Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1060/10.1TBVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: LIVRANÇA
AVAL
LEGITIMIDADE PASSIVA
Data do Acordão: 11/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU - 3.º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 30.º I E 31.º 32.º; 38.º E 47.º DA LULL; 55.º N.º 1 DO CPC
Sumário: 1. A lei pretende que se indique expressamente a pessoa a favor de quem se dá o aval, mas na falta desta indicação, presume que é dado a favor do sacador da letra ou do subscritor da livrança e, para o caso de o aval resultar da simples aposição da assinatura do dador de aval, exige-se que a mesma conste da face anterior da letra ou livrança.

2. Tendo os executados aposto as respectivas assinaturas na parte anterior da livrança exequenda, tem de concluir-se que os mesmos deram aval a favor da subscritora, o que os faz incorrer na assunção da obrigação de pagar a quantia inscrita na livrança exequenda e respectivos juros de mora, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 32.º, 47.º e 48.º da LULL, pelo que são considerados partes legítimas para com eles prosseguirem os ulteriores termos da execução.

Decisão Texto Integral:       Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            A... e mulher B..., deduziram oposição contra a execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhes move o “C..., SA”, pugnando pela respectiva procedência, com a consequente extinção da referida execução.

            Alegam, para tal que a quantia inscrita na livrança exequenda é apenas a de 7.231.931$00, ou seja a correspondente a 36.072,71 €.

            Acrescentam que a mesma se encontra subscrita pela sociedade “D... L.da”, a qual foi declarada insolvente em 12 de Novembro de 2009.

            Mais referem que em lugar algum de tal livrança consta a obrigação dos ora opoentes em pagarem a quantia nela inscrita, seja quer como devedores principais quer como seus garantes, para além de que “subscrita pelos embargantes há nove/dez anos”, se encontra prescrita a alegada obrigação cambiária da mesma decorrente.

           

Posteriormente, cf. requerimento de fl.s 23 e 24, dos autos de execução, o exequente veio reduzir o valor da quantia exequenda para o de 37.615,01 €, com o fundamento em que o valor inscrito na livrança era o de 7.231.931$00 e não o anteriormente indicado, que corresponde a 72.319,31 €, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa de 4%, ao ano, desde o vencimento e até efectivo e integral pagamento.

            Conforme despacho de fl.s 11, dos presentes autos de oposição, esta foi liminarmente rejeitada quanto à executada B..., por intempestiva.

Tal decisão, neste segmento, não foi objecto de qualquer recurso.

Resulta do despacho de fl.s 12 destes autos, que a mesma foi recebida quanto ao executado A....

Não obstante para tal notificado, o exequente não lhe deduziu qualquer resposta.

Procedeu-se a infrutífera tentativa de conciliação, após o que foi proferida a decisão de fl.s 35 a 40, na qual se consignou que com fundamento na ilegitimidade passiva do executado A..., foi o mesmo absolvido da instância executiva, ficando as custas cargo do exequente/oponido.

Como consta do despacho de fl.s 62 (2.ª parte), substituiu-se, no item 3 dos factos dados como provados a referência ao “E..., SA”, por “C..., SA”, por se tratar de correcção de simples erro material.

Inconformado com a decisão proferida, dela interpôs recurso o exequente C..., SA, o qual foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 62), finalizando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

a. Veio o recorrente, em 09.04.2010, intentar acção executiva para pagamento da quantia de € 36.072,72, contra a Recorrida B... e o Executado A..., porquanto se constituíram garantes por via do aval aposto na livrança junta já aos autos;

b. Os executados deduziram oposição à Execução alegando, em suma, que a obrigação se encontrava prescrita, tendo em conta que a livrança fora subscrita pelos embargantes há nove/dez anos (que de resto, não lhes assiste razão alguma, resumidamente pelo disposto nos artigos 70º LULL, que se aplica às livranças por via do artigo 77º da LULL;

c. O Tribunal ad quem, com todo o devido respeito, mas contra tudo o que seria normal, legal e previsível, rejeitou a execução contra a Recorrida B... de por considerá-la parte ilegítima, não se considerando devedora, porquanto:

