Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
850/10.0TXCBR-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDA VENTURA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
DECISÃO
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
IRREGULARIDADE
PRAZO DE ARGUIÇÃO
Data do Acordão: 05/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 61.º DO CP; ARTIGO 379.º DO CPP; ARTIGO 146.º, N.º 1, 152.º, N.º 1, E 173.º A 177.º, DO CEPMPL
Sumário: I - O regime das nulidades da sentença, previsto no artigo 379.º, do CPP, é inaplicável à decisão, na forma de despacho, sobre a liberdade condicional.

II - Daí que, de acordo com o princípio da legalidade plasmado no artigo 118.º do CPP, a falta ou insuficiência de fundamentação da decisão que conceda ou não a liberdade condicional não consubstancie nulidade do referido acto processual, tratando-se antes de uma mera irregularidade, a arguir no prazo, de 10 dias, previsto no artigo 152.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório:
1. Nos Autos de Liberdade Condicional registados sob o n.º 850/10.0TXCBR-G. que correm termos no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, Secção Única, em que é arguido A..., foi decidido pela Mmª Juiz, em 05-02-2013, não conceder a liberdade condicional ao referido recluso.

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2. Inconformado com esta decisão, recorreu o arguido, pedindo a revogação da mesma e a sua substituição por outra que lhe conceda a liberdade condicional.

Apresentou as seguintes conclusões:

Ao decidir como decidiu, não fundamentando, como não fundamentou, a douta decisão que nega a concessão da liberdade condicional ao ora aqui recorrente, o Meritíssimo Senhor Juiz a quo interpretou de forma manifestamente errada a norma do artº 374º, n. ° 2, do CPP;

Posto que estava, por essa norma, obrigado a justificar as razões de facto e de direito da douta decisão, nos termos do disposto no artº. 379.°, n.° 1, al. a) do CPP;

Já que não detinha o Meritíssimo Senhor Juiz a quo quaisquer elementos que o levassem a proferir a decisão que proferiu, e, assim, impunha-se necessariamente decisão diversa;

Ao decidir como decidiu, o Meritíssimo Senhor juiz a quo interpretou de forma manifestamente errada a norma do art.º 61, n.º 2;

Já que, também aqui, não detinha o Meritíssimo Senhor Juiz a quo quaisquer elementos que o levassem a proferir a decisão que proferiu, e, assim, impunha-se necessariamente decisão diversa.

Ao decidir como decidiu o Meritíssimo Senhor Juiz a quo interpretou de forma manifestamente errada as normas constitucionais dos princípios de adequação, da proporcionalidade e da necessidade que, manifestamente, se acham violados.

Tal e tanto implicam a revogação da douta decisão e a sua substituição por outra que conceda a liberdade condicional ao ora aqui recorrente.

Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça.

3. O Ministério Público junto do TEP de Coimbra respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência, alegando, em conclusão o seguinte:

1- O recorrente limita-se a arguir o vício da falta de fundamentação da decisão, nada de concreto sustentando, nas conclusões da respectiva motivação, porque entende que deveria antes ter sido decidida a concessão da liberdade condicional.

2- A decisão recorrida mostra-se coerente e fundamentada, não enfermando de qualquer vício, antes observando o disposto no artigo 146°, n. ° 1, do CEPMP.

3- Havendo apreciado os respectivos requisitos formais e materiais, essa decisão recusou, por não verificados os últimos, a colocação do recluso recorrente em liberdade condicional.

4- Como resulta da fundamentação dessa decisão, acentuadas exigências de prevenção geral e especial, tornam incompatível a libertação condicional imediata com a defesa da ordem e da paz social e inviabilizam um juízo de prognose favorável a essa libertação.

5- A decisão recorrida não atenta, por isso, contra qualquer preceito legal, designadamente, contra o disposto no art.º 61º, n.º2 do C. Penal, ou contra normativo constitucional (que antes o recorrente não identifica nas conclusões da sua motivação) antes interpretou e aplicou, com rigor e bondade, o estabelecido nessa mencionada norma.

Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Senhores juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, rejeitando-se o recurso interposto por manifesta improcedência, ou, assim se não entendendo, julgando-o improcedente, será feito Justiça.

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4. Neste Tribunal da Relação, O Exmº. Procurador-Geral Adjunto, em parecer de fls. 53 e vº, manifestou-se, de igual modo, no sentido da confirmação integral da decisão sob recurso.

Colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. Fundamentação:

1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).

Assim, no caso sub judicie apesar da deficiente formulação das conclusões do recurso, delas se extrai que o recorrente se insurge contra a falta de fundamentação do despacho recorrido quanto à conclusão nele alcançada quanto ao juízo de prognose desfavorável à liberdade condicional pretendendo que este tribunal conclua quanto à violação do art.º 61º, nº2, al. a) do C. Penal e pela verificação de um juízo de prognose favorável à concessão da liberdade condicional, com base em factos e pressupostos não apreciados nem ponderados pelo tribunal recorrido. Ou seja:
Nulidade da decisão por falta de fundamentação.
Pressupostos, no caso, para a concessão da liberdade condicional ao recorrente.

