Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2403/19.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: OBRIGAÇÕES GERAIS DO EMPREGADOR PARA COM OS SEUS TRABALHADORES
RISCOS DERIVADOS DE IMPRUDÊNCIA DO TRABALHADOR
Data do Acordão: 05/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA ORDENAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 4º E 15º DA LEI Nº 102/2009, DE 10/9.
Sumário:
I – Nos termos do artº 15º da Lei 102/2009, de 10.09, são obrigações gerais do empregador:
“1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho.

2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:

a) Evitar os riscos;

b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos factores ambientais;

c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na selecção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;

d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adoptar as medidas adequadas de protecção;

e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de protecção;

f) Assegurar, nos locais de trabalho, que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos e aos factores de risco psicossociais não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador;

g) Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à concepção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista a, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais;

h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;

i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
j) Priorização das medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual;

l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à actividade desenvolvida pelo trabalhador.

3 - Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as actividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de protecção da segurança e saúde do trabalhador.

4 - Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da actividade em condições de segurança e de saúde.

5 - Sempre que seja necessário aceder a zonas de risco elevado, o empregador deve permitir o acesso apenas ao trabalhador com aptidão e formação adequadas, pelo tempo mínimo necessário.

6 - O empregador deve adoptar medidas e dar instruções que permitam ao trabalhador, em caso de perigo grave e iminente que não possa ser tecnicamente evitado, cessar a sua actividade ou afastar-se imediatamente do local de trabalho, sem que possa retomar a actividade enquanto persistir esse perigo, salvo em casos excepcionais e desde que assegurada a protecção adequada.

7 - O empregador deve ter em conta, na organização dos meios de prevenção, não só o trabalhador como também terceiros susceptíveis de serem abrangidos pelos riscos da realização dos trabalhos, quer nas instalações quer no exterior.

8 - O empregador deve assegurar a vigilância da saúde do trabalhador em função dos riscos a que estiver potencialmente exposto no local de trabalho.

9 - O empregador deve estabelecer em matéria de primeiros socorros, de combate a incêndios e de evacuação as medidas que devem ser adoptadas e a identificação dos trabalhadores responsáveis pela sua aplicação, bem como assegurar os contactos necessários com as entidades externas competentes para realizar aquelas operações e as de emergência médica.

10 - Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve organizar os serviços adequados, internos ou externos à empresa, estabelecimento ou serviço, mobilizando os meios necessários, nomeadamente nos domínios das actividades técnicas de prevenção, da formação e da informação, bem como o equipamento de protecção que se torne necessário utilizar.

11 - As prescrições legais ou convencionais de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas para serem aplicadas na empresa, estabelecimento ou serviço devem ser observadas pelo próprio empregador.

12 - O empregador suporta a totalidade dos encargos com a organização e o funcionamento do serviço de segurança e de saúde no trabalho e demais sistemas de prevenção, incluindo exames de vigilância da saúde, avaliações de exposições, testes e todas as acções necessárias no âmbito da promoção da segurança e saúde no trabalho, sem impor aos trabalhadores quaisquer encargos financeiros.

13 - Para efeitos do disposto no presente artigo, e salvaguardando as devidas adaptações, o trabalhador independente é equiparado a empregador.

14 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1 a 12.
15 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o empregador cuja conduta tiver contribuído para originar uma situação de perigo incorre em responsabilidade civil”.

II - De acordo com o artº 4º da citada Lei deve entender-se por:

“e) «Local de trabalho» o lugar em que o trabalhador se encontra ou de onde ou para onde deva dirigir-se em virtude do seu trabalho, no qual esteja directa ou indirectamente sujeito ao controlo do empregador;

(…);

g) «Perigo» a propriedade intrínseca de uma instalação, actividade, equipamento, um agente ou outro componente material do trabalho com potencial para provocar dano;

h) «Risco» a probabilidade de concretização do dano em função das condições de utilização, exposição ou interacção do componente material do trabalho que apresente perigo;

i) «Prevenção» o conjunto de políticas e programas públicos, bem como disposições ou medidas tomadas ou previstas no licenciamento e em todas as fases de actividade da empresa, do estabelecimento ou do serviço, que visem eliminar ou diminuir os riscos profissionais a que estão potencialmente expostos os trabalhadores.

