 7 e 8 do C. Processo Penal, que se oficiasse ao Inquérito nº 309/07.2GAANS, a fim de que fosse promovido junto do Juiz de Instrução a remessa de cópia da totalidade da gravações em que foi alvo o arguido A... , os relatórios a elas referentes, os despachos e suportes técnicos das conversações ou comunicações referentes à autorização, manutenção e cessação das escutas telefónicas efectuadas àquele alvo. Os elementos referidos foram juntos aos presentes autos, por apenso – apenso Documentação extraída do Inquérito 309/07.2GAANS-B – em 25 de Janeiro de 2012. [fls. 637].

Por despacho do mesmo Magistrado do Ministério Público de 31 de Janeiro de 2012 [fls. 641] foi solicitado ao Inquérito nº 309/07.2GAANS certidão, do despacho do Ministério Público nele proferido, promovendo o envio dos elementos solicitados, e certidão do despacho judicial que a deferiu. Em 10 de Fevereiro de 2012 foi junta aos autos a certidão solicitada [fls. 646 a 649].

As escutas telefónicas efectuadas no Inquérito nº 309/07.2GAANS tiveram como escutados A... , aqui arguido e recorrente, J... e N... , aí suspeitos da prática de crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 169º do C. Penal [cfr. despacho de autorização de intercepção de fls. 4 a 5 do apenso], e decorreram entre 18 de Junho de 2008 [cfr. fls. 28 do apenso] e 17 de Agosto de 2008 [cfr. fls. 316 do apenso], integrando o apenso a transcrição das conversações interceptadas ao recorrente.

A acusação foi deduzida em 14 de Fevereiro de 2012 [fls. 656 e 693], nela sendo oferecida como prova documental, além do mais, o apenso em referência.

Pois bem.

Os recorrentes têm razão quando dizem que as escutas telefónicas efectuadas no Inquérito nº 309/07.2GAANS o foram em momento anterior – cerca de nove meses – ao da respectiva constituição de arguido, em processo distinto dos presentes autos, e não existindo despacho de autorização sobre a associação arguida. Porém, todos estes aspectos são irrelevantes.

Em primeiro lugar, se no Inquérito nº 309/07.2GAANS o estabelecimento suspeito de albergar a prática de lenocínio tinha a denominação « x...» e ficava situado em (...) , (...) [cfr. despacho de fls. 4 e 5 do apenso], e nos presentes autos o estabelecimento era a «Associação D... » também conhecido por « K... », situado na (...) , (...) , os alvos das escutas telefónicas foram sempre pessoas físicas, entre elas, o ora arguido e recorrente. Por isso, não existe, nem poderia existir naquele inquérito despacho judicial de autorização de escutas telefónicas à associação arguida.

Em segundo lugar, investigando-se no Inquérito nº 309/07.2GAANS um crime de lenocínio portanto, um crime do catálogo (art. 187º, nº 1, a) do C. Processo Penal), tendo os presentes autos por objecto, também e além do mais, um crime de lenocínio, resultando a gravação das conversações juntas aos autos da intercepção de conversas de quem, ali era, pelo menos, suspeito [o ora arguido e recorrente], sendo certo que a indispensabilidade para a prova do crime de lenocínio dos autos resulta, desde logo, das patentes dificuldades na sua investigação designadamente, pela mobilidade dos intervenientes e especificidade da actividade desenvolvida, estão verificados os pressupostos de que o nº 7 do art. 187º do C. Processo Penal faz depender o aproveitamento das gravações de intercepção, que contenham conhecimentos de investigação e/ou conhecimentos fortuitos, noutro processo (cfr. Ac. do STJ de 8 de Fevereiro de 2012, processo nº 157/09.5JAFAR.E1.S1, in www.dgsi.pt e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4ª Edição, 2011, pág. 528).

Por outro lado, sendo verdade que a recorrente não foi suspeita ou arguida no Inquérito nº 309/07.2GAANS e nem nele foi escutada, afigura-se-nos que, nos casos em que, existindo escutas telefónicas no processo tendo por alvo um arguido, em que o crime é imputado em co-autoria ou nos casos, como nos autos, em que existe o aproveitamento das gravações de intercepção efectuadas noutro processo onde um dos arguidos não foi ali escutado, pode este socorrer-se do disposto no nº 11 do art. 188º do C. Processo Penal, a fim de controlar a legalidade e fidedignidade da transcrição. Em todo o caso, mesmo que assim não fosse, sempre poderia a recorrente aceder aos suportes técnicos pela via da alínea b) do nº 9 do mesmo artigo.  

Finalmente, sendo inquestionável que as escutas telefónicas afectam directamente o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, previsto no art. 26º, nº 1 da CRP [e os decorrentes direitos, à palavra falada e à inviolabilidade das comunicações], é também verdade que a Lei Fundamental admite leis restritivas de direitos, liberdades e garantias desde que se limitem ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos não podendo, no entanto, diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (cfr. nºs 2 e 3 do art. 18º da CRP).

Sendo tarefa do Estado assegurar os fins do processo penal, a pormenorizada regulamentação das escutas telefónicas que hoje consta do C. de Processo Penal constitui, desde que observada, uma compressão tolerável daquele direito, pelo que não vemos como possa ser considerado inconstitucional o nº 7 do art. 187º daquele código, na dimensão normativa apontada pela recorrente, por violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, lealdade e boa-fé [que a recorrente não densifica].    

Em suma, improcedem as invocadas, nulidade e inconstitucionalidade, das escutas telefónicas, ficando intocados os pontos 80 a 94 dos factos provados.


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Da violação do art. 355º do C. Processo Penal pela não reprodução das escutas telefónicas na audiência de julgamento e da inconstitucionalidade do art. 188º, nº 7 do C. Processo Penal quando interpretado no sentido de que a transcrição das escutas desacompanhada da sua audição em audiência pode ser valorada como prova documental

7. Alegam os recorrentes – conclusões B e E da motivação do recorrente e conclusões G e K da motivação da recorrente – que as escutas telefónicas, por não terem sido reproduzidas na audiência de julgamento nem levadas ao seu conhecimento, limitaram, inexoravelmente, os seus direitos de defesa, não podendo, por isso, ser valoradas, sendo inconstitucional a interpretação do art. 188º, nº 7 do C. Processo Penal no sentido de a transcrição das escutas, desacompanhada da sua audição na audiência, poder valer como prova documental, livremente valorada, por violação das garantias de defesa. No corpo das respectivas motivações acrescentam que o papel não exprime sentimentos nem formas de falar pelo que, a real percepção do contexto das conversas escutadas torna premente a sua audição.     

Vejamos.

Já sabemos que a escuta telefónica consiste na intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas. Através deste meio de obtenção de prova podem revelar-se ou, preferindo-se, obter-se, outros meios de prova dos quais, o mais relevante, até pela sua especificidade, é o auto de transcrição das conversações ou comunicações (cfr. art. 188º, nºs 9 e 10 do C. Processo Penal). Este auto constitui, evidentemente, prova documental.

Por outro lado, a sua valoração probatória feita no acórdão recorrido não viola o princípio da imediação da prova, de que o art. 355º do C. Processo penal constitui manifestação. Com efeito, se o nº 1 deste artigo estabelece que não podem valer para a formação da convicção do tribunal de julgamento as provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência, já o seu nº 2 ressalva da regra do nº 1 as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes isto é, nos termos dos arts. 356º e 357º do mesmo código. Ora, as conversações escutadas, levadas aos autos de transcrição, não podem ser consideradas declarações do arguido pois estas são, apenas e só, as prestadas nos termos do art. 140º, 141º, 143º e 144º do C. Processo Penal e as únicas cuja leitura na audiência, a alínea b) do nº 1 do art. 356º do mesmo código interdita.

Vale isto dizer que, se nos termos do disposto nesta alínea, é permitida a leitura do auto de transcrição, então, nos termos do disposto no art. 355º, nº 2 do C. Processo Penal, é legalmente admissível a sua valoração probatória em julgamento, sem necessidade da sua produção e exame em audiência.