2. Da decisão recorrida consta que:

1- RELATÓRIO

Foram instaurados os presentes autos com vista à eventual concessão de liberdade condicional ao condenado A..., já Identificado nos autos.

O condenado encontra-se em reclusão no Estabelecimento Prisional da Guarda.

O processo seguiu a sua normal tramitação e mostra-se devidamente instruído, mais tendo sido observadas todas as legais formalidades.

Foram juntos aos autos os relatórios exigidos pelo artigo l73º do CEP.

Nos termos do disposto no artigo 177° do CEP o Ministério Público, após a realização de Conselho Técnico, emitiu parecer desfavorável à concessão de liberdade condicional ao condenado (fols. 231 a 233).

O Conselho Técnico, reunido em 2013.01.30, prestou os necessários esclarecimentos, mais tendo sido emitido parecer maioritariamente favorável (votos favoráveis dos serviços de vigilância e segurança, educação e ensino e reinserção social) à concessão da liberdade condicional ao condenado.

Ouvido o rec1uso, em Auto de Declarações, o mesmo autorizou a sua colocação em liberdade condicional

*

O tribunal competente.

O processo o próprio.

No há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

2 - OS FACTOS E O DIREITO

O instituto da liberdade condicional assume “um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica — que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada - de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade, O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições — substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova - que lhe são aplicadas.

Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento”1. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1 993, p. 528.

A aplicação da liberdade condicional assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material.

São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes:

a) O consentimento do condenado (artigo 61°, n. ° 1, do Código Penal (CP);

b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da sorna das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61°, n. ° 2 e 63°, n. ° 2, do CP);

c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 (em penas superiores a 6 anos) da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61°, n°s2,3 e4e63°,n°2.doCP).

A liberdade condicional quando referida a 1/2 ou a 2/3 da pena (liberdade condicional facultativa) consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, sendo que estes últimos são em número diferente consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.

São pressupostos de natureza material da aplicação de tal instituto a 1/2 da pena:

a) O supra referido juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (als. a) e b), do artigo 610, do CP), o qual assenta, de forma determinante, numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização);

b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.

Estão aqui bem presentes na liberdade condicional as exigência de prevenção geral e especial a que já aludimos supra, devendo o julgador, para decidir pela concessão da liberdade condicional julgar que o condenado está preparado para se reintegrar na sociedade, sem cometer crimes (artigo 42°, 0 1, do CP).

In casu, o recluso A... cumpre uma pena única de cinco anos e dez meses de prisão, decidida no PCC n. ° 52/06.00ACLB — Celorico da Beira, pela prática de dois crimes de roubo (artigo 210º, n. ° 1 e n. ° 2. al. b), do Código Penal) e de um crime de detenção de substâncias explosivas (artigo 275°. n. ° 1, do mesmo Código).

O recluso foi detido em 11 de Março de 2010, mantendo-se, desde então e ininterruptamente, em cumprimento da referida pena única.

O cumprimento do meio, dos dois terços e da totalidade dessa pena será atingido, respectivamente, em 11 de Fevereiro de 2013, em 31 de Janeiro de 2014 e em 11 de Janeiro de 2016.

Por decisão de 23.04.2012 foi recusada a colocação do recluso em adaptação à liberdade condicional.

Decorre agora a instância, para apreciação para liberdade condicional, com referência à data de cumprimento do meio daquela pena.

*

No caso em apreço, tendo em conta o teor dos relatórios da DGRS e dos Serviços de Educação e Ensino, das certidões das decisões proferidas, sendo que não houve produção de prova a requerimento do condenado e que os elementos apurados se fazem através do contacto com os técnicos da SE e DGRS que elaboram os relatórios referidos e que detém o dever funcional de avaliação, considera-se que:

1) O recluso A... cumpre uma pena única de cinco anos e dez meses de prisão, decidida no PCC n. ° 52/06.OGACLB — Celorico da Beira, pela prática de dois crimes de roubo (artigo 210°, n. ° 1 e n. ° 2, al. b), do Código Penal) e de um crime de detenção de substâncias explosivas (artigo 275°, n. ° 1, do mesmo Código).

2) O cumprimento do meio, dos dois terços e da totalidade dessa pena será atingido, respectivamente, em l1 de Fevereiro de 2013, em 31 de Janeiro de 20l4e em 11 de Janeiro de 2016.

3) O recluso tem um comportamento institucional de cumprimento adequado, sem registo disciplinar.

4) Reconhece o cometimento dos crimes, justificando as suas condutas com dificuldades pessoais e as “más companhias”.

5) Verbaliza arrependimento, denotando juízo crítico face aos crimes praticados e consciência do desvalor da sua conduta.

