Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA PILAR DE OLIVEIRA | ||
Descritores: | PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS ENTREGA DOS DOCUMENTOS LICENÇA DE CONDUÇÃO TRÂNSITO EM JULGADO SENTENÇA INÍCIO CUMPRIMENTO PENA ACESSÓRIA | ||
Data do Acordão: | 06/24/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS, SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA - J1) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 69.º, N.ºS 2 E 3 DO CP; 20.º, N.º 4, DA CRP | ||
Sumário: | Não obstante a disposição normativa do artigo 69.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, no caso, como o dos autos, em que o arguido entregou, na secretaria do tribunal, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, a sua licença de condução, os princípios da confiança e lealdade processuais impedem que seja defraudada a legítima expectativa do condenado no sentido de o prazo de cumprimento da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor se iniciar a partir do preciso momento da entrega/recebimento do referido documento. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório No processo sumário 137/14.9GAAVZ da Comarca de Leiria, Instância Local de Figueiró dos Vinhos, Secção de Competência Genérica, J1, o arguido A... foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos 69º, nº 1, alínea a) e 292º, nº 1 do Código Penal na pena principal de 70 dias de multa à taxa diária de 6 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de cinco meses e quinze dias. Foi o arguido advertido de que tinha o prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença para entregar a carta de condução na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial. Antes do trânsito em julgado da sentença, em 21.8.2014 o arguido entregou a carta de condução no Tribunal, o que foi aceite. A sentença condenatória não foi objecto de recurso e transitou em julgado em 30.9.2014. Em 17.2.2015 a Mmª Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: Promoção de fls.77 dos autos: O Arguido cumpriu a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias, uma vez que a Sentença condenatória a fls. 37-41 não foi objeto de recurso (pelo Arguido e/ou pelo Ministério Público); o Primeiro entregou, voluntariamente, o seu título de condução em 21.08.2014 (cfr. o termo a fls. 43 dos autos); e considerando, ademais, tal círcunstancialismo (entenda-se, a ausência de recurso e a entrega voluntária naquela data) no âmbito de uma leitura e interpretação conjugada do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 69.º do Código Penal, e do n.º 2 do artigo 500.º e do n.º 1 do artigo 467.º, estes do Código de Processo Penal. Nesta ordem de ideias, resulta que, à presente data, decorreu, já, e na íntegra, aquele período de 5 meses e 15 dias, durante o qual o título de condução, voluntariamente entregue pelo Arguido, permanece à ordem dos presentes autos, pelo que declaro extinta a sanção acessória em que o Arguido foi condenado. Notifique e comunique, nos termos do artigo 5.º, nºs 1, alínea a) e 2 da Lei n.º57/98, de 18 de Agosto, sendo o Arguido para proceder ao levantamento do seu título de condução.
Inconformado com o teor do transcrito despacho, dele recorreu o Ministério Público, condensando a respectiva motivação nas seguintes conclusões: I. Nos termos das normas constantes do art. 69.º, nº 2 e 3 do Código Penal, 467.º, nº 1, 475.º, 500.°, nº 2 e 4 do Código de Processo Penal, o início do cumprimento da pena acessória ocorre com o trânsito em julgado da sentença, desde que o título de condução já se encontre junto aos autos nessa data. II. Tendo a sentença condenatória transitado em julgado em 30.09.2014, o início do cumprimento da pena acessória em que o arguido foi condenado não poderá iniciar-se antes dessa data. III. Encontrando-se o título de condução já junto aos autos aquando do trânsito em julgado, i.e., em 30.09.2014, terá início nessa data o cumprimento da pena acessória, de 5 meses e 15 dias de proibição de conduzir veículos com motor; IV. Terminado tal pena em 15.03.2015. V. O período decorrido entre a data de entrega voluntária da carta de condução no tribunal (21.08.2014) e a data do trânsito em julgado da sentença (15.03.2015) não releva para efeitos de cumprimento da pena acessória. VI. Esse facto decorre da interpretação conjugada das normas constantes dos artigos 69.º, nº 2 e 3 do Código Penal e 467.º, nº 1, 475.º, 500.º, nº 2 e 4 do Código de Processo Penal. VII. Assim, ao considerar a pena acessória integralmente cumprida em 17.02.2015 e ao declarar extinta tal pena, incorreu o tribunal a quo na violação das normas constantes dos artigos 69.º, nº 2 e 3 do Código Penal e 467.º, nº 1, 475.º, 500.º, nº 2 e 4 do Código de Processo Penal; VIII. Pelo que, deveria tribunal a quo ter interpretado tais normas no sentido de que o início do cumprimento da pena acessória apenas teve início em 30.09.2014, com o trânsito em julgado da sentença condenatória, devendo declarar a mesma extinta apenas após essa data. Assim, nos termos expostos e nos mais de Direito, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine o cumprimento pelo arguido do remanescente da pena acessória, correspondente aos 28 dias compreendidos entre 17.02.2015 e 15.03.2015, fazendo desta forma Vossas Excias. a costumada JUSTIÇA.