Sendo permitida, como é, embora não obrigatória, para o mencionado efeito, a leitura do auto de transcrição, nada impedia os recorrente de requererem essa mesma leitura na audiência de julgamento, designadamente, para demonstrar ao Tribunal Colectivo qual o real sentido que entendiam dever ser atribuído às conversações interceptadas, gravadas e transcritas. Se não o requereram, sibi imputet

Por outro lado, alegar que as escutas não foram levadas ao seu conhecimento, quando elas se encontram nos autos desde 25 de Janeiro de 2012 [fls. 637] e a acusação foi proferida em 14 de Fevereiro de 2012, estando, portanto, perfeitamente acessíveis a partir de então, não é, sequer, argumento.   

Finalmente, no que respeita à invocada inconstitucionalidade, mostra-se, ressalvado sempre o devido respeito, deslocada a imputação da mesma ao nº 7 do art. 188º do C. Processo Penal, que regula a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para a fundamentação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial. E se, porventura, se pretendeu apontar a inconstitucionalidade ao nº 9 do mesmo artigo, já que define que conversações ou comunicações podem valer como prova, certo é que esta norma nada tem a ver com as formalidades de prova a observar na audiência de julgamento.

Em todo o caso, não foi indicado o preceito da Lei Fundamental violado mas a genérica afirmação da limitação dos direitos de defesa, sem que, contudo, se descortine em que consistiu essa limitação, pelo que não existe qualquer inconstitucionalidade.

Em suma, não se mostra violado o princípio da imediação, nem, por vis deste, ocorreu qualquer inconstitucionalidade, permanecendo intocados os pontos 80 a 94 dos factos provados.


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Dos vícios da contradição insanável e do erro notório na apreciação da prova

8. Alegam os recorrentes – conclusão EE da motivação da recorrente e 1º § da conclusão das conclusões da motivação do recorrente – que o acórdão recorrido padece dos vícios da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova porque, o ponto 97 e o vertido a fls. 48, relativamente à conduta facilitadora se opõem, na medida em que deste último resulta que teriam uma conduta meramente passiva e alheia à vontade das mulheres. No corpo da motivação da recorrente é ainda apontada a contradição insanável entre a afirmação, para efeitos de legitimação da busca, que as cidadãs consentiram, o que equivale a admitir que os quartos estavam na sua livre disponibilidade, e não, na dos arguidos, ocorrendo assim os factos fora dos limites físicos da própria associação arguida.

Vejamos.

8.1. Os vícios previstos no nº 2, do art. 410º do C. Processo Penal – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação do prova – são defeitos estruturais da própria decisão penal razão pela qual, e nos termos da lei, a sua demonstração tem que resultar do respectivo texto, por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum. No âmbito da revista alargada – comum designação deste regime – o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto – no sentido da reapreciação da prova –, antes limita a sua actuação à detecção dos vícios que a sentença, por si só e nos seus precisos termos, evidencia e, não podendo saná-los, determina o reenvio do processo para novo julgamento. 

A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste, basicamente, numa oposição na matéria de facto provada [v.g., dão-se como provados dois ou mais que dois factos que estão entre si, em oposição sendo, por isso, logicamente incompatíveis], numa oposição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada [v.g., dá-se como provado e como não provado o mesmo facto], numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto [v.g., quando se dá como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo exposto, que seria outra a decisão de facto correcta], ou ainda quando existe oposição entre a fundamentação e a decisão [v.g., quando a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença consta decisão de sentido inverso]. 

E existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal valora a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, Editorial Verbo, pág. 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 74).

8.2. Relativamente à contradição insanável da fundamentação, cumpre dizer que o ponto 97 dos factos provados do acórdão recorrido tem por objecto um facto subjectivo, o dolo dos arguidos e ora recorrentes, relativamente ao imputado crime de lenocínio, como ao mesmo facto, aliás, se referem os pontos 94, 95 e 98, enquanto o segmento de fls. 1142, de que a recorrente se socorre, e que se integra na discussão de existir ou não, continuação criminosa [fls. 48 do acórdão, sendo certo que este não tem paginação autónoma] tem o seguinte teor «É que, não fosse o nº 3, em nossa opinião, seria indiscutivelmente um caso de aplicabilidade do nº 2, na medida em que tratamos de actos seguidos no tempo, com contornos semelhantes, no âmbito da mesma actividade e pode a sua execução ter-se como externa à conduta dos arguidos, em termos tais que são passíveis de diminuir sensivelmente a sua culpa, pois que a prática dos actos de prostituição em causa dependia directamente e tão só da conjugação da vontade da mulher que alternando, decidia manter relações sexuais e do cliente que os procura ou aos correspondentes pedidos acede, sendo a actuação dos arguidos meramente passiva e alheia a essa conjugação de vontades, da qual se limitam a retirar o correspondente benefício.».

A referência feita a uma conduta meramente passiva e alheia à conjugação de vontades da mulher que pratica o alterne e do respectivo cliente para a prática do acto sexual, deve ser entendida em sentido restrito isto é, deve ser entendida como referida ao próprio ‘acordo’, em cada momento da actividade, obtido, tendo por objecto uma concreta deslocação, seja ao piso superior do estabelecimento, seja a qualquer outro local, para a prática do acto sexual acordado, pois que, numa perspectiva mais ampla, a mera circunstância de os arguidos facultarem a frequência do estabelecimento e a subida ao piso superior, quando tal sucedia, para o dito efeito, às mulheres que ali praticavam o alterne, afasta a pretendida, pelos recorrentes, absoluta passividade e alheamento das suas condutas. E, como é sabido, a conduta típica do crime de lenocínio reconduz-se, tão-só, ao fomento, favorecimento ou facilitação, profissionalmente ou com intenção lucrativa, da prática da prostituição por terceira pessoa.

Nesta perspectiva, não existe qualquer contradição insanável entre o ponto de facto provado e o segmento da fundamentação jurídica do acórdão, apontados.

Relativamente à segunda contradição insanável apontada, ligada agora à disponibilidade dos quartos do piso superior do estabelecimento pelas mulheres que aí se dedicavam à prostituição, redonda, bem vistas as coisas, na mesma perspectiva da anterior e por isso, limitamo-nos a concluir que, também aqui, inexiste contradição insanável.

8.3. Relativamente ao erro notório na apreciação da prova, porque o recorrente apenas o invocou, sem mais desenvolvimento e porque, tendo especialmente em atenção a motivação de facto do acórdão, não vemos que tenha sido valorada prova contra critério legal estabelecido, nem vemos que a valoração probatória feita pelo tribunal a quo ali expressa tenha violado regras da experiência comum, resta concluir, sem mais, pela não verificação do vício.

8.4. Porque o conhecimento dos vícios da decisão penal é oficioso (Acórdão nº 7/95, de 19 de Outubro, DR, I-A, de 28 de Dezembro de 1995), diremos ainda que no acórdão recorrido não se evidencia a presença da insuficiência da matéria de facto para a decisão.


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Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto [pontos 9, 21, 23, 26, 77 a 79 e 94 a 98 dos factos provados e aditamento aos factos provados, da liberdade de escolha das mulheres e da ausência de sugestão dos arguidos] e da violação do princípio in dubio pro reo

9. Alegam os recorrentes – conclusão F da motivação do recorrente, conclusão L da motivação da recorrente e início da parte final das conclusões formuladas em ambas motivações – que foram incorrectamente julgados os pontos 9, 21, 23, 26, 77, 78, 79, 94, 95, 96, 97 e 98 da factualidade provada que consta do acórdão e que dela deveria constar como provado, a liberdade de escolha de cada mulher na prática das relações sexuais e a ausência de sugestão sua [dos recorrentes] quanto a tal prática e quanto ao local do seu exercício, especificando como meios de prova os depoimentos das testemunhas E... , F... , G... , H... e I... . No corpo das motivações constam as referências aos segmentos dos depoimentos tidos por relevantes para a impugnação deduzida. 