III – Uma entidade empregadora não está obrigada a prever os riscos derivados das imprudências ou de comportamentos menos próprios dos seus trabalhadores e muito menos quando esses comportamentos ocorrem fora dos locais de trabalho destinados ao desempenho das funções daqueles.

IV - Considerando os critérios de razoabilidade e de normalidade não era manifestamente previsível para qualquer empregador que, na situação concreta dos autos, pudesse ocorrer um acidente da forma com este ocorreu.

Decisão Texto Integral:

Recurso de Contra Ordenação 2403/19.8T8VIS.C1

(secção social)

Relator: Felizardo Paiva.

Adjunto: Jorge Loureiro.

Recorrente: P..., Lda.

I – P..., LDA, com sede em ..., não se conformando com a decisão proferida pela AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO, Unidade Local de Viseu, que lhe aplicou a coima no montante de €9.500,00, pela prática de uma contraordenação p.e p. pelo artº 15º, nº 1, 2 e 4 da Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro, na redacção dada pela Lei nº 3/2014 de 28 de Janeiro e artºs 554º, nºs 1 e 4, al. e) e 556º, nº 1, ambos do CT, veio dela interpor o presente recurso, pedindo que se revogue a decisão administrativa e se absolva a arguida da contra-ordenação que lhe vem imputada.

No tribunal recorrido foi proferida decisão constando do respectivo dipositivo o seguinte: “…julga-se o presente recurso improcedente por não provado, mantendo-se integralmente a decisão proferida pela autoridade administrativa, incluindo a coima, sanção acessória de publicidade e custas em que a arguida P..., Lda foi condenada”.

II- Novamente inconformada, recorre agora para esta Relação, apresentando as conclusões que a seguir se transcrevem:

...

Contra alegou o MºPº em 1ª instância rematando com a seguinte síntese conclusiva:

...

Nesta Relação o Exmº PGA entende também que o recurso não merece provimento.

Corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.

III. Em matéria contra-ordenacional o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito (artigo 75°, n° 1 do DL n° 433/82, de 27/11, e artº 51º, nº 1 da Lei 107/09, de 14/09).

Assim, a matéria de facto a considerar é a que foi fixada pela 1ª instância e é a seguinte:

1- Nos dias 13 e 18.9.2018, pelas 11h. 15m. e 11h., respectivamente, em foram efectuadas visitas inspectivas pela ACT às instalações da empresa F..., Lda, sitas na ..., concretizadas na sequência de acidente de trabalho mortal aí ocorrido a 7/9/2018 sendo que, nesta data, prestavam serviço para a arguida os trabalhadores ..., estes trabalhadores subordinados da arguida, A..., com a categoria profissional de trabalhador agrícola, admitido a 15/1/2018 e ..., com a categoria profissional de trabalhador agrícola, admitido a 15/1/2018, ambos trabalhadores temporários da empresa P... - trabalho temporário, Lda, a exercerem funções para a arguida enquanto empresa utilizadora.

2- Todos estes trabalhadores realizavam, sob as ordens e orientações da arguida, as funções relacionadas com a sua categoria profissional e com a actividade económica desenvolvida por aquela, nomeadamente encontravam-se no dia do acidente na propriedade indicada onde existiam estufas da planta fisális e procediam à colocação de um sistema de tutoramento (colocar fios) para apoio das plantas, no âmbito de contrato para fornecimento e instalação de macrotúneis e sistema de tutoragem com a empresa F..., Lda, proprietária das referidas instalações.

3- Pelas 15h. do dia 7.9.2018 os referidos trabalhadores terminaram os trabalhos no local onde se encontravam e subiram para as estufas superiores (a cerca de 300 metros de distância); o trabalhador acidentado J..., após ter caído no local, foi aconselhado pelo responsável dos trabalhos, o encarregado ..., a parar; trabalhou até cerca das 15h. e desceu para uma parte inferior do terreno onde tinham estado no período da manhã (base das estufas); por volta das 16h30, o trabalhador ... deslocou-se para uma parte do terreno onde tinham estado a trabalhar de manhã e onde se encontrava um poço feito por manilhas de cimento, com cerca de 1.13 metros de altura, 97 cm de diâmetro e com 52 cm de altura de água, tendo encontrado o sinistrado ... dentro daquele poço, de cabeça para baixo e com apenas os pés visíveis, já sem vida.

