Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
49/19.0GHCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: AMEAÇA
MAL FUTURO
Data do Acordão: 12/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA COVILHÃ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 153.º, N.º 1, DO CP
Sumário: I – Decorrendo da matéria de facto provada que, perante agentes da GNR, o arguido, dirigindo-lhes, referiu: “vão pagar por isto tudo” e, em seguida, destinada a expressão a um dos mesmos agentes, acrescentou “eu vou-te dar um tiro na cabeça”, tais condutas, face à sua conjugação temporal, o tempo verbal do seu pronunciamento e as circunstâncias da sua ocorrência, evidenciam uma execução em futuro momento.

II – Acresce que, comportando o mal anunciado um tiro na cabeça do visado, encontrando-se o arguido sujeito a custódia policial, não poderia executá-lo de imediato, por falta de meio indispensável para tanto.

Decisão Texto Integral:






ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

No Juízo Local Criminal da Covilhã, Comarca de Castelo Branco, no Processo Sumário que aí correu termos sob o nº 49/19.0GHCVL, foi o arguido A. submetido a julgamento, acusado pela prática, em autoria material e na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime desobediência previsto e punido pelo artigo 348º nº1 a) e artigo 69º nº c) do Código Penal com referência ao nº 3 do artigo 152º do Código da Estrada, quatro crimes de injuria agravada p. e p. pelo artigo 181º nº 1 e 184º com referência ao disposto no artigo 132 nº 2 alínea e) do Código Penal, um crime de ameaça agravada p. e p. pelo artigo 153º nº1 e 155º nº1 c) com referência à alínea l) do nº2 do artigo 132º do Código Penal.

            Levado a efeito o julgamento, viria a ser proferida sentença, cujo dispositivo é o seguinte:

Pelo exposto, julga-se procedente e provada a acusação pública e, em consequência, decide-se:

Condenar o arguido A. pela prática em autoria material e na forma consumada, um crime de desobediência, previsto e punido no artigo 348º nº 1 alínea a) e artigo 69.ºnº 1, c) do Código Penal, com referência ao nº 3 do artigo 152.º do Código da Estrada; na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);

Condenar o arguido A. pela prática em autoria material e na forma consumada de quatro crimes de injúria agravada, previsto pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao disposto no artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), por cada um deles;

Condenar o arguido A. pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea c), por referência à alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, todos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);

Condenar o arguido A. na pena única de 520 (quinhentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros) sendo que operando o desconto previsto no art.º 80º, n.º 2 do Código Penal, ou seja, descontando um dia de detenção sofrido pelo arguido (cfr. fls. 11) no cômputo geral da pena de multa, temos uma pena de 519 (quinhentos e dezanove) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a multa global de € 2595,00 (quinhentos e noventa e quatro).

Condenar o arguido A., nos termos do art.º 69º, n.º 1, al. a) do C. Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 8 (oito) meses.

(…).

            Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos:

1. Entende o arguido que não se encontram preenchidos todos os elementos do tipo de crime de ameaça para que pudesse ser o mesmo condenado por tal crime.

2. Têm a doutrina e jurisprudência maioritária o entendimento de que haverá ameaça de mal futuro sempre que se não esteja perante uma execução iminente.

3. As expressões de carácter ameaçador tem de ser seguidas imediatamente de actos que demonstrem a intenção de praticar o mal.

4. A expressão imputada ao arguido “eu vou-te dar um tiro na cabeça” acompanhada dos elementos probatórios obtidos em sede de julgamento, não é adequada a preencher o tipo legal do crime de ameaça.

5. A ameaça perpetrada pelo arguido foi seguida de um acto imediato de pôr em prática o mal visado, actos esses confirmados pelas testemunhas (…).

6. A testemunha (…), visado dessa ameaça, declarou que teve receio naquele mesmo momento.

7. Significa isto que o arguido não projetou a ameaça para um momento futuro mas antes como contemporâneo do próprio anúncio.