Acontece que os recorrentes, como resulta da leitura do corpo das respectivas motivações, [único local onde a questão foi tratada], em regra, não relacionaram o conteúdo especifico de cada meio de prova que, em seu entender, impõe decisão diversa, com cada facto especificado que consideram incorrectamente julgado.

Deste modo, só com muita benevolência se pode ter por cumprido, o ónus de especificação previsto no art. 412º, nºs 3 e 4 do C. Processo Penal, sendo certo que o conhecimento da impugnação ampla da matéria de facto deduzida pelos recorrentes estará sempre subordinada ao o objecto e limites por eles assinalados, e dependente da deficiência apontada.

9.1. O ponto 9 dos factos provados tem o seguinte teor:

- Tanto o arguido A... como a arguida B... desde data exacta não apurada faziam da exploração do dito estabelecimento e de outros que na zona Centro do país o arguido A... chegou a explorar a sua principal forma de obtenção de rendimento, daí obtendo o grosso dos seus rendimentos mensais, já que era em tal exploração que eram vistos diariamente.

Relativamente a este facto diz o recorrente que nenhuma acção de vigilância e nenhuma testemunha ouvida em julgamento o identificou, o deu como presente na associação arguida ou aí o encontrou, como é o caso da testemunha, inspector do SEF, E... , da testemunha I... , que ficou admirada por o recorrente ser o dono da casa.

Da leitura da motivação de facto do acórdão recorrido resulta que a convicção do tribunal colectivo relativamente a este facto, foi alcançada pela conjugação das transcrições das escutas telefónicas, com o depoimento da testemunha KK... [proprietário do imóvel que o tinha arrendado ao recorrente, dele recebendo a renda que, há dois ou três anos, passou a ser-lhe paga pela recorrente], da testemunha E... , inspector do SEF [participou em acções de fiscalização e buscas ao estabelecimento, quem se identificou como responsável foi o C... , das duas vezes esteve presente a recorrente e nunca esteve com o recorrente], da testemunha AG..., inspector do SEF [participou em acções de fiscalização e buscas ao estabelecimento, quem se identificou como responsável foi o C... , das duas vezes esteve presente, na caixa, a recorrente], da testemunha AP... , militar da GNR [participou em acções no interior do estabelecimento, a senhora que vivia com o recorrente e este, quando se encontrava presente, identificavam-se como os responsáveis], da testemunha F... [trabalhou, como segurança, para o recorrente, no estabelecimento « K... » e já tinha trabalhado para ele noutro estabelecimento], da testemunha G... [alternou três dias no estabelecimento, tendo sido admitida pela B... , que estava no bar, não sabendo se era a dona], da testemunha UUU... [trabalhou no estabelecimento dois dias, tendo sido admitida pela rapariga que estava ao balcão, chamada B... , não sabendo se ela era a dona], da testemunha O... [era cliente da casa e quem estava na caixa era uma mulher chamada B... ], da testemunha I... [trabalhava no estabelecimento, conhecia como gerentes a rapariga brasileira que estava ao balcão, chamada B... e um rapaz chamado AL..., conhece o recorrente como sendo o companheiro da B... mas viu-o lá poucas vezes, não sabendo se era o patrão mas nunca tratou nada com ele], a testemunha HH... [alternou num outro estabelecimento dirigido pelo recorrente em (...) , após uma intervenção policial falou com estes e acordaram em que passaria a alternar no « K... » onde apenas esteve uma noite por não ter gostado do ambiente], a testemunha JJ... [alternou no « K... », quem o dirigia eram dois irmãos brasileiros, ela chamada B... e ele, Dan, não sabendo se eram os donos] e os autos de busca, relativamente a quem neles é identificado como gerente do estabelecimento.

A conjugação destes meios de prova aponta, indiscutivelmente, para o que consta do facto sindicado isto é, que os recorrentes exploravam o estabelecimento «Associação D... / K... », e outros, obtendo dessa exploração a principal fonte de rendimento.

Mas o recorrente parece impugnar apenas o último segmento do facto em questão, a circunstância de serem vistos diariamente na exploração do identificado estabelecimento. Dos meios de prova indicados a circunstância resulta provada relativamente à recorrente, mas relativamente ao recorrente, porque a ele apenas se referiram as testemunhas AP... e I... , a matéria de facto deve sofrer um ajustamento.

Vale isto dizer que o facto impugnado tem pleno suporte na prova produzida, valorada pelo tribunal colectivo, com ressalva da sua parte final, e relativamente ao recorrente, passando o mesmo a ter a seguinte redacção:

- Tanto o arguido A... como a arguida B... desde data exacta não apurada faziam da exploração do dito estabelecimento e de outros que na zona Centro do país o arguido A... chegou a explorar a sua principal forma de obtenção de rendimento, daí obtendo o grosso dos seus rendimentos mensais, já que era em tal exploração a arguida era vista diariamente e o arguido, com menor frequência.

9.2. O ponto 21 dos factos provados tem o seguinte teor:

- As mulheres que trabalham no bar, em actividades de alterne, quando o pretendem, mantêm relações sexuais com clientes, nos quartos situados no 1º andar, a troco de dinheiro, mediante contrapartida monetária para a arguida “Associação”, de conteúdo exacto não apurado, mas que, no ano de 2007, se situava em 10 €, e seus gestores de facto, daí retirando parte dos lucros da actividade desenvolvida no local.

Relativamente a este facto dizem os recorrentes que a testemunha I... foi a única a fazer referência à entrega de quantia resultante da prática de actos sexuais aos arguidos mas porque afirmou apenas aí ter trabalhado quatro ou cinco dias, de acordo com o que consta dos pontos 32, 41 e 47 dos factos provados, apenas teria conhecimentos de factos ocorridos até 16 de Fevereiro de 2007, não sendo legítimo, porque mais nenhuma prova o corrobora, dar como provada a intenção lucrativa ou o efectivo lucro, após aquela data.   

Consta da motivação de facto do acórdão recorrido, com relevo para o facto sindicado, que as testemunhas H... , O... , P... , Q... e R... afirmaram ser clientes do estabelecimento, que este funcionava com alterne e que, no piso de cima, podiam ser praticadas relações sexuais com as mulheres, mediante o pagamento de um preço que a estas era entregue, e que a testemunha I... afirmou trabalhar no estabelecimento quando a polícia aí foi, onde estava há quatro ou cinco dias, dormia no piso superior, pagando a diária de € 5 pelo quarto, e no quarto praticava actos sexuais remunerados com quem queria, ficando com, pelo menos, € 30 para si e pagando à ‘casa’ € 10 por cada acto.

Pois bem.

Basta atentar no teor do ponto 41 dos factos provados, invocado pelos recorrentes para suportar a impugnação, designadamente, na referência que dele consta a anotações feitas numa agenda, relativas a receitas diárias obtidas no estabelecimento, para concluir que o período de trabalho nele exercido, afirmado pela testemunha I... não, para mais não dizer, exacto, sendo, outrossim, bem mais alargado. Em todo o caso, o aspecto é irrelevante, dado o sentido da impugnação deduzida.

Temos por certo, atento o teor da motivação de facto acabado de referir que, tal como afirmam os recorrentes, nenhum outro meio de prova, para além do depoimento da testemunha I... , versou o pagamento feito pelas mulheres em trabalho no estabelecimento à ‘casa’ ou seja, aos recorrentes, por cada acto sexual levado a cabo no piso superior.

Como é sabido, em processo penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, salvo quando a lei dispuser de outro modo ou seja, nos casos de prova tarifada. Nisto se traduz o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º do C. Processo Penal, cujos pilares são, portanto, a livre convicção do julgador e as regras da experiência, entendendo-se por estas, as definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade (Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pág. 30).     

Ora, se em Fevereiro de 2007 as mulheres que trabalhavam no estabelecimento pagavam à ‘casa’ uma quantia fixa por cada acto sexual remunerado que praticado nos quartos do piso superior, se o estabelecimento manteve os mesmos moldes exteriores de funcionamento [isto é, manteve a actividade de alterne na parte de bar e as relações sexuais remuneradas nos quartos do piso superior] e se é assim a prática comum em todos os estabelecimentos com este género de actividades, o que as regras da experiência comum nos dizem é, após Fevereiro de 2007, as mulheres que realizaram tais práticas sexuais continuaram a pagar à ‘casa’ o estipêndio devido pela utilização do quarto.