4- O local onde esse poço se encontra e ao qual os trabalhadores da arguida, incluindo o sinistrado, podiam aceder, não estava tapado nem sinalizado; neste local os trabalhadores costumavam deixar algumas bebidas a refrescar, tendo sido encontrada, junto com o corpo do acidentado uma lata de cerveja.

5- O comercial da arguida, O..., no âmbito das estufas e sistemas de rega, acompanhou a instalação dos equipamentos relacionados com os serviços prestados (pela arguida) no referido local, tendo-se deslocado ao mesmo várias vezes na qualidade não de comercial, mas de técnico, apercebendo-se da existência de uma poça de água ou mina na zona envolvente dos trabalhos que iriam decorrer, numa área de mais de 1 hectare.

6- A arguida tem serviços externos de segurança e saúde no trabalho, tendo como empresa prestadora dos mesmos, H..., Lda.

7- Após notificação para apresentação da avaliação de riscos ao posto de trabalho e profissão desempenhada pelo sinistrado e, ainda, ao equipamento de trabalho utilizado, tarefas concretamente executadas, com indicação das medidas, propostas e recomendações formuladas pelos serviços de SST e das instruções de segurança e saúde compreensíveis e adequadas à actividade desenvolvida pelo trabalhador sinistrado, a arguida apresentou as seguintes avaliações de riscos: “Relatório de avaliação de riscos profissionais”, de 30/01/2018, efetuado pela técnica superior de segurança do trabalho, ...; a avaliação foi feita aos postos de trabalho e as funções habituais relacionadas com a actividade da empresa, nomeadamente, escritórios, tarefa: operador administrativo, unidade fabril, tarefas: operador de quinadeira/guilhotina/perfilhadora, operador de máquina de lazer, operador de prensas, operador de manutenção, operador de soldadura, operador de montagem, armazém, tarefa: fiel de armazém;- “Relatório de avaliação de riscos profissionais”, de 7/06/2018, efetuado pela técnica superior de segurança do trabalho, ...; avaliação feita aos postos de trabalho e as funções habituais relacionadas com a actividade da empresa, nomeadamente, armazém, tarefas: fiel de armazém, armazenista; “Relatório de iluminação”, e “Relatório de temperatura e humidade”, de 7/06/2018, efetuados pela técnica superior de segurança do trabalho, ...; “Plano de prevenção de riscos profissionais – montagem de estufas abrigo”, com a indicação do ano de 2018, mas sem dia e mês e não tem autor. São indicados riscos e medidas preventivas, nas tarefas de montagem da estrutura e na colocação das caleiras de plástico; “Plano de prevenção de riscos profissionais – montagem de estufas abrigo”, de 4/9/2018, mas não tem autor. São indicados riscos e medidas preventivas, nas tarefas de abertura de cabocos, colocação de pedestais piramidais em betão armado com boquilhas de fixação chumbadas, montagem da estrutura e na colocação das caleiras de plástico.

8- A arguida permitiu que os trabalhos descritos fossem realizados sem ter havido uma identificação dos riscos em toda a actividade da empresa, nomeadamente no local onde ocorreu o acidente de trabalho mortal, não procedeu a avaliação de riscos à tarefa desempenhada pelos trabalhadores, incluindo o trabalhador acidentado, nem procedimentos de segurança para aquelas funções e também não efectivou medidas preventivas contra quedas em altura ou ao mesmo nível. Durante as visitas inspectivas (as duas após o acidente de trabalho) verificou-se que o poço onde foi encontrado o trabalhador sem vida, já se encontrava tapado.

9- A falta de medidas preventivas e de protecção no âmbito da segurança e saúde no referido local de trabalho, teve como consequência a falta de condições de segurança e saúde dos trabalhadores ao serviço da arguida.

10- Aquando da admissão do trabalhador falecido ao seu serviço a arguida já havia identificado concretos riscos associados às funções que viriam a ser desempenhadas pelo mesmo, tendo elaborado com data de 20-07-2016 uma “Carta de Função” para a função de ajudante de montagens, estufas, nos termos constantes do documento de fls. 219 a 231 dos autos que aqui se dá por reproduzido.

11- No momento da sua admissão a arguida ministrou ao trabalhador falecido duas horas de formação de acolhimento, tendo sido tratados os aspectos constantes do documento de fls. 232 cujo teor aqui se dá por reproduzido.