O recurso foi objecto de despacho de admissão. Notificado, o arguido respondeu ao recurso, concluindo o seguinte: 1ª - No caso dos autos, não houve recurso da decisão proferida a 12/08/2014, pela qual o arguido foi condenado, para além do mais, na pena de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias. 2ª - O arguido entregou voluntariamente a carta de condução em 21/08/2014 na secretaria do tribunal. 3ª - A execução da pena acessória, no caso dos autos, dá-se a partir do momento em que ocorreu o desapossamento do título de condução do arguido. 4ª - Em 17/2/2015 data do despacho recorrido já o cumprimento da pena acessória aplicada ao arguido de cinco (meses) e 15 (quinze) dias havia decorrido nos termos das disposições conjugadas do artigo 69° n.º 2 do Código penal; artigo 500° n.º 1 e 467° n.º 1 do Código Processo Penal. 5ª - Razão pela qual o recurso deve ser julgado sem provimento mantendo-se o douto despacho na integra. Mas Vossas Excelências, com o mui douto suprimento, apreciando e decidindo, farão como sempre, a tão costumada JUSTIÇA!
Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento de que transcrevemos o seguinte: (...) Mas o que o mesmo tomou em devida nota é que tinha um prazo de 10 dias para entregar a carta. E então contou este prazo desde o dia em que ouviu a sentença, pois que, diligentemente diremos nós, entregou a carta da secretaria do tribunal ao nono dia, como pode ver-se do termo de fls. 43, que foi recebida pelo Sr.º Escrivão Adjunto. Ora, desde logo a secretaria judicial teria um especial dever de reparar no caso e informar o cidadão da situação dos autos e, nomeadamente, do que se trata quando se fala em trânsito em julgado, mas não o fez. Antes aceitou a carta para dar início ao cumprimento da medida de inibição. Decorrido o prazo total de 5 meses e 15 dias contados desde a efectiva entrega da carta é proferido o despacho recorrido a julgar a mesma pena extinta. É certo que uma leitura linear e literal, mais positivista das normas em que se apoia o Ministério Púbico recorrente, concretamente dos artigos 69.º, n.º 2 e 3 do C. P. e do 467º, n.º 1, 475°, 500º, n.º 2 e 4 do CPP será defensável solução propugnada no recurso, sendo certo que a jurisprudência se tem pronunciado acerca do início do cumprimento se contar apenas após o trânsito emjulgado. Contudo, parece-nos que a situação específica dos autos tem também específicos contornos, alguns dos quais já foram por nós referidos e que passam pelo princípio geral da confiança que os cidadãos devem ter nas instituições judiciárias e que estas agem de boa-fé perante os particulares que com eles lidam. Inclusivamente, admitindo que existe algum erro da secretaria judicial tem legal consagração esse princípio geral quando no art.º 157º, n.º 6 do CPC actual (art.º 161°, n.º 6 do CPC revogado) se prevê que "os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso prejudicar as partes". (sublinhado da relatora). Neste sentido se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto em caso igual ao do presente, recurso, tal como adiante se referirá. Ainda assim outros argumentos se poderiam aduzir para que se pondere a manutenção do despacho recorrido. Com efeito, é ponto assente que o cidadão cumpriu já a totalidade da medida de inibição antecipando o seu início, sendo certo, porém, que não tendo havido recurso, a sentença acabou por transitar em julgado. Na verdade, ainda a propósito da questão ultimamente suscitada amiúde nos Tribunais Superiores de se apurar, se o cumprimento parcial de uma injunção nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 280° e 281° do CPP (suspensão de inquérito), no qual seja fixado prazo de inibição de conduzir e, não cumprindo o arguido a sua totalidade, u ma vez condenado em julgamento posterior nos mesmos autos, implica ou não, o desconto na pena aplicada a título de inibição aquele cumprimento parcial. Vem sendo defendido na jurisprudência maioritariamente que deve ser feito na pena aplicada aquele desconto parcial da medida de injunção cumprida. Neste sentido, designadamente, Acs. da Relação de Coimbra de 1-12-2014 e de 11-02- 2015 nos processos n.º 23/13.0GCPBL.Cl e 204/13.6GAACB.Cl e da Relação de Guimarães de 22-09-2014, proc.n.º 7/13.8PTBRG.Gl, sendo que nesse se faz apelo, por analogia, ao instituto legal do desconto previsto no art.º 80º do C. P., nas penas aplicadas. Contudo e para além do referido já o Tribunal da Relação do Porto com data de 08-11-2000, proc. n.