Assim, mantêm-se o ponto de facto sindicado nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância, por ter suporte bastante na prova produzida conjugada com as regras da experiência comum.

9.3. Os pontos 23 e 26 dos factos provados têm o seguinte teor, respectivamente:

- Tal dinheiro esse que revertia para os arguidos, funcionando como parte dos lucros auferidos com a exploração do estabelecimento e inserido nas actividades levadas a cabo naquelas divisões;

- Todas as mulheres trabalhavam no salão – com bar e discoteca – situado no rés-do-chão, conversando com os clientes, dançando, aliciando-os a beberem e a pagarem-lhes a elas próprias uma bebida, sendo que número exacto não apurado delas combinavam com os clientes, por iniciativa de um ou de outro as subidas aos quartos, a fim de manterem relações de sexo em troca de dinheiro, nas condições supra mencionadas.

A factualidade descrita no ponto 23 – sendo que o dinheiro que revertia para os arguidos, referido no ponto 23, como resulta do teor dos pontos 21 e 22, provém da actividade de alterne e da actividade sexual – está directamente relacionada com o ponto 21, sendo-lhe integralmente aplicável o que em 9.2. se deixou dito quanto à fundamentação probatória.

A factualidade descrita no ponto 26, para além do que se deixou igualmente dito em 9.2., mostra-se ainda suportada pelos depoimentos das testemunhas I... , H... , Q... , O... , P... e R... [cujos registos gravados foram integralmente ouvidos pela Relação].

Assim, mantêm-se os pontos de facto sindicados nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância, por terem suporte bastante na prova produzida conjugada com as regras da experiência comum.

9.4. O ponto 77 dos factos provados tem o seguinte teor:

- Nessa ocasião foi igualmente apurado que G... se encontrava a ter relações sexuais com H... a troco de dinheiro, sendo que parte dele revertia para a arguida “Associação” e para os arguidos A... e B... .

No que respeita a este facto dizem os recorrentes que a testemunha G... negou a prática de relacionamento sexual com a testemunha H... e que este, suposto cliente, nem conseguiu identificar a mulher em causa.

Tanto quanto se retira da motivação de facto do acórdão recorrido, o tribunal a quo fundou a sua convicção, relativamente a este facto provado, no depoimento da testemunha H... e relato de diligência externa de fls. 145 a 146.

A testemunha G... [cujo registo de depoimento foi integralmente ouvido pela Relação] negou efectivamente dedicar-se à prática do «sobe e desce» isto é, à prática de relações sexuais remuneradas nos quartos do piso superior do estabelecimento, mas resulta, à evidência, da audição do seu depoimento, que a mesma negou tudo até onde pôde, negou inclusivamente, que se dedicasse ao alterne no estabelecimento, o que só veio a admitir depois de colocada e instada perante a incongruência de, segundo disse, ter ali estado três dias seguidos, com amigas, apenas para ‘beber um copo’ pelo que, nenhuma credibilidade merece a sua, referida, negação. É que, a testemunha H... [cujo registo de depoimento foi também integralmente ouvido pela Relação] afirmou claramente que se encontrava no estabelecimento e acabava de ter relacionamento sexual remunerado com uma das mulheres, que não identificou, quando aí foi surpreendido pela Polícia Judiciária, o que significa que não era um ‘suposto’ cliente, mas um ‘verdadeiro’ cliente, e consta do Relato de Diligência Externa de fls. 145 a 146, que no dia 20 de Fevereiro de 2009, pelas 1h30, no cumprimento dos mandados de busca ao estabelecimento de diversão nocturna denominado «Associação D... », (...) (...) , foi inquirido H... , por se encontrar num dos quartos do primeiro andar do estabelecimento, na companhia de G... . É pois evidente que a mulher com quem a testemunha H... se relacionou sexualmente, naquelas circunstância de tempo e de lugar, era a testemunha G... . 

Quanto à contrapartida, vale integralmente o que se deixou dito em 9.2., que aqui se dá por reproduzido, no que respeita à fundamentação probatória.

Assim, mantêm-se o ponto de facto sindicado nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância, por ter suporte bastante na prova produzida.

9.5. O ponto 78 dos factos provados tem o seguinte teor:

- Número exacto não apurado de cidadãs brasileiras referidas bem como algumas cidadãs portuguesas encontradas no “ K... / D... ”por ocasião das acções policiais levadas a cabo, mas pelo menos em número de três (entre elas se contando a mencionada G... e I... ) dedicavam-se, não só a acompanhar os clientes na boîte, já na parte final dos factos descritos e após a criação da arguida Associação, praticando “alterne” e aí trabalhando, mas também a praticar com eles nos quartos existentes, mediante o pagamento dos preços acima referidos, relações sexuais.

No que concerne a este facto dizem os recorrentes que a testemunha H... afirmou ter-se relacionado sexualmente, no estabelecimento, em distintas ocasiões, com duas e, depois, com duas ou três mulheres pelo que, na dúvida, só se poderiam considerar duas mulheres e não três, sendo que, de entre elas, não pode excluir-se a testemunha I... , pois nenhuma foi identificada por H... .

Da motivação de facto do acórdão em crise parece resultar que a convicção do tribunal colectivo quanto ao número de cidadãs que, no estabelecimento, se dedicavam, para além do alterne, à prática de relações sexuais no piso superior se fundou, em parte, no depoimento da testemunha H... , na medida, o número de mulheres que consta do facto sindicado é de, pelo menos, três, e a testemunha [de acordo com a motivação de facto], terá afirmado ter-se ali relacionado com, pelo menos, três distintas mulheres.

Já referimos ter a Relação ouvido integralmente o registo gravado do depoimento que a testemunha H... prestou na audiência de julgamento, e o que nela disse foi, numa primeira interpelação por Ilustre Defensor, que foram duas mulheres diferentes, para logo a seguir, a insistência do mesmo Ilustre Defensor, dizer, duas, três mulheres diferentes.

Mas outras testemunhas, igualmente mencionadas na motivação de facto, se referiram a esta matéria. Assim: a testemunha Q... disse que no piso superior do estabelecimento havia relações sexuais pagas com as raparigas, que subiu ao primeiro andar várias vezes, mas ao todo, terá subido com duas mulheres diferentes; a testemunha O... disse que no estabelecimento se praticava o alterne e para os quartos de cima iam as raparigas e os clientes, praticar sexo a troco de dinheiro, e que numa situação em que foi com dois amigos e houve um que subiu com uma senhora; a testemunha P... disse que no estabelecimento se praticava alterne, que também se praticava prostituição, subiam aos quartos com a rapariga a quem era feito o pagamento, e que subiu uma vez, para este fim, ao piso superior; a testemunha R... disse que no estabelecimento se praticava alterne e também relações sexuais, que noutros dias que não o da intervenção da polícia, calhou ter tido aí relações sexuais pagas com mulheres, nos quartos.

Conjugando a prova testemunhal com o período de tempo em questão [determinável pelas datas das buscas ao estabelecimento] e o número de mulheres aí encontradas, podemos afirmar, para além da dúvida razoável, que o número de mulheres que se dedicava à prática de relações sexuais remuneradas, nos quartos do piso superior do estabelecimento, é muito superior a três, sendo certo que para tal consideração, não se torna necessária a sua identificação.

Assim, mantêm-se o ponto de facto sindicado nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância, por ter suporte bastante na prova produzida.

9.6. O ponto 79 dos factos provados tem o seguinte teor:

- A contrapartida destas acções era dinheiro, objectivo que os arguidos A... , B... e a “Associação” visavam, permitindo tais tarefas a respectiva subsistência e a continuação da exploração da “casa”.

Relativamente a este facto dizem os recorrentes que não se mostra autorizada a conclusão de que a actividade de alterne não permitia a subsistência e continuação da exploração da casa.