12- O trabalhador falecido durante o período que trabalhou para a arguida realizou ainda as formações certificadas nos documentos de fls. 234 a 235 que aqui se dão por reproduzidos.

13- A arguida elaborou um modelo de “Plano de Prevenção de Riscos Profissionais montagens de Estufas Abrigo”, nele prevendo os riscos profissionais e correspondentes medidas preventivas para a tarefa de colocação de suportes de tutoragem.

14- A obra em causa estava a ser executada pela arguida numa propriedade que pertencia à sociedade F..., Lda, não detendo a arguida a gestão das instalações em que a actividade estava a ser desenvolvida.

15- Quando o acidente ocorreu o trabalhador falecido não estava a executar qualquer tarefa.

16- Embora no contrato celebrado entre a arguida e a sociedade “F..., Lda” se faça referência à circunstância da arguida se ter obrigado ao fornecimento e instalação de “macrotúneis” (vulgo estufas) e de um “sistema de tutoragem” (sistema de cultivo em que as plantas crescem tutoradas por fios, ou redes, que são previamente esticadas para esse o efeito), a arguida executou apenas a segunda tarefa, procedendo ao fornecimento e instalação do sistema de tutoragem.

17- A instalação desse sistema de tutoragem por parte dos trabalhadores da arguida, entre os quais se encontrava o trabalhador falecido, ocorreu apenas no interior das estufas (ou macrotúneis).

18- No dia 07-09-2018, cerca das 13h45m, depois do almoço, quando todos os trabalhadores da arguida regressaram ao local de trabalho, o trabalhador sinistrado, após ter reiniciado a respectiva actividade no interior da estufa, caiu inexplicavelmente ao solo, aparentando estar a sentir-se mal.

19- Nessa altura o encarregado da obra, também trabalhador da arguida, ..., disse ao trabalhador sinistrado que devia manter-se sentado até que se sentisse melhor, e que só deveria retomar o trabalho se estivesse em condições para tal.

20- Decorridos aproximadamente 15m, o trabalhador sinistrado levantou-se e, saindo da estufa, dirigiu-se a um veículo automóvel da arguida para ir buscar os seus pertences.

21- Depois de estar em poder desses seus objectos pessoais, o trabalhador sinistrado comunicou ao referido encarregado da obra que ia chamar um táxi e que se ia embora.

22- Desde então, o trabalhador sinistrado não mais retomou as tarefas que estava a executar, de colocação de fios de tutoragem no interior das estufas, tendo-se ausentado voluntariamente do local de trabalho e não tendo, a partir dessa altura, voltado a ser visto pelos restantes colegas de trabalho.

23- Algum tempo mais tarde, mais concretamente por volta das 16h30m, o trabalhador sinistrado foi encontrado por outro trabalhador da arguida, no referido “poço” que se encontrava a uma distância aproximada de 300m da estufa onde naquela tarde o mesmo esteve a exercer as suas funções.

24- A zona onde estava situado esse “poço”, no exterior das estufas, não constituía zona de passagem para o interior das estufas, designadamente para a estufa onde estavam a ser efectuados trabalhos naquela tarde.

25- A zona do aludido “poço” não constitui zona de passagem para o interior, no entanto, os trabalhadores da arguida passavam junto ao aludido “poço” para ir buscar água fresca a um cano que se situava próximo do mesmo.

Factos não provados:

Não se provou a demais matéria de facto que consta dos nºs 3 e 8 dos factos provados na decisão administrativa que não consta dos factos provados, bem como a demais matéria de facto alegada no recurso de impugnação da arguida que constam dos artºs 16º, 7º, 9º, 10º, 11º, 16º, que não consta dos factos provados, sendo que a restante matéria do recurso da arguida que não consta dos factos provados e não provados é apenas, matéria conclusiva ou de direito.

III) É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões que a lei imponha.

As questões a decidir podem enumerar-se do seguinte modo:

1. Se ocorre uma contradição insanável da fundamentação (artº 410º/2/b do CPP).

2. Se devem ser eliminados dos “Factos provados” os pontos nºs 8 e 9 por conterem matéria conclusiva e valorativa.

3. Se estão verificados os elementos constitutivos da infracção.

Da contradição insanável:

Diga-se, antes de mais, que os vícios a que alude o artº 410º do CPP não podem ser confundidos com uma divergência entre a convicção alcançada pela recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela convicção que, nos termos do art. 127º do CPP e com respeito, designadamente, pelo disposto no art. 125º do CPP, o Tribunal a quo alcançou sobre os factos.