d. Não se avista na lei qualquer fundamento válido para a aposição, sem qualquer menção, das duas assinaturas na face da livrança, do lado esquerdo, por baixo da identificação da pessoa a quem deve ser paga a livrança, para efeitos de aquisição da qualidade de obrigado cambiário. Na verdade, essas assinaturas não permitem concluir, pela sua localização, pela assumpção das obrigações de obrigado cambiário, seja como endossantes, seja como endossados, seja como avalistas, etc…sendo certo que livrança não pode ser aceite por intervenção por não haver sacados (diversamente do que sucede com as letras). Não resulta, pois, da mera aposição daquelas assinaturas na parte lateral esquerda da face da livrança o reconhecimento da qualidade de obrigados cambiários/devedores;

e. O Tribunal ad quem viola ostensivamente e interpreta erradamente as normas constantes dos artigos 77º, e 30º a 32º da Lei Uniforme das Letras e Livranças;

f. A Recorrida e o Executado, apuseram as suas assinaturas na face anterior da livrança dada à Execução, conforme consta, com todo o devido e merecido respeito, incontestavelmente do título dado à Execução, onde se constituíram garantes do pagamento ao C..., S.A. e não E..., S.A., como, por lapso, se indicou na douta sentença;

g. Não foi seguramente por mero acaso e ingenuidade, ou mesmo distracção que a Recorrida e o Executado colocaram as suas assinaturas na face anterior da livrança, pois ninguém coloca a sua assinatura numa livrança sem a intenção de assumir uma obrigação cambiária;

h. Diz o artigo 31º da LULL que o aval considera-se como resultado da simples assinatura do dador aposta na face anterior da letra (sublinhado e negrito nossos), aplicando-se o mesmo às livranças por força do artigo 77º da LULL;

i. Aliás, como nos ensina Ferrer Correia, desde que na face anterior da letra nos apareça uma assinatura que não seja a do sacador nem a do sacado, essa assinatura é, por presunção legal, a de um avalista in Lições de Direito Comercial, Vol III, Letra de Câmbio, Coimbra, 1966);

j. Nos termos do artigo 32º da LULL, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (sublinhado e negrito nossos);

k. Pelo que, como todo o devido respeito, não se entende como é possível não se avistar na lei qualquer fundamento válido para a aposição, sem qualquer menção, das duas assinaturas na face da livrança, do lado esquerdo, por baixo da identificação da pessoa a quem deve ser paga a livrança, para efeitos de aquisição da qualidade de obrigado cambiário!

l. Por falta dos dizeres bom para aval o dito aval não deixa de ser suficiente e, por esse facto, o título também não deixa de ser suficiente e exequível;

m. Poderá estar a referir-se o Tribunal ad quem, aos casos em que o aval é dado na face posterior da livrança ou numa folha anexa, situações em que essa menção bom para aval deve constar acompanhada das assinaturas;

n. Ora não é o caso, uma vez que a Recorrida e Executado prestaram o seu aval na face anterior da livrança, constituindo-se garantes em pleno;

o. É que da livrança não consta apenas a assinatura da subscritora D... (dando já de barato que a assinatura aposta sob o carimbo da empresa pelo Recorrido, ali foi aposta apenas e só em representação da D...),

p. Constam sim três assinaturas!

q. A da subscritora D..., a da Recorrida B..., na qualidade de avalista, a do Executado, na qualidade de avalista;

r. Aliás, consta da Oposição à Execução e nas palavras da Recorrida e Executado, que o título foi subscrito pelos embargantes há nove/dez anos!

s. Aliás, vasta jurisprudência manifesta-se no sentido aqui pugnado pelo Recorrente;

t. Nos termos do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 08.07.2008, numa livrança, a garantia total ou parcial do seu pagamento dada por outra pessoa pode exprimir-se no próprio título pela locução «boa para aval» ou por qualquer fórmula equivalente, seguida da assinatura – aval completo. Mas também pode valer um aval incompleto ou em branco, quando, omitindo-se embora as referidas expressões, a assinatura do dador foi aposta na face anterior da letra ou da livrança, contanto que tal assinatura não pertença nem ao sacador nem ao sacado;

u. No mesmo sentido se pronunciou o Douto Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão proferido a 26.09.2002, o artigo 31º da LULL estabelece que o aval se considera como resultado da simples assinatura do dador aposta na face anterior da letra, salvo se se tratar da assinatura do sacado ou do sacador;

v. No caso em apreço, e fazendo-se as devidas adaptações, consta do título que as duas assinaturas apostas na face anterior da letra, são da Recorrida e Executado e não da subscritora D...!

w. Também o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 16.10.2003 se pronunciou sobre esta questão firmando que considera-se assim o aval, como resultado da simples assinatura do dador aposta na face anterior da livrança. Ora, atento o disposto no artigo 43º LULL (ex vi artigo 77º LULL), o portador de uma livrança pode exercer os seus direitos de acção contra o subscritor e outros co-obrigados, na data do vencimento se o pagamento não foi efectuado – o que foi o caso;

x. Finalizando, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido a 30.06.1988 ensina que existem duas formas de aval: o completo e o incompleto ou em branco. Verifica-se a primeira hipótese quando se exprime pelas palavras “bom para aval”, ou fórmula equivalente, e assinada pelo dador; verifica-se a segunda quando resulta da simples assinatura do dador aposta na face anterior da livrança, desde que tal assinatura não seja do subscritor.

