Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
173/11.7GAMMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: MÉTODOS PROIBIDOS DE PROVA
AGENTE PROVOCADOR
Data do Acordão: 03/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 126º, N.º 2, AL. A), DO C. PROC. PENAL
Sumário: O agente provocador convence outrem à prática do crime, determina-lhe a vontade para o acto ilícito, constituindo um “meio enganoso” de obtenção de prova, tratando-se, por isso, de um método proibido de prova (cfr. art.º 126º, n.º 2, al. a), do C. Proc. Penal).

Não se verificam as características básicas associadas à actuação do agente provocador, não havendo aqui qualquer comprovada coacção, na seguinte situação:
O arguido sabia que estava na presença de agentes da autoridade, mais concretamente de militares da guarda nacional republicana, encontrando-se estes com o trajo profissional, bem sabendo que sobre os mesmos impende uma obrigação legal de agir quando constatam qualquer ilegalidade.
Este agente da autoridade não foi, nem de longe nem de perto, um «homem de confiança» do arguido, um agente de qualquer manipulação da vontade criminosa do arguido - nem como produtor activo e doloso de erro, nem como comunicador expresso de uma representação erradas das coisas, nem como indutor mediante formas concludentes de comportamento, nem como aproveitador de um erro preexistente, espontâneo ou provocado por terceiro, nem sequer como emitente de um esclarecimento adequado a afastar o erro em que laborasse o arguido.
O que significa que, ao iniciar a condução após a conversa que diz ter tido com os agentes policiais, no sentido de o mesmo ter de conduzir para legitimar a feitura de um teste quantitativo de álcool, o arguido (foi dito pelo mesmo que foi ele que solicitou a realização do teste, que insistiu, nesse sentido, pois queria obter um talão que demonstrasse que não estava sob o efeito do álcool) tinha perfeita consciência de que aquelas pessoas eram agentes da autoridade e que, caso o teste revelasse uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, os mesmos teriam de actuar de acordo com a lei.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

           

1. No âmbito do Processo Sumário n.º 173/11.7GAMMV, pendente no Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo, recorre o Ministério Público da sentença condenatória do arguido A..., datada de 30 de Março de 2011.

Nesse sentença proferida oralmente na audiência desse dia 30, foi ABSOLVIDO o arguido da prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1 do CP.

2. O Ministério Público motiva assim o seu recurso (em transcrição):

«1. Nos autos não se verificou o recurso a qualquer método proibido de obtenção de prova, nomeadamente o recurso à figura do agente provocador, como defende o Tribunal a quo para sustentar a sua decisão de absolver o arguido da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

2. A factualidade descrita pelo arguido que, contrariamente ao que consta da sentença recorrida, não foi corroborada pelo agente da autoridade, a admitir-se como verdadeira, não pode ser subsumida à figura do agente provocador.

3. Com efeito, para que pudéssemos afirmar que o militar da Guarda Nacional República actuou no caso vertente nas vestes de agente provocador era imperioso que o mesmo se apresentasse ao arguido de forma disfarçada parecendo um dos seus comparticipantes e o tivesse, com a sua actuação, induzido, incitado à prática do crime.

4. Uma análise avisada do quadro fáctico descrito pelo arguido, que só admitimos como verdadeiro por mero exercício de raciocínio, facilmente afasta a figura do agente provocador dos presentes autos;

5. De facto, o militar da Guarda Nacional Republicana encontrava-se com o seu traje profissional, sendo reconhecido pelo arguido como agente da autoridade;

6. Foi o próprio arguido, de acordo com a versão por si apresentada, que solicitou e insistiu que lhe fosse feito o teste de pesquisa de álcool no ar expirado;

7. O arguido veio a conduzir desde o seu local de trabalho até ao posto policial e iria certamente abandonar aquele local a conduzir;

8. Ora, facilmente se denota que o agente policial não actuou de forma disfarçada e não incitou o arguido à prática do crime.

9. Assim, teremos de concluir que a prova obtida nos presentes autos, nomeadamente o resultado do teste de detecção de álcool no ar expirado realizado ao arguido, é válida, pelo que se impunha a sua condenação, o que se pugna.

10. De qualquer forma nunca poderia o Tribunal a quo considerar como verdadeira a versão dos factos apresentada pelo arguido uma vez que a prova produzida nos autos impunha decisão diversa.

11. Com efeito e cotejando as declarações do arguido, do militar da Guarda nacional Republicana que interveio no caso vertente e da prova documental junta aos autos, mais concretamente do talão do alcoolímetro constante de fls. 3, teremos de concluir que a sentença recorrida fez uma errada apreciação da prova produzida.

12. Impunha-se ao Tribunal a quo que considerasse como provados a totalidade dos factos constantes da acusação e que fundavam a responsabilidade criminal do arguido pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez;

13. O próprio arguido confessou, em sede de audiência de julgamento, que no dia 16 de Março de 2011, cerca das l8h3Om, conduzia um veículo automóvel ligeiro de passageiros no Largo dos Anjos, em Montemor-o-Velho, com uma taxa de álcool no sangue de 1,88 g/l.

14. Factos que, contrariamente ao que é referido na sentença, foram confirmados pela testemunha ..., militar da Guarda Nacional Republicana, que, de forma credível e isenta, esclareceu as circunstâncias que mediaram a intercepção pela autoridade policial do arguido naquelas circunstâncias de tempo e lugar.

15. Face ao exposto, a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que condene o arguido pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. no artigo 292.°, n.° 1 do Código Penal e, consequentemente, na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor nos termos do artigo 69.°, n.° 1, al. a) do Código Penal.

16. De qualquer forma, se se considerasse que o quadro táctico descrito pelo arguido era verdadeiro e se subsumia na figura do agente provocador como advoga a sentença recorrida, o que aqui admitimos por mero exercício de raciocínio, teríamos de concluir que a mesma padece do vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão a que alude o art. 410.°, n.° 2, alínea a) do Código de Processo Penal.

17. De facto, conclui o Tribunal a quo pela absolvição do arguido com base na nulidade da prova que sustenta a sua responsabilidade criminal dado que, no seu entendimento, houve recurso à figura do agente provocador.

18. Contudo, na matéria de facto dada como provada, não são elencados quaisquer factos que demonstrem que in casu houve lugar à intervenção da figura do agente provocador.

19. Assim, a admitir-se tal tese, teria a sentença recorrida de ser substituída por outra onde fossem elencados factos que permitissem a declaração de tal proibição de prova.

20. Em todo o caso consideramos que, como supra se referiu, a prova obtida nos presentes autos é válida por não ter havido recurso a qualquer método proibido de obtenção de prova e, consequentemente, terá o arguido de ser condenado pela prática do crime de que vinha acusado».

3. Não houve resposta.

            4. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu o seu PARECER, defendendo a procedência do recurso, suscitando ainda a questão prévia da nulidade de sentença por inobservância do comando do artigo 389º-A, n.º 5 do CPP (revisto pela Lei n.º 26/2010 de 30 de Agosto).

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foi proferida decisão sumária em 12/10/2011, solicitando à 1ª instância a integral transcrição da decisão recorrida.

6. Surge a fls 82-84 a dita decisão transcrita.

7. Foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

           

1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões a resolver consistem em saber:

- se houve erro de julgamento

- se a prova dos autos deve ser considerada nula, por recurso à figura do «agente provocador»

- se há algum vício do artigo 410º/2 do CPP.

            2. DA SENTENÇA RECORRIDA

É este o seu teor:

A- documentada na acta de 30/3/2011

«Quando eram 15 horas e 16 minutos (após diligência no proc. 422/08.TBMMV), pela Mmª Juiz foi declarada aberta a presente audiência.

Após, pela Mm.a Juiz foi proferido o seguinte:

DISPOSITIVO DA SENTENÇA

1- Absolvo o arguido A..., pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292°, n° 1 do Código Penal.

Notifique e deposite.

(…)»

 B- após transcrição ordenada e efectuada

«A ler a sentença, depois no final eu explico-a, que ela, ela pode ter aqui algumas especificidades.

Então o Ministério Público requereu o julgamento em processo sumário, do arguido A..., melhor identificado nos autos.

O arguido não apresentou contestação, nem arrolou testemunhas, realizou-se a audiência de julgamento com a observância das formalidades legais, conforme consta da acta correspondente.

E não suscitaram, nem existem nulidades, ou quaisquer outras questões, questões prévias ou acidentais, que cumprem conhecer e que obstem à apreciação de mérito da causa.

Quanto à fundamentação de facto, e aos factos provados, discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:

Que no dia 16 de Março de 2009, cerca das 18:30, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula … , no Largo dos Anjos, em Montemor-o- Velho.

Que o arguido vive em união de facto, e tem um filho com 19 anos de idade, estudante, que trabalha na sociedade industrial de aperitivos, e aufere 629 euros mensais, e a sua companheira aufere cerca de 650 euros mensais.

Que vive em casa própria, pagando 300 euros mensais de empréstimo bancário, e 300 euros relativos a um crédito pessoal.

Que não existe conhecimento que existam quaisquer processos pendentes, em que o mesmo figure como arguido, e não são conhecidos quaisquer antecedentes criminais.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a discussão da causa, nomeadamente

- que o arguido conduzia aquele veículo automóvel naquele, naquele lugar já referido, após ter ingerido bebidas alcoólicas, e apresentado uma taxa de álcool no sangue de 1.88.

