Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
506/12.9TBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
ACTO GRATUITO
BOA FÉ
REQUISITOS
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
Data do Acordão: 01/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: INSTÂNCIA CENTRAL DE LEIRIA – SEC. CÍVEL – UNIDADE 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 610º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Estando em causa um acto gratuito, a impugnação pauliana que lhe seja dirigida apenas pressupõe a verificação das circunstâncias enunciadas no art. 610º do CC, sendo irrelevante a questão de saber se o devedor e o terceiro interveniente no acto actuaram ou não de má fé.

II – A verificação do requisito a que alude a alínea b) do citado art. 610º há-de resultar da conjugação de dois factos: o montante das dívidas do devedor e o valor dos bens penhoráveis ainda existentes no seu património, competindo ao credor fazer a prova do primeiro e cabendo ao devedor ou terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o valor dos bens penhoráveis ainda existentes é igual ou superior ao valor das dívidas.

III – Estando em causa um crédito com uma pluralidade de devedores solidários, o credor, tendo adquirido o direito/faculdade de exigir a prestação integral de qualquer um dos devedores, pode atacar, por via da impugnação pauliana, os actos praticados em cada um dos patrimónios desses devedores que impliquem uma diminuição da garantia patrimonial que esse concreto património representava para a satisfação do seu crédito e que restrinjam ou limitem o direito de ver o seu crédito satisfeito integralmente à custa desse património, independentemente da suficiência ou insuficiência do património dos demais co-obrigados.

IV – Assim, estando em causa um acto gratuito e estando provada a existência, a anterioridade e o valor do crédito do autor, sem que tenha sido feita a prova de que os bens penhoráveis ainda existentes no património do devedor têm valor igual ou superior ao valor do crédito, estão reunidas as condições de procedência da impugnação pauliana que tenha sido dirigida àquele acto, ainda que os intervenientes no acto tenham actuado de boa fé e ainda que os demais co-obrigados (devedores solidários) tenham património suficiente para a satisfação integral do crédito do autor.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... , com sede na (...), Porto, instaurou a presente acção, com processo ordinário, contra B... e C... (menor), residentes na Rua (...), Sesimbra, alegando, em suma, que: é credora da 1ª Ré pelos valores de 265.249,63€, 87.169,19€ e 3.394,74€, acrescidos de juros e imposto de selo, em virtude de livranças que esta avalizou para garantia de créditos concedidos à sociedade L..., Ldª; tais créditos encontram-se vencidos desde 04/06/2010 e no sentido de obter a sua satisfação instaurou duas acções executivas em Setembro de 2010, no âmbito das quais veio a ser penhorada a fracção autónoma designada pela letra “J” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha sob o nº 954; tais penhoras encontram-se registadas com data de 09/06/2011 e foram efectuadas provisoriamente, porquanto a aquisição da fracção em causa encontrava-se registada a favor do 2º Réu (filho da 1ª Ré), por força de doação que a 1ª Ré lhe havia efectuado em 25/05/2011; a Autora não conhece outros bens à 1ª Ré pelo que a aludida fracção era o único bem que poderia responder pela satisfação do crédito da Autora, sendo que, ao realizar aquela doação, a 1ª Ré pretendeu apenas evitar ser proprietária de qualquer bem que pudesse responder pelo aludido crédito.

Com estes fundamentos, pede que seja decretada a ineficácia, em relação à Autora, do acto de doação supra referido, devendo ainda ser ordenado ao 2º Réu a restituição da identificada fracção autónoma de modo a que a Autora se possa pagar à custa desse bem.

Os Réus contestaram, alegando, em suma: que a Autora nunca interpelou a 1ª Ré para o cumprimento e para lhe dar conhecimento de que iria proceder ao preenchimento das livranças; que a doação em causa não foi efectuada com o propósito de prejudicar a Autora, inserindo-se no âmbito de um acordo efectuado com o pai do seu filho, com vista a obter o consentimento deste para posterior divórcio, sendo que a referida fracção ficou destinada a habitação do seu filho e do pai, ficando a Ré e o pai do seu filho com o respectivo usufruto; que, além daquela fracção, a Ré possui outras duas fracções que também se encontram penhoradas nas execuções instauradas pela Autora e onde se encontram penhorados nove prédios, já que tais execuções não foram instauradas apenas contra a 1ª Ré; que tais prédios têm um valor elevado e ainda não foram vendidos, não sendo possível afirmar que os mesmos sejam insuficientes para satisfazer o crédito da Autora; que a Autora não efectuou a penhora de um prédio pertencente a uma das executadas naquelas execuções e que, só por si, seria suficiente para pagar o seu crédito.

Com estes fundamentos, concluem pela improcedência da acção.

A Autora replicou, afirmando ter interpelado a 1ª Ré para o pagamento, comunicando-lhe que, por falta de provisionamento da conta de depósito, havia preenchido as livranças, além de que a 1ª Ré sempre teria tido conhecimento dessa interpelação com a citação para as execuções que contra ela foram instauradas, o que ocorreu em momento anterior à doação. Mais alega que as outras duas fracções penhoradas são insuficientes para o pagamento do crédito, sendo irrelevante para os autos a circunstância de os demais executados possuírem bens suficientes para esse efeito.

Assim, reafirmando os factos que havia alegado e reafirmando a verificação dos pressupostos de que depende a impugnação pauliana, conclui pela procedência da acção.

Foi proferido despacho saneador, foi efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória e, após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, decidiu:

Declarar a ineficácia, em relação à Autora A (...) S.A., Sociedade Aberta, do título de doação lavrado na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha, através do qual a Ré B (...), declarou doar ao Réu C (...), por conta da respectiva quota disponível, a nua propriedade da fracção autónoma designada pela letra «J», corresponde ao 2º andar esquerdo, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Rua y (...), freguesia de Caldas da Rainha. Nossa Senhora do Pópulo, concelho de Caldas da Rainha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha sob o nº 954,inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 8025, acto esse aceite pelo Réu, ordenando-se a restituição do mesmo na medida do seu interesse, e condenando-se os Réus B (...) e C (...), a reconhecer à Autora o direito de o executar no património dos obrigados à restituição e de praticar todo os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

Inconformados com essa decisão, os Réus vieram interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

- O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, não valorou quer a prova documental junta aos autos pelos próprios Apelantes na sua contestação, nomeadamente as várias certidões prediais juntas sob os documentos n.º 49 a 71, inclusive, que demonstram os vários imóveis de que a 1ª Ré/Apelante é proprietária.

- O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, não valorou a própria prova documental junta pela Autora/Apelada, junta à sua Réplica, nomeadamente os documentos juntos sob os documentos n.º 1 a 6, inclusive, pelo que não poderiam ser considerados como provados os factos considerados como provados pelo Meritíssimo Juiz a quo, sob os n.º 2.1.8; n.º 2.1.15; n.º 2.1.22; n.º 2.1.24; n.º 2.1.25 e n.º 2.1.36.

- Da análise dos documentos juntos pela Autora/Apelada à sua contestação sob os documentos n.º 49 a 71, inclusive, não estão endereçados para a morada da primeira Ré/Apelante (estão todos endereçados para a morada: z (...)Sesimbra), sendo a morada da primeira Ré/Apelante a seguinte morada: Rua x (...)Sesimbra), nem nenhum dos avisos de recepção está assinado pela Primeira Ré/Apelante (estão todos assinados por uma senhora de nome M (...)), factualidade que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, não valorou.

- O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, fundamentou a sua douta sentença em “regras da experiência comum”, não valorou a sua decisão de acordo com aprova testemunhal, ou de acordo com a prova documental junta aos autos, pelos próprios Apelantes, como própria Apelada, nomeadamente não valorou quer a prova documental junta aos autos pelos próprios Apelantes na sua contestação, nomeadamente as várias certidões prediais juntas sob os documentos n.º 49 a 71, inclusive, assim como não valorou a própria prova documental junta pela Autora/Apelada, junta à sua Réplica, nomeadamente os documentos juntos sob os documentos n.º 1 a 6, inclusive.

- O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, não valorou o Facto Assente no Despacho Saneador ter sido dado como assente sob AB) de que a sociedade comercial referida em A) dos Factos Assentes ter registada a seu favor através da Ap. 1 de 1992/03/02 a aquisição do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob a descrição n.º 73/19850310, da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º 138 da Secção A a A5 (parte) da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela.

- Na douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, não foi igualmente valorado de que sobre o imóvel, melhor descrito na conclusão antecedente, a Autora/Apelada não efectuou sobre esse imóvel qualquer penhora, como forma de garantir o ressarcimento das importâncias mutuadas à sociedade comercial da qual a Primeira Ré/Apelante é uma das sócias.

- Na presente acção não resulta dos factos provados que os Réus/Apelantes com a doação de uma fracção autónoma tenham implicado uma diminuição do crédito, ou, de que implicaram com tal acto uma diminuição das garantias patrimoniais da Autora/apelada.

