Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
65/17.6T9FVN-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL EM SEPARADO
Data do Acordão: 06/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J C GENÉRICA DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 71.º, 72.º E 82.º DO CPP
Sumário: I – O pedido cível “fundado na prática de um crime” tem em vista obter o ressarcimento dos danos causados pelo ilícito criminal.

II - No regime processual, de entre os vários modelos possíveis – sistema de independência absoluta, sistema de adesão alternativa e sistema de adesão obrigatória – o legislador português adoptou pelo último, o sistema de adesão obrigatória.

III - No modelo adoptado estão em causa razões de economia processual, para os interessados, aproveitando a definição, no processo-crime, da autoria do facto ilícito e da culpa do agente, para ali poderem ser ressarcidos dos danos causados pelo crime, mas também de prestígio institucional, na medida em que a existência de um único processo previne a possibilidade de julgados contraditórios sobre o mesmo facto ilícito.

IV- A remessa das partes para os tribunais cíveis, oficiosamente ou a requerimento, pode ocorrer:

a)- Tendo em conta a especificidade das questões, de natureza exclusivamente civilística que, pela sua complexidade, inviabilizem uma decisão rigorosa no processo-crime, sobrelevando a competência cível;

b)- Por razões de economia processual, evitando, por efeito dos incidentes inerentes ao pedido cível, retardar intoleravelmente o processo penal, de natureza eminentemente pública em contraposição com o processo civil onde vigora predominantemente o princípio dispositivo.

Decisão Texto Integral:







Acordam, em conferência, na 4ª Secção, com competência criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:



I - RELATÓRIO

Nos autos, já após a prolação do despacho a que se reporta o art. 311º do CPP, com data agendada data para julgamento, foi proferido o seguinte DESPACHO (despacho recorrido):

(…) não se justifica o retardamento dos presentes autos devido ao pedido civil de fls. 504 e ss, o qual suscita questões complexas e demoradas, nomeadamente em sede de prova documental e pericial a produzir, não se vislumbrando fundamento legal para adiar por largos anos o início de um julgamento crime por força de um pedido de indemnização que podia ser deduzido no foro próprio (o tribunal civil) - cfr. artigo 72º, alínea f) do mesmo código (…) os elementos que constam do processo habilitam o Tribunal a proferir decisão quanto à parte criminal, bem como quanto ao PIC do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, E.P.E. de fls. 496 e ss.

Pelo exposto e atendendo que os elementos que constam do processo habilitam o Tribunal a proferir decisão quanto à parte criminal, bem como quanto ao PIC do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, E.P.E. de fls. 496 e ss., remete-se o PIC deduzido pela assistente / Demandante … e Demandantes …, …, por si e em representação do filho menor … de fls. 504 e ss, para os meios comuns ao abrigo do disposto no artigo 82.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.


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Inconformados com tal despacho, dele recorrem a assistente/demandante cível … e os Demandantes Cíveis …, …, por si e em representação do filho menor ….

Na motivação do recurso formulam as seguintes CONCLUSÕES:

1) O Recurso tem como objeto a matéria de direito do Despacho proferido nos presentes autos, que remete as partes para os meios comuns relativamente ao pedido de indemnização civil apresentado pelos ora Recorrentes;

2) Previamente à impugnação da decisão, importa salientar o desrespeito manifestado pelo Tribunal a quo quando manteve as datas da Audiência de Julgamento para os dia 29 e 30 de janeiro de 2019, não acautelando assim o trânsito do Despacho por si proferido, nem salvaguardando o efeito suspensivo do Recurso, previsto no nº 3, do artigo 408°, do CPP;

3) Desta forma, o Tribunal a quo violou, além do artigo 408°, nº 3, os artigos 399° e 411°, todos do CPP;

4) Quanto à matéria da impugnação, importa salientar que sendo o nº 3 do artigo 82°, uma exceção ao princípio da adesão obrigatória enunciado no artigo 71°, ambos do CPP, a sua aplicação deve cingir-se aos casos nele expressamente previstos e deve ser objeto de uma particular e rigorosa fundamentação;

5) Pelo que o poder do Tribunal remeter as partes para os meios comuns não significa a atribuição de um poder arbitrário, livre ou discricionário, exigindo antes uma avaliação das questões suscitadas pela dedução do pedido cível, reenviando-o para os meios comuns apenas se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão;