- que o arguido conhecia o seu estado, e sabia que o mesmo não lhe permitia efectuar uma condução prudente, bem como lhe diminuía a capacidade de atenção, reacção e destreza, mas ainda assim quis conduzir o veículo, o que efectivamente fez.

- que o arguido agiu pois de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo a censurabilidade e punibilidade da sua conduta, constituindo-se assim como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Quanto à convicção do Tribunal e à questão, levanta-se aqui uma questão prévia, face à prova, à prova produzida em sede de audiência, discussão e julgamento, o Tribunal considerou não provados os factos supra referidos, por considerar tal prova proibida, dado ter sido obtida através de meios ilícitos, mais concretamente através da figura do agente provocador.

 De facto, o arguido nas declarações por si prestadas, que não obstante a sua qualidade, nos pareceram credíveis e sinceras, referiu que se dirigiu ao posto da GNR, para se submeter ao teste de álcool, já que o seu patrão, em tom de brincadeira lhe disse, que ele se encontrava alegre, e que devia estar bêbedo. Tendo ele a certeza de não estar, e assim queria ter um comprovativo para mostrar ao patrão que tal não era verdade. Chegado ao posto o informaram de que não lhe podiam fazer lá o teste, só o podiam fazer se ele estivesse a conduzir. E disseram-lhe para ele se meter no carro, e ir até ao largo, ali em baixo, que eles iam atrás dele e o mandavam parar. E aí já lhe podiam fazer o teste. Que fez o que lhe disseram e que a GNR foi atrás de si até ao local indicado. Que aí chegado parou, como lhe haviam dito para fazer, e foi-lhe realizado o teste balão ao álcool, que acusou uma taxa de álcool, no sangue superior à legalmente permitida. Referiu ainda o arguido que ficou estupefacto, e que já não foi a conduzir para casa, tendo telefonado à sua esposa para o vir buscar. Tal matéria, tal versão dos factos não foi desmentida pela testemunha,  … , agente da GNR autuante. Antes, tal testemunha iniciou o seu depoimento a confirmá-la, e só posteriormente e após notar a incredibilidade do Tribunal, hesitou, mas sem afectar a credibilidade dada à sua primeira parte do depoimento. Assim, a matéria aqui em causa, e, e que a supra se aludiu é abordada no acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa, proferido no processo datado de 29 de Novembro de 2006, e disponível em www.dgsi.pt.

E do qual consta entre o mais que a actividade do agente provocador não pode deixar de ser considerada ilícita e por isso as provas assim obtidas são provas proibidas por inadmissíveis, face desde logo ao artigo 125 do código do processo penal, ao estabelecer que apenas são admissíveis as provas, que não forem proibidas por lei. Neste sentido são nulas, não podem ser utilizadas, a não ser para o seguinte e exclusivo fim, proceder criminalmente contra quem as produziu, agente provocador, nos termos n° 4 do mesmo preceito legal.

Estamos, este acórdão diz mais ainda e diz que se está perante uma situação, também tratada num outro acórdão de Supremo do Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 97, e no qual se decidiu também absolver o arguido, devido ao facto de os agentes através da sua actuação determinarem o arguido à prática do crime, induzindo e instigando sem o qual o crime não seria cometido.

Assim neste, neste, neste, neste acórdão também foi dito, e foi declarado, e foram declaradas nulas todas as provas obtidas nos autos. Concorda-se na íntegra com, com toda a fundamentação vertida neste aresto que se acabou de, de referir.

O Tribunal fundou ainda a sua convicção no que diz respeito à matéria de facto dada, como provada na confissão integral, e sem reservas do arguido.

Tomou ainda em consideração, o certificado de registo criminal junto aos autos, e quanto à determinação das condições pessoais, familiares, sociais e económicas do arguido, as mesmas mereceram ainda a credibilidade das suas próprias declarações.

Quanto à fundamentação de direito, é imputado ao arguido a prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 262 e 69 n° 1, alínea a) do código penal. E dispõe o 292 do código penal quem pelo menos por negligência conduzir veículo com ou sem motor em via pública, ou equiparada, com uma taxa no sangue igual ou superior a 1.2, é punido com pena de prisão até um ano, ou com pena de multa até 120 dias. Se pena mais grave não lhe couber, por força de outra disposição legal. São assim elementos do crime, a condução do veículo com ou sem motor, por via pública, ou equiparada, e com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1.2. Além destes elementos impõe ainda o referido artigo, que o artigo pratique o crime de forma dolosa ou negligente.

Ora bem no caso da vertente, e face à matéria dada como comprovada, e à matéria dada como não provada, verifica-se que não estão preenchidos desde logo os elementos objectivos de tipo legal. Não estando também os elementos subjectivos.

Tendo assim em conta tudo o que ficou dito, importa concluir que o arguido terá de ser absolvido do crime que lhe vem imputado.

Decidindo-se em conformidade, e decidindo-se absolver então o arguido do crime de que vinha acusado, sem custas»

3. DECISÃO DO RECURSO


            3.1. Recorre o Ministério Público de facto.

E fá-lo invocando erro de julgamento e, só após, o vício do artigo 410º/2 do CPP («insuficiência da matéria de facto provada para a decisão»).

É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer do RECURSO DE FACTO pela seguinte ordem:

· primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada;

· e, depois e se for o caso, dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal (a chamada impugnação restrita ou revista alargada da matéria de facto).

Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.

3.2. O erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.

Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.

Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.

Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

Como bem acentua Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».

E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, já aqui aludida, prevista no artigo 412.º, n.º 3, do CPP.

A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.

Conforme jurisprudência constante, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, antes constituindo um remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados[2].

            A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto. Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.

Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acordãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt).

Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº 3 do mesmo diploma – tal não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas apenas um remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.

Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.

E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.

3.3. A este propósito, sempre se dirá que as conclusões do recurso do MP não primam pela perfeição processual no que tange à elaboração das CONCLUSÕES.

Incidindo este recurso sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP, incumbe ao recorrente o ónus de especificar

a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c)- as provas que devam ser renovadas.

Acentua depois o n.º 4 desse normativo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

Sobre este último requisito importa ainda referir que ao recorrente é exigível que quando efectue a indicação concreta da sua divergência probatória, fazendo-o para os suportes onde se encontra gravada a prova, faça a remissão para os concretos locais da gravação que suportam a tese do recorrente (neste sentido, de forma claríssima cf. o Ac desta Relação de 24.02.2010, e Relação do Porto de 14.02.2000 in www. dgsi.pt). É essa imposição que decorre do artigo 412º, nº 4 do Código de Processo Penal refere que “as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º”.

 O artigo 417º, n.º 3 do CPP (na versão revista de 2007, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29/8) permite o convite ao aperfeiçoamento da respectiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 desse mesmo normativo.

Temos entendido o seguinte: se analisada a peça do recurso constatarmos que a indicação das especificações legais constam do corpo da motivação de forma assaz suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não deveremos, assim, ser demasiado formalistas ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente, note-se, as indicações previstas no n.º 2 e no n.º 3 do citado artigo 412º.

Convém lembrar que as “conclusões aperfeiçoadas” têm de se manter no âmbito da motivação apresentada, não se tratando de uma reformulação do recurso ou da apresentação de um novo recurso - por outras palavras: o convite ao aperfeiçoamento, estabelecido nos n.º 3 e 4 do artigo 417.º, do C.P.P., pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso.

Pelo que se o corpo da motivação não contém as especificações exigidas por lei, já não estaremos perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de insuficiência do recurso, insusceptível de aperfeiçoamento.

Ora, no nosso caso, apenas na motivação faz o recorrente uso do ónus de impugnação especificada, não o fazendo nas conclusões.

Ao estabelecer que o recorrente tem que indicar as provas que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto o legislador quer sublinhar que «o recurso não é um novo julgamento, [mas] sim um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada. É que houve um julgamento em 1ª instância. E do que aqui se trata é de remediar o que de errado ocorreu em 1ª instância. O recurso como remédio jurídico (conforme se refere no Ac. RC de 3.2.2010, relator Gomes de Sousa).

No nosso caso, não nos ancoraremos em argumentos formais e ouviremos a prova gravada, SEM QUALQUER CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DAS CONCLUSÕES.

E tal faremos até ancorados em recente e sábia decisão do STJ, datada de 1/7/2010 (Pº 241/08.2GAMTR.P1.S1).

Nesse aresto, assim se escreveu:

«O Tribunal da Relação, perante as falhas que apontou ao recurso quanto à impugnação da matéria de facto por confronto com as provas produzidas na audiência e documentadas em acta, falhas essas que revelariam um alegado mau cumprimento do disposto nos n.°s 3 e 4 do art.° 412.° do CPP, deveria ter mandado aperfeiçoar as conclusões do recurso antes de se pronunciar, corno tem sido jurisprudência constante deste STJ e do Tribunal Constitucional, para permitir um segundo grau de recurso em matéria de facto.

O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar inconstitucional, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento (cfr. Acs de 26-9-01, proc. n.° 2263/01, de 18-10-01, proc. n.° 2374/01, de 10-4-02, proc. n.° 153/00, de 5-6-02, proc. n.° 1255/02, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17-2-05, proc. n.° 4716/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 2951/05-5).