- O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, não valorou igualmente o facto de terem sido várias pessoas, entre as quais a ora Primeira Ré/Apelante quem subscreveu várias livranças para garantia do ressarcimento das importâncias mutuadas à sociedade comercial – L (...), Lda., da qual a Primeira Ré/Apelante é uma das sócias [ex vi Factos Assentes sob as alíneas F); L) e Q)], e não tendo a Autora/apelada demonstrado que não lhe era possível obter pela liquidação do património dessas pessoas o ressarcimento das importâncias mutuadas à sociedade comercial – L (...), Lda., não poderia vir salvo melhor opinião a presente acção ser julgada procedente.

Termos em que, e nos melhores de direito deve a douta sentença com a referencia n.º 4115463, proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, ser revogada, e, em consequência ser o presente recurso de Apelação ser declarado totalmente procedente, com as legais consequências, nomeadamente serem declarados como não provados os factos considerados como provados pelo Meritíssimo Juiz a quo, sob os n.º 2.1.8; n.º 2.1.15; n.º 2.1.22; n.º 2.1.24; n.º 2.1.25 e n.º 2.1.36, e em consequência de tal alteração, a acção ser julgada totalmente improcedente.

A Autora/Apelada apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

a) Por douta sentença judicial proferida, em 10 de Março de 2014, veio o tribunal a quo considerar a acção de impugnação pauliana movida pela Autora A (...), S.A., ora Recorrida, contra os RR. B (...) e C (...), ora Recorrentes, totalmente procedente por provada e, em consequência, declarou a ineficácia, em relação à Autora, ora Recorrida, do título de doacção lavrado na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha, através do qual a Ré B (...) declarou doar ao Réu C (...), por conta da respectiva quota disponível, a nua propriedade da supra identificada fracção autónoma designada pela letra «J», acto esse aceite pelo Réu, ordenando-se a restituição da mesma na medida do seu interesse, e condenou os RR. B (...) e C (...) a reconhecer à Autora, ora Recorrida, o direito de a executar no património dos obrigados à restituição e de praticar todos os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei;

b) Inconformados com essa douta sentença, os RR., ora Recorrentes, vieram interpor recurso de apelação para o douto Tribunal da Relação de Lisboa pedindo a revogação da citada sentença judicial proferida em 10 de Março de 2014, concluindo, em síntese, que o tribunal a quo não valorou a prova documental junta à contestação com os documentos n.º 49 a 71, inclusive, nem os documentos n.º 1 a 6 da réplica, nem o facto assente do despacho saneador enunciado como AB), bem como não valorou o facto de terem sido várias pessoas que subscreveram as livranças para garantia dos créditos concedidos, e, por outro lado, dos factos provados pelo tribunal a quo não resulta que o acto de doacção tenha implicado uma diminuição da garantia patrimonial;

c) Na verdade, carece de qualquer fundamento o recurso ora interposto pelos RR., senão vejamos;

d) De acordo com as conclusões vertidas no recurso, os RR. vieram invocar que o douto tribunal a quo não valorou a prova documental junta à contestação com os documentos 49 a 71, inclusive, que demonstram os vários imóveis de que a RR. B (...) é proprietária, nem valorou a prova documental junta à réplica pela Autora com os documentos 1 a 6, inclusive, «pelo que não poderiam ser considerados como provados os factos considerados como provados pelo Meritíssimo Juiz a quo, sob o n.º 2.1.8, n.º 2.1.15, n.º 2.1.22, n.º 2.1.24, n.º 2.1.25 e n.º 2.1.36»;

e) Com efeito, entendem os RR. que «da análise dos documentos juntos pela Autora/Apelada à sua contestação sob os documentos n.º 49 a 71, não estão endereçados para a morada da primeira Ré/Apelante (estão todos endereçados para a morada: z (...) Sesimbra), sendo que a morada da primeira Ré/Apelante a seguinte morada: Rua x (...), Sesimbra, nem nenhum dos avisos de recepção está assinado pela Primeira Ré/Apelante (estão todos assinados por uma senhora de nome M (...)), factualidade que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, não valorou», conforme resulta das conclusões vertidas pelos RR. no recurso de apelação;

f) Concluem os RR. que «o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, fundamentou a sua douta sentença em “regras da experiência comum”, não valorou a sua decisão de acordo com a prova testemunhal, ou de acordo com a prova documental junta aos autos, pelos próprios Apelantes, como própria Apelada, nomeadamente não valorou quer a prova documental junta aos autos pelos próprios Apelantes na sua contestação, nomeadamente as várias certidões prediais juntas sob os documentos n.º 49 a 71.º, inclusive, assim como não valorou a própria prova documental junta pela Autora/Apelada, junta à sua Réplica, nomeadamente os documentos juntos sob os documentos n.º 1 a 6, inclusive»;

g) Ou seja, os factos n.ºs 2.1.8., 2.1.15., 2.1.22., 2.1.24. e 2.1.25. descritos na fundamentação da douta sentença recorrida foram dados devidamente como provados pelo douto tribunal a quo e referem-se ao incumprimento dos contratos de concessão de crédito, à interpelação da RR. B (...) e ao conhecimento por parte desta da situação financeira da sociedade comercial « L (...), Lda.»;

h) Contrariamente ao alegado pelos RR., ora Recorrentes, no presente recurso, o tribunal a quo ao julgar aqueles factos como provados, valorou e analisou criticamente a prova documental junta aos presentes autos e a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento tendo, por conseguinte, formado a sua convicção com base no depoimento das testemunhas G (...), H (...), I (...) e F (...), conjugado com a análise dos documentos de fls. 93 a 95 e 268 a 275, com as cópias dos requerimentos executivos de fls. 24 a 28 e 39 a 43 (que incluem cópias das livranças) e com as cópias das notas de citação de fls. 277 a 278 e 282 a 285, conforme resulta descrito na douta sentença recorrida no ponto 2.3 sob a epígrafe Convicção do Tribunal e análise crítica das provas;

i) Ou seja, para além da análise e valoração críticas aos depoimentos das testemunhas, nos termos acima descritos e constantes da douta sentença recorrida, o tribunal a quo analisou e valorou também a prova documental junta aos autos tendo formado a sua convicção, nomeadamente, nos documentos juntos de fls. 268 a 275, de fls. 277 a 278 e de fls. 282 a fls. 285, que correspondem aos documentos juntos pela Autora, ora Recorrida, na sua réplica identificados como Documentos 1 a 6, os quais se tratam das cópias das interpelações escritas feitas pela Autora à ora RR. B (...) para pagamento das dívidas e das citações judiciais efectuadas à RR. B (...) no âmbito dos processos executivos n.º 1132/10.2TBSSB e n.º 1133/10.0TBSSB movidos pela Autora contra designadamente a ora RR. B (...) para pagamento das dívidas decorrentes dos créditos concedidos;

j) Não têm, pois, fundamento os RR. para virem agora argumentar, em sede de recurso, que, por um lado, o tribunal a quo não analisou, nem valorou a prova documental junta à réplica como documentos 1 a 6, e, por outro lado, que as interpelações da RR. B (...) foram endereçadas para outra morada que não a da RR., e que os avisos de recepção não foram assinados por esta e que, por isso, não terão sido recebidos pela RR., pois, de acordo com o acima descrito, os RR. Não lograram demonstrar que a RR. B (...) não foi interpelada pela Autora para o pagamento das dívidas, enquanto avalista, nem sequer que a mesma não tinha conhecimento da situação financeira da empresa, da qual é sócia e avalista;

k) Conclui-se, portanto, que, contrariamente ao alegado pelos RR. no presente recurso, a questão da interpelação da RR. B (...) e conhecimento por parte desta da situação financeira da sociedade « L (...), Lda.» e do incumprimento dos contratos de créditos concedidos pela Autora a esta sociedade, foram devidamente valorados e analisados pelo tribunal a quo que formou a sua convicção não só na supra referenciada prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, como também na prova documental junta aos presentes autos, nomeadamente, através dos documentos 1 a 6 juntos à réplica deduzida pela Autora, ora Recorrida, pelo que os mencionados factos n.ºs 2.1.8., 2.1.15., 2.1.22., 2.1.24. e 2.1.25. foram devidamente julgados pelo tribunal a quo como provados, os quais se encontram fundamentados na douta sentença recorrida;

l) Resultando, portanto, provado nos autos que a RR. B (...), enquanto sócia e avalista da sociedade « L (...), Lda.», tinha pleno conhecimento das dívidas decorrentes dos créditos concedidos pela Autora, ora Recorrida, à sociedade, bem como tinha pleno conhecimento da situação financeira dessa sociedade, ter-se-á de concluir, tal como o fez o tribunal a quo, que o acto de doacção em discussão e praticado pela RR. B (...) teve apenas e exclusivamente em vista evitar que a RR. fosse proprietária de qualquer bem, através do qual a Autora pudesse satisfazer o montante dos créditos concedidos;