Nestes termos e nos mais de direito, deve a Douta Sentença proferida ser revogada, e substituída por outra que admita a execução, sendo a Recorrida parte legítima, ordenando o prosseguimento da acção executiva, com o que se fará a costumada,

JUSTIÇA!

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se o executado A... é ou não parte legítima para com ele prosseguirem os presentes autos de execução, o que se reconduz a saber se o mesmo assumiu ou não a posição de avalista na livrança exequenda, ao apor a sua assinatura no verso da livrança, sem qualquer indicação.

            São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida:

1) A exequente é portadora da livrança junta a fls. 44 dos autos executivos, em cujo verso nada consta.

2) Essa livrança tem por local e data de emissão: Viseu, 2001-02-16, por data de vencimento o dia 15-12-2009, dela também constando o valor de 7.231.931$00 em algarismos e por extenso.

3) Consta de tal livrança a expressão: “No seu vencimento pagarei (emos) por esta única via de livrança ao C..., S.A., ou à sua ordem, a quantia de sete milhões duzentos e trinta e um mil novecentos e trinta e um escudos”.

4) Em tal livrança vem identificado, no local destinado à indicação do nome e morada do subscritor, "D... Lda, Trav. ....".

5) No local destinado à assinatura do subscritor, consta a assinatura do ora oponente A..., manuscrita sob o carimbo de "D... Lda".

6) Em tal livrança vem identificado, no local destinado à indicação do beneficiário, no canto superior esquerdo, C....

7) Constam ainda de tal livrança, na parte lateral esquerda, imediatamente por baixo da identificação do respectivo beneficiário, duas assinaturas sobrepostas com os dizeres manuscritos de A... e B..., sendo cada uma dessas assinaturas precedida por uma cruz manuscrita e sendo a assinatura com os dizeres de B... também precedida de uma palavra escrita a lápis, com os dizeres de "esposa".

Se o executado A... é ou não parte legítima para com ele prosseguirem os presentes autos de execução, o que se reconduz a saber se o mesmo assumiu ou não a posição de avalista na livrança exequenda, ao apor a sua assinatura no verso da livrança, sem qualquer indicação.

Defende o recorrente que os executados, ao aporem as respectivas assinaturas, sem qualquer indicação, na face anterior da livrança exequenda, assumiram a posição de avalistas da subscritora da mesma, apoiando-se, para tal, no teor de alguns Acórdãos (que indica) e no ensinamento de Ferrer Correia, pelo que a execução deve prosseguir contra todos os executados.

Ao invés, na decisão aqui recorrida, concluiu-se que a aposição das assinaturas dos executados na face anterior da livrança em causa, não configura a assunção de aval, com os fundamentos seguintes (passando a transcrever-se a mesma, na parte atinente):

“Poder-se-á dizer que ao assinar de lado a livrança, a executada quis obrigar-se pessoalmente?

Não se avista na lei qualquer fundamento válido para a aposição, sem qualquer menção, das duas assinaturas na face da livrança, do lado esquerdo, por baixo da identificação da pessoa a quem deve ser paga a livrança, para efeitos de aquisição da qualidade de obrigado cambiário.

Na verdade, essas assinaturas não permitem concluir, pela sua localização, pela assunção das obrigações de obrigado cambiário, seja como endossantes, seja como endossados, seja como avalistas, etc...sendo certo que a livrança não pode ser aceite por intervenção por não haver sacados (diversamente do que sucede com as letras).

Não resulta, pois, da mera aposição daquelas assinaturas na parte lateral esquerda da face da livrança o reconhecimento da qualidade de obrigados cambiários/devedores.