Assim decidiu que “(5) se o recorrente não deu cabal cumprimento às exigências do n.° 3 e especialmente do nº 4 do art. 412º do CPP, a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431º do CPP. (6) Este último artigo, como resulta do seu teor, não toma partido sobre o endereçar ou não do convite ao recorrente, em caso de incumprimento pelo recorrente dos ónus estabelecidos nos n. s 3 e 4 do art. 412º, antes vem prescrever, além do mais, que a Relação pode modificar a decisão da 1ª instância em matéria de facto, se, havendo documentação da provei, esta tiver sido impugnada, nos termos  do artigo 412º, n.º 3,  não fazendo apelo, repare-se, ao n.º 4 daquele artigo, o que no caso teria sido infringido. (7)- Saber se a matéria de facto foi devidamente impugnada à luz do n.º  3 do art. 412º é questão que deve ser resolvida à luz deste artigo e dos princípios constitucionais e de processo aplicáveis, e não à luz do art. 431º, al. b), cuja disciplina antes pressupõe que essa questão foi resolvida a montante. (8) Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é “a improcedência”, por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões. (Acs de 7-11-02, proc. n.º 3158/02-5 e de 15-5-03, proc. n.º 985/03-5)”.

E que, face à declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma do art. 412.°, n.° 2, do CPP, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas ais. a), b) e e) tem corno efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência (Ac. n.° 320/2002 do T. Constitucional, DR-IA, 07.10.2002), não pode manter-se a decisão da Relação que decidiu não tomar conhecimento dos recursos no que se refere à decisão de facto, por não terem os recorrentes dado cumprimento ao imposto nos n.° 3 e 4 daquele art. 412.°.

Em tal caso a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações e ordenar, se for caso disso, a notificação do recorrente para corrigir/completar as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos. (Acs. de 12-12-2002, proc. n.° 4987/02-5, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17- 2-05, proc. n.° 47 16/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).

Só não será assim se o recorrente não tiver respeitado, de todo, as especificações a que se reporta a norma legal em causa, pois o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação (cfr. os Acs. do STJ de 11-1-01, proc. n.° 3408/00-5, de 8-1 1-01, proc. n.° 2453/01-5, de 4-12-03, proc. n.° 3253/03-5 e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).

Mas, se o recorrente, como é o caso dos autos, tendo embora indicado os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa, com a indicação, nomeadamente, das testemunhas cujos depoimentos incidiram sobre tais pontos, que expressamente indicou (v.g., falta de vestígios de sangue na roupa, hora cm que ocorreu o homicídio e permanência do arguido no local de trabalho entre determinadas horas), só lhe faltando indicar “as concretas passagens das gravações em que funda a impugnação que imporia decisão diversa”, não se pode dizer que há uma total falta de especificações, mas, quanto muito, uma incorrecta forma de especificar. Tanto mais que, se o recorrente tem o ónus de indicar as concretas passagens das gravações, o tribunal tem o dever de atender a outras que considere relevantes para a descoberta da verdade (art.° 412.°, n.° 6, do CPP), sob pena do recorrente “escolher” a passagem que mais lhe convém e omitir tudo o mais que não lhe interessa, assim se defraudando a verdade material.

A Relação, ao proceder da forma como transcrevemos, não conheceu da impugnação da matéria de facto, já que a rejeitou por razões meramente formais e não deu oportunidade ao recorrente de corrigir os pequenos desvios em que, alegadamente, incorreu.

Portanto, omitiu pronúncia sobre questão de que deveria conhecer e incorreu na nulidade a que se reportam os art.°s 379.°, n.° 1, al. e) e 425.°, n.° 4, do CPP».

3.4. Entendeu a decisão recorrida dar como não provados os seguintes factos:
- que o arguido conduzia aquele veículo automóvel naquele, naquele lugar já referido, após ter ingerido bebidas alcoólicas, e apresentado uma taxa de álcool no sangue de 1.88 g/l.
- que o arguido conhecia o seu estado, e sabia que o mesmo não lhe permitia efectuar uma condução prudente, bem como lhe diminuía a capacidade de atenção, reacção e destreza, mas ainda assim quis conduzir o veículo, o que efectivamente fez.
- que o arguido agiu pois de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo a censurabilidade e punibilidade da sua conduta, constituindo-se assim como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez[3].
E fê-lo considerando «tal prova proibida, dado ter sido obtida através de meios ilícitos, mais concretamente através da figura do agente provocador».
ARGUMENTOU, assim, em sede de leitura oral de sentença (e não nos podemos abster de comentar a inconveniência de ler uma sentença deste jaez de forma oral, sem a escrever em texto, melhor fundamentando, com toda a certeza, a sua convicção jurídica):
 «De facto, o arguido nas declarações por si prestadas, que não obstante a sua qualidade, nos pareceram credíveis e sinceras, referiu que se dirigiu ao posto da GNR, para se submeter ao teste de álcool, já que o seu patrão, em tom de brincadeira lhe disse, que ele se encontrava alegre, e que devia estar bêbedo. Tendo ele a certeza de não estar, e assim queria ter um comprovativo para mostrar ao patrão que tal não era verdade. Chegado ao posto o informaram de que não lhe podiam fazer lá o teste, só o podiam fazer se ele estivesse a conduzir. E disseram-lhe para ele se meter no carro, e ir até ao largo, ali em baixo, que eles iam atrás dele e o mandavam parar. E aí já lhe podiam fazer o teste. Que fez o que lhe disseram e que a GNR foi atrás de si até ao local indicado. Que aí chegado parou, como lhe haviam dito para fazer, e foi-lhe realizado o teste balão ao álcool, que acusou uma taxa de álcool, no sangue superior à legalmente permitida. Referiu ainda o arguido que ficou estupefacto, e que já não foi a conduzir para casa, tendo telefonado à sua esposa para o vir buscar. Tal matéria, tal versão dos factos não foi desmentida pela testemunha, ..., agente da GNR autuante. Antes, tal testemunha iniciou o seu depoimento a confirmá-la, e só posteriormente e após notar a incredibilidade do Tribunal, hesitou, mas sem afectar a credibilidade dada à sua primeira parte do depoimento. Assim, a matéria aqui em causa, e, e que a supra se aludiu é abordada no acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa, proferido no processo datado de 29 de Novembro de 2006, e disponível em www.dqsi.pt.
E do qual consta entre o mais que a actividade do agente provocador não pode deixar de ser considerada ilícita e por isso as provas assim obtidas são provas proibidas por inadmissíveis, face desde logo ao artigo 125 do código do processo penal, ao estabelecer que apenas são admissíveis as provas, que não forem proibidas por lei. Neste sentido são nulas, não podem ser utilizadas, a não ser para o seguinte e exclusivo fim, proceder criminalmente contra quem as produziu, agente provocador, nos termos n° 4 do mesmo preceito legal».

Isto é muito pouco para fundamentação factual de uma decisão.

Antes de mais, só há que concordar com o recorrente quando diz que, mesmo considerando como acertada a tese avançada pela sentença, esta estaria viciada nos termos do artigo 410º/2 a) do CPP[4].

Para se defender a não prova dos factos acima mencionados, haveria que lançar nesse elenco de factos provados a versão do «agente provocador» já que, na sua óptica, foi a resultante da audiência em julgamento (cfr. artigo 374º/2 do CPP).

O Tribunal acabou por decidir com base na sua actividade intelectual de motivação e não de acordo com os factos que deu ou não como provados.

Para declarar tal proibição de prova, só haveria que elencar factos que tal permitissem.

Este vício teria como consequência o reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426º do CPP).

Contudo, não iremos tal declarar pois entendemos que aqui há uma prioridade do erro de julgamento, para nós evidente e flagrante, assente que não encontramos nos autos e na prova produzida em julgamento qualquer indício de prova nula por acção de um «agente provocador» que possa justificar a adopção dessa tese (mandar repetir um julgamento que sabemos viciado por uma tese indemonstrada seria uma perda de tempo e uma denegação de justiça).
           