m) Por isso, a factualidade incluída no quesito 15.º e 17.º da base instrutória foi dada como provada pelo tribunal a quo, a qual foi integrada na fundamentação da douta sentença recorrida como n.º 2.1.36., nos seguintes termos: «(…) 2.1.36. A doacção identificada em W) [2.1.34.] teve, apenas e exclusivamente, em vista evitar que a Ré B (...), fosse proprietária de qualquer bem que pudesse satisfazer o montante em dívida resultante dos empréstimos concedidos pela Autora, melhor identificados em A) [2.1.1.], I) [2.1.10.] e N) [2.1.17.] reclamados nos citados processos judiciais. [Factualidade incluída no quesito 15º e 17º da Base Instrutória]»;

n) Contrariamente ao alegado pelos RR., ora Recorrentes, no presente recurso, o tribunal a quo ao julgar aquele facto como provado, valorou e analisou criticamente a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, e a prova documental junta aos presentes autos tendo, por conseguinte, formado a sua convicção com base, nomeadamente, nas cópias das certidões prediais juntas aos autos de 162 a 165, 172 a 174, 179, 198, 208, 207, 224, 233 e 238 que correspondem aos documentos 49 a 71 juntos à contestação pelos RR., pelo que, contrariamente ao alegado pelos RR. nos presente recurso, o tribunal a quo valorou a analisou criticamente toda essa prova documental, da qual se retira que a RR. B (...) é actualmente dona e proprietária da fracção autónoma designada pela letra «L» do prédio urbano descrito da Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, e da fracção autónoma designada pela letra «M» do prédio urbano descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Almada;

o) Assim, no que concerne à motivação do acto de doacção praticado pela RR. B (...), melhor descrita no ponto 2.1.36. da factualidade dada como provada pelo tribunal a quo, este formou a sua convicção na análise das referenciadas certidões prediais juntas aos autos, das quais retirou que o imóvel em discussão e dado à doacção é um bem próprio da RR. B (...) e que, à data da doacção, era o único bem livre de ónus e encargos, até porque a hipoteca registada foi cancelada no mesmo dia da doacção, o que leva a concluir que com a doacção evitava-se que o único bem livre fosse penhorado;

p) Acresce que, o tribunal a quo teve também em consideração o depoimento das testemunhas E (...) e F (...), cujo depoimento foi devidamente analisado e valorado pelo tribunal a quo como não tendo aquelas testemunhas qualquer conhecimento directo da motivação alegada pela RR. para a prática do acto de doacção em discussão, conforme resulta descrito da douta sentença recorrida;

q) Conclui-se, portanto, que, contrariamente ao alegado pelos RR. no presente recurso, a motivação do acto de doacção praticado pela RR. B (...) foi devidamente valorada e analisada pelo tribunal a quo que formou a sua convicção não só na prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, como também na prova documental junta aos presentes autos, nomeadamente, através das cópias das certidões prediais juntas à contestação deduzida pelos RR. como documentos 49 a 71, pelo que o mencionado facto n.º 2.1.36. foi devidamente julgado pelo tribunal a quo como provado, o qual se encontra, pois, fundamentado na douta sentença recorrida;

r) De igual modo, pelo presente recurso, vêm os RR., ora Recorrentes, invocar que o tribunal a quo «não valorou o Facto Assente no Despacho Saneador ter sido como assente sob AB) de que a sociedade comercial referida em A) dos Factos assentes ter registado a seu favor através da Ap. 1 de 1992/03/02 a aquisição do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob a descrição n.º 73/19850310, da freguesia de Pinhal Novo, concelho de palmela, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º 138 da Secção A a A5 (parte) da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela», não tendo sido igualmente valorado de que sobre esse imóvel a Autora, ora Recorrida, não efectuou qualquer penhora, como forma de garantir o ressarcimento dos créditos concedidos à sociedade;

s) Ora, também nesse ponto, os RR., ora Recorrentes, não têm razão, uma vez que o tribunal a quo valorou e analisou a existência de património da sociedade « L (...), Lda.», nomeadamente, o referenciado prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º 73, não tendo dado como provada a factualidade incluída no quesito 29º da Base Instrutória integrada na fundamentação da douta sentença recorrida como n.º 2.2.11, nos seguintes termos:

«(…) 2.2.11. O prédio referido em AB) [2.1.41] pela sua localização, e atendendo aos recursos geológicos com que o mesmo é constituído no seu subsolo, seria por si só, mais do que suficiente para que com a sua venda para além de se efectuar o pagamento quer das hipotecas voluntárias que incidem sobre o mesmo, assim como seria suficiente para pagar as importâncias que a Autora solicita nas referidas acções executivas. [Factualidade incluída no quesito 29º da Base Instrutória]»;

t) De referir que o ponto 2.1.41. da sentença recorrida, a que faz referência o citado ponto 2.2.11, trata-se de um facto dado como provado pelo tribunal a quo, com a seguinte redacção: «(…) 2.1.41. A sociedade comercial referida em A) [2.1.1.] tem registada a seu favor através da Ap. 1 de 1992/03/02 a aquisição do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob a descrição n.º 73/19850310, da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º 138 da Secção A a A5 (parte) da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela. [Factualidade incluída na alínea AB) dos Factos Assentes]»;

u) Por conseguinte, no que concerne à existência de património da sociedade « L (...), Lda.», tal como descrita no ponto 2.2.11. da factualidade não provada, o tribunal a quo formou a sua convicção com base na análise da respectiva certidão predial daquele prédio rústico, donde consta a existência de titularidade de vários registos de hipoteca (Ap. 571 de 2009/10/06, convertida em definitiva pela Ap. 4671 de 2009/10/21, Ap. 4479 de 2009/10/14, convertida em definitiva pela Ap. 4742 de 2009/10/21, Ap. 3749 de 2010/02/18, convertida em definitiva pela Ap. 4021 de 2010/03/03, Ap. 2244 de 2011/06/28), pelo que esse bem, a par dos outros bens indicados da titularidade da RR. B (...), não se encontra live de ónus ou encargos;

v) Acresce que, os RR., ora Recorrentes, não lograram provar que o actual valor do citado prédio rústico era suficiente para ressarcir não só as hipotecas voluntárias que incidem sobre o mesmo, mas também para ressarcir a Autora, ora Recorrida, das quantias que se encontram em dívida decorrentes dos créditos concedidos à sociedade « L (...), Lda.»;

w) Aliás, quanto ao valor desse imóvel, o tribunal a quo decidiu que, «(…) à excepção da menção de um valor pela testemunha F (...), sem qualquer suporte de razão de ciência, mais nenhuma prova foi produzida em relação a tal facto, pelo que ao tribunal não restava outra alternativa que não fosse dar o mesmo (ponto 2.2.11. da fundamentação) como não provado», tal como resulta descrito na douta sentença ora recorrida;

x) Conclui-se, portanto, que, contrariamente ao alegado pelos RR. no presente recurso, a existência de património penhorável da sociedade « L (...), Lda.» suficiente para pagamento das quantias em dívidas à Autora foi devidamente valorada e analisada pelo tribunal a quo que formou a sua convicção não só na prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, como também na prova documental junta aos presentes autos, através da análise da cópia da certidão predial do referido prédio rústico junta à contestação deduzida pelos RR., pelo que o mencionado facto n.º 2.2.11. foi devidamente julgado pelo tribunal a quo como não provado, o qual se encontra, pois, fundamentado na douta sentença recorrida;

y) De acordo com o descrito nas conclusões do seu recurso, os RR., ora Recorrentes, entendem que «na presente acção não resulta dos factos provados que os Réus/Apelantes com a doacção de uma fracção autónoma tenham implicado uma diminuição do crédito, ou, de que implicaram com tal acto uma diminuição das garantias patrimoniais da Autora/apelada»;

z) Ora, tal como explica a douta sentença recorrida, o artigo 610.º do Código Civil elenca os requisitos gerais e cumulativos da impugnação pauliana, entre os quais, deverá resultar do acto de doacção a impossibilidade ou agravamento da impossibilidade da satisfação integral do crédito pelo credor;

aa) Com efeito, relativamente ao requisito impossibilidade ou agravamento da impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito, incumbia aos RR., ora Recorrentes, o ónus da prova, conforme o disposto no artigo 611.º do Código Civil, «sendo que o critério para aferir daquele requisito é o da avaliação patrimonial do devedor depois do acto impugnado, sendo que é a data do acto impugnado que se deve atender para determinar essa impossibilidade», conforme resulta do descrito na douta sentença recorrida;

bb) À data da doacção (25/05/2011), a ora RR. B (...) era dona e proprietária da fracção autónoma designada pela letra «L» do prédio urbano descrito da Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, e da fracção autónoma designada pela letra «M» do prédio urbano descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Almada, sobre as quais incidem registos de hipoteca com data anterior ao acto da doacção, ou seja, sobre a fracção autónoma «L» incide um registo de hipoteca inscrito com a Ap. 51 de 2004/09/23, e sobre a fracção autónoma «M» incide um registo de hipoteca inscrito com a Ap. 6 de 2006/02/14;

cc) Os referidos actos de registos de hipoteca anteriores à data da doacção foram tidos em consideração pelo tribunal a quo para a decisão da causa, que considerou, e bem, que «(…) dada a existência das hipotecas não é crível que o valor das fracções seja suficiente para a Autora obter a satisfação do seu crédito»;