6) Ora, in casu a manutenção do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelos Recorrentes no processo penal não acarreta grande desvantagem, conforme resulta da análise dos fundamentos invocados no Despacho de que se recorre;

7) Desde logo, e sempre salvo o devido respeito, o Tribunal a quo fundamentou de forma ligeira a opção expressa no Despacho, na medida em que pouco mais fez do que enunciar uma série de hipóteses quanto à produção de prova do Pedido Cível, sem que existam de facto razões que as justifiquem;

Porquanto:

8) Quanto às lesões/sequelas da Recorrente … originadas pelo acidente dos autos, e como, aliás, o Tribunal a quo considerou no Despacho de que se recorre, o INML é a entidade competente para avaliar o dano corporal em direito civil, pelo que não colhe a necessidade de "i) perícia médico-legal à pessoa da Demandante … e de forma colegial, nas diversas especialidades envolvidas", requerida pela Demandada S (...) em sede de Contestação, e referida a fls. 2 do Despacho na sua fundamentação;

9) Também não procedem os receios do Tribunal a quo relativamente às adaptações necessárias na casa de morada de família e à aquisição de um veículo que salvaguarde a nova realidade da vida da Recorrente;

10) Relativamente a ambas as situações, aguardam-se apenas os orçamentos já solicitados, cabendo ao Tribunal tão-somente apreciar da necessidade dos equipamentos com os quais os Recorrentes pretendem equipar a casa de morada de família e do veículo adaptado;

11) Pelo que, sempre salvo melhor opinião, não parece que o relatório do INML ou os orçamentos em falta sejam suscetíveis de gerar particulares incidentes processuais;

12) Surge pois como completamente surpreendente a alusão feita, a fls. 4 e 5 do Despacho impugnado, ao adiamento "por largos anos" e a provável insuficiência do prazo de prescrição de 5 anos no caso dos autos;

13) Acresce salientar que a prova junta pelo Arguido na Contestação à Acusação contra si deduzida é abundante e densa, e, por isso, passível por si só de retardar a marcha do processo, a saber: 12 testemunhas, 25 documentos e dois pareceres de peritos, um com 16 e o outro com 20 páginas;

14) Do supra exposto, resulta que a produção dos meios de prova juntos pelo Arguido na sua Contestação é, por si só, suscetível de gerar incidentes que retardem o próprio processo penal, pelo que não se alcança corno pode a prova do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelos Recorrentes agravar esta situação;

15) Esteve ainda mala Tribunal a quo na fundamentação utilizada para remeter o Pedido de Indeminização Civil dos Recorrentes para os meios comuns, quando relativamente ao valor do pedido vem dizer que é necessário ter em conta "que o pedido original corresponde a valor mais de 19 vezes superior à alçada dos Juízos Centrais Cíveis";

16) Como salienta esta Relação, "Extravasam manifestamente o campo de previsão do artigo 82º nº 3, do CPP, nomeadamente, os casos em que as partes são remetidas para os tribunais civis por os pedidos cíveis em causa assumirem valores muito elevados ou quando os mesmos pedidos apresentam complexidade em relação à prova a produzir e ao direito aplicável";

17) Em suma, consideram os Recorrentes que o Despacho impugnado não só não respeitou o princípio da adesão obrigatória da ação cível ao processo penal, como não obedeceu à exigência de uma cuidada fundamentação como obriga o nº 3, do artigo 82° do CPP;

18) Com a decisão proferida, o Tribunal a quo não teve em conta, como destaca esta Relação", que "O percurso probatório é exactamente o mesmo no que toca aos factos que consubstanciam a responsabilidade criminal e a responsabilidade civil, havendo apenas que acrescentar que em relação a esta há, ainda, que provar os factos que indicam o dano e o nexo causal entre o dano e o facto ilícito";

19) Ao remeter o Pedido de Indemnização Civil deduzido pelos Recorrentes, o Tribunal a quo contribuirá antes para o prejuízo acrescido das partes, para o desperdício de meios e custos e para o risco de julgados contraditórios, decorrentes da dedução do pedido cível em separado;

20) Impõe-se chamar a atenção para o facto de que o reenvio para os meios comuns significa necessariamente um retardamento do desfecho do Pedido de Indemnização Civil, com consequências extremamente gravosas para a Recorrente …;