3.3. E HÁ ERRO DE JULGAMENTO, porquê?
Ouvida a prova gravada, só há que dar razão ao recorrente.
As provas que impõem decisão diversa da recorrida são o documento junto aos autos a fls. 3 (talão do alcoolímetro), as declarações do próprio arguido, livremente apreciadas como vindas de alguém que não está obrigado à verdade, e da testemunha … , militar da Guarda Nacional Republicana, a prestar serviço no posto territorial de Montemor-o-Velho e que interveio na situação em análise nos presentes autos.
Assim, em audiência de julgamento de 17-03-2011, pelas l5h00m, o arguido A... (cf. depoimento registado em formato digital através da aplicação informática Habilus Media Studio, sessão de 17-03-2011, iniciado às l5h07m05s e terminado 15hl2m36s), referiu o seguinte:
«JUIZA: E o Sr. O que é que bebeu ao almoço?
Arguido: Sra. Dra. a verdade, verdadinha, uma taça de vinho e mais nada, aliás (...)
JUIZA: Olhe mas o senhor confirma que isto é verdade, no dia 6 de Março de 2011, estava a conduzir no Largo dos Anjos e que acusou esta taxa?
Arguido: é verdade».
Por seu lado, a testemunha de acusação (aliás estranhamente ouvida, após se ter dito em acta de fls 16, que se prescindiria da restante prova da acusação, devido à confissão integral e sem reservas do arguido) … , militar da Guarda Nacional Republicana (depoimento registado em formato digital através da aplicação informática “Habilus Media Studio”, sessão de 17-03-2011, iniciado às 15h07m05s e terminado 15h12m36s), disse o seguinte:
JUIZA: Senhor agente, esclareça-me como é que isto decorreu, como é que esta situação se processou.
Militar da GNR: nós recebemos uma chamada por rádio que estava um senhor no posto que queria fazer o teste de álcool. Foi informado pelos colegas que não havia necessidade uma vez que ele não estava a conduzir e que podia continuar o seu caminho, não havia essa necessidade.
O senhor insistiu até que chamaram a patrulha que éramos nós que possuíamos o aparelho para fazer o dito teste.
Assim chegados ao local, aqui ao posto, onde estava o senhor A..., ele aguardou e explicou-nos a mesma, a mesma situação, ah, e nós informamos que só poderíamos efectuar o teste se eventualmente fosse encontrado a conduzir, o que não se verificava ria altura.
Entretanto o Senhor A... foi-se embora. Foi buscar a viatura, no entanto eu ia dar a volta no carro da patrulha e interceptei-o a conduzir e efectuei—lhe o teste de álcool.
JUIZA: Sr. agente vai-me desculpar, quase que podiam ser acusados de incitamento ao crime
Militar da GNR: Não, não.
JUIZA: Peço desculpa pelo que estou a dizer. Então se há uma pessoa que vai ter, desculpe lá.
Militar da GNR: nós informamos.
JUIZA: isto é um bocado surreal, se há uma pessoa que vai ter ao posto da GNR a dizer que desconfia que está, ou que tem alguma dúvida que está sob o efeito do álcool e os senhores agentes mandam—no conduzir.
Militar da GNR: não, não, nós informámos que só poderíamos efectuar o teste se eventualmente fosse apanhado a conduzir, naquela situação não iríamos fazer o teste.
Procuradora-Adjunta: Então os senhores viram o Sr. a conduzir?
Militar da GNR: sim, sim, sim, interceptei-o a conduzir.
PA: e fizeram, então, assim uma intercepção aleatória?
Militar da GNR: sim, não foi, não foi propositado com o sentido de apanhar o senhor a conduzir, nada do género».
Não vemos razão para que o tribunal tenha dado mais crédito à versão do arguido, em detrimento da da testemunha de acusação.
Porque é que se foi acreditar que tinha sido o guarda da GNR a pedir ao arguido para se colocar ao volante e assim começar a conduzir, a fim de se fazer o teste em causa?
O guarda em causa não dá essa versão:
· diz que respondeu ao arguido que só lhe podiam fazer o teste de álcool se eventualmente fosse encontrado a conduzir, o que não se verificava na altura;
· diz ainda que o arguido saiu, em seguida, sem que tivesse sido convidado por ele a meter-se no carro e a conduzir.
Temos palavra contra palavra.
E, neste particular, parece-nos mais razoável e verosímil – e menos comprometida e suspeita - a versão da testemunha de acusação, que não tinha qualquer interesse em acusar este condutor, que não conhecia de lado nenhum, de condução etilizada, condutor este que nem se coibiu de aludir à desculpa clássica – a de ter tomado os providenciais medicamentos!
A cuidada audição do depoimento prestado pelo militar da Guarda Nacional Republicana em sede de julgamento – após a qual não nos apercebemos, como opina a Exmª Juíza, que tenha tido tal depoimento duas partes, a 1ª das quais diferente da segunda, parecendo-nos sempre coerente e credível na única versão que dá dos acontecimentos - conduz-nos a uma conclusão diametralmente oposta àquela a que chegou o Tribunal a quo – como bem acentua o recorrente, e nós com ele, «em nenhum momento foi referido pelo militar da Guarda Nacional Republicana que tenha dito ao arguido para se dirigir de carro até ao largo que já lá iriam ter com ele e lhe fariam o teste. Bem pelo contrário, foi referido pela testemunha que a intercepção feita ao arguido foi aleatória quando este já tinha abandonado o posto da Guarda Nacional Republicana».
Há que separar as duas fases temporais, os dois «tempos de acção»:
 - a 1ª decorre no interior da esquadra, com o fornecimento de uma informação/esclarecimento policial óbvio/a (só se fazem testes quantitativos de álcool, com direito a talão, se o examinado for a conduzir veículos);
- a 2ª, já no exterior da esquadra, e aquando da decisão autónoma do arguido em se colocar ao volante do seu veículo e começar a conduzi-lo (a opção de conduzir nunca deixou de ser dele, estando ao seu alcance ter tomado uma doutra decisão, face à dúvida que o assaltava: não conduzir, pela suspeita de poder estar alcoolizado).
Nesta 2ª fase, o guarda autuante, que não se provou, a nosso ver, que o tenha levado a conduzir a fim de se fazer o dito teste, apercebeu-se que o início da condução do arguido era irregular («travava muito, não era uma condução normal»), razão pela qual, e muito bem, resolveu mandar parar o dito veículo, fiscalizando o seu condutor (o que não deixa de ser uma intercepção aleatória, como aliás consta de fls 2 dos autos).
            Ora, aqui chegados, há que concluir que é o próprio arguido que refere que ingeriu bebidas alcoólicas antes de lhe ter sido realizado o teste de pesquisa de álcool no ar expirado e que, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação, conduzia um veículo na via pública, tendo sido submetido a tal teste de pesquisa de álcool.
Esta versão dos factos foi confirmada pelo militar da Guarda Nacional Republicana que efectuou a fiscalização que, de forma credível e isenta, referiu que interceptou o arguido quando este conduzia na via pública e lhe realizou o teste de pesquisa de álcool no ar expirado, contrariamente ao que é referido na sentença recorrida.
Tais declarações e o talão do alcoolímetro constante de fls. 3 dos autos, do qual resulta que ao arguido foi detectada uma taxa de álcool no sangue de 1,88 g/l, impunham que o Tribunal a quo desse como provados todos os factos constantes da acusação.
Ao não fazê-lo, incorreu o Tribunal a quo em erro na apreciação da prova (erro de julgamento).
Se assim é, face aos depoimentos acima transcritos e à prova documental junta aos autos, entendemos, de facto, que o Tribunal a quo, para além da matéria de facto que deu como provada (que no dia 16/03/2009, cerca das 18h30m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 41-30-EI, no Largo dos Anjos, em Montemor-o-Velho), deveria ter dado também como provado que:
· que o arguido conduzia aquele veículo automóvel naquele lugar após ter ingerido bebidas alcoólicas e que apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,88 g/l”;
· que o arguido conhecia o seu estado e que sabia que não lhe permitia efectuar uma condução prudente, bem como lhe diminuía a capacidade de atenção, reacção e destreza, mas ainda assim quis conduzir o veículo, o que efectivamente fez”; e
· “que o arguido agiu pois de forma livre, voluntária e consciente bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta”.