Por outro lado, tem sido jurisprudência constante dos nossos tribunais superiores a de que os vícios enumerados no art. 410º/2 do CPP representam anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, devendo ser apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, designadamente depoimentos exarados no processo ou documentos juntos ao mesmo, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito – v.g. acórdãos do STJ de 21/3/2013, proferido no âmbito da revista 321/11.7PBSCR.L1.S1, de 15/11/2012, proferido no âmbito da revista 5/04.2TASJP.P1.S1., de 8/11/2006, proferido no âmbito da revista 3102/06, de 5/3/97, BMJ 465º, p. 407, de 8/1/97, BMJ 463º, p. 189, de 11/6/92, BMJ 418º, p. 478, de 31/1/90, BMJ 393º, p. 333.

É exclusivamente com base na sentença recorrida, conjugada com as regras de experiência comum, que se deve indagar se estão verificados os vícios enumerados no artº 410º do CPP.

Dispõe a alínea do nº 2 do artº 410º do CPP que “ 2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

(…)

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”.

A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art. 410º/2/b), distintas da falta de fundamentação, respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto, podendo existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, assim como entre a fundamentação probatória da matéria de facto - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pp. 341/342.

Este vício ocorre, pois, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.

Decidindo:

Alega a recorrente que existe contradição insanável entre a matéria dos pontos 8 e 9 (8- A arguida permitiu que os trabalhos descritos fossem realizados sem ter havido uma identificação dos riscos em toda a actividade da empresa, nomeadamente no local onde ocorreu o acidente de trabalho mortal, não procedeu a avaliação de riscos à tarefa desempenhada pelos trabalhadores, incluindo o trabalhador acidentado, nem procedimentos de segurança para aquelas funções e também não efectivou medidas preventivas contra quedas em altura ou ao mesmo nível. Durante as visitas inspectivas (as duas após o acidente de trabalho) verificou-se que o poço onde foi encontrado o trabalhador sem vida, já se encontrava tapado.9- A falta de medidas preventivas e de protecção no âmbito da segurança e saúde no referido local de trabalho, teve como consequência a falta de condições de segurança e saúde dos trabalhadores ao serviço da arguida) e a matéria dos pontos 13, 15, 17, 22, 23, 24 e 25 (13- A arguida elaborou um modelo de “Plano de Prevenção de Riscos Profissionais montagens de Estufas Abrigo”, nele prevendo os riscos profissionais e correspondentes medidas preventivas para a tarefa de colocação de suportes de tutoragem. 15- Quando o acidente ocorreu o trabalhador falecido não estava a executar qualquer tarefa.17- A instalação desse sistema de tutoragem por parte dos trabalhadores da arguida, entre os quais se encontrava o trabalhador falecido, ocorreu apenas no interior das estufas (ou macrotúneis).23- Algum tempo mais tarde, mais concretamente por volta das 16h30m, o trabalhador sinistrado foi encontrado por outro trabalhador da arguida, no referido “poço” que se encontrava a uma distância aproximada de 300m da estufa onde naquela tarde o mesmo esteve a exercer as suas funções.24- A zona onde estava situado esse “poço”, no exterior das estufas, não constituía zona de passagem para o interior das estufas, designadamente para a estufa onde estavam a ser efectuados trabalhos naquela tarde.25- A zona do aludido “poço” não constitui zona de passagem para o interior, no entanto, os trabalhadores da arguida passavam junto ao aludido “poço” para ir buscar água fresca a um cano que se situava próximo do mesmo).

Ora, sem prejuízo do que se irá dizer sobre a questão de saber se os pontos 8 e 9 contêm matéria conclusiva dir-se-á que a matéria dos pontos 8 e 9 não contende com a matéria dos outros referidos pontos.

Com efeito, o ponto 8 refere-se não só à identificação dos riscos no local de trabalho em que recorrente exercia a sua actividade mas também ao local onde ocorreu o acidente, enquanto que o ponto 13 apenas se refere ao local de trabalho, para o qual foi elaborado um “Plano de Prevenção de Riscos Profissionais montagens de Estufas Abrigo”, nele se prevendo os riscos profissionais e correspondentes medidas preventivas para a tarefa de colocação de suportes de tutoragem.