6) Concluiu o 3º Ciclo e o Ensino Secundário, frequentou acções com componente formativa, previstas no projecto educativo e participou em acções de esclarecimento e em actividades desportivas, demonstrando competências pessoais.

7) Beneficiou de duas licenças de saída jurisdicionais e de uma licença de curta duração, sem notícia de anomalias.

8) Encontra-se em RAI, desde Novembro de 2012.

9) Conta com apoio familiar e eventual ocupação profissional.

10) Não se conhecem sinais adversas no meio comunitário para onde tenciona ir residir, também porque os factos não foram aí praticados.

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Reunidos os factos assentes importa proferir decisão, tendo-se sempre presente que a apreciação feita nestes autos corresponde a uma nova fase processual, a da execução, sendo que a libertação antecipada, ainda que condicionalmente, dependerá do percurso do condenado ao longo da execução, avaliado pelos técnicos que o acompanham sendo que a personalidade do condenado, revelada no facto, poderá constituir, também, um factor a considerar, não no mesmo sentido da condenação mas na perspectiva da personalidade do agente e da sua evolução. Na verdade, não sendo a liberdade condicional um “prémio”, não se baseia exclusivamente no bom comportamento prisional ou na existência de apoio no exterior.

Da matéria que foi apurada resulta que o recluso reúne um conjunto de condições favoráveis à sua reintegração social, designadamente adequado comportamento institucional, reconhecimento dos seus crimes, apoio familiar e possibilidade de vir a desenvolver actividade profissional.

No entanto, não poderá ignorar-se que os factos praticados pelo recluso assumiram uma acentuada gravidade, sendo as necessidades de prevenção geral, na situação em apreço, muito elevadas.

Repare-se que o recluso foi condenado na pena de quatro anos de prisão, por cada um dos crimes de roubo e na pena de dois anos e seis meses, pelo crime de detenção de substâncias explosivas.

A natureza e a gravidade deste tipo de crimes geram alarme na comunidade — não apenas na comunidade local, mas na comunidade em geral.

Para além disso, o recluso denota ainda não ter interiorizado plenamente o desvalor da sua conduta criminosa e as consequências dela advenientes para as vítimas, antes privilegiando as consequências geradas para si próprio.

Apresenta uma postura desculpabilizante das suas atitudes, menciona ter atravessado uma fase pessoal difícil.

Assim, na perspectiva do Tribunal, as necessidades de prevenção geral, não permitem, por ora, admitir que a libertação do recluso, pelo cumprimento do meio da pena, seja compatível com a ordem e a paz social, sendo ainda acentuadas as exigências de prevenção especial e geral, também por referência ao percurso de vida do recluso e à natureza dos crimes por si praticados, geradores de acentuado alarme social, como é sabido.

3- DECISÃO

Por todo o exposto, em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se não conceder ao condenado A... a liberdade condicional.

*

Notifique e comunique ao E.P. e à DGRS.

Comunique ao processo da condenação referido em 1).

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6. Mérito do recurso:

Como referido, em resumo, as questões a conhecer são as seguintes:
Nulidade da decisão por falta de fundamentação.

Pressupostos, no caso, para a concessão da liberdade condicional ao recorrente.

a) - Da nulidade da decisão por falta de fundamentação:

O recorrente alega que na decisão proferida não se encontra fundamentada, estando obrigada a justificar as razões de facto e de direito nos termos do disposto no artº. 379.°, n.° 1, al. a) do CPP; (a falta de fundamentação da decisão importa a nulidade da mesma por violação da disposição decorrente da norma do artigo 379. °, n.º 1, alínea a), com referência ao n.º 2, do artigo 374. °, ambos do Código de Processo Penal).

Vejamos:

Em consonância com o imperativo constitucional do artigo 205.º, n.º 1 da CRP, segundo a qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”,

E esse dever de fundamentação deve ser reforçado quando estejam em causa outros direitos fundamentais dos arguidos, como seja a sua liberdade ou a sua presunção de inocência, impondo-se aqui que qualquer leitura legal seja conforme a Constituição (16.º, 17.º, 18.º, 27.º e 32.º, n.º 2 Constituição).

O Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEP – Lei n.º 115/2009, de 12/Out.) enuncia no seu artigo 146.º, n.º 1 que “Os actos decisórios do juiz de execução das penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.

Tal segmento normativo reproduz, quase ipsis verbis, o preceituado no artigo 97.º, n.º 4 Código de Processo Penal, segundo o qual “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.

Ou seja, tal implica que, ao proferir-se uma decisão judicial, se conheçam as razões de facto e de direito subjacentes, de modo a aferir se os mesmos estão fundados na lei e na validade do Direito. Por isso esta exigência é, simultaneamente, um acto de transparência democrática do exercício da função jurisdicional, que a legitima, e de manifestação das garantias de defesa, ambas com assento constitucional, de forma a aferir a sua razoabilidade e a obstar a decisões arbitrárias. A fundamentação de um acto decisório deve estar devidamente exteriorizada no respectivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido.