Não figurando a ora executada oponente na qualidade de devedora no título executivo, impõe-se concluir que falece o pressuposto da legitimidade passiva para a execução, o que conduz necessariamente à rejeição da execução em relação à executada, por ilegitimidade passiva, nos termos dos art. 288º, nº 1, alínea d), 493º, nº 2, 494º, alínea e), 495º, 812ºE, nº 1 al. b), 820º do CPC.

Não existe, pois, identidade entre a executada e a pessoa que, no título, surge como devedora - a sociedade D....

Face ao título executivo, em que surge como devedora a sociedade D..., verifica-se que a executada é parte ilegítima (vide art. 55º, nº 1, 288, nº 1, al. d), 494º, al. e), 495º, 812ºE, nº1 al. b), 820º, nº 1 do CPC).

Pelo exposto, com fundamento na ilegitimidade passiva da executada B..., decido rejeitar a execução contra ela instaurada por C..., S.A. “.

Desde já, adiantando a solução a dar ao caso em apreço, somos de opinião que o recorrente tem razão na sua pretensão recursiva, o que acarreta a insubsistência da decisão recorrida.

É indubitável que a subscritora da livrança exequenda, é a “ D..., L.da”, que ali aparece representada pelo executado A....

Como da mesma consta e está igualmente assente, este e a sua mulher, a ora executada B..., apuseram as respectivas assinaturas, na face da mesma livrança, como melhor descrito no item 7 dos factos provados.

Assim, resta-nos averiguar das consequências da aposição, nesse local, de tais assinaturas.

E, face ao que a seguir se exporá e tentará explicar, somos em crer que se tem de concluir que os executados assumiram a posição de avalistas da subscritora da livrança dada em execução.

Conforme artigo 30.º, I da LULL (diploma a que pertencerão todos os demais adiante referidos sem denominação da origem) “O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval”.

Quanto á forma pela qual deve ser prestado o aval, rege o artigo 31.º, no qual se estabelece o seguinte:

“O aval é escrito na própria letra ou numa folha anexa.

Exprime-se pelas palavras «bom para aval» ou por qualquer fórmula equivalente; é assinado pelo dador de aval.

O aval considera-se como resultado da simples assinatura do dador aposta na face anterior da letra, salvo se se trata das assinaturas do sacado ou do sacador.

O aval deve indicar a pessoa por quem se dá. Na falta de indicação, entender-se-á pelo sacador”.

As consequências resultantes do acto de dar aval reconduzem-se a que o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada – cf. artigo 32.º, I.

No caso em apreço trata-se de uma livrança mas, ainda assim, por força do disposto no artigo 77.º, última alínea, aplicam-se-lhe as regras que ora referimos, no que respeita ao aval, com a única diferença que no caso previsto na última alínea do art.º 31.º, se o aval não indicar a pessoa por quem é dado, entender-se-á ser pelo subscritor da livrança (sublinhado nosso).

Assim, no que refere ao aval, o regime previsto para a letra de câmbio é o que se aplica às livranças, com a única ressalva de que a referência feita na parte final da última alínea do artigo 31.º se deve entender feita, no caso das livranças pelo (a favor) do subscritor da livrança – cf. Gonsalves Dias, Da Letra E Da Livrança, Vol. X, pág. 407.

O aval é, pois, definido como sendo o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra garante o pagamento dela por parte de um dos seus subscritores, assumindo uma posição jurídica de uma obrigação de garantia, garante a obrigação do avalizado – neste sentido, Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. III, Letra de Câmbio, edição policopiada, Universidade de Coimbra, 1975, a pág. 206 e seg.s.

Na questão em apreço, importa, mais concretamente, analisar o artigo 31.º que regula a forma como deve ser prestado o aval e que se acha prevista neste preceito, que já acima transcrevemos e de que resulta que o mesmo pode ser dado de forma completa, quando se exprime por uma das fórmulas mencionadas na segunda alínea de tal norma ou em branco ou incompleto, quando resulta da simples assinatura do dador aposta na face anterior da letra ou livrança, salvo tratando-se das assinaturas do sacado ou do sacador.

Acrescentando-se, na sua última alínea, que não se indicando a pessoa por quem se dá, se presume que é a favor do sacador, no caso de letra ou do subscritor da livrança.

Na situação sub judice, apenas se verifica a aposição das assinaturas dos executados, sem qualquer indicação, na face anterior da livrança, pelo que se trata de um caso de aval em branco ou incompleto e que se presume dado a favor da subscritora da livrança, a já referida “ D..., L.da”.

Presume, em tais casos, a lei, que o aval é, na falta de indicação expressa da pessoa por quem se dá o aval, dado a favor do subscritor da livrança.