dd) Conjugado com essa factualidade, e determinante para a decisão sobre a existência do requisito da impossibilidade ou agravamento para o credor de obter a satisfação integral do crédito, foi o facto de, pelos RR., ora Recorrentes, não ter sido provado, nem alegado, nos presentes autos qual o valor dessas duas fracções autónomas, pelo que não restaria outra decisão senão aquela tomada pelo tribunal a quo que considerou manifesto que se verifica, nos presentes autos, a impossibilidade para a Autora, ora Recorrida, de obter a satisfação integral do seu crédito e, uma vez que se trata de um acto gratuito, como é o caso da doacção, a impugnação procede ainda que o devedor e o terceiro ajam de boa fé;

ee) Pelo que, contrariamente ao alegado pelos RR., ora Recorrentes, da prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos resulta provado que, com o acto de doacção praticado pela RR., se verifica a diminuição da garantia patrimonial do crédito daí resultando a impossibilidade para a Autora de obter a satisfação integral do seu crédito;

ff) Acresce que, nos presentes autos, «o património em ter em conta é o da 1.ª Ré, não relevando que outros devedores solidários continuem a dispor de património suficiente para garantir o pagamento da dívida. Ou seja, é indiferente que a sociedade ou outros avalistas tenham património», tal como explica a douta sentença recorrida;

gg) Nesse sentido, veja-se o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/11/2012, processo n.º 5148/03.TBLRA.C1, in www.dgsi.pt, referenciado pela douta sentença recorrida, como também o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 09/10/2006, no âmbito do processo n.º 06A2368, o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 14/12/2006, no âmbito do processo n.º 06B3881, e o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.5.95, no BMJ 447, pág. 508, que explicam que, no caso de existirem devedores solidários, como as obrigações garantidas por aval, não basta para se excluir a impugnação pauliana que os outros devedores solidários mantenham ainda no seu património bens suficientes para garantir o pagamento da dívida pois, pelo contrário, essa suficiência de bens tem de dizer respeito ao património demandando, sendo, portanto, irrelevante a eventual suficiência dos patrimónios dos restantes devedores solidários,

hh) Por conseguinte, não tem qualquer fundamento que os RR., ora Recorrentes, venham alegar, em sede de recurso, que «o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, não valorou igualmente o facto de terem sido várias pessoas, entre as quais a ora Primeira Ré/Apelante quem subscreveu várias livranças para garantia do ressarcimento das importâncias mutuadas à sociedade comercial – L (...), Lda., da qual a Primeira Ré/Apelante é uma das sócias (ex vi Factos Assente sob as alíneas F), L) e Q)), e não tendo a Autora/Apelada demonstrado que não lhe era possível obter pela liquidação do património dessas pessoas o ressarcimento das importâncias mutuadas à sociedade comercial - L (...), Lda., não poderia vir salvo melhor opinião a presente acção ser julgada procedente»;

ii) E, portanto, o tribunal a quo, considerou que se encontram reunidos, nos presentes autos, todos os pressupostos que permitem a impugnação pauliana da doação do bem imóvel em discussão, tendo julgado procedente, por isso, a presente acção;

jj) Nos termos do artigo 607.º do Código de Processo Civil, o Juiz, na sentença, deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, sendo que na fundamentação da sentença, deverão ser declarados os factos julgados provados e não provados, analisando criticamente as provas, especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, e apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto;

kk) Nos presentes autos, constata-se que a douta sentença recorrida foi proferida em pleno cumprimento com o disposto no citação artigo 607.º, tendo, nomeadamente, declarado os factos julgados provados e não provados, analisado criticamente as provas, especificado os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, e apreciado livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto;

ll) Face ao descrito e exposto nos pontos anteriores dos presentes fundamentos, entende a Autora, ora Recorrente, que o tribunal a quo valorou e analisou criticamente a prova documental junta aos presentes autos, bem como a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, tudo conjugado, ainda, com as regras da experiência comum, nos exactos termos descritos na douta sentença recorrida, pelo que carece de qualquer fundamento o presente recurso de apelação deduzido pelos RR., ora Recorrentes, devendo, em consequência, manter-se a douta sentença judicial proferida nos presentes autos, em 10 de Março de 2014.

Conclui pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações dos Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se existiu erro na apreciação da prova e se, em função disso, importa ou não alterar – e em que termos – a decisão proferida sobre a matéria de facto;

• Saber se estão verificados os pressupostos de que depende a impugnação pauliana, analisando, designadamente, as questões suscitadas pelos Apelantes no que toca ao património de que a 1ª Ré ainda é titular e no que toca ao património dos demais co-obrigados (subscritora das livranças e demais avalistas).


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III.

Na 1ª instância, considerou-se provada a seguinte matéria de facto (adoptando-se, para maior facilidade de exposição, a numeração constante da sentença recorrida):

2.1.1. Em 25 de Setembro de 2002, a Autora concedeu um crédito à sociedade comercial « L (...), Lda», sob a forma de contrato de conta corrente caucionada com o nº 25245000221, no montante de € 224.459,05 (duzentos e vinte e quatro mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e cinco cêntimos) – alínea A) dos Factos Assentes.

2.1.2. O referido montante de € 224.459,05 (duzentos e vinte e quatro mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e cinco cêntimos) corresponde ao valor máximo concedido pela Autora, em qualquer momento, ao abrigo do referido contrato de conta corrente caucionada com o nº 25245000221, reservando-se à Autora o direito e a faculdade de analisar cada pedido de utilização de fundos e de decidir sobre a concessão de cada solicitação de crédito, conforme resulta da redacção da Cláusula 1 do referido contrato, alterada em 26 de Novembro de 2003 – alínea B) dos Factos Assentes.

2.1.3. Mais foi convencionado entre as partes que o referido mútuo teria o prazo de (trinta e seis) dias desde a data da assinatura do contrato, prorrogando-se por períodos sucessivos de 90 (noventa) dias, salvo indicação em contrário, a qual se tornaria eficaz mediante comunicação escrita da Autora dirigida à citada sociedade comercial « L (...), Lda.», conforme redacção da Cláusula 3. – alínea C) dos Factos Assentes.

2.1.4. O referido mútuo funcionou através de uma conta aberta em nome da sociedade comercial « L (...), Lda.», com o nº 2524500221, a qual foi sempre movimentada a crédito e a débito, única e exclusivamente, por transferências a ordenar pela citada sociedade e a autorizar em cada caso, pela Autora, por contrapartida da conta de depósitos à ordem nº 25280001818, da titularidade da mencionada sociedade comercial, conforme redacção da Cláusula 5 do referido contrato, alterada em 26 de Novembro de 2003 – alínea D) dos Factos Assentes.

2.1.5. Nessa medida, a referida sociedade, comprometeu-se a manter a referida conta de depósitos à ordem nº 25280001818 habilitada de modo a suportar pontualmente os débitos dos juros devidos e outros encargos aplicáveis, conforme cláusula 7 do contrato referido em A [2.1.1] –  alínea E) dos Factos Assentes.

2.1.6. Para garantia das obrigações emergentes do citado contrato de conta corrente caucionada com o nº 252450002221, foi subscrita uma livrança pela referida sociedade comercial e avalizada, entre outros, pela Ré B (...), conforme redacção da Cláusula 9, alterada em 12 de Setembro de 2007 – alínea F) dos Factos Assentes.

2.1.7. A sociedade comercial referida em A)[2.1.1.] incumpriu o referido contrato de conta corrente caucionada com o nº 25245000221, pela falta de provisionamento da conta D.O. nº 25280001818 – quesito 2º da Base Instrutória.

2.1.8. (….) e assim a Autora interpelou, entre outros, a Ré, na qualidade de avalista, para o pagamento da quantia em dívida, mediante carta registada, com aviso de recepção, datada de 25 de Maio de 2010 e interpelando-a para pagamento da quantia em dívida de € 265.249,63, recebida a 28/05/2010 – quesito 3º da Base Instrutória.

2.1.9. E atento o não pagamento da quantia em dívida, a Autora procedeu ao preenchimento da referenciada livrança emitida em 26/11/2003, com vencimento em 04/06/2010, pelo valor de € 265.249,63 (duzentos e sessenta e cinco mil duzentos e quarenta e nove euros e sessenta e três cêntimos – alínea G) dos Factos Assentes e quesito 4º da Base Instrutória.

2.1.10. Em 28 de Fevereiro de 2008, a Autora concedeu um outro crédito à sociedade comercial « L (...), Lda.», sob a forma de contrato de conta corrente caucionada com o nº 147341071, no montante de € 74.819,68 (setenta e quatro mil oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos), conforme cópia do contrato junto com a petição inicial como documento nº5 – alínea I) dos Factos Assentes.

2.1.11. O reembolso de capital e o pagamento dos juros seria efectuado em 78 (setenta e oito) prestações mensais, sucessivas e postecipadas, relativas a capital e juros, conforme resulta da redacção da Cláusula 2 do referido contrato – alínea J) dos Factos Assentes.