No entanto, nem todas as decisões judiciais estão sujeitas aos mesmos  certos e específicos requisitos formais, como sucede com os despachos que decretam uma medida de coacção ou de garantia patrimonial (194.º, n.º 4 C. P. Penal), as decisões instrutórias de pronúncia (308.º, n.º 2, 283.º, n.º 3 C. P. Penal) e as sentenças (379.º C. P. Penal que impõe o legislador ordinário, em processo penal, como requisito estruturante da sentença, a indicação dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão (cfr. n.º 2 do art. 374.º do C.P.Penal, sob pena de nulidade).

No fundo, como referido, o fundamental é que se possa conhecer/perceber o juízo decisório em que se alicerçou o correspondente despacho, designadamente os factos que se acolheram e a interpretação do direito perfilhada, permitindo o seu controlo pelos interessados e, se for caso disso, por uma instância jurisdicional distinta daquela.

Pelo que, à partida, não cumprem estes requisitos os actos decisórios que não tenham fundamento algum, por mínimo que seja, e aqueles que se revelem insuficientemente motivados.

No entanto a questão que se coloca é a de saber se a decisão judicial sobre o pedido de liberdade condicional é equiparável a uma sentença, por aplicação e integração analógica da disciplina processual (neste sentido Ac. R.L de 15-12-2011, 24.02.2010, 06.10.2010, 01.10.2009, 23.10.2008 e Ac. RE de 15.12.2009 todos disponíveis em www.dgsi.pt) sendo-lhe aplicável o invocado regime de nulidade previsto no art.º 379º do C.P.Penal já que só através da formalização como sentença da decisão judicial de concessão ou não da liberdade condicional se possibilita uma ponderação adequada de cada caso e que a mesma seja verdadeiramente sindicável em sede de recurso.

Ou, não o sendo, a falta de fundamentação, configura então uma mera irregularidade, que afecta ou não o valor do acto praticado, e, na positiva, é a todo o tempo e mesmo em sede recursiva, sujeita a reparação a realizar, por determinação oficiosa, pelo tribunal recorrido (neste sentido v.g Ac. RL de 24-02-2010, 08-07-2008, 23/09/2009, ou deve ser arguida e tão só, no prazo estipulado no art.º 123º do C.P.Penal (Ac. R Coimbra de 12-12-2012) Acórdãos disponíveis em www.dgsi.pt

Quanto a nós e adiantando desde já, entendemos que a decisão sobre a concessão ou recusa da liberdade condicional não é uma sentença.

Na verdade, se atentarmos à noção legal de sentença dada pelo artigo 97.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, cujas disposições são aplicáveis a título subsidiário (154.º do CEP), aí se considera que “Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo”.

Existe aqui uma similitude de terminologia com o preceituado nos artigos 419.º, n.º 3, al. b) e 400.º, n.º 1, al. c), ambos do Código de Processo Penal, dizendo o primeiro respeito ao conhecimento dos recursos em conferência e reportando-se o segundo à irrecorribilidade dos “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam a final do objecto do processo”. As redacções destes dois segmentos normativos foram introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29/Ago., que substituiu a menção “que não ponham termo à causa”.

Tanto num caso, como no outro, passou-se a considerar que a menção a “objecto do processo” tinha um significado semelhante ao do “mérito do processo”, alargando-se, por isso, aquele conceito de pôr termo ou fim à causa.

O art.º 485º do C.P.Penal (na redacção anterior à Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro) reportava-se à decisão sobre a liberdade condicional qualificando-a sempre “despacho” o que nos levava a concluir que o legislador, desde logo, entendeu que esta decisão não era nem estava sujeita ás regras processuais penais impostas ás sentenças.

Tal preceito foi revogado pela Lei n.º 115/2009, de 12/Out., através do seu artigo 8.º, n.º 2, al. a), que instituiu o Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade (CEP), mas o mesmo continua a fazer referência, no capitulo respeitante à liberdade condicional, a “decisão do juiz” (177.º, n.º 3), como de resto sucede em relação a outras decisões, distinguindo a mesma das “sentenças condenatórias” (v.g. 3.º, n.º 2; 181.º).

Mais, a liberdade condicional ocorre no decurso da execução de uma pena de prisão, comportando um regime substantivo (61.º a 64.º Código Penal) e um regime processual (antes 484.º a 486.º C. P. Penal; agora 155.º, 173.º e ss. CEP), que actualmente integra uma fase de incidência técnico-administrativa, que culmina com o parecer do Conselho Técnico (175.º, n.º 2 CEP), a que se segue uma fase de incidência judicial, a qual se inicia com a audição do recluso e finda com a prolação da decisão judicial (176.º, 177.º CEP).