21) A Recorrente, que foi brutalmente colhida pelo veículo … a 26 de fevereiro de 2017, não pode continuar à espera do pagamento pela Demandada S (...) de valores que são absolutamente indispensáveis à continuação dos seus tratamentos médicos e a assegurar o mínimo de condições necessárias à nova e inesperada realidade para a qual o acidente dos presentes autos a remeteu;

22) O cumprimento do princípio da adesão, conforme previsto no artigo 71° do CPP, permitiria ao Tribunal a quo apreciar o Pedido de Indemnização Civil deduzido pelos Recorrentes com todas as vantagens supra desenvolvidas, nomeadamente fixando os valores que pudessem desde já prover às necessidades de tratamento e sobrevivência da Recorrente;

23) Sendo que o Tribunal a quo, na sua frágil fundamentação do Despacho que se impugna, devia ter equacionado a possibilidade de deixar para liquidação em execução de Sentença todos os valores que não seja possível entretanto;

24) Defendem os Recorrentes que a manutenção nos presentes autos do pedido cível traria seguramente sérias vantagens em termos de economia processual e de celeridade, pois existe in casu uma estreita conexão entre a ação penal e a ação cível, dado terem origem nos mesmos factos ilícitos;

25) Ao não fazê-lo, o Despacho recorrido não interpretou, nem aplicou corretamente e assim violou o disposto nos artigos 71°, 72°, nº 1 (a contrario), 82°, nº 3, 125° e 124°, nº 2,408°, nº 3 e ainda 399º e 411°, todos do CPP;

26) Pelo que deve esta Relação substituir a Decisão ora impugnada, que remeteu o Pedido de Indemnização Civil para os meios comuns, por outra que promova o julgamento pelo Tribunal a quo do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelos Recorrentes contra a Demandada S (...) , S.A..


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Admitido o recurso, Respondeu a demandada cível, S (...) , S.A., sustentando, em síntese conclusiva, que “(…) Bem andou o Mmo. Juiz a quo ao decidir em tal sentido, falecendo, por completo, os argumentos dos Recorrentes, devendo concluir-se que o Despacho recorrido não merece a censura que lhe é assacada, nem qualquer outra, improcedendo todas e quaisquer conclusões e alegações dos Recorrentes no sentido da sua impugnação, não merecendo o mesmo, pois, qualquer reparo”.

Corridos vistos, cumpre decidir.


***

APRECIAÇÃO

Na responsabilidade civil conexa com a criminal, existe coincidência de pressupostos quanto ao facto ilícito, imputação subjectiva do facto ao agente e nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano. O pedido cível “fundado na prática de um crime” tem em vista obter o ressarcimento dos danos causados pelo ilícito criminal.  

No regime processual, de entre os vários modelos possíveis – sistema de independência absoluta, sistema de adesão alternativa e sistema de adesão obrigatória – o legislador português adoptou pelo último, o sistema de adesão obrigatória.

Com efeito, sob a epígrafe «Princípio de adesão», postula o art. 71º do CPP: O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

Existem porém, algumas excepções àquele princípio, taxativamente definidas no artigo 72º, nº 1, quando: a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo; b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinto antes do julgamento; d) O, quando o procedimento depender de queixa ou acusação particular; e) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos em toda a sua extensão; f) A sentença penal não se tiver pronunciado sobre o pedido de indemnização civil, ou somente contra estes haja sido provocada, nesta acção, a intervenção principal do arguido; g) O valor do pedido permitir a intervenção civil do tribunal colectivo, devendo o processo penal correr perante o tribunal singular; h) O processo penal correr sob a forma sumária ou sumaríssima; i) O lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos dos nº1 do artigo 75º e do nº2 do artigo 77º.

No modelo adoptado estão em causa razões de economia processual, para os interessados, aproveitando a definição, no processo-crime, da autoria do facto ilícito e da culpa do agente, para ali poderem ser ressarcidos dos danos causados pelo crime, mas também de prestígio institucional, na medida em que a existência de um único processo previne a possibilidade de julgados contraditórios sobre o mesmo facto ilícito.

Na regra geral, o legislador parte do princípio de que as vantagens da conexão se sobrepõem às da acção em separado. As exceções, especificados na lei, constituem o reconhecimento, pelo legislador, do contrário, ou seja que as vantagens prosseguidas se sobrepõem aos inconvenientes.