Assim, salvo melhor opinião, não se nos afigura que as matérias sejam incompatíveis; ambas podem coexistir se se excluírem mutuamente.

Da matéria conclusiva/valorativa.

Encontra-se em causa a infracção ao disposto no seguinte normativo:

Artº 15º da Lei 102/2009, de 10.09 (obrigações gerais do empregador) segundo o qual:

“1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho.

2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:

a) Evitar os riscos;

b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos factores ambientais;

c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na selecção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;

d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adoptar as medidas adequadas de protecção;

e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de protecção;

f) Assegurar, nos locais de trabalho, que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos e aos factores de risco psicossociais não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador;

g) Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à concepção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista a, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais;

h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;

i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
j) Priorização das medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual;

l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à actividade desenvolvida pelo trabalhador.

3 - Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as actividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de protecção da segurança e saúde do trabalhador.

4 - Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da actividade em condições de segurança e de saúde.

5 - Sempre que seja necessário aceder a zonas de risco elevado, o empregador deve permitir o acesso apenas ao trabalhador com aptidão e formação adequadas, pelo tempo mínimo necessário.

6 - O empregador deve adoptar medidas e dar instruções que permitam ao trabalhador, em caso de perigo grave e iminente que não possa ser tecnicamente evitado, cessar a sua actividade ou afastar-se imediatamente do local de trabalho, sem que possa retomar a actividade enquanto persistir esse perigo, salvo em casos excepcionais e desde que assegurada a protecção adequada.

7 - O empregador deve ter em conta, na organização dos meios de prevenção, não só o trabalhador como também terceiros susceptíveis de serem abrangidos pelos riscos da realização dos trabalhos, quer nas instalações quer no exterior.

8 - O empregador deve assegurar a vigilância da saúde do trabalhador em função dos riscos a que estiver potencialmente exposto no local de trabalho.

9 - O empregador deve estabelecer em matéria de primeiros socorros, de combate a incêndios e de evacuação as medidas que devem ser adoptadas e a identificação dos trabalhadores responsáveis pela sua aplicação, bem como assegurar os contactos necessários com as entidades externas competentes para realizar aquelas operações e as de emergência médica.

10 - Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve organizar os serviços adequados, internos ou externos à empresa, estabelecimento ou serviço, mobilizando os meios necessários, nomeadamente nos domínios das actividades técnicas de prevenção, da formação e da informação, bem como o equipamento de protecção que se torne necessário utilizar.

11 - As prescrições legais ou convencionais de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas para serem aplicadas na empresa, estabelecimento ou serviço devem ser observadas pelo próprio empregador.

12 - O empregador suporta a totalidade dos encargos com a organização e o funcionamento do serviço de segurança e de saúde no trabalho e demais sistemas de prevenção, incluindo exames de vigilância da saúde, avaliações de exposições, testes e todas as acções necessárias no âmbito da promoção da segurança e saúde no trabalho, sem impor aos trabalhadores quaisquer encargos financeiros.

13 - Para efeitos do disposto no presente artigo, e salvaguardando as devidas adaptações, o trabalhador independente é equiparado a empregador.

14 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1 a 12.
15 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o empregador cuja conduta tiver contribuído para originar uma situação de perigo incorre em responsabilidade civil”.

De referir ainda que de acordo com o artº 4º da citada Lei deve entender-se por:

“e) «Local de trabalho» o lugar em que o trabalhador se encontra ou de onde ou para onde deva dirigir-se em virtude do seu trabalho, no qual esteja directa ou indirectamente sujeito ao controlo do empregador;

(…);

g) «Perigo» a propriedade intrínseca de uma instalação, actividade, equipamento, um agente ou outro componente material do trabalho com potencial para provocar dano;

h) «Risco» a probabilidade de concretização do dano em função das condições de utilização, exposição ou interacção do componente material do trabalho que apresente perigo;

i) «Prevenção» o conjunto de políticas e programas públicos, bem como disposições ou medidas tomadas ou previstas no licenciamento e em todas as fases de actividade da empresa, do estabelecimento ou do serviço, que visem eliminar ou diminuir os riscos profissionais a que estão potencialmente expostos os trabalhadores;