Não tem carácter definitivo como decorre do disposto nos artsº agora 23.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1 CEP

Sendo assim um incidente processual que não conhece nem do objecto final do processo de execução das penas de prisão nem muito menos do objecto do processo penal não correspondendo, nem sob o ponto de vista formal nem teleológico, a uma sentença.

Qual então o regime a aplicar:

Nos termos do disposto no artigo 118.º do Código de Processo Penal, que consagra o princípio da legalidade dos actos processuais, preceitua-se que “A violação ou a inobservância da disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”.

Ora e ao contrário das sentenças (379.º C. P. Penal), dos despachos que decretam uma medida de coacção ou de garantia patrimonial (194.º, n.º 4 C. P. Penal), bem do despacho de pronúncia (308.º, n.º 2, 283.º, n.º 3 C. P. Penal), não existe qualquer norma legal que comine de nulidade, por falta de motivação, o despacho que se pronuncie sobre a concessão ou não da liberdade provisória.

Daí que, de acordo com o referido princípio da legalidade dos actos processuais, a falta ou a insuficiência de motivação de uma decisão que conceda ou não a liberdade condicional, não corresponde a uma nulidade antes tratando-se e apenas de uma irregularidade.

Esta solução é consentânea com o modo como a lei adjectiva penal estabeleceu o sistema fechado das nulidades insanáveis e dependentes de arguição, configurando as normas relativas a nulidades como normas excepcionais, dado o seu carácter taxativo, e, portanto, insusceptíveis de aplicação analógica (cfr. o artigo 11.º do Código Civil) – vide Conde Correia, in Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Coimbra, 1999, p. 152 e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, 3.ª edição, Lisboa, 2009, p. 298.

Por sua vez e de acordo com o artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal “Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto”.

Assim, a falta de invocação atempada de qualquer irregularidade como de resto de uma nulidade que não seja absoluta ou insanável, conduz à sua sanação (121.º, 123.º C. P Penal, por interpretação extensiva) – o contrário e a possibilidade de se conhecer a todo o tempo e oficiosamente uma mera irregularidade é, na prática, conferir-lhe o estatuto de uma nulidade insanável.

No entanto, o CEP veio estabelecer como regra geral para a prática de actos o prazo de dez (10) dias, preceituando no seu artigo 152.º, n.º 1 que “Salvo disposição legal – leia-se deste Código – em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer acto processual”. E quando quis regular um outro prazo veio fazê-lo expressamente, seja por referência interna (2 dias – 218.º, n.º 1; 5 dias – 160.º; 177.º, n.º 1; 203.º, n.º 1 parte final; 204.º, n.º 1; 205.º, n.º 1; 206.º, n.º 2 CEP; 8 dias – 203.º, n.º 1 I parte CEP), seja por remissão externa, como sucede no caso dos recursos (239.º CEP), cujo prazo de interposição regra é de 30 dias (411.º, n.º 1 C. P. Penal na redacção dada pela Lei 20/2013 de 21 de Fevereiro.)

Ora atendendo a que tendo o C.P.Penal apenas aplicação subsidiária em relação ao Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, conforme decorre do seu artigo 154.º e não havendo reenvio expresso para o prazo de invocação do vício processual de irregularidade, em nosso entender, deverá aplicar-se o prazo de 10 dias de acordo com o disposto no art.º 152º do referido CEP.

Nos autos, verifica-se que em nenhum momento foi suscitada a presente irregularidade perante o tribunal que a terá cometido, pelo que improcede este fundamento de recurso.

E esta solução, encontra-se perfeitamente coadunada com o facto de ao contrário do regime recursivo em processo penal, que permite invocar a nulidade de uma sentença como fundamento de recurso (379.º, n.º 2 C. P. Penal), a impugnação da decisão da concessão ou recusa da liberdade condicional é limitada à questão da concessão ou recusa da liberdade condicional (179.º, n.º 1 CEP)

 Assim, no caso em apreço, o dever de fundamentação é o que consta do disposto no art. 146º nº 1, do CEP.

Ora, na decisão recorrida constam as razões de facto e de direito que a fundamentaram; os crimes objecto de condenação transitada em julgado com a respectiva pena; datas atinentes ao atingimento de ½, 2/3 da pena e terminus da mesma; ainda os antecedentes criminais, pareceres do Conselho Técnico e do MP. Ainda o percurso e postura no Estabelecimento Prisional e projectos de vida do recluso o que foi conjugado com as razões de prevenção geral e especial estabelecidas e consagradas mo art. 61º nº 2, al. A) “a contrario” e sua al. B).

b)Justifica-se ou não a concessão da liberdade condicional ao recorrente?

Considerações gerais:   

De acordo com os princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade das penas e a liberdade condicional, a Constituição estipula no seu artigo 18.º, n.º 2 que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

Por sua vez a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, enuncia vinculativamente para os Estados Membros no seu artigo 49.º, n.º 3 que “As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infracção.”