º 123-A/99-1S, se pronunciou sobre situação igual à dos presentes autos em termos que nos parecem apresentar uma visão justa para o problema, na devida ponderação da realidade. Neste acórdão se deixa reflectido de forma sugestiva que por isso se transcreve, nomeadamente o seguinte: Como consta dos autos, o arguido entregou a licença de condução na secretaria do tribunal em 5 de Agosto de 1999, com a finalidade expressa de cumprir a pena de proibição de conduzir veículos motorizados, em que tinha sido condenado. Significa Isto que o arguido entregou a licença de condução sem que a sentença tenha ainda transitado. Mas significa também que a secretaria lhe aceitou a dita licença antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. O que equivale por dizer que há um duplo erro: do arguido em entregar a licença de condução antes do trânsito; da secretaria em aceitá-la naquela altura. Há um princípio geral do direito, e por isso, também subjacente ao direito processual penal, que impede que os erros da máquina judiciária prejudiquem as partes (cfr. uma afloração do princípio no n.º 3 do art.º 198º do CPC). Tal princípio também se aplica aos autos - vide art.º 4° do CPP. Acresce que, sendo a República Portuguesa um Estado de direito democrático - art.º 3° da CRP, impõe-se que as instituições judiciárias ajam de boa fé, a fim de poderem garantir a confiança que nelas devem ter os particulares. Ora, se erro houve da parte do arguido, que é desculpável pela simples razão de que apenas os técnicos do direito sabem como se executam as penas, e não já os cidadãos comuns (e não se argumente com a obrigatoriedade de conhecimento de lei, já que o erro de direito, como no caso sub judice, é relevante-cfr. art.º 17° do C. Penal), a esse erro sobrepõe-se um outro da secretaria do tribunal, que, essa sim, tinha obrigação de saber que a pena só deveria ser cumprida quando transitasse a sentença e o deveria ter comunicado ao arguido, o que o Ilustre Recorrente nem sequer alega. Cometido este, o arguido não pode sair prejudicado, sob pena de se fazer uma interpretação contrária à Constituição dos art.ºs 467º do CPP e 69º do C. Penal, pois que, de outra forma, teria de cumprir duas vezes a mesma pena, o que, a todos os títulos, é absolutamente inadmissível. Para impressionar, imagine-se que se tratava de prisão por dias livres, que o condenado se apresenta no estabelecimento prisional antes da data constante da guia de apresentação, ou mesmo na data dela constante, esta por lapso anterior ao trânsito, e que é recebido no estabelecimento. Parece óbvio que os períodos assim cumpridos já contam para efeitos de cumprimento da pena, como de resto o impõe o art.º 80º do C. Penal, se não por aplicação directa, pelo menos por aplicação analógica. Igual tratamento merece o caso dos autos. A entrega e recebimento da licença de condução tem de equivaler ao início do cumprimento da sanção acessória, sob pena de violação do princípio da confiança, subjacente ao Estado de direito democrático, supra referido. Mas se assim se não entendesse, então por efeito do instituto do desconto - citado art.º 80° do C. Penal-, pelo menos por aplicação analógica, como se referiu (são equivalentes as razões justificativas, num e noutro caso), o período de tempo em que o arguido esteve privado da licença antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, teria de ser descontado no cumprimento da pena. Nada obsta ao recurso à analogia, no caso concreto pois que em nada se contende com os princípios consagrados no art.º 29º da CRP e no n.º 3 do 1º do C. Penal. Quanto aos inconvenientes apontados à solução ora consagrada pelo Ilustre recorrente na sua motivação, maxime ao da não possibilidade de controle pelas autoridades policiais do cumprimento da sanção, e por isso, da não possibilidade de se constatar se houve ou não desobediência, sempre diremos ser irrelevante tal argumentação. Desde logo porque o cumprimento da pena acessória não está dependente do facto de o condenado poder ser eficazmente controlado, ou de estar ou não em condições de lhe poder ser imputada a prática de um crime. Veja-se, a título de exemplo, o caso de o condenado, após o trânsito em julgado, entregar a licença de condução na secretaria e esta, por lapso ou outra razão, não comunicar a decisão atempadamente à DGV. Também aqui falha esse pressuposto e não se poderá argumentar que o condenado tem de cumprir de novo a pena acessória. Depois porque os hipotéticos benefícios a que se alude são bem preferíveis ao prejuízo certo que o condenado teria de se lhe exigir cumprimento em dobro da pena, o que seria ilegal, abusivo e arbitrário, mesmo que se diga que na primeira das ocasiões o cumprimento se deveu a culpa sua. Em conclusão: Entregue pelo condenado a licença de condução na secretaria do tribunal, para cumprimento da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, e aceite pela secretaria tal entrega, é nesta data que se inicia o cumprimento de tal pena."