Ora, estando em causa saber o empregador assegurou ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho zelando, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, dar como provado quea arguida permitiu que os trabalhos descritos fossem realizados sem ter havido uma identificação dos riscos (sem identificar concretamente esses riscos) em toda a actividade da empresa, nomeadamente no local onde ocorreu o acidente de trabalho mortal, não procedeu a avaliação de riscos (sem os identificar) à tarefa desempenhada pelos trabalhadores, incluindo o trabalhador acidentado, nem procedimentos de segurança ( sem identificar concretamente quais esses procedimentos de segurança) para aquelas funções e também não efectivou medidas preventivas (sem identificar concretamente quais) contra quedas em altura ou ao mesmo nível” e que  “A falta de medidas preventivas e de protecção no âmbito da segurança e saúde no referido local de trabalho, teve como consequência a falta de condições de segurança e saúde dos trabalhadores ao serviço da arguida”, é resolver , sem mais, o thema decidendum dos autos e, nessa medida terá, necessariamente, de se considerar tal matéria como conclusiva, sendo que na decisão sobre a matéria de facto só devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito.

Com bem refere a recorrente “os pontos nºs 8 e 9 dos “Factos provados” têm um carácter manifestamente conclusivo, encerrando em si mesmos, mais do que afirmações factuais ou juízos de facto, asserções valorativas sobre questões do thema decidendum. Esses pontos comportam matéria de direito com base na qual se procura sustentar a verificação dos elementos do tipo legal de contra-ordenação que vem imputada à Recorrente, preenchendo-se, assim, a previsão do art. 15º-1- 2/a/b/c/d/e da Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro”, pelo que “ali está em causa são meras conclusões, as quais só podiam ser extraídas (ou não) em sede interpretativa e com base noutros factos dados como provados na sentença recorrida”.

E qual a consequência de se terem incluído conclusões, juízos de valor ou matéria de direito na descrição da matéria de facto provada?

Por feito das remissões operadas pelos arts. 60º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, 41º do RGCO e 4º do CPP, haverá que seguir o determinado na matéria pela lei processual civil.

Ora, no domínio do anterior CPC esta Secção vinha a decidir, no seguimento da posição que julgamos ser maioritária, que os factos considerados conclusivos, por aplicação do disposto no artº 646º, nº 4 do VCPC devem considerar-se como não escritos.

E o mesmo deve continuar a prevalecer no domínio do NCPC[1] apesar de nele não existir uma norma correspondente àquela, pois que, a despeito dessa inexistência, o certo é que só factos são objecto de prova (arts. 341º do CC e 410º do NCPC), em concordância com o que prescreve o art. 607º, nº 3 do NCPC, que na sentença deve o juiz discriminar os factos que considera provados[2].

Também o CPP no que toca os requisitos da sentença manda que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados…”.

Como assim, a matéria dos pontos 8º e 9º não pode ser levada em conta ou valorada para efeitos do enquadramento jurídico, o que se decide.

Da prática da infracção:

Há que atentar que, quando o acidente ocorreu, o trabalhador não estava a exercer qualquer tarefa, sendo que o “poço” não fazia parte do local de trabalho do trabalhador sinistrado, tal como o mesmo vem definido no art. 4º/e) da Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro.

Aliás provou-se que esse “poço” se encontrava a cerca de 300 metros da estufa onde o falecido havia nesse dia trabalhado.

Provou-se ainda que a instalação do sistema de tutoragem por parte dos trabalhadores da Recorrente “ocorreu apenas no interior das estufas (ou macrotúneis)” (cfr. ponto nº 17) e que a zona onde estava situado o “poço” “não constituía zona de passagem para o interior das estufas, designadamente para a estufa onde estavam a ser efectuados trabalhos naquela tarde” pelo que inexistia qualquer risco resultante do facto de os trabalhadores da Recorrente terem que se deslocar entre as várias estufas.

Por outro lado esse “poço” não era um poço no verdadeiro sentido da palavra.

Trata-se de uma manilha onde, através de um tubo, era recolhida água que provinha de uma mina, sendo esse “poço” ou manilha[3] utilizado pelos trabalhadores para beberem água ou refrescaram bebidas.

Por outro lado, esse denominado “poço” tinha cerca de 1,13 m de altura, 97 cms de diâmetro e 52 cms de água.