8. A expressão imputada ao arguido foi preferida no âmbito de uma detenção em que o arguido estava alegadamente embriagado, não podendo ser-lhe dada outra interpretação senão a de que se tratou apenas de um mal imediato e iminente.

9. Não tendo a expressão usada pelo arguido constituído um mal futuro, como não constituiu, não houve qualquer limitação da liberdade individual do visado mas apenas um anúncio actual e iminente contra a usa integridade física que teria o seu início e fim ali daquele momento.

10. Com o devido respeito, andou mal o Tribunal “a quo” ao condenar o arguido pelo crime de ameaça agravada.

11. Deste modo e por não se verificar o preenchimento de todos os elementos do tipo de ilícito por faltar um dos pressupostos legais do tipo de crime ameaça, deverá o arguido ser absolvido da prática do crime em causa.

12. Foram violados os artigos 153º nº 1 e 155º nº1 alínea a).

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, alterar-se a douta decisão, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-se por decisão que absolva o arguido do crime de ameaça agravada que vem acusado e demais custas do processo, fazendo-se assim JUSTIÇA!

  A este recurso respondeu o MP em primeira instância, retirando dessa sua peça as seguintes conclusões:

1. Nos presentes autos o arguido (…) foi condenado, além do mais, pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea c), por referência à alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, todos do Código Penal, na pena parcelar de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros).

2. Inconformado com esta condenação, dela veio o arguido interpor recurso cuja motivação conclui, em síntese, alegando que se verifica insuficiência de matéria de facto para a decisão da matéria de facto provada e que não se encontram preenchidos os elementos objetivos do tipo do crime de ameaça agravada por que foi condenado.

3. Quanto à primeira questão suscitada, compulsada a Douta sentença recorrida e, concretamente, a matéria de facto nela dada como provada e não provada e, bem assim, a motivação que da mesma consta para fundamentar tal “escolha”, facilmente se conclui que a o Tribunal a quo firmou uma convicção muito diversa da do recorrente quanto à prova produzida em audiência de julgamento.

4. Ora, no caso dos autos e em nosso entender, decorre da decisão recorrida a forma clara, adequada e correta como a M.ma Juiz a quo fundamentou a sua convicção relativamente à prova produzida em audiência de julgamento.

5. E uma tal convicção que, lembre-se, é livre, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, desde que se mostre devidamente fundamentada, fundou-se – conforme decorre da motivação da sentença recorrida – numa análise crítica e conjugada da prova produzida.

6. Já no que tange à segunda questão, conforme decorre das conclusões da motivação, o recorrente entende que os factos não preenchem o tipo legal de crime de ameaça, desde logo porque a expressão “eu vou-te dar um tiro na cabeça”, dirigida a um militar e enquanto se está sob detenção, não contempla, em si, a ameaça de um mal futuro.

7. São pois três as características essenciais do conceito ameaça: um mal, que tem de ser futuro e cuja ocorrência dependa da vontade do agente. O recorrente estriba a sua argumentação no facto de, no caso dos autos, não existir este mal futuro. Também neste ponto cremos não lhe assistir razão.

8. In casu o recorrente, quando se encontrava no átrio do Tribunal desta Instância Local da Covilhã e sob detenção, dirigiu-se a um dos militares que o acompanhava e disse-lhe: “eu vou-te dar um tiro na cabeça”.

9. Esta expressão, no contexto em que foi dita, não aludia evidentemente a qualquer mal imediato e iminente, tanto mais que o recorrente se encontrava detido, no interior de um Tribunal, acompanhado de vários militares e não estava na posse de qualquer arma de molde a permitir-lhe praticar o mal anunciado, naquele instante.

10. Assim sendo, não temos dúvidas, como também não teve o Tribunal a quo, que, ao dizer ao militar (…) “eu vou-te dar um tiro na cabeça”, no tem sério com que o fez, o arguido pretendeu fazer crer que estava disposto a, no futuro - mais tarde, naquele dia ou nos dias ou semanas seguintes - a atentar contra a vida daquele militar, deixando-o receoso que, de facto, cumprisse o que tinha dito e atentasse contra a sua integridade física ou vida.