Anotamos cm face do exposto, que nos parecem válidos os argumentos apresentados, no sentido de que a interpretação das normas no caso em apreço permite uma diferente leitura da que vem proposta pelo recorrente. (...) Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo ocorrido resposta. Procedeu-se a exame preliminar e foram cumpridos os demais trâmites legais. Colhidos os vistos legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir. *** II. Apreciação do Recurso Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1 do Código de Processo Penal). Vistas as conclusões do recurso, a única questão a decidir consiste em saber se entregue e aceite pelo tribunal a licença de condução para cumprimento de pena acessória de proibição de conduzir antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, deve o cumprimento ser contado a partir do momento da entrega.
Apreciando: Como já se deixou consignado, o arguido procedeu à entrega da sua carta de condução para cumprimento da proibição de conduzir em que foi condenado antes do trânsito em julgado da sentença, discutindo-se se é a partir do momento da entrega que deve ser contado o período de proibição ou apenas após o trânsito em julgado, como defende o recorrente. É indubitável que os artigos 69º, nº 2 do Código Penal estipulam que a proibição de conduzir produz efeito após o trânsito em julgado da decisão, o que tem o sentido de consignar que essa pena (como aliás todas) só deve ser cumprida depois de a decisão transitar em julgado posto que só a partir desse evento se torna definitiva, estipulando o nº 3 do mesmo artigo e o artigo 500º, nº 2 do Código de Processo Penal que a licença de condução deve ser entregue para cumprimento da pena acessória. Não será por acaso que o artigo 9º, nº 1 do Código Civil estipula em matéria de interpretação da lei que esta “não deve cingir-se à letra lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (…). No vértice da pirâmide legislativa encontra-se a constituição que define os princípios básicos do estado de direito, devendo toda a lei ordinária subordinar-se a tais princípios e merecer interpretação que se compagine com os mesmos. Se assim é, a conclusão de interpretação literal no sentido de que a proibição de conduzir só pode ocorrer após o trânsito em julgado da decisão condenatória e só pode ser imputado no seu cumprimento o tempo em que o condenado esteve privado da licença de condução depois do trânsito em julgado, tem, obviamente, que passar pelo crivo do disposto no artigo 20º, nº 4 da CRP que contempla um princípio estruturante de qualquer procedimento judicial e mormente do processo penal; o princípio do processo equitativo que implica, antes de mais, que em todos os termos do processo as partes sejam tratadas com lealdade e possam confiar na inexistência de decisões que as possam surpreender. O tratamento leal e a confiança na clareza dos procedimentos judiciais são, aliás, a base para a possibilidade de um processo equitativo com os derivados princípios do contraditório e da igualdade de armas que geralmente são salientados, mas que admitem várias outras derivações, entre as quais o direito a um processo orientado para a justiça material “sem demasiadas peias formalísticas” no dizer de Gomes Canotilho e Vital Moreira na sua CRP anotada, em comentário ao referido artigo. Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 345/99, publicado em www.tribunalconstitucional.pt qualquer processo e mormente processo de natureza sancionatória está sujeito à exigência constitucional (artigo 20º, nº 4) de ser um processo equitativo (due processo of law – conceito importado para o nosso ordenamento jurídico através da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) o que supõe, para além do mais, que todos os intervenientes do processo, incluindo o tribunal, se movam dentro de valores como a lealdade e a confiança. E não basta que estas existam é ainda necessário que transpareçam do processo. O princípio da confiança tem diversos afloramentos na lei ordinária, como seja o caso do artigo 157º, nº 6 do Código de Processo Civil actual (161º, nº 6 do anterior) prevendo que os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem em qualquer caso prejudicar as partes (como bem salientou o Exmº Procurador Geral Adjunto no seu parecer). Ora, também por decorrência deste preceito, aplicável ao processo penal por força do artigo 4º do respectivo código, não pode o arguido ser prejudicado quando entregou no tribunal a licença de condução e tal foi aceite pelo funcionário que a recebeu. O princípio da confiança e lealdade impede que seja defraudada a legitima expectativa do arguido no sentido de que a partir desse momento se iniciou o cumprimento da proibição de conduzir. Encontrar nos citados preceitos motivo para divergir do exposto seria violar directamente o disposto no preceito acabado de referir e negar a validade da necessária interpretação sistemática que tem como elemento primário e primordial a Constituição. No mais remetemos para o transcrito parecer e jurisprudência aí citada que merece o nosso inteiro acolhimento. Não merece provimento o recurso. *** III. Decisão Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo a decisão recorrida. Não há lugar a tributação do recurso por dela estar isento o Ministério Público. *** Coimbra, 23 de junho de 2015 (Texto processado e integralmente revisto pela relatora). (Maria Pilar de Oliveira - relatora) (José Eduardo Martins - adjunta) |