2.1.12. Consequentemente, o reembolso do capital e pagamento dos juros seriam pagos mediante débito na conta de depósitos à ordem da titularidade da sociedade, com o nº 2528001818, a qual se obrigou a manter provisionada com fundo imediatamente disponíveis e suficientes, para suportar aqueles débitos das datas de vencimento, conforme resulta da redacção da Cláusula 10 do referido contrato – alínea K) dos Factos Assentes.

2.1.13. Para garantia das obrigações emergentes do citado contrato de conta corrente caucionada com o nº 147341071, foi subscrita uma livrança pela referida sociedade comercial e avalizada, entre outros, pela Ré B (...), conforme redacção da Cláusula 9 do referido contrato – alínea L) dos Factos Assentes.

2.1.14. A sociedade comercial referida em A)[2.1.1.] incumpriu o referido contrato de conta corrente caucionada com o nº 147341071, pela falta de provisionamento da conta de depósitos nº 2520001818 – quesito 5º da Base Instrutória.

2.1.15. (…) e assim a Autora interpelou, entre outros, a Ré, na qualidade de avalista, para o pagamento da quantia em dívida mediante carta registada, com aviso de recepção, datada de 25 de Maio de 2010 e interpelando-a para o pagamento da quantia em dívida de € 87.169,19, recebida a 28/05/2010 – quesito 6º da Base Instrutória.

2.1.16. E atento o não pagamento da quantia em dívida, a Autora procedeu ao preenchimento da referenciada livrança emitida em 28/02/2008, com vencimento em 04/06/2010, pelo valor de € 87.169,19 (oitenta e sete mil cento e sessenta e nove euros e dezanove cêntimos) – alínea M) dos Factos Assentes e quesito 7º da Base Instrutória.

2.1.17. A Autora, em 13 de Abril de 2007, concedeu um outro crédito à sociedade comercial « L (...), Lda.» sob a forma de empréstimo destinado ao financiamento de necessidades pontuais de tesouraria, com o nº 131705641, no montante de € 10.000,00 (dez mil euros), conforme cópia do contrato junto com a petição inicial como documento 6 – alínea N) dos Factos Assentes.

2.1.18. Foi convencionado entre as partes que o referido mútuo teria um prazo de 731 (setecentos e trinta e um) dias, devendo o capital mutuado ser amortizado em 24 (vinte e quatro) prestações mensais, relativas a capital e a juros, e as outras nos 23 (vinte e três) meses seguintes – alínea O) dos Factos Assentes.

2.1.19. O capital mutuado e os juros seriam pagos mediante débito na conta de depósitos à ordem da titularidade da sociedade com o nº 2528001818, tendo aquela se obrigado a manter essa conta provisionada com fundos imediatamente disponíveis e suficientes para suportar aqueles débitos nas datas de vencimento, conforme redacção da cláusula 10 do referido contrato – alínea P) dos Factos Assentes.

2.1.20. Para garantia das obrigações emergentes do citado contrato de empréstimo, foi subscrita uma livrança pela referida sociedade comercial e avalizada, entre outros, pela Ré B (...), conforme redacção da Cláusula 1 do referido contrato – alínea Q) dos Factos Assentes.

2.1.21. A sociedade comercial referida em A) [2.1.1.] incumpriu o referido contrato de mútuo com o nº 131705641, pela falta de provisionamento da conta D.O. nº 25280001818 – quesito 8º da Base Instrutória.

2.1.22. (…) e assim a Autora interpelou, entre outros, a Ré, na qualidade de avalista, para o pagamento da quantia em dívida, mediante carta registada, com aviso de recepção, datada de 25 de Maio de 2010 e interpelando-a para o pagamento da quantia em dívida de € 3.394,74, recebida a 28/05/2010 – quesito 9º da Base Instrutória.

2.1.23. E atento o não pagamento da quantia em dívida, a Autora procedeu ao preenchimento da referenciada livrança emitida em 13/04/2007, com vencimento em 04/06/2010, pelo valor de € 3.394,74 (três mil trezentos e noventa e quatro euros e setenta e quatro cêntimos) – alínea R) dos Factos Assentes e no quesito 10º da Base Instrutória.

2.1.24. A Ré teve ainda conhecimento da existência da dívidas supra identificadas, e da sua interpelação para o cumprimento das mesmas também aquando da regular citação da Ré para os termos dos processo executivos nº 1132/10.2TBSSB e nº 1133/10.0TBSSB, em Setembro de 2010 – quesito 18º da Base Instrutória.

2.1.25. A Autora, em 15 de Setembro de 2010, deduziu acção executiva contra a Ré e outros, que corre os seus termos pela Secção única do Tribunal Judicial de Sesimbra, com o processo nº 1132/10.2TBSSN, nos termos da qual a Autora pede o pagamento da quantia em dívida de €268.429,33, à qual acrescerão os juros vincendos, até integral e efectivo pagamento, conforme conta do requerimento executivo cuja cópia se mostra junto com a petição inicial como documento nº4 – alínea H) dos Factos Assentes.

2.1.26. Considerando o descrito em M) e R) [2.1.16. e 2.1.23.], a Autora, em 15 de Setembro de 2010, deduziu acção executiva contra a Ré e outros, que corre os seus termos pela Secção única do Tribunal Judicial de Sesimbra, com o processo nº1133/10.0TBSSB, nos termos do qual a Autora pede o pagamento das quantias em dívida, no total de € 91.649,80, à qual acrescerão os juros vincendos, até integral e efectivo pagamento, conforme conta do requerimento executivo cuja cópia se juntou como documento 7 com a petição inicial – alínea S) dos Factos Assentes.

2.1.27. No âmbito das acções executivas identificadas em H) e S) [2.1.25. e 2.1.26.], foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra «J», corresponde ao 2º andar esquerdo, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Rua y (...), freguesia de Caldas da Rainha. Nossa Senhora do Pópulo, concelho de Caldas da Rainha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha sob o nº 954,inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 8025,e com aquisição por compra registada a favor da Ré B (...), então solteira, pela Ap. 16 de 1992/09/02 e com posterior aquisição por doação registada a favor do Réu C (...) pela Ap. 1725 de 2011/05/25 – alínea T) dos Factos Assentes e quesito 11º da Base Instrutória.

2.1.28. Encontram-se assim registadas duas penhoras a favor da Autora pela Ap. 413 de 2011/06/09, no âmbito do citado processo executivo nº 1132/10.2TBSSB,e pela Ap. 414 de 2011/06/09, no âmbito do citado processo nº 1133/10.0TBSSB – alínea V) dos Factos Assentes.

2.1.29. No âmbito das referidas acções executivas, uma vez efectuada a penhora, em sede de registo, referida em V) [2.1.28.] o acto de apreensão foi lavrado a título provisório por natureza, uma vez que a fracção autónoma referida em T) [2.1.27.] se encontrava registada a favor do Réu C (...), aquisição essa que teve a sua origem na doação referida em W) [2.1.33.] –  alínea X) dos Factos Assentes.

2.1.30. Sendo que o Réu C (...) declarou no processo executivo nº 1133/10.0TBSSB que tal imóvel era sua propriedade – quesito 13º da Base Instrutória.

2.1.31. Após as penhoras referidas em V) [2.1.28.] é que a Autora soube que a Ré havia doado tal fracção ao Réu, que a registara a seu favor – quesito 12º da Base Instrutória.

2.1.32. A 1ª Ré é uma das sócias da sociedade comercial por quotas – L (...), Lda – alínea Y) dos Factos Assentes.

2.1.33. O Réu C (...) é filho da Ré B (...) e de D... – quesito 1º da Base Instrutória.

2.1.34. Em 25 de Maio de 2011, na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha, foi lavrado um «Título de Doação», instrumento através da qual a Ré B (...) declarou doar ao Réu C (...), por conta da respectiva quota disponível, a nua propriedade da fracção autónoma identificada em 2.1.27., acto esse aceite pelo Réu, conforme se constata do documento 10 junto com a petição inicial – alínea W) dos Factos Assentes.

2.1.35. Sobre o referido prédio está assim registado o usufruto a favor da Ré B (...) e do marido D (...) a extinguir no todo à morte do último que sobreviver, pela Ap. 1725 de 2011/05/25 – alínea U) dos Factos Assentes.

2.1.36. A doação identificada em W) [2.1.34.] teve, apenas e exclusivamente, em vista evitar que a Ré B (...), fosse proprietária de qualquer bem que pudesse satisfazer o montante em dívida resultante dos empréstimos concedidos pela Autora, melhor identificados em A) [2.1.1.], I) [2.1.10.] e N) [2.1.17.] reclamados nos citados processos judiciais – quesitos 15º e 17º da Base Instrutória.

2.1.37. Na data de incumprimento dos citados empréstimos, e na data da instauração das acções referidas em H) e S) [2.1.25. e 2.1.26.], a Ré B (...), além da fracção supra identificada em T) [2.1.27.], também possuía as fracções identificas em Z) [2.1.39.], sendo que estas tinham hipotecas voluntárias registadas em data anterior a 25 de Maio de 2011 – quesito 16º da Base Instrutória.

