Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1703/18.9T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: CESSÃO DE CRÉDITOS
NOTIFICAÇÃO AO DEVEDOR
CITAÇÃO
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 11/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.583 Nº1 CC
Sumário: A notificação ao devedor, a que alude o art. 583.º, n.º 1, do Código Civil, de que o seu credor cedeu o crédito a outrem, pode ser feita através da citação para a execução proposta pelo credor cessionário.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Está em causa a decisão de indeferimento liminar em ação executiva, por falta de legitimidade da exequente (A (…)), cessionária do crédito sobre o executado (G (…)).

Em síntese, considerou a decisão em crise:

“Ora, um dos elementos essenciais da presente causa, porque integrante da causa de pedir, é, precisamente, o da notificação da cessão de créditos ou sua aceitação por parte do devedor, quer isto dizer que, antes da citação, já tal elemento deverá fazer parte do elenco dos factos articulados no petitório, para que, uma vez citado o devedor, tal facto esteja adquirido definitivamente para a causa, juntamente com os demais elementos que constituem a causa de pedir.”

Inconformada, a Exequente recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

A) Em 7 de Julho de 2010 a O (…) S.A. cedeu à G (…) S.A., que o aceitou, o crédito que detinha sobre o Executado à ora Apelante, através de contrato de cessão de créditos.

B) Por sua vez, a G (…) S.A. cedeu o crédito à aqui Exequente – A (…) que o aceitou.

C) Ambos os contratos de cessão de créditos foram juntos ao requerimento executivo.

D) A execução intentada constitui meio idóneo para dar conhecimento ao devedor da cessão de créditos em termos idênticos à notificação prevista no art. 583 º do Código Civil.

E) O Executado teve conhecimento das referidas cessões no momento da citação, uma vez que toda a documentação junta integra o Requerimento Executivo.

F) A comunicação da cessão de créditos em momento anterior à apresentação do

requerimento executivo não é necessária, para os efeitos pretendidos com a ação executiva.

G) A cessão de créditos pode ser comunicada judicialmente, através da citação para a execução.

H) O contrato de cessão de créditos foi comunicado judicialmente através da citação para a execução.

Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta sentença ser revogada, prosseguindo a execução intentada os seus termos até final.


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            Citado o Executado, para os termos da causa e do recurso, nada veio dizer.

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Estando perante uma cessão de créditos, invocada e documentada no requerimento executivo, a questão para resolver é a de saber se a citação para a execução produz os mesmos efeitos jurídicos que  a notificação a que alude o art. 583º,  nº1, do Código Civil,  com vista à eficácia daquela cessão relativamente ao devedor.

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Os factos a considerar são os que resultam do relatório antecedente, estando documentada a cessão de créditos invocada pela exequente, cessionária do crédito sobre o executado, já citado.

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Sobre esta problemática existem no essencial duas correntes jurisprudenciais que divergem, uma no sentido de exigir que o devedor seja previamente notificado, não se podendo atribuir à citação o valor da notificação a que alude o art. 583º, nº1, do Código Civil, e outra que entende que esta notificação pode ser feita através da citação para a execução proposta pelo credor cessionário.

(No primeiro sentido, ver acórdão desta Relação, de 19.9.2017, no proc.7825/16; no sentido oposto, acórdãos desta nossa secção, de 6.7.2016, proc. 467/11 e de 15.11.2016, proc. 9673/15, em que o subscritor foi adjunto, todos em www.dgsi.pt.)

Seguimos a jurisprudência já subscrita antes e a do STJ, de 10.3.2016, proc. 703/11, também naquele sítio digital, acórdão retirado em revista excecional, por oposição de julgados: passamos a citar:

“Na cessão de créditos o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor , a totalidade ou parte do seu crédito, nos termos do art. 577 do C. Civil.

“Como se refere no Ac. deste Supremo de 25.05.1999, acessível via www.dgsi.pt” o crédito  transferido fica inalterado : apenas se verifica a substituição do credor originário para um novo credor . Cedente e cessionário têm intervenção activa e a terceira pessoa - o devedor -passiva, isto porque não se exige o seu consentimento.”

“A cessão opera entre as partes (cedente e cessionário), independentemente da sua notificação ao devedor.

“No entanto, em relação ao devedor é necessário que a cessão lhe seja notificada, nos termos preceituados do nº1 do art. 583 do C. Civil.