Porém, ressalvado sempre o devido respeito, não vemos que parte do facto sindicado encerra tal conclusão. Na verdade, o facto tem que ser lido no seguimento do ponto 78 dos factos provados, que refere os dois tipos de acções desenvolvidas no estabelecimento, o alterne e as relações sexuais remuneradas, E assim, o que no facto impugnado se diz é que, com o dinheiro provenientes destes dois tipos de ‘fonte’, é que os arguidos logravam manter a exploração do estabelecimento.

Deste modo, mantêm-se o ponto de facto sindicado nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância, por ter suporte bastante na prova produzida.

9.7. O ponto 94 dos factos provados tem o seguinte teor:

- Pretendiam os arguido A... e B... os arguidos explorar, visando o lucro, a actividade de alterne bem como a prostituição levada a cabo pelas mulheres que a ela estavam dispostas a dedicar-se, dando alojamento às que dele necessitavam, mediante uma contrapartida diária e providenciando a algumas delas transporte, quando tal se revelava necessário.

No que respeita a este facto, os recorrentes apenas discordam da exploração da prostituição e da sua generalização para além de 2007, e a recorrente, ainda, no facultar de transporte, na parte que lhe é atribuída.

O facto sindicado, a par de outros factos provados, respeita, essencialmente, ao dolo dos recorrentes. O dolo, enquanto facto da vida interior do agente, enquanto facto subjectivo, não é directamente apreensível por terceiros e por isso, a sua demonstração probatória, quando não exista confissão [como sucede in casu], não pode ser feita directamente, v.g., através de prova testemunhal, mas por inferência ou seja, através da conjugação da prova de factos objectivos – em especial, dos que integram o tipo objectivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum.

Tendo em consideração os factos objectivos que resultaram provados, a conclusão lógica a tirar é a de que os arguidos, ora recorrentes, agiram com o propósito que consta do facto sindicado, sendo certo que, tendo actuado em co-autoria, o providenciar de transporte por um, respeita a ambos.

Assim, mantêm-se o ponto de facto sindicado nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância, por ter suporte bastante na prova produzida.

9.8. O ponto 95 dos factos provados tem o seguinte teor:

- Sabiam os arguidos que nessa actividade actuavam também no interesse e em nome da “Associação D... ”, utilizada pelo menos a partir de determinada altura exclusivamente com o intuito de obter os proventos resultantes das actividades de alterne e prostituição.

Relativamente a este facto dizem os recorrentes que não foi produzida prova pois a actividade sexual, a ter existido, não teve lugar na sede da associação nem no seu espaço físico.

Também este facto respeita, essencialmente ao dolo dos recorrentes, agora enquanto agindo no interesse da associação arguida sendo-lhe, nessa medida, aplicáveis, as considerações feitas em 9.7., quanto à prova do facto subjectivo. 

Por outro lado, que a actividade sexual remunerada existia, não restam dúvidas, e que a mesma era levada a efeito no andar superior do estabelecimento de diversão nocturna de que a associação arguida era, formalmente e desde 2006, arrendatária, resulta do ponto 3 dos factos provados e de tudo o que até aqui se deixou já dito.

Assim, mantêm-se o ponto de facto sindicado nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância, por ter suporte bastante na prova produzida.

9.9. O ponto 96 dos factos provados tem o seguinte teor:

- Os arguidos B... e A... obtiveram, assim, desde pelo menos o ano de 2004 data exacta não apurada, mas em todo o caso contida dentro dos períodos supra mencionados, vantagens patrimoniais não exactamente quantificadas para além do que supra se deixou dito, decorrente também das quantias monetárias que recebiam por cada acto sexual que as mulheres que a tal se dedicavam praticavam com os clientes do aludido estabelecimento sendo que os montantes que foram arrecadando permitiam-lhes fazer face às suas despesas correntes e do respectivos agregados familiares, bem como adquirir bens de mais elevado de características exactas não apuradas.

No que concerne a este facto dizem os recorrentes que não existe prova de que recebiam quantias monetárias originárias da prática de relações sexuais remuneradas e de que, com elas, adquiriam “bens de mais elevado de características exactas não apuradas.”.

Relativamente à falta de prova do recebimento de quantias provenientes da prática de prostituição por mulheres que trabalhavam no estabelecimento, nada mais há a acrescentar para além do que já ficou anteriormente dito, limitando-nos a reafirmar que foi feita prova de tal prática e de tal recebimento.

Quanto ao mais, cumpre desde logo dizer que o ponto de facto sindicado contém um lapso de escrita no seu segmento final, ao ter sido omitida a palavra «valor» entre as palavras «elevado» e «de» [como claramente resulta do 1º § de fls, 682 da acusação, que o ponto de facto sindicado, parcialmente, reproduz].

Por outro lado, na acusação, os «bens de mais elevado valor» encontravam-se concretizados em «imóveis e veículos automóveis». Não tendo resultado provada a aquisição de imóveis e/ou automóveis, ou de quaisquer outros concretos bens de valor elevado, não se vê como possa ter-se como certa a aquisição de «bens de mais elevado valor de características exactas não apuradas» pelo que, nesta parte, assiste razão aos recorrentes.

Assim, o ponto 96 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

- Os arguidos B... e A... obtiveram, assim, desde pelo menos o ano de 2004 data exacta não apurada, mas em todo o caso contida dentro dos períodos supra mencionados, vantagens patrimoniais não exactamente quantificadas para além do que supra se deixou dito, decorrente também das quantias monetárias que recebiam por cada acto sexual que as mulheres que a tal se dedicavam praticavam com os clientes do aludido estabelecimento sendo que os montantes que foram arrecadando permitiam-lhes fazer face às suas despesas correntes e do respectivos agregados familiares.

9.10. O ponto 97 dos factos provados tem o seguinte teor:

- Os arguidos B... e A... agiram de forma livre, voluntária e consciente, dirigindo e coordenando, desde data exacta não apurada, mas pelo menos situada no ano de 2004 até à data da última das fiscalizações supra mencionadas, as actividades referidas bem sabendo que fomentavam a prática da prostituição com o propósito bem delineado e concretizado de obter proventos económicos.

No que respeita a este facto dizem os recorrentes que não foi feita prova do fomento da prática da prostituição e da intenção lucrativa, até porque não foi concretizada a ‘fatia’ que caberia à ‘casa’ e não foram considerados os ‘custos de produção’.

Também aqui estamos perante um facto que respeita ao dolo dos recorrentes, sendo-lhe aplicáveis, as considerações feitas em 9.7., quanto à prova do facto subjectivo. Acrescentamos apenas que a prova do propósito de obter proventos económicos não depende da apresentação da contabilidade dos recorrentes e/ou da associação arguida e, muito menos, da demonstração da conta de ‘resultados líquidos’ do estabelecimento. 

Assim, mantêm-se o ponto de facto sindicado nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância, por ter suporte bastante na prova produzida.

9.11. O ponto 98 dos factos provados tem o seguinte teor:

- Desde data exacta não apurada mas ocorrida pelo menos no ano de 2006 ou 2007 e passado algum tempo sobre a data da Constituição da arguida Associação, actuaram também os referidos arguidos: aquele da qualidade de sócio fundador e seu “indigitado presidente” e a arguida B... enquanto colaboradora do mesmo com responsabilidades de facto na gestão do estabelecimento explorado em nome daquela, em concertação, no interesse e em representação desta, pois, pelo menos nessa altura, não obstante a constituição formal da referida sociedade com finalidades exactas não apuradas, passaram a usá-la na senda do que já antes vinham fazendo, dela se servindo para prosseguirem aquelas actividades ilícitas, visando sempre maximizar o lucro através da exploração da prostituição.

Relativamente a este facto dizem os recorrentes que não foi feita prova da intenção lucrativa e da exploração da prostituição.

O facto sindicado repete o teor dos pontos 94, 95, 96 e 97, igualmente impugnados pelo que, nada mais há, quanto a ele, a acrescentar para além do que consta de 9.7. a 9.10, que antecedem.

Assim, mantêm-se o ponto de facto sindicado nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância, por ter suporte bastante na prova produzida.