Postula ainda com relevo o art. 82º, nº 3 do CPP: O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunal civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.

Enuncia assim dois critérios: - o primeiro tem a ver com a especificidade das questões, de natureza exclusivamente civilística que, pela sua complexidade, inviabilizem uma decisão rigorosa no processo-crime, sobrelevando a competência cível; e - o segundo, de economia processual, evitando, por efeito dos incidentes inerentes ao pedido cível, retardar intoleravelmente o processo penal, de natureza eminentemente pública em contraposição com o processo civil onde vigora predominantemente o princípio dispositivo.

Sendo que no processo penal, por razões de ordem pública e do interesse do acusado em ver obter uma decisão penal em tempo prazo razoável, que aprecie a questão penal. Impondo-se o interesse público na celeridade do processo ao interesse privado na definição do quantum da indemnização, que por um lado não fica posto de parte, apenas sendo a apreciação remetida para melhores circunstâncias, sem prejuízo do efeito da sentença penal que venha a definir os pressupostos do dever de indemnizar.

 Tendo em vista os critérios enunciados o juiz decide qual o meio que melhor se adequa ao fim em vista.


*

No caso

Os recorrentes referem-se ao efeito fixado ao recurso, permitindo assim a realização do julgamento antes de este ser decidido mas sem questionar a sua legalidade, nos termos das disposições legais ali citadas.

Por outro lado, quanto ao efeito suspensivo do recurso reclamado pelos recorrentes, a decisão do tribunal recorrido não vincula o tribunal da relação (art. 414º, nº3 do CPP). Tendo o efeito sido mantido no despacho inicial do relator em conformidade com o disposto nos artigos 403º e 408º do CPP.

Sustentam depois os recorrentes que o tribunal recorrido não fundamentou adequadamente a decisão.

Ora, a decisão recorrida pondera além do mais:

 “Compulsados os autos verifica-se que, na sequência de PIC deduzido pela assistente/Demandante …, …, … e … a Demandada S (...) , S.A. a fls. 504 e ss, no âmbito do qual peticionam o ressarcimento de alegados danos sofridos pelo acidente descrito nos autos, nomeadamente em sede de danos patrimoniais (v.g. dano futuro emergente de incapacidade física permanente; necessidade de proceder a alterações na casa de morada de família; necessidade de aquisição de um veículo; necessidade de contratação de uma terceira pessoa; necessidade de tratamentos futuros) e danos não patrimoniais (dano biológico, dano estético, quantum doloris, incapacidade permanente absoluta para a prática de profissão), veio a Demandada, em sede de contestação, requerer a fls. 885 e ss a realização de:

 i) perícia médico-legal à pessoa da Demandante … e de forma colegial, nas diversas especialidades envolvidas, em face da dimensão do valor reclamado e desconhecimento da Demandada quanto às lesões invocadas e sua complexidade;

ii) perícia colegial relativa às necessidades para alterações na morada de família e equipamentos necessários à mesma; e

iii) perícia singular relativa à necessidade para aquisição de veículo adaptado, todas com diversos quesitos formulados.

Mais requereu a notificação para junção de diversa prova documental na posse de entidades terceiras.

Tais pedidos visam apenas o pedido civil formulado pela assistente/demandantes identificados.

Por despacho de fls. 856 e ss, foi designada a realização de audiência de julgamento para os próximos dias 29 e 30 de Janeiro de 2019.

Apreciando.

Consagra o artigo 71.º do Código de Processo Penal como regra o princípio da adesão obrigatória da acção cível ao processo penal e, como excepção, a dedução da acção cível fora do processo penal.

Sendo que as excepções ao princípio da adesão integram duas situações: por um lado, reporta-se aos casos em que o pedido cível pode ser deduzido, ab initio, em separado perante o tribunal civil, taxativamente enumerados no artigo 72º do Código de Processo Penal; e por outro lado, decorre do reenvio para os tribunais civis, nos casos previstos no artigo 82.º, nº 3 do mesmo código, em que “dada a dificuldade, a complexidade ou a natureza das questões postas, o juiz penal entenda não estar em condições de decidir sobre o pedido cível ou em que tal possa causar uma sensível demora à decisão penal”.