“A razão de ser da exigência do conhecimento da cessão reside como bem nota o Ac. deste Supremo de 6.11.2012, acessível via www.dgsi.pt,  “na necessidade da protecção do interesse do devedor pois, que, em princípio, não  admite  a lei eficácia liberatória da prestação feita ao credor aparente, havendo, enfim, que proteger a boa fé do devedor que confia na aparência de estabilidade subjectiva do contrato, frustrada pela omissão de informação do primitivo credor cedente” .

“Como aí se diz também “o desiderato da lei  fundamentalmente que o devedor como terceiro relativamente ao contrato de cessão não seja confrontado como uma situação alterada  no sentido do agravamento, por via da transferência do direito de crédito.”

“Também no Ac deste Supremo de 3.06.2004 acessível via www.dgsi.pt : A lei faz depender a eficácia da cessão em relação ao devedor do conhecimento que este tenha de que o crédito foi cedido.

“O que torna a cessão eficaz relativamente ao devedor é o facto de este a conhecer, podendo esse conhecimento revelar-se de várias formas, entre quais a notificação efectuada por um dos contraentes da cessão.

“Mas tal não significa que o conhecimento não possa chegar ao devedor por outra via , nomeadamente a citação para acção / execução.

“Se a eficácia da cessão está ligada ao conhecimento, não se pode dizer que com a citação para a acção / execução o devedor não passe a conhecer que o crédito foi cedido .

“Como bem nota o Acórdão de 6.11.2012, citando Assunção Cristas em anotação ao Acórdão de 3 de Junho de 2004, in Cadernos de Direito Privado, nº 14, pag. 63 “ mesmo que se conclua que a citação não é o mesmo que a notificação , ainda será necessário sustentar que ela não produz o conhecimento da transmissão por parte do devedor.“

“Também como bem nota o Acórdão que estamos a seguir de perto, se o conhecimento do devedor da cessão é o elemento constitutivo da eficácia da cessão, relativamente a ele (devedor), é indiferente do ponto do vista do efeito jurídico, classificar a citação como notificação ou simples modo de conhecimento” sendo certo como aí se diz que não se vislumbra “como a citação não possa ser considerado um meio idóneo de transmissão ao devedor do pertinente e adequado “ conhecimento”.

“Com o “conhecimento” da transmissão, que se concretiza através da citação para a execução – ficando o cedido ciente da existência da cessão e da impossibilidade de invocar o seu desconhecimento ( art. 583 nº2 ) o direito do cessionário , que até então era inoponível ao devedor cedido, protegido pela ineficácia, passa a gozar da exigibilidade que antes daquele acto a ineficácia relativa condicionava.”

“No que concerne ao argumento do Acórdão fundamento no sentido de que a notificação da cessão de créditos ou a sua aceitação por parte do devedor como um dos elementos essenciais e integrantes da causa de pedir, deve fazer parte do elenco dos factos articulados antes da citação, não colhe porque como bem observa o citado Acórdão : “ Admitir que o cessionário não poderá propor a acção contra o devedor sem o ter notificado previamente gera uma situação algo curiosa, pois também o antigo credor (cedente), no rigor técnico, o não poderá fazer, porquanto já não é credor, a este careceria legitimidade e àquele faltaria um elemento essencial da causa de pedir.“ (Fim da citação.)

Deixamos ainda uns apontamentos finais, tendo por referência os argumentos da posição oposta à nossa:

A legitimação ativa na execução pode decorrer da simples sucessão no direito, conforme o art.54º, nº 1, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

Ora, a eficácia da cessão depende apenas do conhecimento do devedor, que pode ser retirado com aquela legitimação no requerimento executivo.

Se a lei prevê (arts.714º e seguintes do CPC) a produção de prova e diligências complementares para tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título, ela também admitirá que a eficácia da cessão se complete com a citação, para se conseguir a certeza necessária de que o credor que se apresenta a propor a execução tem o direito de exigir aquela obrigação ao devedor.

O invocado problema da agressão prévia do património do executado é um risco do processo sumário de execução (e não desta questão) e também se coloca noutros casos em que a oposição, apenas posterior porque a citação também é posterior, vem a revelar a final um vício relevante da execução.

Por tudo isto, a decisão recorrida não pode manter-se.


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            Decisão.

            Julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se o prosseguimento da execução.

            Custas, limitadas à taxa de justiça mínima, pelo Recorrido.

Coimbra, 2018-11-13

Fernando Monteiro ( Relator )

António Carvalho Martins

Carlos Moreira