Assim, decorre da conjugação destes preceitos o princípio da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade das penas, não só na sua escolha e determinação, bem como na sua execução, mormente quando as reacções penais forem privativas da liberdade.

 Mais, é sabido que tanto na determinação como na execução das penas, dever-se-á atender às finalidades destas, que segundo o art. 40.º do Código Penal, consistem na “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica ou social, típica da prevenção geral (ROXIN, Claus, Culpabilidady Prevencion en Derecho Penal, Editorial Réus, 1981, Madrid, p. 181; FIGUEIREDO DIAS, Jorge Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 73 e ss; “Sobre o estado actual da doutrina do crime”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano I, 1991, p. 22; PALMA, Maria Fernanda, “As alterações da Parte Geral do Código Penal na revisão de 1995seguindo-se as vertentes da prevenção especial.

 De acordo com o artigo 42.º, n.º 1 do Código Penal “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável”, o que veio a ser renovado no artigo 2.º, n.º 1 do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEP), ao estipular-se que “A execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando -o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção de bens jurídicos e a defesa da sociedade”. Tudo isto reforça a ideia de que a execução de uma pena de prisão tem essencialmente na sua base, sendo de resto a sua âncora, razões nítidas de prevenção geral associadas à defesa da sociedade e à paz jurídica ou social, mas também orientações de prevenção especial especialmente na vertente da ressocialização do arguido.

Para o efeito e no que concerne à liberdade condicional, segundo o nº 9 do Preâmbulo do D.L. nº 400/82, de 23 de Setembro, esta tem como objectivo «criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão».

Na sequência estipula o artigo 61.º, do Código Penal que:

“1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.

2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:

a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.

3. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.

4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.

5. Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.”

Por outro lado, o artigo 484.º, do C.P.Penal, regulamenta a aplicação da liberdade condicional, pela seguinte forma:

“ 1. Até dois meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos de concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, os serviços prisionais remetem ao Tribunal de Execução das Penas:

a) Relatório dos serviços técnicos prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional do recluso;

b) Parecer fundamentado sobre a concessão de liberdade condicional, elaborado pelo director do estabelecimento.

2. Até quatro meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos da concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, o tribunal de execução das penas solicita aos serviços de reinserção social:

a) Plano individual de readaptação;

b) Relatório social contendo uma análise dos efeitos da pena; ou

c) Relatório social contendo outros elementos com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional ou a concessão do período de adaptação à liberdade condicional.

3. Oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do condenado, o tribunal solicita quaisquer outros relatórios ou documentos ou realiza diligências que se afigurem com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional, nomeadamente a elaboração de um plano de reinserção social, pelos serviços de reinserção social. O pedido de elaboração do plano é obrigatório sempre que o condenado se encontre preso há mais de cinco anos.”.

Assim, como resulta do artigo 61.º, do Código Penal, a liberdade condicional pode revestir duas modalidades: a facultativa e a obrigatória.

Como escreve Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 18ª ed., pág. 244., “ A facultativa depende de requisitos formais e de requisitos de fundo e a sua aplicação está regulada nos nºs 1, 2 e 3. Verificados os requisitos formais e de fundo, é poder-dever do tribunal colocar o condenado em liberdade condicional, sendo então também de certo modo obrigatória. A liberdade condicional obrigatória, para além do consentimento do condenado, depende tão só da verificação de requisitos formais, rectius, do requisito enunciado no nº 4, onde a aplicação desta modalidade de liberdade condicional se encontra estabelecida”.

No caso em apreço, a situação que se discute é a da liberdade condicional facultativa.

Trata-se de uma medida de carácter excepcional que tem como objectivo a suspensão do cumprimento da pena aplicada e só deve ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem a da paz social.

Assim, para além de terem de se verificar os chamados requisitos formais (cumprimento de metade ou dois terços da pena e no mínimo seis meses), no caso vertente o meio da pena, tem o Juiz de avaliar se estão reunidos os requisitos de fundo previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2, do artigo 61.º, do Código Penal, isto é:

“ a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.”.

Como escreve Figueiredo Dias Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 539., para efeitos de prognose favorável “ … devem ser aqui tomados em conta … as concretas circunstâncias do facto, a vida anterior do agente e a sua personalidade; e além destes, como se disse, também a evolução da personalidade durante a execução da prisão”.

E acrescenta ainda que “ decisivo devia ser, na verdade, não o “ bom “ comportamento prisional “ em si” – no sentido da obediência aos (e do conformismo com) regulamentos prisionais -, mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re) socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade.

Por outro lado - e aqui reside a diferença essencial -, sabemos que o prognóstico para efeito de suspensão de execução da prisão deve ter em conta a probabilidade de a suspensão ser suficien­te para uma realização adequada das finalidades da punição (e por­tanto não só de prevenção especial, como de prevenção geral).