2.1.38. Além dos imóveis descritos em T) e Z) [2.1.27. e 2.1.39.] a Autora desconhece outros bens penhoráveis à Ré B (...) – quesito 14º da Base Instrutória.

2.1.39. A 1ª Ré é também proprietária de mais 2 (duas) fracções autónomas, nomeadamente:

- Fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob a descrição nº 967/19990712 – Fracção L da freguesia de Santiago, e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 2617 – Fracção L, da freguesia de Santiago, concelho de Sesimbra, que se encontra penhorada no âmbito das acções executivas, que correm os seus termos pela Secção Única do Tribunal Judicial de Sesimbra, com o Processo nº 1132/10.2TBSSB e sob o Processo nº 1133/10.0TBSSB, através das Apresentações nºs 413 de 2011/06/09 e nº 414 de 2011/06/09.

- Fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial de Almada sob a descrição nº 452/20081107 – Fracção M da freguesia de Pragal, e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo nº 712 – Fracção M, da freguesia do Pragal, concelho de Almada, que se encontra penhorada no âmbito das acções executivas, que correm os seus termos pela Secção Única do Tribunal Judicial de Sesimbra, com o Processo nº 1132/10.2TBSSB e sob o Processo nº 1133/10.0TBSSB, através das Apresentações nºs 413 de 2011/06/09 e nº 414 de 2011/06/09 – alínea Z) dos Factos Assentes.

2.1.40. A Autora possui no âmbito das acções executivas, que correm seus termos pela Secção Única do Tribunal Judicial de Sesimbra, com o Processo nº 1132/10.2TBSSB e sob o Processo nº 1133/10.0TBSSB, além da penhora que esta pretendia que incidisse sobre a fracção autónoma melhor identificada em T) [2.1.27.], penhorados a seu favor mais 9 (nove) prédios, incluindo prédios mistos, urbanos e rústicos, sendo que 7 (sete) deles têm hipotecas registadas em data anterior às penhoras referidas (Descrições: 693 Reg. Predial de Elvas; 967-P, 7740, 967-H e 550 Reg. Predial de Sesimbra; 921 e Reg. Predial de Seixal e 73 Reg. Predial de Palmela – vide fls. 179,198,217,208,224,233 e 238) – alínea AA) dos Factos Assentes.

2.1.41. A sociedade comercial referida em A) [2.1.1.] tem registada a seu favor através da Ap.1 de 1992/03/02 a aquisição do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob a descrição nº 73/19850310, da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº 138 da Secção A a A5 (parte) da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela – alínea AB) dos Factos Assentes.

2.1.42. Pelo menos desde 2008 que a sociedade comercial por quotas “ L (...) Lda.” começou a ter dificuldades de tesouraria – quesito 19º da Base Instrutória.


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IV.

Impugnação da matéria de facto

Os Apelantes vêm impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, sustentando que, em face da prova documental junta aos autos, não poderiam ter sido considerados provados os factos enunciados sob os nºs 2.1.8, 2.1.15, 2.1.22, 2.1.24, 2.1.25 e 2.1.36.

Os citados pontos de facto têm a seguinte redacção:

2.1.8. (….) e assim a Autora interpelou, entre outros, a Ré, na qualidade de avalista, para o pagamento da quantia em dívida, mediante carta registada, com aviso de recepção, datada de 25 de Maio de 2010 e interpelando-a para pagamento da quantia em dívida de € 265.249,63, recebida a 28/05/2010 – quesito 3º da Base Instrutória.

2.1.15. (…) e assim a Autora interpelou, entre outros, a Ré, na qualidade de avalista, para o pagamento da quantia em dívida mediante carta registada, com aviso de recepção, datada de 25 de Maio de 2010 e interpelando-a para o pagamento da quantia em dívida de € 87.169,19, recebida a 28/05/2010 – quesito 6º da Base Instrutória.

2.1.22. (…) e assim a Autora interpelou, entre outros, a Ré, na qualidade de avalista, para o pagamento da quantia em dívida, mediante carta registada, com aviso de recepção, datada de 25 de Maio de 2010 e interpelando-a para o pagamento da quantia em dívida de € 3.394,74, recebida a 28/05/2010 – quesito 9º da Base Instrutória.

2.1.24. A Ré teve ainda conhecimento da existência da dívidas supra identificadas, e da sua interpelação para o cumprimento das mesmas também aquando da regular citação da Ré para os termos dos processo executivos nº 1132/10.2TBSSB e nº 1133/10.0TBSSB, em Setembro de 2010 – quesito 18º da Base Instrutória.

2.1.25. A Autora, em 15 de Setembro de 2010, deduziu acção executiva contra a Ré e outros, que corre os seus termos pela Secção única do Tribunal Judicial de Sesimbra, com o processo nº 1132/10.2TBSSN, nos termos da qual a Autora pede o pagamento da quantia em dívida de €268.429,33, à qual acrescerão os juros vincendos, até integral e efectivo pagamento, conforme conta do requerimento executivo cuja cópia se mostra junto com a petição inicial como documento nº4 – alínea H) dos Factos Assentes.

2.1.36. A doação identificada em W) [2.1.34.] teve, apenas e exclusivamente, em vista evitar que a Ré B (...), fosse proprietária de qualquer bem que pudesse satisfazer o montante em dívida resultante dos empréstimos concedidos pela Autora, melhor identificados em A) [2.1.1.], I) [2.1.10.] e N) [2.1.17.] reclamados nos citados processos judiciais – quesitos 15º e 17º da Base Instrutória.

Os Apelantes impugnam os citados pontos de facto com a argumentação de que os documentos nºs 49 a 71, não estão endereçados para a morada da 1ª Ré e nenhum dos avisos de recepção está por esta assinada (estando assinados por uma senhora de nome M (...)), pelo que, ao dar como provados os citados pontos de facto, o Mmº Juiz do Tribunal a quo foi contra a prova documental junta aos autos.

Esta argumentação dirige-se, fundamentalmente, aos pontos nºs 2.1.8, 2.1.15, 2.1.22 e 2.1.24, dos quais resulta que a 1ª Ré foi interpelada pela Autora para o cumprimento e foi citada para as acções executivas ali mencionadas, sustentando os Apelantes que tais interpelações e citações não podem ser consideradas provadas na medida em que as cartas a que ali se alude não foram enviadas para a sua morada e os avisos de recepção não foram por si assinados.

É certo que aquelas cartas não foram enviadas para a residência da 1ª Ré; mas foram enviadas para a sede da sociedade da qual era sócia gerente e, portanto, foram enviadas para o local onde era expectável que a mesma as recebesse, tanto mais que não resulta dos autos e não foi alegado pelos Apelantes que a 1ª Ré alguma vez tivesse indicado à Autora qualquer outra morada para o efeito de receber as comunicações/interpelações que lhe fossem dirigidas e, portanto, o normal seria que as mesmas fossem enviadas para a sede da sociedade com quem a Autora havia celebrado o contrato e que havia apresentado a Ré como avalista. Resulta, por outro lado, dos avisos de recepção junto aos autos que as aludidas cartas foram efectivamente recebidas na sede daquela sociedade, sendo que os avisos de recepção foram assinados por alguém que se comprometeu, naturalmente, a fazer chegar as cartas à sua destinatária e não será de admitir, com muita probabilidade, que tal não tenha acontecido. Refira-se que as cartas referentes às citações para as aludidas execuções foram ainda confirmadas por posterior notificação, ao abrigo do art. 241º do C.P.C., o que, nos termos da lei, era bastante para que a citação estivesse regularmente efectuada. Nessas circunstâncias – que fazem presumir que as cartas chegaram ao efectivo conhecimento da Ré, seja porque a lei assim o presume, seja porque as regras de experiência também apontam nesse sentido (já que o que temos como normal é que alguém que recebe uma carta destinada a outrem e assina o respectivo aviso de recepção irá entregar a carta ao seu destinatário) – e não tendo sido produzida prova credível que nos permita afirmar que tal não tenha sucedido, nenhuma razão encontramos para que não se considerassem provadas as aludidas interpelações e citações. É certo que a testemunha, I (...) (irmã da Ré e sócia da aludida sociedade), embora confirme a recepção das cartas, declara que não as entregou à Ré e que nem sequer lhe deu conhecimento delas, dizendo que o fez por estar convencida que iria conseguir resolver o problema com o A (...). Mas, como é evidente, não poderemos atribuir qualquer credibilidade a este depoimento que, aliás, é proveniente de uma pessoa muito próxima da Ré. De facto, poder-se-ia até admitir e acreditar que as cartas não tivessem sido entregues à Ré em virtude de um qualquer lapso ou esquecimento ou em virtude de um qualquer extravio involuntário. Mas já será muito difícil acreditar que a testemunha em causa tenha, deliberadamente, retido em seu poder (indevidamente) cartas que não lhe eram dirigidas e que as tenha ocultado da sua própria irmã e sócia na empresa onde ambas trabalhavam. A versão dada pela testemunha não é minimamente credível e, como tal, não encontramos razões para que não se considere provado que tais cartas chegaram ao efectivo conhecimento da Ré.