3.4. Mesmo que se tivesse provado a versão do arguido, não faz qualquer sentido falar-se em prova ilícita por recurso à figura do agente provocador.
Em recente artigo sobre esta figura, dissertou Fernanda Palma da forma que segue:
«Uma das figuras mais controversas que a história penal concebeu a partir de procedimentos adoptados por polícias é o agente provocador. O agente provocador é o verdadeiro instigador de um crime tentado ou consumado, praticado com a intenção de obter provas contra alguém que tem uma carreira criminosa e, provavelmente, voltará a praticar crimes.
O que é inaceitável na figura do agente provocador é o facto de, sem ele, o crime não se verificar naquelas condições de tempo, lugar e modo. Ao agente provocador não falta a intenção de praticar o crime, pelo menos na forma tentada. O seu dolo não é afastado pelo facto de, em última análise, pretender a punição do delinquente que é autor material do crime.
O que esta figura representa é uma sobreposição "esquizofrénica" da eficácia da investigação aos valores do Estado de Direito e à protecção da própria vítima. O agente provocador é, segundo a nossa tradição jurídica, um verdadeiro autor moral e perverte a função constitucional de defesa da legalidade democrática atribuída à polícia. Todos sabemos isso.
Sobra, porém, uma pergunta: a polícia não poderá utilizar técnicas de atracção de criminosos difíceis de apanhar e altamente perigosos? A resposta é positiva: a nossa lei admite as acções encobertas para a prevenção e investigação criminal. Um investigador ou um terceiro que actue sob o controlo da PJ podem, assim, introduzir-se em organizações criminosas.
As acções encobertas são admissíveis em relação a um conjunto de crimes graves que inclui, entre outros, o homicídio, o sequestro, a violação, a corrupção, o tráfico de influências, o terrorismo e os tráficos de pessoas, de droga e de veículos. São promovidas, autorizadas ou conhecidas pelo MP e pelo juiz e obedecem a critérios de adequação e proporcionalidade.
Mas o agente encoberto, que pode actuar com identidade fictícia, não pode instigar ao crime nem ser seu autor mediato. Ele é apenas o elo fungível de um processo que conduziria inevitavelmente ao crime, podendo até evitar que ele tenha êxito em casos muito graves e em que a polícia se confronta com uma intrincada e inexpugnável organização criminosa.
A fronteira entre agente encoberto e agente provocador pode parecer ténue, mas é inultrapassável. Prevenir e provar um crime ou desencadeá-lo em nome de uma possibilidade futura são realidades diversas. No segundo caso, estamos próximos da lógica determinista do ‘Relatório Minoritário' de Spielberg, em que a polícia assume o papel de destino».
Esta figura insere-se numa categoria conceptual mais ampla de (vide Costa Andrade in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora) “homens de confiança”.
Entende tal doutrinador[5] que:
«Homens de confiança são todas as testemunhas que colaboram com as instâncias formais de perseguição penal, tendo como contrapartida a promessa da confidencialidade da sua identidade e actividade.
Cabem aqui tantos os particulares como os agentes das instâncias formais, nomeadamente da polícia (Untergrundfahnder, under cover agent, agentes encobertos ou infiltrados), que disfarçadamente se introduzem naquele submundo ou com ele entram em contacto; e quer se limitem à recolha de informação (Polizeíspitzel, detection), quer vão ao ponto de provocar eles próprios a prática do crime (polizeiliche Lopckspitzel, agent provocateur, entrapment)» (ob. cit. pág. 220).
É usual subdividirmos tal categoria mais ampla em duas:
- o agente infiltrado ou encoberto
- e o agente provocador.
Benjamim Silva Rodrigues in Da Prova em Processo Penal - Tomo II, pág. 106, refere que ambos «de forma ocultada ou disfarçada, assumem as vestes (semelhantes às) dos criminosos que se pretendem investigar».
O agente provocador convence outrem ao crime, determina a vontade para o acto ilícito; o agente infiltrado opera no sentido de ganhar a confiança do suspeito e, na base dessa confiança, mantém-se a par do comportamento daquele, praticando, se necessário, actos de execução em integração do seu plano, mas não assume o papel de instigador; o agente encoberto aparece com uma posição exterior ao crime e ao criminoso, ou seja, nem provoca nem se insere no âmbito das relações de confiança do investigado.
Dos 3, só o primeiro, ou seja, só o agente provocador se inclui nos "meios enganosos" a que se refere a al. a), do n.º 2, do art. 126º, do CPP[6].
Como traço de distintivo destas figuras apresenta-se a passividade do agente infiltrado ou encoberto que contrasta com a iniciativa criminosa do agente provocador.
O recurso à figura do agente encoberto é legalmente possível entre nós desde que feito dentro dos limites fixados pela Lei n.° 101/2001 de 25 de Agosto.
Já o recurso à figura do agente provocador é veementemente rejeitado quer pela doutrina, quer pela jurisprudência na esteira daquela, por constituir um meio enganoso de obtenção de prova (artigo 126º/2 a) do CPP).
Façamos nossas as palavras alegatórias do recorrente:
«Agente provocador é nas palavras de Costa Andrade in ob. cit., pág. 221, aquele que, de alguma forma, precipita o crime: “instigando-o, induzindo-o, nomeadamente, aparecendo como comprador ou fornecedor de bens e serviços ilícitos”.
Ou como refere Germano Marques da Silva in Bufos, Infiltrados, Provocadores e Arrependidos in Direito e Justiça, FDU Católica, Vol. VIII, Tomo 2, 1994, pág. 29 apud Acórdão da Relação de Lisboa de 29-11-2006, disponível in www.dgsi.pt, o agente provocador é aquele que “cria o próprio crime e o próprio criminoso”.
Tendo como pano de fundo tais clarificações conceituais teremos de concluir que para que possamos afirmar que estamos perante a figura do agente provocador é imperioso que esta pessoa se apresente aos olhos do agente criminoso como alguém da sua confiança, não desconfiando em momento algum que a mesma seja um agente da autoridade ou alguém a seu mando.
É justamente esta a conclusão a que chega o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15—01—1997, cujo relator é o Senhor Juiz Conselheiro Ribeiro Coelho, disponível no sítio www.dgsi.pt, e que, de forma deslocada e desapropriada, foi citado na sentença recorrida para sustentar a tese aí defendida e onde se pode ler, referindo-se à figura do agente provocador, que “A alínea a) do n.° 2 do artigo 126.° do CPP proíbe a utilização de meios enganosos na obtenção das provas de que é exemplo máximo a hipótese em que o delinquente é levado a agir por pressão ou sugestão de pessoa que julga ser um seu comparticipante (.)“.
Em suma, podemos concluir que é conditio sine qua non da afirmação da figura do agente provocador que:
· À semelhança do que ocorre com o agente infiltrado, figura legalmente admissível em determinadas circunstâncias, que a pessoa em questão se apresente ao agente criminoso como uma pessoa da sua confiança de forma ocultada ou disfarçada; e
· Que com a sua actuação, aqui afastando-se da passividade que é apanágio do agente infiltrado, instigue o agente a cometer o crime, que de outra forma não seria cometido».
Ora, no nosso caso, e a admitir como verdadeira a versão fáctica apresentada pelo arguido – o que não aconteceu, a nosso ver -, denotamos que não estão verificadas as características básicas associadas à actuação do agente provocador, não havendo aqui qualquer comprovada coacção.
Na realidade, o arguido sabia que estava na presença de agentes da autoridade, mais concretamente de militares da guarda nacional republicana, encontrando-se estes com o trajo profissional, bem sabendo que sobre os mesmos impende uma obrigação legal de agir quando constatam qualquer ilegalidade.
Este agente da autoridade não foi, nem de longe nem de perto, um «homem de confiança» do arguido, um agente de qualquer manipulação da vontade criminosa do arguido – nem como produtor activo e doloso de erro, nem como comunicador expresso de uma representação erradas das coisas, nem como indutor mediante formas concludentes de comportamento, nem como aproveitador de um erro preexistente, espontâneo ou provocado por terceiro, nem sequer como emitente de um esclarecimento adequado a afastar o erro em que laborasse o arguido.
 O que significa que, ao iniciar a condução após a conversa que diz ter tido com os agentes policiais no sentido de o mesmo ter de conduzir para legitimar a feitura de um teste quantitativo de álcool, o arguido tinha perfeita consciência de que aquelas pessoas eram agentes da autoridade e que, caso o teste revelasse uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, os mesmos teriam de actuar de acordo com a lei.
Quase que poderíamos dizer que aqui o agente provocador foi o arguido ao colocar-se à mercê da fiscalização policial com tão estranho e inusitado pedido.
Diga-se ainda que não foi a hipotética actuação dos agentes policiais que levou o arguido à prática do crime.
Com bem continua o recorrente:
«Foi dito pelo mesmo que foi ele que solicitou a realização do teste, que insistiu nesse sentido pois queria obter um talão que demonstrasse que não estava sob o efeito do álcool, além de que admitiu que foi a conduzir desde o seu local de trabalho até ao posto policial e, obviamente, que se não fosse interceptado pela polícia voltaria a conduzir pois certamente não iria a pé, até porque segundo ele não estaria alcoolizado».
Em conclusão, só há que considerar que nunca seria aqui de lançar mão da figura do «agente provocador», não havendo qualquer prova ilícita.

3.5. Alterando-se os factos provados e não provados, só há agora que proceder à subsunção de tal factualidade ao DIREITO, retirando depois consequências penais – ou absolvendo, ou condenando o arguido.
Aqui chegados, e com essa factualidade apurada, abordemos a norma incriminatória.

Este tipo de ilícito encontra-se previsto e punido pelo artigo 292º, nº1, do Código Penal.

Estabelece este preceito que:

«Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 anos ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal».

O crime em causa consiste numa actividade que é desenvolvida no âmbito da circulação rodoviária.

Para o efeito, o agente do mesmo terá que estar a conduzir um veículo, com ou sem motor.

Maia Gonçalves, in Código Penal Português anotado e comentado, 14ª edição, pág. 850, refere que o agente poderá estar a conduzir qualquer tipo de veículo rodoviário.

O conceito deste tipo de veículo é mais amplo que o do veículo automóvel, definido no artigo 108º, nº1, do Código da Estrada, pois que neste artigo do Código Penal abrange todo o meio de transporte ou equiparado, com ou sem motor, apto a transitar na via pública ou equiparada. Aqui portanto se incluem portanto os automóveis vulgares, os tractores, os ciclomotores e velocípedes, etc.

          Encontra-se provado nos autos que o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 41-30-EI quando os factos ocorreram. Trata-se de um tipo de veículo que se integra naquele conceito, como facilmente se conclui.

          Para além disso, o arguido circulava na via pública.

          Logo essa circulação realizava-se numa via aberta ao trânsito de veículos.

          Deste modo, essa actividade desenvolveu-se numa via pública, ou seja numa via do domínio Público do Estado. Logo estará igualmente preenchido esse elemento do tipo.

          Este crime previsto no artigo 292º basta-se com a condução de um veículo rodoviário sob a influência do álcool desde que o agente acuse taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.

          Ao contrário do que sucede com o tipo de ilícito previsto no artigo anterior não será exigido, para que o mesmo seja preenchido, que a condução do agente crie um perigo concreto para os bens jurídicos protegidos pela norma.

          Trata-se assim de um crime de perigo abstracto.

          Como refere Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Volume II, Coimbra Editora, pág. 1.093, «isso significa que o perigo não faz parte dos elementos típicos, existindo apenas uma presunção por parte do legislador, as mais das vezes fundada numa observação empírica, de que a situação é perigosa em si mesma, ou seja, que na maioria dos casos em que essa conduta teve lugar demonstrou ser perigosa sob o ponto de vista de bens jurídicos tutelados».