11. Evidentemente, esta ameaça traduziu-se num mal futuro, de natureza pessoal, e a ocorrência desse mal depende da vontade do arguido, porquanto a expressão proferida por este e que tiveram como destinatário o ofendido, militar da Guarda Nacional Republicana, não configuraram um mero aviso ou advertência quanto à ocorrência de um mal futuro.

Perante o supra expendido é nosso entendimento que a sentença recorrida não violou qualquer disposição legal ou princípio jurídico, mostrando-se devidamente fundamentada, justa e adequada, motivo pelo qual deverá a mesma ser mantida integralmente e consequentemente, declarar-se o recurso totalmente improcedente, por infundado. assim decidindo farão V. Ex.as, aliás como sempre, justiça!

  Nesta Relação, o Ex.mo PGA emitiu douto parecer, no sentido da confirmação do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FACTOS PROVADOS:

1. No dia 07.06.2019, cerca das 10.18h, o arguido A. conduzia o seu veículo ligeiro de mercadorias, marca Seat, modelo Ibiza, com a matrícula (…) no Eixo (…), quando, ao chegar ao cruzamento do (…) foi interveniente em acidente de viação, por colisão frontal com um veículo pesado que circulava no sentido contrário (Tortosendo/ Covilhã).

2. Uma vez que o acidente mencionado em 1. foi reportado à Guarda Nacional Republicana, uma patrulha composta pelos militares (…) e (…) deslocou-se ao local do acidente, ali encontrando o arguido visivelmente exaltado.

3. Instando a apresentar os seus documentos pessoais, bem como os documentos do veículo, o arguido mostrou-se relutante, mas fê-lo.

4. Ato contínuo, foi solicitado ao arguido que efetuasse o teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue. O arguido fê-lo e aquele teste acusou "positivo" para a presença de álcool.

5. Informado que teria que acompanhar a patrulha até ao Posto daquela Guarda a fim de realizar o teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue o arguido acabou por aceder, entrou no carro patrulha, mas quando pararam junto às instalações do Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana da Covilhã o arguido afirmou que não entrava, nem fazia qualquer teste.

6. Advertido por três vezes de que se recusasse a realização dos testes necessários à deteção da quantidade de álcool no sangue incorreria na prática de um crime de desobediência, o arguido manteve a recusa, dizendo repetidamente que não fazia o teste.

7. Perante esta recusa o arguido foi detido pelo militar (…) e levado para o interior das instalações do Posto, sempre contrafeito.

8. Já no posto da Guarda Nacional Republicana e perante os militares (…), (…), (…) e (…), o arguido, dirigindo-se aos quatro militares, disse repetidamente: "vocês são todos uns filhos da puta, vão pagar por isto tudo".

9. Depois de transportado para este Tribunal da Instância Local da Covilhã e enquanto aguardava no átrio, junto à Secção do Ministério Público, o arguido continuou a apodar os militares de "filhos da puta".

10. Ali, dirigindo-se novamente a (…), disse: "eu vou-te dar um tiro na cabeça".

11. Ao recusar-se a efetuar o teste de despistagem de álcool no sangue teve o arguido pleno conhecimento das obrigações que sobre si impediam, designadamente da obrigatoriedade da realização do teste de despistagem de álcool, agindo de forma voluntária e consciente, com o propósito concretizado e reiterado de não cumprir uma ordem legítima, regularmente comunicada e emanada de autoridade competente e cujo teor bem compreendera, bem sabendo que ao fazê-lo incorria na prática de um crime de desobediência.

12. Ao dirigir as expressões descritas em 8. e 9. aos ofendidos (…), (…), (…) e (…), que se encontravam no exercício das suas funções de fiscalização e policiamento, devidamente uniformizados, e na sequência da ação de policiamento, agiu o arguido com o propósito, conseguido, de ofender a honra e consideração daqueles, o que quis.