Nos termos desta última norma vinda de citar, o tribunal pode, assim, remeter as partes para os meios comuns em duas situações: quando surjam questões relativas ao pedido cível que inviabilizem uma decisão rigorosa e quando surjam questões relativas ao pedido cível susceptíveis de gerar incidentes que levem ao retardamento intolerável do processo penal.

Ora, nos presentes autos, em face da contestação deduzida pela Demandada S (...) , S.A. (interveniente processual apenas com alegada responsabilidade civil) constata-se que a determinação da realização dos exames periciais e determinação de junção de prova documental na posse de entidades terceiras é susceptível de retardar de forma intolerável o presente processo, não só pelo elevado tempo que tais pedidos demorariam a ser satisfeitos, não deixando de se ter em conta que o pedido original corresponde a valor mais de 19 vezes superior à alçada do Juízos Centrais Cíveis, mas também pelos demais incidentes que poderiam gerar tais como solicitações de esclarecimentos aos relatórios periciais, eventuais realizações de segundas perícias, pedidos para comparecimento de peritos em julgamento, a fim de prestarem esclarecimentos adicionais, recusa de prestação de documentação, invocação de sigilo profissional e consequente incidente para levantamento, sendo certo que tais elementos se afiguram decisivos para a decisão a proferir na parte civil, isto é, na decisão a proferir quanto ao PIC deduzido pela assistente/ Demandante … a fls. 504 e ss.

Com efeito, no que concerne às lesões / sequelas sofridas pela assistente/Demandante …, não obstante os relatórios da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal juntos a fls. 296 a 300, 453 a 456 e elementos clínicos de fls. 47 a 71, 83, 88, 278 a 279,301 a 309, 323 a 429, 431 a 439, não existe de momento qualquer relatório médico elaborado pela entidade competente nesta matéria (neste caso o Instituto Nacional de Medicina Legal), em sede de avaliação de dano corporal em direito civil, mediante o qual se analisem e determinem o grau das lesões / sequelas que resultaram para a demandante na sequência do acidente descrito nos autos, temporárias e/ou permanentes. Motivo pelo qual não é possível, em sede audiência de julgamento a ter o seu início no próximo dia 29 de Janeiro do corrente ano, comprovar com grau de certeza os danos actuais alegados pela assistente no seu requerimento, e consequentemente não pode ainda o Tribunal se pronunciar sobre os valores concretamente peticionados por aquela.

O mesmo se aplicando, com as devidas adaptações, ao apuramento das necessidades para alterações na morada de família e equipamentos necessários à mesma e para aquisição de veículo adaptado, a realizar em sede da (também) prova pericial requerida.

A isto acresce que mesmo os demandantes entre os pontos 60.º e 65.º do seu articulado referem expressamente a pretensão de aditamento de factos/pedidos/documentos, ao já de si extenso pedido civil, sendo que a menos de um mês do inicio do julgamento nada fizeram ou disseram, sem dificuldade se antecipando mais incidentes a impedir a realização do julgamento e até colocando em causa como tal o principio da continuidade da audiência conforme previsto no artigo 328.º do Código de Processo Penal.

A tudo isto acresce o prazo de prescrição do procedimento criminal cujo prazo é de apenas 5 anos no caso dos autos.

Conforme tem sido entendimento unânime da jurisprudência, "O interesse público na celeridade do processo penal sobrepõe-se ao interesse privado na indemnização que pode ser tutelado por outra via." – cfr.        Ac. TRL de 12.11.1997, proc. 0047883, relator Rodrigues Simão, disponível in www.dgsi.pt.

Aqui chegados, resulta que a manutenção da exigência de apreciação do pedido de indemnização civil em causa no âmbito destes autos forçosamente retardaria de forma intolerável o desenvolvimento do presente processo penal (no qual se fazem sentir razões de ordem pública de celeridade e do interesse do arguido em ver uma decisão penal proferida em prazo razoável) e a obtenção de uma, tão rápida quanto possível, sentença que, primordialmente vise apreciar a questão penal. - cfr. Ac. TRG de 25-01-2016, proc. 193/11.1GAVPA- A.G1, relator Luís Antunes Coimbra, disponível in www.dgsi.pt.