          Encontra-se ainda provado nos presentes autos que o arguido, antes de começar a tripular tal veículo automóvel, nas circunstâncias atrás descritas, tinha estado a ingerir bebidas alcoólicas.

          Não obstante, decidiu conduzir aquele veículo pela via pública.

          O teste quantitativo foi realizado, tendo acusado uma TAS de 1,88 g/l.

          Tal taxa ultrapassa o limite estabelecido legalmente para ser considerado crime.

          Desta forma, a condução do arguido naquelas condições criou um risco acrescido para o trânsito rodoviário de veículos automóveis, desenvolvendo o mesmo uma condução que, atendendo ao estado em que ele se encontrava, potenciava o perigo para os restantes utentes da via pública.

          Na verdade, os reflexos e a atenção do arguido ficaram bastante diminuídos. Deste modo, não existem dúvidas que a situação em que o arguido se encontrava se enquadra dentro dos valores previstos no tipo legal para serem considerados crime.

          No que respeita ao tipo subjectivo ou dolo do tipo, esclarece o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 332 e seguintes que:
«A doutrina hoje dominante conceitualiza-o, na sua formação mais geral, como conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito. O tipo subjectivo do ilícito será assim decomposto em dois elementos: 1- O momento intelectual do dolo. Torna-se necessário, para que o dolo do tipo se afirme, que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto que preenche um tipo de ilícito objectivo. (…) O que com ele se pretende é que, ao actuar, o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito (…) 2- O momento volitivo do dolo. O conhecimento (previsão) das circunstâncias de facto e, na medida necessária, do decurso do acontecimento não podem, só por si, indiciar a contrariedade ou indiferença manifestada pelo agente no seu facto, que dissemos caracterizar a culpa dolosa e, em definitivo, justificar a punição do agente a título de dolo. Isto significa que o dolo do tipo não pode bastar-se com esse conhecimento, mas exige ainda a verificação no facto de uma vontade dirigida à sua realização. É este momento que constitui o elemento volitivo do dolo do tipo e que pode assumir matizes diversas, permitindo a formação de diferentes classes de dolo».

          Quanto ao elemento subjectivo do tipo, encontra-se igualmente provado nos autos que o arguido previu e quis, nas circunstâncias de tempo e lugar atrás descritas, conduzir o respectivo veículo automóvel pela via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas, tendo agido, pelo menos, com dolo necessário (artigo 14º/2 do CP).

          É racional a inferência, de acordo com a lógica e a experiência comum, segundo a qual quem ingere bebidas alcoólicas antes do exercício da condução e que é testado imediatamente após este exercício, acusa uma TAS como aquela que consta dos factos provados, sem que a ponha de qualquer forma em causa pelas formas legais que lhe assistem (artº 153º, números 2 e ss. do CE), age com conhecimento e vontade de praticar os elementos objectivos do tipo legal de crime previsto no artº 292º, nº 1 do CP.

          Aliás, pretender que, para a prova do dolo neste tipo de crime, fosse necessária a prova directa de que o arguido quis beber bebidas alcoólicas de forma a provocar uma TAS superior a 1,2 g/l para quando este valor fosse atingido, se sentar ao volante do seu automóvel e conduzi-lo na via pública, sabendo que estava a cometer um crime, constituiria um caminho seguro para, na prática, descriminalizar este tipo de condutas, dada a impossibilidade de prova do respectivo elemento subjectivo (cfr. Acórdão da Relação de Évora atrás citado).

          Como refere Germano Marques da Silva, “o crime é doloso sempre que o agente, tendo consciência do seu estado, pratica a condução de veículo rodoviário. (...) O dolo e a negligência têm como elementos de referência no art. 292 a consciência do estado de embriaguez e não a ingestão das bebidas alcoólicas”.

          Estão pois verificados os elementos do dolo: intelectual (representação), volitivo (exerceu voluntariamente a condução) e emocional (sabendo que era criminalmente punido)

          Conclui-se, assim, que se encontra igualmente preenchido no caso concreto o tipo subjectivo do ilícito em causa.

          O arguido agiu igualmente com culpa, na medida em que está igualmente assente que o actuou da forma supra descrita, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.

          Conclui-se assim que se encontram preenchidos no caso concreto todos os elementos do tipo objectivo de ilícito do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292º, nº1, do Código Penal, pelo qual o arguido se encontra acusado.

          Resta conhecer e ajuizar da pena a aplicar.

          3.6. ESCOLHA E MEDIDA DA PENA

          3.6.1. PENA PRINCIPAL

          a)- Para o crime de condução sob o efeito do álcool estabelece a lei penal a pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias.

          Dispõe o artigo 70º do Código Penal que, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

          O conteúdo deste artigo sintetiza o princípio basilar que deve presidir à aplicação de penas criminais na nossa ordem jurídica.

          Conforme refere Figueiredo Dias, (Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 74, 75 e 113), face ao princípio da subsidiariedade da intervenção penal, existe um princípio de preferência pelas reacções criminais não detentivas face às detentivas.

          Resulta deste princípio que as medidas de segurança detentivas só têm lugar quando as não detentivas se revelem inadequadas ou insuficientes à prevenção. Optando-se pela pena privativa da liberdade esta tem necessariamente de se dirigir para a socialização do delinquente.

          Assim, tendo por base as finalidades das penas (artigo 40º, n.º 1 do Código Penal), de protecção de bens jurídicos e de reintegração do agente na sociedade, considerando a ausência de antecedentes criminais do arguido e a sua inserção familiar e social, o Tribunal opta pela pena de multa, não se justificando, in casu, a aplicação da pena de prisão, ou seja, uma privação de liberdade por uma primeira infracção criminal cometida.

b)- O artigo 71º, n.º 1 do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

O n.º 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele.

A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.

Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.

A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.

O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do DIREITO e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, “mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações” (SIMAS SANTOS).

Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena.

c)- No nosso caso, e quanto ao quantum da pena concreta, ponderaremos os seguintes factores:

AGRAVATIVOS:

- o grau de ilicitude da conduta do arguido é elevado, tendo em conta o quantitativo de álcool demonstrado;

- é intenso o grau da sua culpa, assente todo o circunstancialismo que envolveu os factos e mais uma vez a inverosímil forma de desculpação que encontrou para lançar aos olhos e mente da sua julgadora de 1ª instância;

ATENUANTES:

- a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção familiar  e profissional.

Pelo exposto, e fazendo agora uso dos critérios estabelecidos no artigo 71º do C. Penal, entende-se adequado aplicar ao arguido a pena de 50 dias de multa.

d)- No que se reporta à fixação do quantitativo diário da multa, deve ser em função da situação económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, correspondendo cada dia a uma quantia entre € 5 e € 500, nos termos do artigo 47º/2 Código Penal.

Por seu lado, o nº. 3 desta norma prevê a possibilidade de o tribunal autorizar o pagamento da multa em prestações, sempre que a situação económica e financeira do condenado, o justifique.

«A amplitude estabelecida naquela norma, quanto ao quantitativo diário da multa, visa eliminar ou pelo menos esbater as diferenças do sacrifício que o seu pagamento implica entre os arguidos possuidores de diferentes meios de a solver» (cf. Acórdão do STJ de 2.10.97, in CJ - Supremo, Tomo V, 184, citando o Conselheiro Maia Gonçalves).

Como critério que deve ser tomado em conta na determinação da condição económica e financeira do condenado, deve atender-se ao maior campo possível de eleição de factores relevantes.

Deverá atender-se à totalidade dos rendimentos próprios, qualquer que seja a fonte, como seguro é, que àqueles rendimentos devem ser deduzidos os gastos e encargos, sendo ainda legítimo tomar em linha de conta rendimentos e encargos futuros, mas já previsíveis no momento da condenação (vg. o caso de um desempregado que dentro de alguns dias assumirá um posto de trabalho).

Também se deverão atender aos deveres jurídicos de assistência que incumbam ao condenado, no quadro familiar, nomeadamente a obrigação de prestar alimentos e de contribuição para os encargos da vida familiar (artigo 1675º Código Civil). Já quanto a outras obrigações voluntariamente assumidas, não podendo ser todas elas tomadas em consideração, sob pena de se colocar em perigo o efeito geral-preventivo, que desta pena se espera, deve o juiz guiar-se por critérios de razoabilidade e de exigibilidade na sua ponderação.

O montante diário da pena de multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado, por forma a fazê-lo sentir de maneira assaz veemente esse juízo de censura, assim se assegurando a função preventiva que qualquer pena envolve, sem todavia, deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar” (cf. Ac. RC de 17.4.2002, in CJ, II, 57).

O próprio Prof. Figueiredo Dias defende que «pode tornar-se difícil ao Juiz obter prova sobre os elementos necessários à correcta determinação do quantitativo diário da multa, tanto mais que o arguido pode socorrer-se, legitimamente, do seu direito aos silêncio e que face a uma tal situação, o Juiz deve fazer uso dos seus poderes de investigação oficiosa, com vista a determinar, ao menos, os factores essenciais de fixação daquele quantitativo diário, com observância, naturalmente, das regras gerais de produção de prova aplicáveis (artigos 340º/1 e 2 e 371º C P Penal); se se tornar inevitável, o juiz determinará aqueles factores por estimativa – prova por presunção natural - fundamentando-a sempre e fazendo constar tudo da sentença”.