Mantêm-se, portanto os pontos 2.1.8, 2.1.15, 2.1.22 e 2.1.24 da matéria de facto.

No que toca ao ponto 2.1.25., não entendemos quais são as concretas razões pelas quais os Apelantes entendem que esse facto não poderia ter sido considerado provado, importando notar que esse facto, além de estar apoiado por documentos que se encontram nos autos, nem sequer foi impugnado na contestação, já que, neste articulado, os Réus admitem expressamente a pendência dessa execução (cfr. designadamente os arts. 23º, 32º e 33º da contestação), razão pela qual esse facto não foi inserido na base instrutória e foi incluído, desde logo, na matéria de facto assente.

Assim sendo, mantém-se o aludido facto.

Também no que toca ao ponto 2.1.36, os Apelantes não concretizam (pelo menos de forma inteligível) as concretas razões da sua discordância. Os Apelantes não analisam e nem sequer invocam qualquer depoimento prestado e não tentam sequer contrariar a fundamentação utilizada na sentença recorrida que determinou a decisão de considerar este facto como provado, limitando-se a aludir, de forma vaga e genérica, aos documentos juntos aos autos sem que tenham exposto as ilações que retiram desses documentos e que, na sua perspectiva, determinariam que este facto não devesse ser considerado provado.

A verdade é que, perante a prova produzida, nenhuma razão encontramos para alterar a decisão proferida relativamente a este ponto de facto.

Importa referir que, estando aqui em causa a motivação ou intenção que determinou a realização da doação, estamos perante um facto que dificilmente poderia ser percepcionado pelas testemunhas e cuja prova há-de radicar nas circunstâncias que o rodearam conjugadas com as regras de experiência e senso comum. A ser de outro modo seria praticamente impossível a sua prova.

Sabemos que a aludida doação foi realizada em Maio de 2011 num momento em que, como decorre da demais matéria de facto provada, a Ré já havia sido citada para as execuções que a Autora lhe havia instaurado. Mas ainda que essa citação não tivesse ocorrido e ainda que a Ré não tivesse sido interpelada para o cumprimento (como sustentam os Apelantes), é evidente que a Ré sabia (não podia deixar de saber) que havia avalizado livranças para garantia do crédito concedido à sociedade de que era sócia gerente, tal como sabia (e não podia deixar de saber já que é sócia gerente dessa sociedade e aí exerce funções como declararam as testemunhas) que a sociedade havia incumprido as suas obrigações e que, como tal, a Autora iria, muito provavelmente, exigir-lhe o cumprimento das responsabilidades que assumiu com o aval aposto nas livranças. Não podendo ignorar esses factos, é evidente que, ao efectuar a doação, a Ré pretendeu excluir esse bem da execução que já sabia estar pendente, até porque nenhuma outra explicação plausível foi adiantada que pudesse estar subjacente à aludida doação. Dizem os Apelantes e declaram as testemunhas, I (...), E (...) e F (...), que essa doação terá sido uma imposição do marido da Ré tendo em vista o posterior divórcio que era pretendido pela Ré. Mas, ainda que se admita que assim foi, qual teria sido a razão para essa imposição? Se era apenas o futuro divórcio que estava em causa, porque não aguardar que ele se concretizasse para resolver, então, todas as questões referentes ao património? Parece-nos evidente que, ao fazer tal imposição (se é que ela existiu) naquele momento (antes de avançarem para o processo de divórcio), o marido da Ré (com a aceitação desta) terá pretendido salvaguardar a fracção autónoma onde residia com o filho (como declaram as testemunhas), evitando que a mesma viesse a ser penhorada e vendida por força das responsabilidades que sabiam ter sido assumidas pela Ré. Não encontramos, de facto, qualquer outra explicação plausível para essa imposição do marido da Ré que é referida pelas testemunhas e, ao ceder a essa imposição (caso esta tenha existido efectivamente, como dizem as testemunhas), a Ré concordou, naturalmente, com a situação. Em suma, a fazer fé nos depoimentos dessas testemunhas, a iniciativa de tentar excluir esse bem da acção dos credores não teria sido da Ré, mas sim do seu marido, mas ainda que assim tivesse sido, a Ré aceitou e tomou como sua essa intenção, praticando o acto destinado a consumá-la e, portanto, entendemos não se justificar qualquer alteração da decisão que considerou esse facto como provado.

De qualquer forma – é bom que se diga – este facto sempre será irrelevante para a decisão, já que, como se verá mais adiante, estando em causa um acto gratuito, a impugnação pauliana não depende da existência de má fé, pelo que, desde que verificados os demais pressupostos, a impugnação não deixaria de proceder ainda que não se provasse o facto aqui em causa.

Direito

Através da presente acção, pretende a Autora exercer o direito de impugnação pauliana relativamente à doação que a 1ª Ré efectuou ao 2º Réu (seu filho) – em 25/05/2011 – e que teve por objecto a fracção autónoma designada pela letra “J” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha sob o nº 954.

A esse propósito, dispõe o art. 610º do C.C. que:

Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal, podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:

a) ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;

b) resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade”.

A tais circunstâncias acresce ainda – como requisito de impugnação de acto oneroso – a má fé do devedor e do terceiro (art. 612º do C.C.).

No caso sub júdice, a impugnação é dirigida a um acto gratuito (doação) e, portanto, como decorre do citado art. 612º, não depende de má fé, podendo proceder ainda que o devedor e o terceiro tenham actuado de boa fé.

Estando, em causa, portanto, um acto gratuito, a procedência da impugnação pauliana depende apenas da verificação dos requisitos enunciados pelo citado art. 610º.

Entendeu a sentença recorrida que tais requisitos ou pressupostos se mostravam verificados e, como tal, julgou a acção procedente.

E, na nossa perspectiva, decidiu correctamente.

Está, efectivamente, demonstrada a existência de um crédito da Autora – de valor superior a 300.000,00€ - emergente de livranças que a 1ª Ré avalizou em garantia de créditos que a Autora havia concedido a uma sociedade comercial e está demonstrado que esse crédito é anterior ao acto que é objecto de impugnação, sendo certo que, aquando da realização da doação (25/05/2011), o crédito já se havia constituído e as livranças que o titulavam já se encontravam vencidas, tendo sido já instaurada execução com vista a exigir o respectivo pagamento.

Tal como referimos, a procedência da impugnação pressupõe ainda, em conformidade com a alínea b) da norma citada, que resulte do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa possibilidade.

Como decorre do disposto no art. 611º, a verificação deste requisito há-de resultar da conjugação de dois factos: o montante das dívidas do devedor e o valor dos bens penhoráveis ainda existentes no seu património; se o montante das dívidas for superior ao valor dos bens penhoráveis ainda existentes, concluir-se-á que o acto impugnado tem como resultado a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade; se o valor dos demais penhoráveis ainda existentes for suficiente para a satisfação integral das dívidas, o acto praticado não produzirá aquele resultado e, como tal, não ficará sujeito a impugnação. Importa notar, no entanto, que o credor não está onerado com a prova desses dois factos; como decorre do disposto no citado art. 611º, o credor (no caso, a Autora) apenas tem que provar o valor das dívidas e, uma vez provado esse valor, cabe ao devedor ou ao terceiro interessado na manutenção do acto (no caso, os Réus) a prova da existência de bens penhoráveis de igual ou maior valor. Daí decorre, portanto, que, estando provado o valor das dívidas e não sendo feita a prova da existência de bens de valor igual ou superior, impõe-se concluir – por efeito de aplicação das regras inerentes ao ónus de prova – pela verificação do requisito enunciado na alínea b) do citado art. 610º.

Ora, estando provado o valor do crédito da Autora, os Réus não lograram provar que a 1ª Ré fosse proprietária de bens penhoráveis de igual ou maior valor e, portanto, impõe-se concluir – como se referiu – pela efectiva verificação do pressuposto a que alude a alínea b) da norma supra citada.

Provou-se, efectivamente, que, além da fracção que foi objecto de doação, a 1ª Ré era proprietária de mais duas fracções, além do direito de usufruto que incide sobre a fracção doada. Mas a verdade é que os Réus nem sequer alegaram – e por isso não provaram – qual era o valor dessas fracções e desse usufruto e, como tal, não provaram – como lhes era imposto pelo citado art. 611º - que tais bens tivessem valor igual ou superior ao valor do crédito da Autora e que, como tal, permitissem a satisfação integral deste crédito (refira-se, aliás, que estas fracções já se encontram oneradas com hipotecas).

Contestando a verificação deste último requisito, os Apelantes insurgem-se contra a sentença recorrida, dizendo que a mesma não considerou as certidões prediais juntas aos autos e que demonstram os vários imóveis de que a 1ª Ré/Apelante é proprietária.

Não é verdade, no entanto, que tal tenha acontecido.

Tais certidões foram consideradas e valoradas pelo Tribunal, considerando-se provado que, além da fracção doada, a 1ª Ré era proprietária de mais duas fracções. Sucede, no entanto, que esse facto é, só por, insuficiente para afastar a impugnação pauliana, já que, para obter este efeito, os Réus também tinham que provar que esses bens eram suficientes para a satisfação integral do crédito da Autora por terem valor igual ou superior ao crédito, prova esta que não efectuaram, na medida em que nem sequer alegaram o valor desses bens.