Com estas características, qualquer pessoa que tivesse necessidade de passar a seu lado e se desequilibrasse, jamais cairia no seu interior considerando a largura da boca da manilha; e estando em normais e perfeitas condições físicas e mentais, ainda que caísse para o seu interior, sempre facilmente sairia deste pois não se pode olvidar que esse poço ou manilha tinha apenas 1,13 m de altura e apenas 52 cms de água.

Considerando o modo ou maneira como falecido foi encontrado (dentro da manilha, de cabeça para baixo e apenas com a pernas visíveis) a sua morte terá ocorrido, com toda a probabilidade, porque aquele se debruçou para dentro da manilha com o propósito beber água ou alcançar algumas das bebidas que estavam a refrescar, não conseguindo sair dessa posição por não estar na posse de todas as suas capacidades e/ou também por ter introduzido ambos os braços dentro da manilha o que não lhe permitiu ou dificultou agarrar-se ao rebordo daquela para poder sair do seu interior.

Está provado que «a arguida elaborou um modelo de “Plano de Prevenção de Riscos Profissionais montagens de Estufas Abrigo”, nele prevendo os riscos profissionais e correspondentes medidas preventivas para a tarefa de colocação de suportes de tutoragem» (cfr. ponto nº 13), sendo que essa foi a única tarefa por ela executada na empreitada em causa (cfr. ponto nº 16).

E era a isso a que estava obrigada.

Não estava obrigada a prever os riscos derivados das imprudências ou de comportamentos menos próprios dos seus trabalhadores e, muito menos, quando esses comportamentos ocorrem fora dos locais de trabalho destinados ao desempenho das funções daqueles.

Considerando os critérios de razoabilidade e de normalidade não era manifestamente previsível para qualquer empregador que, na situação concreta dos autos, pudesse ocorrer um acidente da forma com este ocorreu.

Não era assim exigível, na concreta situação dos autos, que o empregador estivesse obrigado a prever o risco de queda de um seu trabalhador numa manilha/poço, com 97 cms de abertura e 1,13 m de profundidade e que, com 52 cms de água, alguém pudesse vir a sofrer um afogamento, tanto mais que essa manilha/poço se encontrava longe do local de trabalho.

Como refere a recorrente, afigura-se-nos também evidente que o acidente se ficou unicamente a dever a um comportamento injustificado e imprevisível do trabalhador, sendo de todo improvável, segundo um juízo de prognose, que o mesmo viesse a ocorrer. Foi o próprio trabalhador quem, com a sua conduta sem qualquer ligação directa com o trabalho se colocou numa situação de risco e originou infelizmente a sua morte.

Ou seja, com o devido respeito por opinião contrária, não está demonstrado que o empregador, ora recorrente, tivesse deixado de assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho ou que tivesse deixado de zelar pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador

A conduta da recorrente não merece quanto a nós qualquer censura ético jurídica, não podendo, por isso, subsistir a sua condenação.

Termos em que deliberam os juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso totalmente procedente em função do que, na revogação da sentença impugnada, se decide absolver a recorrente da prática da infracção pela qual havia sido condenada.

Sem custas.


Coimbra, 22 de Maio de 2020

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

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[1] Neste sentido, acórdãos da Relação do Porto de 7/10/2013, proferido no processo 488/08.1TBVPA.P1, e de 2/3/2015, proferido no processo 1099/12.2TVPRT.P1; acórdãos da Relação de Coimbra de 5/6/2014, proferido no processo 229/13.1TTTMR.C1, e de 3/7/2014, proferido no processo 121/13.0TTGRD.C1; acórdão da Relação de Lisboa de 9/7/2014, proferido no processo 2300/11.5TBFUN.L1-7.
[2] V. Ac. STJ de 14.01.2017, procº1391/13.9TTCBR.C1.S1 onde se lê que: “actualmente, com a aprovação do Novo CPC, o anterior nº 4 do art. 646º, do CPC, que determinava que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito” não encontra paralelo, em sede normativa, no novo modelo.
Apesar disso, não foi suprimida a distinção jurídica entre matéria de facto e matéria de direito, pelo que o Juiz não deve incluir no elenco dos factos provados conceitos de direito ou conclusões normativas que possuam virtualidades para condicionar o destino da acção e que definam, por essa via, a aplicação do direito”.
[3] Cfr. fotografias juntas aos autos e constantes do “relatório de inspecção judicial” elaborado pela GNR