13. Mais, ao dizer ao militar (…) "eu vou-te dar um tiro na cabeça", no tem sério com que o fez, o arguido pretendeu fazer crer que estava disposto a, no futuro - mais tarde, naquele dia ou nos dias ou semanas seguintes - a atentar contra a vida daquele militar, deixando-o receoso que, de facto, cumprisse o que tinha dito e atentasse contra a sua integridade física ou vida, como fez.

14. O arguido sabia que estava perante militares da Guarda Nacional Republicana, que se encontravam no exercício dessas suas funções e agiram da forma supra descrita por causa delas e, não obstante, não se absteve de atuar da forma descrita, sempre de forma livre, voluntária e consciente, não ignorando que as suas condutas eram ilícitas e criminalmente puníveis.

15. O arguido não tem antecedentes criminais.

16. É solteiro e não tem filhos.

17. Encontra-se desempregado e não aufere qualquer rendimento.

18. Vive em casa dos pais e tem como habilitações literárias o 11º ano de escolaridade.

DECIDINDO:
Analisadas as conclusões que o recorrente retira da motivação do seu recurso, logo se constata que é essencialmente uma a questão que, através delas, coloca à nossa apreciação.
Com efeito, muito embora faça apelo a alguma da prova produzida em audiência, e proceda mesmo à sua transcrição, não chega verdadeiramente a proceder a uma válida impugnação factual, v.g. relativamente ao facto provado em 10. que refere.
O que conclui é que, mesmo considerando os factos provados (neles incluído esse ponto 10.), nunca poderia ter sido condenado pela prática de um crime de ameaça, já que este pressupõe que o mal anunciado seja futuro, o que não aconteceu no caso.
Não põe em causa os demais crimes por que acabou sendo também condenado.

            O crime de ameaça consiste em ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade ou autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a causar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação – n.º 1 do artigo 153º do Código Penal (tipo simples) –, sendo o agente punido com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias se a ameaça for realizada contra uma das pessoas referidas na al. l) do nº 2 do artº 132º, «no exercício das suas funções ou por causa delas» – artº 155º, nº 1, c), do mesmo CP (tipo agravado). Nessa al. l) do nº 2 do artº 132º cabe o «agente de forças ou serviços de segurança… militar» como é o caso presente, em que o ameaçado era militar da GNR.

Ameaçar corresponde ao acto de verbalizar ou pronunciar um mal futuro, de anunciar, de modo explícito ou implícito, a intenção de causar um facto maléfico, injusto e grave, consistente em danos físicos, económicos ou morais, necessariamente futuros. Torna-se necessário que, aos olhos do homem médio, dotado das características individuais presumidas do ameaçado, a concretização futura do mal anunciado dependa ou apareça dependente da vontade do agente.

Para o preenchimento do tipo de crime exige-se que a actuação do agente se revista de determinadas características que a tornem adequada a provocar na vítima receio ou inquietação. O preenchimento da factualidade típica basta-se, pois, agora com a criação de uma concreta situação de perigo para o bem jurídico tutelado, independentemente do dano eventualmente produzido.

Tratando-se de um crime de perigo concreto é necessário, para o seu preenchimento, que, através de um juízo ex ante, se reconheça na ameaça proferida efectiva potencialidade intimidatória, isto é, aptidão para intimidar, criar sentimentos de medo ou de inquietação.

Como se diz no ‘Comentário Conimbricense do C.P.’, Tomo I, pág. 343, «o mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre ameaça (de violência) e violência».

            O presente crime é de qualificar como delito de carácter circunstancial, já que a valoração jurídico-penal da acção desenvolvida deve analisar-se a partir das expressões proferidas, das acções cometidas, do contexto que elas tiveram lugar, das condições pessoais de ameaçante e ameaçado e demais circunstâncias que sirvam para contextualizar o facto. Por outro lado, a ameaça deve ser séria e credível, sob o ponto de vista quer do emissário, quer do destinatário.