Mais sustentam os Apelantes que a sentença recorrida não valorou o facto dado como assente em AB) de que a sociedade comercial (a quem a Autora concedeu os créditos que deram origem às livranças avalizadas pela 1ª R´) tem registada a seu favor a aquisição de um prédio sobre o qual a Autora não efectuou qualquer penhora, tal como não valorou o facto de terem sido várias as pessoas a subscrever as livranças sem que a Autora tenha demonstrado que não lhe era possível obter o ressarcimento do seu crédito através da liquidação do património dessas pessoas.

Mas, ao contrário do que dizem os Apelantes, a sentença recorrida pronunciou-se sobre essa questão (ainda que indirectamente), dizendo que o património a ter em conta para efeitos de impugnação pauliana era apenas o património da 1ª Ré, sendo irrelevante que outros credores solidários (a sociedade ou outros avalistas) continuem a dispor de património suficiente para o pagamento da dívida.

E, também neste ponto, a sentença recorrida decidiu correctamente.

Com efeito, a 1ª Ré – enquanto avalista das aludidas livranças – responde nos mesmos termos que a pessoa a favor de quem dá o aval; a 1ª Ré responde, portanto, solidariamente, com a subscritora das livranças e os demais avalistas, sem que lhe assista o direito de exigir a excussão prévia do património dos demais co-obrigados e, designadamente, o da subscritora da livrança. Daí que o credor, tendo adquirido o direito/faculdade de exigir a prestação integral de qualquer um dos devedores solidários, possa atacar, por via da impugnação pauliana, os actos praticados em cada um dos patrimónios desses devedores que impliquem uma diminuição da garantia patrimonial que esse concreto património representava para a satisfação do seu crédito e que restrinjam ou limitem o direito de ver o seu crédito satisfeito integralmente à custa desse património, independentemente da suficiência ou insuficiência do património dos demais co-obrigados.

Como se refere no Ac. do STJ de 22/01/2004[1], “existindo uma pluralidade de devedores solidários, a garantia patrimonial não é constituída pela mera soma dos respectivos patrimónios, mas sim pela cumulação dos mesmos patrimónios, responsáveis, cada um de per si, pela totalidade do crédito (…) Quando um destes patrimónios deixa de poder responder pela totalidade do crédito, o sistema de garantia patrimonial fica afectado, independentemente dos restantes patrimónios poderem ser suficientes para o cumprimento da obrigação”.

Assim, como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra de 20/11/2012[2], citando Cura Mariano, “o credor pode, pois, vigiar pela manutenção da solvabilidade de todos os patrimónios que autonomamente garantem o seu direito de crédito, atacando com a impugnação pauliana os actos praticados sobre um dos patrimónios garantes que ponham em risco a sua possibilidade de obter a satisfação do seu crédito pelos bens desse património, independentemente da situação dos restantes” acrescentando que “a solvabilidade do património do fiador ou do avalista não impedirá a impugnação de acto do devedor que impeça a satisfação integral do crédito pelo seu património (…)”.

Neste sentido se tem pronunciado a nossa jurisprudência.

Com efeito, além dos Acórdãos já referidos, salientamos os seguintes[3]:

- O Acórdão do STJ de 14/12/2006 (processo nº 06B3881), em cujo sumário se lê que: “não basta, para se excluir a impugnação pauliana, que os outros devedores solidários ainda mantenham no seu património bens suficientes para garantir o pagamento da dívida; pelo contrário, essa suficiência de bens tem de dizer respeito ao património demandado, sendo, portanto, irrelevante a eventual suficiência dos patrimónios dos restantes devedores solidários”;

- O Acórdão do STJ de 09/10/2006 (processo nº 06A2368), cujo sumário tem o seguinte teor:

I- No caso de existirem devedores solidários, apenas importa a situação em que ficou o património no qual se integrava o bem sobre o qual recai o acto impugnado, pois é característica da solidariedade a existência de várias garantias patrimoniais autónomas, respondendo cada um dos devedores pela prestação integral.

II- O credor pode atacar com a impugnação pauliana os actos praticados sobre qualquer um dos patrimónios garantes e que ponham em risco a possibilidade de obter a satisfação do seu crédito pelos bens desse património, independentemente da situação dos restantes.

III- O mesmo sucede nos casos de obrigações garantidas por aval, pois a obrigação contraída pelo avalista da livrança é solidária, pelo que o seu portador pode exigir o respectivo cumprimento integral de qualquer dos obrigados cambiários, já que quando nasceu a obrigação ficou a poder contar com a garantia constituída pelo património dos vários devedores solidários, a qual tem de acompanhar sempre aquela obrigação, não bastando para se excluir a impugnação pauliana que os outros devedores solidários ainda mantenham no seu património bens suficientes para garantir o pagamento da dívida, tendo a suficiência de bens de dizer respeito ao próprio demandado”;

- O Acórdão do STJ de 01/07/2004 (processo nº 04B1971), onde se refere que “em acção pauliana proposta contra os avalistas de uma livrança não tem qualquer interesse saber se o património da subscritora é ou não suficiente para a satisfação do crédito do autor, já que este pode accionar, individual ou colectivamente, os obrigados cambiários, não gozando os avalistas do benefício da excussão”.

- O Acórdão do STJ de 05/12/2002 (processo nº 02B3652), com o seguinte sumário: “o avalista não pode defender-se, com a eventual existência de património na esfera jurídica do avalizado, já que o credor não tem necessidade de previamente excutir o património do devedor, podendo agredir directamente o património do avalista (responsabilidade solidaris, que não meramente subsidiária)”.

É certo, portanto, que, para efeitos de procedência da presente acção de impugnação pauliana é irrelevante a circunstância de os demais co-obrigados possuírem património bastante para a satisfação do crédito da Autora.

Conforme se referiu, os pressupostos da impugnação pauliana têm que ser aferidos relativamente ao património onde foi praticado o acto que está a ser impugnado, atendendo exclusivamente à situação em que fica este património após o aludido acto e à sua suficiência ou insuficiência para satisfação da prestação integral, porquanto, estando em causa uma obrigação solidária, é pela prestação integral que esse património responde.

Assim, estando provada a existência, o valor e a anterioridade do crédito da Autora e não estando provado (prova que competia aos Réus, por força do disposto no art. 611º do CC) que a 1ª Ré possua bens penhoráveis de valor igual ou superior ao valor do crédito (já que os Réus não alegaram e não provaram o valor dos demais bens que ainda existem no património da 1ª Ré), impõe-se concluir pela verificação dos pressupostos enunciados no citado art. 610º, o que conduz, sem mais, à procedência da impugnação pauliana, porquanto, como se referiu, estando em causa um acto gratuito, é irrelevante a questão de saber se existiu ou não má fé (cfr. art. 612º), tal como é irrelevante a questão de saber se os demais obrigados solidários têm ou não património suficiente para que, através da sua liquidação, a Autora pudesse obter a satisfação integral do seu crédito.

 

Improcede, portanto, o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Estando em causa um acto gratuito, a impugnação pauliana que lhe seja dirigida apenas pressupõe a verificação das circunstâncias enunciadas no art. 610º do CC, sendo irrelevante a questão de saber se o devedor e o terceiro interveniente no acto actuaram ou não de má fé.

II – A verificação do requisito a que alude a alínea b) do citado art. 610º há-de resultar da conjugação de dois factos: o montante das dívidas do devedor e o valor dos bens penhoráveis ainda existentes no seu património, competindo ao credor fazer a prova do primeiro e cabendo ao devedor ou terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o valor dos bens penhoráveis ainda existentes é igual ou superior ao valor das dívidas.

III – Estando em causa um crédito com uma pluralidade de devedores solidários, o credor, tendo adquirido o direito/faculdade de exigir a prestação integral de qualquer um dos devedores, pode atacar, por via da impugnação pauliana, os actos praticados em cada um dos patrimónios desses devedores que impliquem uma diminuição da garantia patrimonial que esse concreto património representava para a satisfação do seu crédito e que restrinjam ou limitem o direito de ver o seu crédito satisfeito integralmente à custa desse património, independentemente da suficiência ou insuficiência do património dos demais co-obrigados.

IV – Assim, estando em causa um acto gratuito e estando provada a existência, a anterioridade e o valor do crédito do autor, sem que tenha sido feita a prova de que os bens penhoráveis ainda existentes no património do devedor têm valor igual ou superior ao valor do crédito, estão reunidas as condições de procedência da impugnação pauliana que tenha sido dirigida àquele acto, ainda que os intervenientes no acto tenham actuado de boa fé e ainda que os demais co-obrigados (devedores solidários) tenham património suficiente para a satisfação integral do crédito do autor.


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos Apelantes.
Notifique.

Maria Catarina Ramalho Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro

                    


[1] Processo nº 03B3854, disponível em http://www.dgsi.pt.
[2] Processo nº 5148/03.TBLRA.C1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[3] Todos eles disponíveis em http://www.dgsi.pt.