9.12. Pretendem ainda os recorrentes que devia ter sido considerado provado:

- A liberdade de escolha individual de cada mulher, de prática das relações sexuais;

- A ausência de sugestão da prática de tais relações e do respectivo local, pelos arguidos.

Cumpre desde logo dizer que os recorrentes, nas respectivas contestações [fls. 815 e ss. e 835 e ss.], não alegaram estes factos.

Depois, a liberdade de cada mulher para decidir se queria, ou não, realizar a relação sexual remunerada, é já pressuposta na matéria de facto provada ou dela consta, ainda que incidentalmente mencionada [cfr. ponto 10 dos factos provados]. Com efeito, não existindo essa liberdade ou, dito de outra forma, se as mulheres fossem coagidas pelos recorrentes à prática de relações sexuais, o crime imputado e por cuja prática foram condenados, não seria já o lenocínio, mas, pelo menos, o lenocínio qualificado. É por isso desnecessário fazer constar dos factos provados tal liberdade de escolha.

Quanto à ausência de sugestão, quer dessa prática, quer do local, pelos recorrentes, é a mesma igualmente irrelevante para o preenchimento do tipo em questão. Acresce que nem sequer é exacto que o depoimento da testemunha JJ... demonstre a ausência de sugestão quanto ao local, pois o que ela afirmou, foi que ouviu um comentário sobre o motel para onde as meninas levavam os clientes [fls. 7], o que depois repete [fls. 20]. Por outro lado, a testemunha também disse que nunca lhe foi sugerido que tivesse relações sexuais com clientes [fls. 24], mas basta ler o seu depoimento na íntegra, para aferir a credibilidade que o mesmo merece. 

Em suma, não existem razões para aditar aos factos provados, os supra, enunciados. 

10. Finalmente, os recorrentes invocaram a aplicação do princípio in dubio pro reo, face à, por si, entendida, insuficiência de prova. Vejamos se lhes assiste ou não razão.

O pro reo dá resposta à questão processual da dúvida sobre o facto, impondo ao julgador que o non liquet da prova seja resolvido a favor do arguido. Se, produzida a prova, no espírito do julgador subsiste um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual, impõe-se proferir uma decisão favorável ao arguido. Se, pelo contrário, a incerteza não existe, se a sua convicção foi alcançada para além de toda a dúvida razoável, não há lugar à aplicação do princípio.

Na fase de recurso, a demonstração da violação do pro reo passa pela sua notoriedade, aferida pelo texto da decisão, tendo por isso que resultar dos termos da sentença, de forma clara e inequívoca, que o juiz, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado.

Deve realçar-se que a dúvida relevante para este efeito, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas, a dúvida que este não logrou ultrapassar e fez constar da sentença ou que por esta é evidenciada.

Lido o acórdão recorrido e, em especial, a sua motivação de facto, dele não resulta que os Mmos. Juízes que integraram o tribunal colectivo tenham ficado na dúvida quanto a qualquer dos factos que consideraram provados na decisão, incluindo os factos que os recorrentes consideraram incorrectamente julgados. Pelo contrário, na motivação de facto mostra-se claramente exposto o processo lógico que conduziu à certeza alcançada sobre os factos integradores do objecto do processo que constam na decisão de facto proferida.

O que sucede é que os recorrentes sustentaram a invocação do pro reo na dúvida que entendem que, atenta a valoração probatória que fizeram, o tribunal a quo não poderia ter ultrapassado, não sendo esta dúvida que, como dissemos, impõe a aplicação do princípio.

Em suma, não se mostra violado o in dubio pro reo nem, por via deste, violado o princípio da presunção da inocência, havendo, em consequência, que considerar definitivamente fixada a matéria de facto, nos exactos termos em que o foi pela 1ª instância, com a ressalva das duas alterações operadas pela via do presente recurso.


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Da inobservância da aplicação da lei no tempo relativamente ao crime de lenocínio

11. Alegam os recorrentes – conclusão N da motivação do recorrente e conclusão GG da motivação da recorrente – que o acórdão recorrido desconsiderou as normas reguladoras da aplicação da lei no tempo na medida em que, em Fevereiro de 2007, a redacção do art. 169º do C. Penal era distinta e não punia o crime de lenocínio, encontrando-se este, então, previsto no art. 170º do mesmo código.

Contudo, não é exactamente assim. Explicando.

No acórdão recorrido, a fls. 1140, lê-se: «Relativamente a este tipo legal de crime, dispõe o artigo 169º, nº 1 do CP que “quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa da prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos”. Já na sua redacção anterior, decorrente da redacção dada pela L. 99/2001 de 25.8, ao art. 170º, era idêntica à agora mencionada, repercutindo-se as alterações introduzidas apenas ao nível do nº 2 do citado preceito.».

Daqui decorre, sem grandes dificuldades de interpretação, que o tribunal colectivo se apercebeu da alteração da lei penal aplicável bem como, da irrelevância da modificação operada ao nível do tipo legal base.

E assim é, efectivamente, bastando comparar, para chegar a esta conclusão, a letra do nº 1 do art. 170º do C. Penal, na redacção anterior à da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro [a das Leis nº 65/98, de 2 de Setembro, para o nº 1, e nº 99/01, de 25 de Agosto, para o nº 2] que, então, previa o lenocínio [e era a seguinte: 1 – Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição ou a prática de actos sexuais de relevo é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos. 2 – Se o agente usar de violência, ameaça grave, ardil, manobra fraudulenta, de abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou se aproveitar de incapacidade psíquica da vítima ou de qualquer situação de especial vulnerabilidade, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.], com a redacção actual do art. 169º do C. Penal, que prevê o mesmo crime [1 – Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos. 2 – Se o agente cometer o crime previsto no número anterior: a) Por meio de violência ou ameaça grave; b) Através de ardil ou manobra fraudulenta; c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela, curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima; é punido com pena de prisão de um a oito anos.]

Estando apenas em causa o lenocínio simples e portanto, o nº 1 de cada um dos artigos em referência, verificamos que a alteração introduzida no tipo legal se traduz, apenas, na exclusão dos actos sexuais de relevo, actos estes que nunca integraram o objecto dos presentes autos.

Assim, para além de ser irrelevante a menção que os recorrentes fazem a Fevereiro de 2007 – posto que, pressupondo a ausência de prova relativamente a condutas imputadas posteriormente a tal data, esta pretensão foi desatendida, como supra se deixou exposto – não ocorreu alteração legislativa que impusesse maior e mais aprofundada exposição, no texto do acórdão recorrido.

Improcede, pois, o apontado ‘vício’.


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Do não preenchimento do tipo do crime de lenocínio e a existência de causa de exclusão da ilicitude

12. Alegam os recorrentes – conclusão R da motivação do recorrente e conclusões Q a X e AA e KK da motivação da recorrente – que existindo consentimento e vontade das mulheres na prática das relações sexuais e portanto, não se mostrando afectada a sua liberdade de autodeterminação sexual, pela via do constrangimento a tal prática, não se mostra plenamente preenchido o tipo legal, por se mostrar excluída a ilicitude, pois só haverá efectivamente crime quando ocorra alguns doa actos previstos no nº 2 do art. 169º do C. Penal, únicos que afastam aquele consentimento e vontade livre.

A problemática suscitada pelos recorrentes prende-se com a vexata quaestio que tem por objecto o bem jurídico tutelado pelo crime e a sua eventual descriminalização por incompatibilidade com o art. 18º, nº 2 da CRP [inconstitucionalidade igualmente arguida, e que cuidaremos de seguida]. Vejamos, então.