Neste conspecto, e pese embora o aludido princípio da adesão preceituado no artigo 71.º do Código de Processo Penal, entende-se que não se justifica o retardamento dos presentes autos devido ao pedido civil de fls. 504 e ss, o qual suscita questões complexas e demoradas, nomeadamente em sede de prova documental e pericial a produzir, não se vislumbrando fundamento legal para adiar por largos anos o início de um julgamento crime por força de um pedido de indemnização que podia ser deduzido no foro próprio (o tribunal civil) – cfr. artigo 72.º, alínea f) do mesmo código”.

Da reprodução efectuada resulta que a decisão recorrida deixa perfeitamente claros os fundamentos fácticos em que repousa, à luz dos preceitos legais ali citados, como aliás os recorrentes bem compreenderam como resulta da impugnação a que procedem. Mostrando-se assim devidamente fundamentada em termos de facto e de direito.

Sustentando que a ausência de fundamentação, os recorrentes passam ao lado essa mesma fundamentação que ignoram, dispensando-se de a rebater e de contraditar os fundamentos invocados.

Passando ao mérito da decisão

O julgamento da acção penal encontrava-se agendado, sendo tal agendamento incompatível com a realização das diligências probatórias requeridas que obrigavam, necessariamente, ao adiamento do julgamento penal, desconvocando as pessoas notificadas e notificando-as novamente.

Do mesmo modo é relevante o nº de demandantes que não são sujeitos processuais da acção penal, com direito a indemnização por danos próprios, obrigando a investigar autonomamente, os danos próprios de cada um.

A apreciação do PIC além de incompatível com a marcha normal do processo penal - com julgamento agendado, pessoas convocadas - torna-o, no caso, significativamente mais complexo, emergindo até a questão, em termos probatórios, como mais complexa qua a questão penal.

Exigindo, além do mais a produção dos seguintes meios de prova, novos, em relação à matéria da acusação:

- notificação dos Centro Hospitalar e Universitário de (...) , Hospital de (...) e Centro de Medicina de Reabilitação de (...) , P (...) , Clínica Psiquiátrica de (...) para juntar cópia de todos os relatórios e elementos clínicos, meios de diagnóstico e de tratamento e acompanhamento relativos à Demandante, indicando as entidades clinicas, de reabilitação e/ou fisiátricas onde a mesma foi tratada e assistida para que as mesmas sejam igualmente notificadas para prestar todas as informações referentes a tal processo clínico;

- junção aos autos Declarações de IRS e respectivas notas de liquidação relativas aos rendimentos auferidos nos anos de 2016 até á presente data para apuramento dos rendimentos da mesma e consequentemente do alegado lucro cessante. E, no caso de a Demandante não cumprir voluntariamente o antes requerido, requer-se seja notificada a Repartição de Finanças da área de residência para juntar aos autos de tais documentos;

- notificação do Centro Regional de Segurança Social da área da residência da Demandante, para que venha aos autos informar qual a situação profissional daquela desde 26.02.2017 (data do acidente em apreço nos autos) até à presente data, informando igualmente os autos de quaisquer eventuais subsídios, designadamente de doença, ou apoios de qualquer natureza à mesma, para apuramento da sua situação económica e consequentemente do alegado lucro cessante;

- realização de perícia médico-legal é pessoa da Demandante, em face da dimensão do valor reclamado nos autos, desconhecimento da Demandada quanto às lesões invocadas e sua complexidade, devendo responder-se, com vista a esclarecer, além da natureza e causalidade das lesões sofridas pela Demandante em consequência do acidente dos autos, se a Demandante ficou afectada de IPP genérico-funcional, natureza, grau e extensão; se ficou afectada IPP para o exercício da sua actividade profissional; se apresenta necessidade de auxílio de terceira pessoa, em que medida e condições.

Assim, além de obrigar ao adiamento da audiência agendada, a apreciação da questão conexa, supostamente acessória, obrigava a uma actividade processual que se antevê mais complexa do que a da própria ação matricial.

O próprio valor dos pedidos formulados, no valor global de € 980.791,00, embora não constituindo critério previsto no art. 83º, não deixa de constituir um índice a ponderar sobre a complexidade aportada à acção penal pela liquidação dos danos, em termos sistemáticos, tendo por referência a previsão do art. 72º, 1, al. g) do CPP.

A decisão recorrida não merece, pois, censura.

III DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se negar provimento ao recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida. ---

Custas cíveis pelos demandantes cíveis / recorrentes.

Coimbra, 26 de Junho de 2019

Belmiro Andrade ( relator)

Luís Ramos( adjunto)