Já, porém, o prognóstico para efeito de concessão da liberdade condicio­nal deve, numa certa medida, ser «menos exigente» (o que não deixa de compreender-se, porque o condenado já cumpriu uma parte da pena e dela se esperará que possa, em alguma medida, ter concorrido para a sua socialização); se ainda aqui deve exigir-se uma certa medida de probabilidade de, no caso da libertação imediata do con­denado, este conduzir a sua vida em liberdade de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, essa medida deve ser a suficiente para emprestar fundamento razoável à expectativa de que o risco da libertação já possa ser comunitariamente suportado.”

Há pois que fazer um juízo antecipado devidamente fundado, que permita poder concluir que o arguido, uma vez colocado em liberdade, virá a adoptar um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal que permita antever que de futuro não voltará a cometer crimes.

Ora, tratando-se a concessão da liberdade condicional ao arguido ao meio da pena de uma medida excepcional, só fortes razões a podem justificar. Se assim não fosse, tal concessão deixaria de ser facultativa e passaria a integrar a modalidade de obrigatória.

Sem nunca esquecer que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa de boa conduta, mas algo que visa criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o condenado possa reconhecer o sentimento de orientação social que se presume enfraquecido por causa da reclusão.

Bem se compreende que assim seja porque a pena já é fixada tendo em consideração as molduras legais cabíveis aos crimes em função da sua gravidade e cujo quantum concreto é determinado tendo em consideração as exigências concretas de prevenção.

                                                                         

Vejamos:

No auto de declarações de fls. 13 (em 30/01/2013) o arguido manifesta sentido crítico face ao seu anterior modo de vida, denota arrependimento e dá a entender que dispõe de meios que lhe permitirão reintegrar-se socialmente.

No entanto, tal não evidencia nada de carácter excepcional.

Na verdade, não basta, para a concessão da liberdade condicional que o arguido tenha em cativeiro bom comportamento, para se poder concluir por um juízo de prognose favorável.

Este (juízo de prognose a executar) tem que assentar nos relatórios juntos para o efeito aos autos.

Ora, do relatório de Liberdade Condicional, de fls. 7 a 11 (datado de 20/12/2012), deve ser salientado o seguinte:

Ao longo do cumprimento de pena, A... assumiu sempre os crimes tendo mantido uma postura de auto censura em relação aos factos praticados, manifestando sentimentos de vergonha e arrependimento.

O seu comportamento caracteriza-se por uma postura de investimento e de cumprimento das normas instituídas. De salientar que em reclusão concluiu o 3. ° Ciclo e o Ensino Secundário, frequentou o Plano de Prevenção e Contingência, participou nas formações, workshops e acções de esclarecimento desenvolvidas no E.P., tendo adoptado sempre uma atitude proactiva no seu processo de readaptação.

No que concerne aos projectos futuros é sua pretensão ir residir com os pais, desenvolver actividade laboral na empresa Construções Reis e Gomes, Lda., como motorista manobrador.

Afirma ainda que quando sair em liberdade pretende ajudar a ex-companheira na educação do seu filho de 7 anos.

É primário, com apoio no exterior e em termos de competência pessoais e profissionais revela ter capacidades que lhe permitem retomar uma vida de harmonia com os preceitos exigidos pela sociedade, pelo que, pensamos que a reclusão servirá como elemento inibidor ao cometimento de novos delitos.

                            

Do Relatório Social para concessão de liberdade condicional, de fls. 2 a 5 (enviado aos autos em 17/21/2012), consta:

4.2. Motivação para a mudança

Indivíduo sem antecedentes criminais, tendo os crimes sido cometidos numa situação pontual, durante um curto período de tempo e em contexto de grupo. Encontra-se neste EP da Guarda desde 05/Abril/2010, tendo o seu comportamento decorrido de forma adequada, denotando atitudes auto valorativas durante o percurso prisional. Efectuou formações na APDES, concluiu o curso B3 (9º ano) encontrando-se a frequentar o curso RVCC (equivalência ao 12º ano.) denota conformismo em relação à execução da presente pena com capacidade para o cumprimento das normas estabelecidas. Até ao momento já beneficiou de medidas de flexibilização da pena tendo as mesmas decorrido com normalidade. Recebe visitas semanais dos Pais e irmã. Revela projectos de futuro consistentes e vontade de empenhamento em aceitar as normas sociais. Tais atitudes de auto-valorização, a par das perspectivas concretas de realização pessoal (em termos familiares e profissionais) poderão constituir indicadores positivos em termos de prognóstico.

6-conclusão:

 O recluso apresenta factores de equilíbrio nomeadamente em termos e apoio familiar, espaço habitacional e emprego. Relativamente aos crimes praticados, revela consciência crítica e sentido de desvalor da sua conduta. Durante o percurso prisional revelou atitudes autovalorativas e comportamento adequado. Pensamos estarem reunidas as condições mínimas para a atribuição da medida em apreço.