A inserção sistemática do lenocínio no C. Penal [Livro II, Título I – Dos Crimes Contra as Pessoas, Capítulo IV, Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação, Secção I, Crimes contra a liberdade sexual] aponta a liberdade e autodeterminação sexual como bem jurídico tutelado pela incriminação, mas é meramente aparente a linearidade da conclusão tirada. Com efeito, a partir do momento em que o tipo do crime de lenocínio simples deixou de exigir, para o seu preenchimento, a exploração de situações de abandono ou de necessidade económica [o que aconteceu com a redacção dada pela Lei nº 65/98, de 2 de Setembro, ao art. 170º do C. Penal que, então, previa o crime] e portanto, deixou de exigir a verificação de situações de aproveitamento da incapacidade da vítima em dar o consentimento livre à prática da relação sexual, muito dificilmente pode aceitar-se que seja a liberdade sexual o bem jurídico protegido. Neste sentido, veja-se, Anabela Rodrigues e Sónia Fidalgo (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, 2012, Coimbra Editora, pág. 802) para quem apenas a incriminação do nº 2 do art. 169º do C. Penal vigente e, portanto, o lenocínio qualificado, tutela o bem liberdade e autodeterminação sexual, e Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 124) para quem a incriminação tutela apenas situações que o legislador considera imorais.

Pode pois dizer-se que o lenocínio simples tutela um outro bem jurídico, que não a liberdade e autodeterminação sexual e que se traduz numa certa concepção da vida que não se compadece com a aceitação do exercício profissional ou com a intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição (Mouraz Lopes e Caiado Milheiro, Crimes Sexuais, Análise Substantiva e Processual, Coimbra Editora, pág. 106). Aliás, o Tribunal Constitucional tem justificado a norma que prevê o lenocínio simples, como sendo uma opção de política criminal justificada pela «normal associação entre as condutas que são designadas como lenocínio e a exploração da necessidade económica e social, das pessoas que se dedicam à prostituição, fazendo desta um modo de subsistência. O facto de a disposição legal não exigir, expressamente, como elemento do tipo uma concreta relação de exploração não significa que a prevenção desta não seja a motivação fundamental da incriminação a partir do qual o aproveitamento económico da prostituição de quem fomente, favoreça ou facilite a mesma exprima, tipicamente, um modo social de exploração de uma situação de carência e desprotecção social. (…). O entendimento subjacente à lei penal radica, em suma, na protecção por meios penais contra a necessidade de utilizar a sexualidade como modo de subsistência, protecção directamente fundada no princípio da dignidade da pessoa humana.» (Ac. 144/2004 de 10 de Março de 2004, proc. nº 566/03, in www.tribunalconstitucional.pt).

São elementos constitutivos do tipo do lenocínio (tipo base, previsto no art. 169º, nº 1 do C. Penal):

[Tipo objectivo]

- Que o agente actue profissionalmente [exercício da actividade de forma tendencialmente permanente, ainda que não exclusiva, que assim se traduz no seu principal modo de vida, capaz de lhe proporcionar ganhos efectivos] ou com intenção lucrativa [exercício de actividade meramente esporádica, capaz de proporcionar ganhos possíveis], fomentando [incentivando, determinando, mantendo], favorecendo ou facilitando [auxiliando ou apoiando] o exercício por outra pessoa de prostituição [relacionamento sexual mediante um preço];

[Tipo subjectivo]

- O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto [abarcando todos os elementos do tipo objectivo] com consciência da sua censurabilidade.

O fomento do exercício da prostituição por outra pessoa, enquanto modalidade da conduta típica, pode significar o incentivo ou determinação dessa pessoa a essa prática, mas não deve ser entendido no sentido de que é o agente que toma a iniciativa de encaminhar aquela pessoa para a prostituição. O que acontece é que o agente, ao fomentar o exercício da prostituição, colabora no processo de decisão da pessoa mas não determina a sua vontade para a prática daquela actividade. E assim desenhado o tipo legal, surge, em nosso entender, como algo deslocada, a invocada exclusão da ilicitude, por força do consentimento das vítimas.  

Face aos factos provados, dúvidas não subsistem de que os recorrentes, com as suas apuradas condutas, preencheram, como co-autores, o tipo objectivo e subjectivo do crime de lenocínio, previsto no nº 1 do art. 169º do C. Penal.

Nos termos do acórdão recorrido, porque se entendeu que o bem jurídico tutelado pelo art. 169º, nº 1 do C. Penal é a liberdade e autodeterminação sexual portanto, um bem eminentemente pessoal, foram os recorrentes condenados, por três crimes de lenocínio simples, por três serem as mulheres que, comprovadamente, se prostituíram.

Vimos que no nº 1 do art. 169º do C. Penal se censura o aproveitamento económico da prostituição feito por terceiro, não visando a incriminação a defesa da liberdade sexual da prostituta. Não estando em causa um bem jurídico eminentemente pessoal, um direito de personalidade, uma vez que, como vem provado, as condutas dos recorrentes, ainda que prolongadas no tempo, resultam de uma mesma resolução criminosa, há que concluir que praticaram um único crime de lenocínio simples, sendo para este efeito irrelevante, o número de mulheres que se prostituíram (cfr. neste sentido, Mouraz Lopes e Caiado Milheiro, ob. cit., pág. 117 e Ac. R. de Coimbra de 10 de Julho de 2013, proc. nº 61/10.4TAACN.C1, inwww.dgsi.pt).

Em conclusão, praticaram os recorrentes, em co-autoria, um crime de lenocínio simples, p. e p. pelo art. 169º, nº 1 do C. Penal.


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Da não aplicação da figura do crime continuado

 13. Alegam os recorrentes – conclusões O a Q da motivação do recorrente e conclusões HH a JJ da motivação da recorrente – que não sendo o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora eminentemente pessoal, inexiste impedimento legal à consideração da continuação criminosa, verificados que estão os respectivos pressupostos.

O entendimento que se deixou expresso em 12., quanto ao afastamento do concurso e punição dos recorrentes pelo cometimento de um único crime de lenocínio simples, tornou inútil o conhecimento da questão enunciada.


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Da inconstitucionalidade do art. 169º, nº 1 do C. Penal

14. Alega a recorrente – conclusões Y, Z e CC – que é inconstitucional a dimensão normativa do art. 169º, nº 1 do C. Penal segundo a qual, para o preenchimento do tipo legal de lenocínio ali previsto, basta a existência de actos sexuais livremente praticados entre maiores, em local escolhido pela mulher e por preço por esta acordado, sem ingerência dos arguidos, sob pena de alargamento desmesurado da reacção penal, como é inconstitucional a interpretação da mesma norma, no sentido de preencher o tipo legal a mera prática de relações sexuais entre maiores quando não exista preterição da liberdade e autodeterminação sexual nem instrução ou vigilância, por qualquer forma, dos arguidos, tendo a mulher que se prostitui plena liberdade de actuação e acção, assim sendo violado o princípio da legalidade, vertido nos arts. 1º, nº 1 e 29º, nº 1 da CRP.

Bem vista a alegação, apesar de alguma repetição dos parâmetros alinhados, o quer a recorrente suscita é a inconstitucionalidade material da norma do art. 169º, nº 1 do C. Penal por inexistência de bem jurídico tutelado pela respectiva incriminação. 

A questão não é nova. A doutrina maioritária vai no sentido de defender a descriminalização do lenocínio simples e considerar materialmente inconstitucional o nº 1 do art. 169º do C. Penal, por carecer de bem jurídico tutelado (cfr. Figueiredo Dias, ob. e loc. cit., Anabela Rodrigues e Sónia Fidalgo, ob. cit., pág. 799 e ss, Mouraz Lopes e Caiado Milheiro, ob. cit., pág. 110). Já o Tribunal Constitucional, em sucessivos acórdãos, vem afirmando a conformidade daquela norma com a Lei Fundamental (cfr. além do já mencionado Ac. nº 144/04, entre outros, os Acs. nº 196/2004 de 23 de Março de 2004, proc. nº 130/04, nº 397/2007 de 10 de Julho de 2007, proc. nº 33/07, nº 591/2007 de 5 de Dezembro de 2007, proc. nº 965/07 e nº 141/2010 de 14 de Abril de 2010, proc. nº 23/10, todos in, www.tribunalconstitucional.pt).

Face à jurisprudência constitucional citada e remetendo para os respectivos fundamentos, concluímos pela conformidade do art. 169º, nº 1 do C. Penal com a Constituição da República Portuguesa.