            Da factualidade assente retiram-se os seguintes pontos que servem para contextualizar as circunstâncias da ameaça em termos da sua seriedade e bem assim da sua natureza iminente:

9. Depois de transportado para este Tribunal da Instância Local da Covilhã e enquanto aguardava no átrio, junto à Secção do Ministério Público, o arguido continuou a apodar os militares de "filhos da puta".

10. Ali, dirigindo-se novamente a (…), disse: "eu vou-te dar um tiro na cabeça".

(…)

13. Mais, ao dizer ao militar (…) "eu vou-te dar um tiro na cabeça", no tem sério com que o fez, o arguido pretendeu fazer crer que estava disposto a, no futuro - mais tarde, naquele dia ou nos dias ou semanas seguintes - a atentar contra a vida daquele militar, deixando-o receoso que, de facto, cumprisse o que tinha dito e atentasse contra a sua integridade física ou vida, como fez.

14. O arguido sabia que estava perante militares da Guarda Nacional Republicana, que se encontravam no exercício dessas suas funções e agiram da forma supra descrita por causa delas e não obstante, não se absteve de atuar da forma descrita, sempre de forma livre, voluntária e consciente, não ignorando que as suas condutas eram ilícitas e criminalmente puníveis.

  Desta contextualização, operada através da apropriação de alguma da factualidade assente, com destaque para aquela que por nós foi sublinhada, resulta, de forma clara, que a ameaças contra a vida do ofendido foi proferida num quadro de execução com contornos perfeitamente delimitado.

            Após ter sido detido, na sequência de recusa à submissão dos exames necessários à detenção da presença de álcool no sangue, o arguido foi conduzido para o interior do posto da GNR, local onde iniciou a sua actuação intimidatória, pois que, após insultar os agentes da GNR, acrescentou que «vão pagar por isto tudo» (facto provado em 8.). Daqui foi transportado para o edifício do Tribunal da Covilhã, local onde persistiu nas injúrias e, dirigindo-se concretamente a um dos militares da GNR, lhe disse, em tom sério «eu vou-te dar um tiro na cabeça» (factos provados em 10. e 13.).

            Desta resenha resulta que estas duas ameaças, dados a sua conjugação temporal, o tempo verbal em que foram proferidas e as circunstâncias em que ocorreram, denotam que elas se dirigiam a uma execução futura. Acresce que tratando-se de ameaça com um tiro na cabeça, é certo que o arguido, encontrando-se sujeito a custódia policial, não poderia executá-la de imediato, pois que não teria uma arma de fogo na sua disponibilidade. A ameaça teria de ser – e foi-o pelo visado – considerada como futura.

            O arguido não disse que ia dar o tiro de imediato, o que até seria risível, dadas as referidas circunstâncias em que se encontrava.

            Como se refere na obra citada, (Comentário…, Tomo I, pág. 343) «que o agente refira, ou não, o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o, este seja curto ou longo, eis o que é irrelevante. Necessário é só, como vimos, que não haja iminência da execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos da tentativa

            Ora, vimos já que não ocorre iminência do mal anunciado que, se assim fora, se traduziria num início de execução, impossível no nosso caso, pois que certamente o arguido não disporia de uma arma de fogo na sua posse e se encontraria manietado (ainda que não literalmente, pois que tal não resulta dos factos assentes), face à sua condição de detido.

            Quer-nos, assim, parecer que o caso em análise é um caso de escola, típico, em que a ameaça deve autonomizar-se do quadro de violência criado pelo arguido, por não ser início de execução de um qualquer mal anunciado como iminente, resultando esta ausência de proximidade não só das expressões verbais com que o arguido exteriorizou a sua intenção, como também do quadro circunstancial em que os factos se desenvolveram.

   Termos em que, nesta Relação, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

  Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 4 UC’s.

Coimbra, 4 de Dezembro de 2019

Jorge França (relator)

Alcina da Costa Ribeiro (adjunta)