Fazer uma estimativa, implica fazer uma avaliação, o cálculo aproximado a respeito de algo, com base em evidências existentes.

Relativamente ao quantitativo diário, e de acordo com o artigo 47º n.º 2 do Código Penal, levando em consideração o que ficou provado sobre a situação pessoal do arguido, fundamental para aferir o quantitativo diário da pena de multa (exerce as funções de operário, auferindo e 629 mensais, com encargos familiares e débitos mensais consideráveis, fixa-se o quantitativo diário em seis euros (6 €).

          3.6.2. PENA ACESSÓRIA

          a)- O crime em questão é também punível com a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, a fixar entre três meses e três anos, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 77/01,de 13 de Julho.

A proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é, tal como a pena principal, deve ser determinada de acordo com o disposto no artigo 71º do CP, já atrás explorado.

Esta pena acessória (e não rigorosamente uma sanção acessória, essa destinada a sancionar, acessoriamente, a prática de contra-ordenações graves e muito graves, sendo mais uma medida de segurança administrativa) tem, além do mais, um carácter dissuasor, com vista a evitar que os condutores ingiram elevadas quantidades de álcool quando conduzem.

No caso em apreço, são elevadas as exigências de prevenção geral, pois subjacente ao preceito em apreciação visa-se o combate à sinistralidade rodoviária em que o álcool tem um papel muito relevante, pois a condução sob o efeito do álcool põe em risco não só a própria vida do condutor como a dos restantes utentes da via, reclamando, por isso, uma punição que reafirme eficazmente a validade da norma violada.

            Face à factualidade considerada provada nos autos, encontram-se, no caso vertente, integralmente reunidos os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido da pena acessória da proibição de conduzir veículos a motor por um período de três meses a três anos.

            Importa, agora, determinar a medida da pena acessória, que será fixada dentro da moldura penal abstracta – com um mínimo de três meses e um máximo de três anos – de acordo com a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial), bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido (cf. art. 71º do Código Penal), fazendo-se, por isso, o mesmo raciocínio que se fez para graduar a pena principal.

A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor assenta no pressuposto formal duma condenação do agente numa pena principal por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º do Código Penal, ou por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante, sendo que, dentro do limite da culpa, desempenha um efeito de prevenção geral de intimidação e um efeito de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano, cumprindo, assim, as penas acessórias uma função preventiva adjuvante da pena principal (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 165).

            A proibição de conduzir veículos motorizados prevista no artigo 69.º do Código Penal constitui, como se disse, uma pena acessória que, como tal, se baseia num juízo de censura e tem por fim (mediato) a tutela dos bens jurídicos subjacentes ao tipo de crime praticado (Francisco Marques Vieira, Direito Penal Rodoviário, Porto, 2007, p. 209). Como pena acessória tem em vista complementar uma outra pena, a principal, só surgindo quando esta é aplicada em atenção à natureza ou gravidade do crime.

            A este propósito, o Acórdão do Pleno das Secções Criminais do S.T.J. n.º 5/99 do STJ (DR I.ª Série-A de 20 de Julho de 1999) fixou jurisprudência no seguinte sentido: «O agente do crime de condução em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no art. 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal».

            A proibição de conduzir decretada nos termos do citado artigo 69.º, n.º 1 não emerge automaticamente da lei, antes pressupõe a intervenção mediadora do Juiz, que atendendo, ao circunstancialismo do caso e perante a avaliação da culpa do agente, deve fixar a sua concreta duração.

             Quer isto dizer que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, tal como a pena de prisão e a multa, deve ser graduada dentro dos limites legais, ou seja, entre 3 meses e 3 anos, atendendo aos critérios e factores mencionados no artigo 71.º do Código Penal vigente, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo por base “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.

De facto, ambas as penas – principal e acessória – assentam num juízo de censura global pelo crime praticado, remetendo a sua determinação concreta para os critérios do referido normativo.

            Tendo presente que a culpa estabelece o máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar, a moldura de prevenção é definida entre o limiar mínimo abaixo do qual não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a sua função tutelar de bens jurídicos e de estabilização das expectativas comunitárias, e a medida máxima e óptima de tutela dos bens jurídicos e das mencionadas expectativas.

Dentro desses limites, relevam as exigências de prevenção especial de socialização (Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 238 e segs.).

Efectivamente, à pena acessória cabe uma «função preventiva adjuvante da pena principal (...) que se não esgota na intimidação da generalidade mas se dirige (…) à perigosidade do delinquente» – Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, p. 96.

Considerando que a pena acessória visa prevenir a perigosidade mas constitui também uma censura adicional pelo facto praticado pelo arguido - cfr., Figueiredo Dias, Acta n.º 8 da Comissão de Revisão do Código Penal, in Actas e Projecto da Comissão de Revisão do Código Penal, Editora Rei dos Livros, pág. 75 -, verifica-se que, não obstante a pena acessória ter, face à pena principal, uma função mais restrita - função preventiva -, a determinação da sua medida é ainda feita por recurso aos critérios gerais constantes do artigo 71° do Código Penal - cfr. neste sentido Ac. da R.C. de 18/12/96, in CJ, Ano XXI, t. V, p. 62 e ss. e Ac. da R.P. de 20/9/95, in CJ, Ano XX, t. IV, p. 229 e ss.

            A actuação do arguido foi claramente dolosa, na sua vertente necessária.

            Tendo em conta que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez pode ser cometido a título de negligência, a comissão dolosa pode e deve ser valorada na determinação da medida concreta da pena, como factor que releva por via da culpa, com efeito agravante, sem que se corra o risco de incorrer numa não permitida dupla valoração.

            Diga-se ainda que «a condução em estado de embriaguez é um crime de perigo comum abstracto, pois que as condutas puníveis por esta norma não lesam de forma directa e imediata qualquer bem jurídico, apenas implicando a probabilidade de um dano contra um objecto indeterminado, dano esse que a verificar-se será não raras vezes gravíssimo, tratando-se, assim, de uma infracção de mera actividade, em que o que se pune simplesmente é o facto de o agente se ter disposto a conduzir na via pública sob o efeito do álcool» (Acórdão da Relação de Guimarães de 19-11-2007, proc.º n.º 2031/07-1).

            O arguido mostra-se socialmente integrado, sendo, de facto, primário.

            As razões de prevenção geral são sempre prementes neste tipo de crimes, dada a elevada incidência da sinistralidade rodoviária.

            Não se deve procurar estabelecer nenhuma coincidência entre a determinação concreta da medida da pena e a taxa de álcool no sangue verificada numa concreta situação. Contudo, não obstante, «o diferencial existente em relação ao patamar inicial da TAS impõe uma diferença em relação ao limite mínimo da pena acessória» (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 5 de Março de 2000, Processo n.° 83212000, disponível para consulta em http:www.dgsi.ptl).

Por outro lado, «só em casos pontuais e devidamente comprovados pode haver “benevolência” na aplicação da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados» (in Acórdão da Relação de Coimbra de 7 de Novembro de 2001, Processo n.° 2315/2001, disponível para consulta em http:www.dgsi.jtl).

No caso em análise, não se vislumbram razões suficientemente fortes para usar dessa benevolência pois inexistem as excepcionais circunstâncias que poderiam legitimar essa especial “bondade”, não se tendo sequer provado qualquer facto – de força maior - que justificasse ter o arguido ingerido bebidas alcoólicas e depois conduzido.

Por tal motivo, e face ao alto grau de alcoolemia detectado, aplicar-se ao arguido uma pena acessória inferior a 6 meses afigura-se-nos, desde logo, injustificadamente “benevolente”.

Diga-se que a actual letra do artigo 69º do CP foi introduzida pela Lei n.º 77/2001 de 13/7 – esta alteração legislativa não se limitou a introduzir uma automática sanção acessória de proibição de condução para o agente do crime de condução em estado de embriaguez, tendo agravado, de modo significativo, a pena abstracta da mencionada pena acessória, alterando-a, no seu limite mínimo, de 1 mês para 3 meses e, no seu limite máximo de 1 ano para 3 anos.

Deste modo, tal agravação derivou de uma inequívoca opção político-criminal que reconhece – sabia e pragmaticamente - que as finalidades da punição, atenta a reconhecida pouca eficácia da pena de multa, se conseguem, neste tipo de delito rodoviário, essencialmente, através da aplicação da pena acessória de proibição de condução, sendo essa a parte que invariavelmente mais toca no âmago do prevaricador.

O juiz não é um computador e ainda bem, diga-se – não se coloca, como premissa, a taxa de alcoolemia detectada para depois, em nome de um infrene e indesejado automatismo, esperar pelo «quantum» da pena a aplicar.

Tudo depende de vários factores que deverão ser sopesados, nomeadamente do passado rodoviário do arguido.

É certo que não fará grande sentido invocar precedentes judiciários nesta sede – cada caso é um caso (só nos pode vir à memória esta frase batida) e não deverá o julgador fixar a exacta medida da pena acessória apenas com base na taxa de alcoolemia detectada.

Desta forma, não será de esperar – esse o nosso desejo - que volte de delinquir pois já sabe a falta que lhe faz a carta.