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Da excessiva medida das penas

15. Alegam os recorrentes – conclusões S e T da motivação do recorrente e conclusões LL e MM da motivação da recorrente – que quer as penas parcelares, quer a pena única, a cada um decretada, são excessivas e violadoras dos princípios da culpa, da proporcionalidade e das exigências de reintegração e prevenção, entendendo o recorrente, como adequadas, penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão e pena única de 3 anos e 6 meses, suspensa na respectiva execução, e entendendo a recorrente como adequadas, penas parcelares de 9 meses de prisão e pena única de 22 meses, suspensa na respectiva execução.

No acórdão recorrido, o recorrente foi condenado em três penas de 2 anos de prisão e em cúmulo, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução, com regime de prova, e a recorrente foi condenada em três penas de 1 ano e 3 meses de prisão e em cúmulo, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na respectiva execução.

Uma vez que, como se deixou exposto em 12., que antecede, os recorrentes praticaram, apenas, em co-autoria, um crime de lenocínio simples, p. e p. pelo art. 169º, nº 1 do C. Penal, e não, os três crimes de lenocínio simples pelos quais haviam sido condenados no acórdão recorrido, resta agora fixar a pena correspondente ao crime praticado.

15.1. Estabelece o art. 40º, nº 1 do C. Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E dispõe o nº 2 do mesmo artigo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Prevenção e culpa são pois, os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena. A primeira reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto e a segunda, dirigida ao agente do crime, constitui o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena. A medida da pena resultará então da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.

Muito frequentemente a determinação da pena, em sentido amplo, passa pela operação de escolha da pena, o que sucede, designadamente, quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade. Nestes casos, o critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70º do C. Penal segundo o qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição

In casu, sendo o lenocínio apenas punível com pena privativa da liberdade, não há que efectuar esta operação prévia.

Escolhida a pena, há que determinar a sua medida concreta, devendo, para tanto, o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal). Entre outras, haverá então que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).

15.2. É mediano o grau de ilicitude do facto, quer pelo período de tempo, longo, em que foi executado, quer pelo número considerável de mulheres envolvidas, mas não foram graves as suas consequências.

Os recorrentes agiram com dolo intenso e persistente, revelador de considerável energia criminosa.

Situam-se num grau médio as exigências de prevenção geral.

Não revestem particular relevo as exigências de prevenção especial relativamente à recorrente pois que, ainda que não tenha revelado sinais objectivos de ter assumido o desvalor da conduta e a necessidade da sua censura, não tem antecedentes criminais e, como refere o acórdão recorrido, não consta que tenha praticado outros factos típicos após a prática dos que integram o objecto dos autos.

Já não assim relativamente ao recorrente pois que, não tendo igualmente revelado sinais objectivos de ter assumido o desvalor da conduta e a necessidade da sua censura, tem antecedentes criminais, sendo que uma das condenações sofridas se dever ao cometimento de crime de lenocínio.

Tendo em conta a moldura penal abstracta aplicável – prisão de seis meses a cinco anos – consideram-se adequadas às exigências de prevenção apontadas e plenamente suportadas pela culpa dos recorrentes, uma pena situada acima do ponto médio e abaixo dos ¾ da moldura penal abstracta, para o recorrente, e uma pena situada na proximidade do primeiro quarto daquela moldura.  

Assim, fixa-se:

- Para o recorrente, a pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, com regime de prova;

- Para a recorrente, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período. 


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            Dos reflexos dos recursos interpostos na não recorrente, arguida associação

            Ainda que a associação arguida não tenha recorrido, os recursos interpostos pelos co-arguidos aproveitam-lhe, no que respeita ao número de crimes cometidos, uma vez que foram acusados e condenados em co-autoria (cfr. art. 402º, nº 2, a) do C. Processo Penal.

            A associação arguida foi condenada, no acórdão recorrido, pela prática, em co-autoria, de três crimes de lenocínio simples, na pena de dissolução.  

Pelas razões que se deixaram expostas em 12., que antecede, entendemos que os arguidos praticaram, apenas, em co-autoria, um crime de lenocínio simples, p. e p. pelo art. 169º, nº 1 do C. Penal.

Resta agora verificar se deve manter-se a pena decretada. 

A matéria de facto manteve-se a mesma [com ressalva de duas alterações de pormenor, irrelevantes para o feito], ficando a alteração da qualificação jurídica operada a dever-se, exclusivamente, a razões de direito.

Resulta inequivocamente da matéria de facto provada, como se realça, aliás, no acórdão recorrido, que passado pouco tempo da sua constituição, passou a ser a sua predominante, se não, única, acrescentamos, finalidade, explorar um estabelecimento de diversão nocturna onde, para além do alterne, se praticava a prostituição.

Sendo o lenocínio um dos crimes do catálogo (art. 11º, nº 2 do C. Penal), determinante da responsabilidade penal das pessoas colectivas, sendo estas, enquanto responsáveis por prática de crime ali incluído, puníveis com penas principais de multa ou de dissolução (art. 90º-A, nº 1 do C. Penal) e sendo a pena de dissolução decretada, além do mais, quando a prática reiterada de tais crimes mostre que a pessoa colectiva ou entidade equiparada está a ser utilizada, exclusiva ou predominantemente, para esse efeito, por quem nela ocupe uma posição de liderança (art. 90º-F do C. Penal), continuam a verificar-se os pressupostos de decretamento de tal pena que, por isso, se mantém.   


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento aos recursos. Consequentemente, decidem:

A) Modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos que constam em II., 9.1 e 9.9, que antecedem, passando os pontos 9 e 96 dos factos provados a terem a seguinte redacção, respectivamente:

- [9]Tanto o arguido A... como a arguida B... desde data exacta não apurada faziam da exploração do dito estabelecimento e de outros que na zona Centro do país o arguido A... chegou a explorar a sua principal forma de obtenção de rendimento, daí obtendo o grosso dos seus rendimentos mensais, já que era em tal exploração a arguida era vista diariamente e o arguido, com menor frequência;

- [96]Os arguidos B... e A... obtiveram, assim, desde pelo menos o ano de 2004 data exacta não apurada, mas em todo o caso contida dentro dos períodos supra mencionados, vantagens patrimoniais não exactamente quantificadas para além do que supra se deixou dito, decorrente também das quantias monetárias que recebiam por cada acto sexual que as mulheres que a tal se dedicavam praticavam com os clientes do aludido estabelecimento sendo que os montantes que foram arrecadando permitiam-lhes fazer face às suas despesas correntes e do respectivos agregados familiares.


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B) 1. Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido A... , pela prática, em co-autoria, de três crimes de lenocínio, p. e p. pelo art. 169º, nº 1 do C. Penal, na pena de 2 anos de prisão por cada um e, em cúmulo, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, com regime de prova.

2. Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou a arguida B... , pela prática, em co-autoria, de três crimes de lenocínio, p. e p. pelo art. 169º, nº 1 do C. Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão por cada um e, em cúmulo, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período;

3. Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou a arguida Associação D... , pela prática, em co-autoria, de três crimes de lenocínio, p. e p. pelos arts. 11º, nº 2, 90º-A, nº 1, 90º-F e 169º, nº 1, do C. Penal.


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C) Condenar o arguido A... , pela prática, em co-autoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 169º, nº 1 do C. Penal, na pena de 3 (três) anos 2 (dois) meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, com regime de prova, a contar do trânsito do presente acórdão.

D) Condenar a arguida B... , pela prática, em co-autoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 169º, nº 1 do C. Penal, na pena de 1 (um) anos 6 (seis) meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, a contar do trânsito do presente acórdão.

E) Condenar a arguida Associação D... , pela prática, em co-autoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelos arts. 11º, nº 2, 90º-A, nº 1, 90º-F e 169º, nº 1, do C. Penal, mantendo a, já decretada no acórdão recorrido, pena de dissolução.


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            F) Confirmar, quanto ao mais, o acórdão recorrido.

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            G) Recursos sem tributação, atenta a sua parcial procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal).


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  Coimbra, 3 de Fevereiro de 2016


  (Heitor Vasques Osório – relator)


  (Orlando Gonçalves – adjunto)