O Conselho Técnico emitiu parecer maioritariamente favorável à concessão da Liberdade Condicional (fls. 14).

Com efeito, consta, da acta respeitante à reunião ocorrida em 30/01/2013, o seguinte:

Ter a Equipa da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e a Chefia do Serviço de Vigilância e Segurança votado favoravelmente;

Sendo o voto desfavorável do Director do Estabelecimento prisional.

“(…)

O Ministério Público, em 01/02/2013 emitiu parecer desfavorável (fls. 15 a 17) dado, não se reconhecer que este (recluso) não está ainda determinado e preparado para conduzir a sua vida em normatividade e ainda porque essa motivação se mostra incompatível com a defesa da ordem e da paz social. (Julgamos tratar-se de lapso ao referir-se não se reconhecer que não está preparado – devendo entender-se não se reconhecer que está preparado).

                                                                                                        

Ora, manifestamente, resultam dos autos -relatórios, que embora não sejam vinculativos são o que no caso foi carreado em termos probatórios – que o arguido:

 Relativamente aos crimes praticados, revela consciência crítica e sentido de desvalor da sua conduta.

Durante o percurso prisional revelou atitudes autovalorativas e comportamento adequado

Ao longo do cumprimento de pena,... assumiu sempre os crimes tendo mantido uma postura de autocensura em relação aos factos praticados, manifestando sentimentos de vergonha e arrependimento.

Revela projectos de futuro consistentes e vontade de empenhamento em aceitar as normas sociais.

Apresenta factores de equilíbrio nomeadamente em termos e apoio familiar, espaço habitacional e emprego.

O que permite concluir inexistiram razões de prevenção especial que obriguem à manutenção do arguido em cumprimento de pena para concluir o seu processo de ressocialização, contrariamente à conclusão constante na decisão sob recurso de que: o recluso denota ainda não ter interiorizado plenamente o desvalor da sua conduta criminosa e as consequências dela advenientes para as vítimas, antes privilegiando as consequências geradas para si próprio.

Quanto às razões de prevenção geral:

 Não podemos olvidar, como consta da decisão ora impugnada queos factos praticados pelo recluso assumiram uma acentuada gravidade, sendo as necessidades de prevenção geral, na situação em apreço, muito elevadas.

Repare-se que o recluso foi condenado na pena de quatro anos de prisão, por cada um dos crimes de roubo e na pena de dois anos e seis meses, pelo crime de detenção de substâncias explosivas.

A natureza e a gravidade deste tipo de crimes geram alarme na comunidade — não apenas na comunidade local, mas na comunidade em geral.

Mas tratam-se de considerações gerais que, em regra justificam elevadas exigências de prevenção geral. E se é certo que o tipo de criminalidade que levou à condenação do recorrente constitui hoje uma realidade com contornos bem específicos, gerando grande alarde social e, por isso também necessidades de prevenção geral elevadas, não podemos deixar de ponderar que não há ressonâncias negativas a nível comunitário, pelo contrário o arguido é tido como educado e trabalhador, as razões de alarme social, e prevenção geral se encontram diminuídas – até porque o arguido é primário, praticou os factos de forma pontual, num contexto de grupo e no meio em que vive não existe reacções desfavoráveis.

Certo que, como muito bem se refere no Ac. Desta relação datado de 28-03-2012 e disponível em WWW.dgsi.pt- A compatibilidade da libertação do condenado com a defesa da ordem e da paz social, a que se reporta a al. b), do n.º 2, do art.º 61º, do C. Penal, deve ser aferida tendo em conta o meio social em que praticou o crime.

No entanto desconhece-se se tal foi apurado pelo tribunal dado que dos autos resulta apenas que:

“do ponto de vista da vítima e da reactividade do meio constata-se:

 Crime ainda com impacto no meio -não” (Relatório Social a fols 4) não podendo daqui partir para a conclusão de que só nomeio em que vive é que não há ressonância negativa.

Finalmente entendemos ser de ponderar o facto de, como consta da acta do Conselho Técnico a fols 14 – os seus membros considerarem apenas necessária a sujeição do arguido, em caso de concessão de liberdade condicional, apenas “ as habituais – residência fixada” o que indicia também um juízo de prognose favorável.

Assim, entendemos que tudo isto permite concluir por um juízo de prognose favorável, não constituindo a libertação antecipada do recluso, nesta fase, uma ameaça para a segurança e bem-estar da sociedade.

III – Dispositivo:

Em face do exposto, acordam na 5.ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em dar provimento ao recurso e em consequência, revoga-se a decisão recorrida concedendo-se a liberdade condicional ao recorrente, sujeita às condições de residir em morada certa, aceitar a tutela da equipa da DRGS que para o efeito for designada e manter conduta de acordo com os padrões normativos vigentes.

Sem custas.

Notifique e passe mandados de libertação imediatos.


 (Fernanda Ventura - Relatora)
(Luís Coimbra)