Assim, ponderadas as circunstâncias atinentes à culpa e às necessidades de prevenção, os elevados índices de sinistralidade no nosso País, provocados justamente por condutores que ingerem bebidas alcoólicas com TAS igual ou superior a 1,2 g/l), considera-se justa e proporcional a imposição ao arguido da proibição de conduzir veículos a motor por um período de 6 (SEIS) meses.

Recorramos à nossa jurisprudência.

Tendo tomado posse nesta Relação em Setembro de 2009, já decidimos assim em casos desta criminalidade:

· Taxa de 1,24 g/l – quatro meses

· Taxa de 1,49 g/l – cinco meses

· Taxa de 1,70 g/l – doze meses (com várias condenações anteriores):

· Taxa de 1,80 g/l – seis meses

· Taxa de 1,81 g/l – seis meses e 15 dias

· Taxa de 2,16 g/l – oito meses

· Taxa de 2,20 g/l – oito meses

Como tal, os 6 meses parecem-nos justos.

III. DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso intentado pelo Ministério Público e, em consequência:
v A)- PROCEDEM à seguinte alteração da matéria dada como PROVADA e NÃO PROVADA, à luz do artigo 431º/a) e b) do CPP:
FACTOS PROVADOS:
· no dia 16/03/2009, cerca das 18h30m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula … , no Largo dos Anjos, em Montemor-o-Velho;
· o arguido conduzia aquele veículo automóvel naquele lugar após ter ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 1,88 g/l;
· o arguido conhecia o seu estado e que sabia que não lhe permitia efectuar uma condução prudente, bem como lhe diminuía a capacidade de atenção, reacção e destreza, mas ainda assim quis conduzir o veículo, o que efectivamente fez;
· o arguido agiu pois de forma livre, voluntária e consciente bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta.
FACTOS NÃO PROVADOS: nenhuns.


v B)- REVOGAM a sentença recorrida, subsumindo a conduta do arguido A... à incriminação penal constante dos artigos 292º/1 e 69/1 a) do Código Penal;
v C)- CONDENAM o arguido A..., como autor material do crime acima identificado,
o na pena principal de 50 dias de multa à taxa diária de € 6 (multa global de € 300), a que correspondem 33 dias de prisão subsidiária (artigo 49º/1 do CP);
o na pena acessória na pena acessória de seis meses de proibição de condução de veículos automóveis.
*

Condena-se o arguido nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em quatro Ucs [artigos 513º/1 do CPP revisto pelo DL 34/2008 de 26/2 e 8º/5 do RCP, este remetendo para a Tabela III].

                                                           *

Após trânsito, e na 1ª instância, haverá que remeter boletins ao Registo Criminal e comunicar o teor desta decisão à A.N.R.S. – Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, enviando cópia do acórdão.

           


Coimbra, ________________________________
(Consigna-se que a decisão sumária foi elaborada e integralmente revista pelo signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


_______________________________________

(Paulo Guerra)

_____________________________________________   

(Alberto Mira)



[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).
[2] Cf. Acórdão da Relação do Porto de 11/7/2001, processo n.º 01110407, lido em www.dgsi.pt/trp.
[3] Só por lapso a parte final deste 3º facto surge como não provado no elenco factual, assente que não estamos perante qualquer facto mas perante uma conclusão jurídica.

[4] De facto, estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

                Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.

No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.

A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.

A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.

Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.

Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).

Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).

Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).

Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.

Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.

Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).

Em matéria de vícios previstos no art. 410.º n.º 2 do CPP, cumprirá ainda dizer que, apesar de tudo o que tem sido dito e redito pacificamente na jurisprudência e na doutrina, continua a ignorar-se o melhor desses ensinamentos e a trazer aos recursos sempre o mesmo tipo de argumentação quanto à tipificação desses vícios. Confunde-se sistematicamente o da al. a) (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada) com problemas de insuficiência de prova; confunde-se o da al. b) - (contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão) - com o da errada convicção do tribunal ou com a insuficiente convicção ou mesmo com a insuficiente fundamentação; e o da al. c) - (erro notório da apreciação da prova) - com o problema da livre convicção do tribunal na apreciação das provas a tal sujeitas ou com o da errada ou insuficiente apreciação do valor delas.

E, para cúmulo dos cúmulos, só raramente se não faz tábua rasa da invocação de vícios fora do quadro resultante do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência.



[5] Que refere também que «apenas deverão ter-se como proibidos os meios enganosos susceptíveis de colocar o arguido numa situação de coacção idêntica à dos demais métodos proibidos de prova», aludindo a teses de Puppe, Hanack, Gossel e de Roxin.
[6] A ilegitimidade e inadmissibilidade da prova obtida por via do agente provocador - o agente policial ou o particular por ele comandado que induz outrem à prática do crime para facilitar a recolha de provas da ocorrência do acto criminoso - «é inquestionável… pois seria imoral que, num Estado de Direito, se fosse punir aquele que um agente estadual induziu ou instigou a delinquir». Uma «tal desonestidade seria de todo incompatível com o que, num Estado de Direito, se espera que seja o comportamento das autoridades e agentes da justiça penal, que deve pautar-se pelas regras gerais da ética». Nada terá de ilegítimo, no entanto, a conduta do funcionário de investigação criminal, desde que não induza ou instigue o agente à prática de um crime que de outro modo não praticaria ou que já não estivesse disposto a praticar, porquanto em tais situações não se vê em que é que essa actuação represente grave limitação da liberdade de formação e manifestação da vontade do arguido (Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa, 3.ª ed., pág. 207, e Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, pág. 216) – cf. o Ac. TC n.º 76/01, de 14.02, proc. n.º 508/99..
Neste sentido decidiu o STJ, entre outros nos Acs. de 09-06-05, proc. n.º 1015/05-3, de 06-05-04, proc. n.º 1138/04-5, de 30-10-02, proc. n.º 2118/02-3, de 20-02-03, proc. 4510/02-5, sendo pacífica aquela ideia de que é preciso distinguir os casos em que a actuação do agente provocador cria uma intenção criminosa até então inexistente, dos casos em que o sujeito já está implícita ou potencialmente inclinado a delinquir e a actuação do agente apenas põe em marcha aquela decisão. Isto é, importa distinguir entre a criação de uma oportunidade com vista à realização de uma intenção criminosa, e a criação dessa mesma intenção.
No quadro normativo vigente, a actuação do agente provocador é normalmente considerada como ilegítima, caindo nos limites das proibições de prova, sendo patente o consenso da doutrina e da  jurisprudência de que importa distinguir os casos em que a actuação do agente policial (agente encoberto) cria uma intenção criminosa até então inexistente, dos casos em que o sujeito já está implícita ou potencialmente inclinado a delinquir e a actuação do agente policial apenas põe em marcha aquela decisão.
Isto é, importa distinguir entre a criação de uma oportunidade com vista à realização de uma intenção criminosa, e a criação dessa mesma intenção.
Com efeito, na distinção e caracterização da proibição dum meio de prova pessoal é pertinente o respeito ou desrespeito da liberdade de determinação de vontade ou de decisão da capacidade de memorizar ou de avaliar. Desde que estes limites sejam respeitados, não será abalado o equilíbrio, a equidade, entre os direitos das pessoas enquanto fontes ou detentoras da prova e as exigências públicas do inquérito e da investigação. A provocação, em matéria de proibição de prova só intervém se essas actuações visam incitar outra pessoa a cometer uma infracção que, sem essa intervenção, não teria lugar, com vista a obter a prova duma infracção que sem essa conduta não existiria (cfr. Acórdãos do STJ de 20/2/2003 – Pº 02P4510.
Poderemos dizer que a alínea a) do n. 2 do artigo 126 do CPP proíbe a utilização de meios enganosos na obtenção das provas de que é exemplo máximo a hipótese em que o delinquente
é levado a agir por pressão ou sugestão de pessoa que julga ser um seu comparticipante ou, no caso de crimes de tráfico, uma pessoa interessada em adquirir o que ele se dispõe a vender, mas que é simplesmente um membro de entidade investigadora que age com o objectivo de arranjar elementos conducentes à sua punição.

Aluda-se ainda à doutrina do Acórdão do STJ de 6/5/2004 (Pº 1138/04) – CJ STJ: 2004, Tomo II, p. 188-190:
«I-  Na distinção e caracterização da proibição de um meio de prova pessoal é pertinente o respeito ou desrespeito da liberdade de determinação da vontade ou da decisão da capacidade de memorizar ou de avaliar.
II- Desde que esses limites sejam respeitados, não será abalado o equilíbrio e a equidade entre os direitos das pessoas, enquanto fonte ou detentoras da prova, e as exigências públicas do inquérito e investigação.
III- Caindo a actuação do agente “provocador” nos limites das proibições de prova, importa, assim, distinguir os casos em que a actuação do agente policial (agente encoberto) cria naquele uma intenção criminosa, até então inexistente, dos casos em que o sujeito está implícito ou potencialmente inclinado a delinquir, sendo que a actuação do agente policial apenas põe em marcha aquela decisão.
IV- Nesses termos, a provocação, em matéria de proibição de prova, só releva se essas actuações visam incitar outra pessoa a cometer uma infracção que, sem essa Intervenção, não teria lugar, e com vista a obter, desse modo, a prova de uma infracção que sem tal conduta não existiria».
Agora levar esta figura para um singelo crime de condução etilizada é ir longe demais…