Como refere Ferrer Correia, ob. cit., a pág. 214 “… desde que na face anterior da letra nos apareça uma assinatura que não seja a do sacador nem do sacado, essa assinatura é, por presunção legal, a de um avalista.”.

O mesmo defende Abel Delgado, LULL, Anotada, 5.ª edição, Liv. Petrnoy, 1984, a pág. 411, que ali refere que “não se tendo indicado, na livrança, a favor de quem é prestado o aval, entender-se-á tê-lo sido em benefício do subscritor.”.

Ou seja, a lei pretende que se indique expressamente a pessoa a favor de quem se dá o aval, mas na falta desta indicação, presume a lei, que é dado a favor do sacador da letra ou do subscritor da livrança e, ainda, para o caso de o aval resultar da simples aposição da assinatura do dador de aval, exige-se que a mesma conste da face anterior da letra ou livrança.

No que, de resto, a doutrina é unânime.

Assim, para além do que ora acima referimos, podem ver-se ainda, Gonsalves Dias, ob. cit., Vol. VII, 2.ª parte, a pág.s 403 a 405, de acordo com o qual, a omissão da identificação do avalizado branqueia o aval, deixando-o incompleto e que se presume feito a favor do subscritor, com a obrigatoriedade de a assinatura constar (no caso do aval em branco) no rosto do título.

Em sentido idêntico se pronuncia Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 2.º Volume, Fascículo V As Letras, 2.ª Parte, 2.ª Edição, 1957, a pág.s 50 e 51:

“… no aval … a lei, em disposição de carácter supletivo, preceitua que, na falta de indicação da pessoa por quem se presta o aval, se entende que é prestada pelo sacador.

É, pois, sempre determinada a pessoa por honra de quem se presta o aval; simplesmente a indicação pode fazer-se expressa ou implicitamente.

(…) o aval incompleto tem localização necessária, ao contrário do que sucede com o aval completo. A assinatura destinada ao aval em branco tem que ser aposta na face anterior da letra.”.

Também tal doutrina é defendida por Paulo Sendin, Letra de Câmbio, L.U. de Genebra, Vol. II, Obrigações E Garantias Bancárias, a pág.s 148 e 149, de acordo com o qual a falta de indicação da pessoa a favor de quem é dado o aval, é suprida pela presunção consagrada no artigo 31.º IV, que acarreta a validade do aval prestado em tais circunstâncias e que liga a acessoriedade do aval, assim prestado, conferindo-lhe eficácia a favor da obrigação contraída pelo sacador.

A nível jurisprudencial, defendendo que a simples aposição da assinatura, desacompanhada de qualquer declaração, desde que aposta na face anterior de uma letra ou livrança, tem valor de aval, podem ver-se os Acórdãos do STJ de 26/09/2002, Processo 02B2410 e de 12/01/2010, Processo 2974/04.3TVPRT-A.P1.S1, ambos disponíveis em http://www.dgsi,pt/jstj e de 09 de Janeiro de 2003, in CJ, Processo 2608/02, in CJ, Tomo I, 2003, Ref.ª 8292/2003 da CJ on line.

Ora, atendendo ao que se deixou exposto e atento a que os executados apuseram as respectivas assinaturas na parte anterior da livrança exequenda, nos moldes descritos no item 7.º dos factos provados, tem de concluir-se que os mesmos deram aval a favor da subscritora da livrança, o que os faz incorrer na assunção da obrigação de pagar a quantia inscrita na livrança exequenda e respectivos juros de mora, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 32.º, 47.º e 48.º.

Consequentemente, são os executados partes legítimas para com eles prosseguirem os ulteriores termos da execução, na qualidade de avalistas da subscritora da livrança, com as assinaladas consequências daí decorrentes, o que acarreta a sua legitimidade – cf. artigo 55.º, n.º, do CPC, não podendo manter-se a decisão recorrida,

Assim, tem o recurso em apreço de proceder.

            Nestes termos se decide:       

            Julgar procedente a apelação deduzida, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que declara ser o executado A... parte legítima para com ele poder prosseguir a execução os seus ulteriores termos (realçando-se que a única questão que nos é colocada é esta, por ter sido a única decidida em 1.ª instância, incumbindo, aí, conhecer das demais questões arguidas em sede de oposição à execução).

            Custas pelo apelado.


Arlindo Oliveira (Relator)
Emídio Francisco Santos
António Beça Pereira