Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
26/12.1TTGRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: NOTIFICAÇÃO
PRESUNÇÃO
ILISÃO
Data do Acordão: 01/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 253º E 254º/1, 3 E 4 DO CPC.
Sumário: I – Nos termos do artº 253º/1 do CPC, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais, sendo que se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações ser-lhe-ão feitas no local da sua residência ou sede ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber, nos termos estabelecidos para as notificações aos mandatários (artº 255º/1 CPC).

II – Nos termos do artº 254º, nºs 1 e 3 do CPC, os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido…, presumindo-se a notificação postal feita no terceiro dia posterior ao registo, ou no primeiro dia útil seguinte a essa, quando o não seja.

III – Nos termos do nº 4 deste mesmo preceito a notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido…, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere o nº 3 do preceito.

IV – Em caso de não devolução da carta para notificação, a notificação considera-se efectuada no terceiro dia posterior ao do registo…

V – Para que esta presunção seja ilidida é necessário que o interessado o faça no momento em que se pratica o acto, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida.

VI – E para que possa ser ilidida essa presunção a lei exige não só a demonstração de que a notificação não foi efectuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, mas também a demonstração de que tal ocorreu por razões que não lhe sejam imputáveis.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

No âmbito da presente acção com a forma de processo comum que lhe foi movida pelo autor, a ré apresentou em 13/3/2012 a sua contestação.

Com fundamento na intempestividade dessa contestação, esta não foi admitida pelo despacho que está documentado a fls. 2 e 3, aqui dado por reproduzido.

É deste despacho que a ré interpôs recurso, pugnando pela sua revogação.

Apresentou as conclusões a seguir transcritas:

[…]

O autor contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

Apresentou as conclusões a seguir transcritas:

[…]


*

Nesta Relação, a exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer que consta de fls. 85 a 87, sustentado que o recurso não merece provimento.

*

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir

*

II – Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, a única questão a decidir é a de saber em que data deve a ré ter-se por notificada para contestar (20/2/2012 ou 27/2/2012), resultando da resposta a essa questão a intempestividade ou tempestividade da contestação.


*

III – Fundamentação

A) De facto

São os seguintes os factos provados:

Nos presentes autos realizou-se, no dia 16/2/2012, a audiência de partes.

A ré foi citada para essa audiência, tendo faltado à mesma.

O seu legal representante (António Manuel Hilário Tomás) requereu nos autos, em 15/2/2012, a justificação da sua falta à audiência de partes, alegando encontrar-se no estrangeiro e a consequente impossibilidade de comparecer à audiência.

Na audiência de partes, foi ordenada a notificação da ré para contestar no prazo de dez dias.

Foi remetida à ré, sob registo postal de 17/2/2012 (fls. 11), carta de notificação da mesma para contestar a acção, no prazo de dez dias.

No dia 20/12/2012, tentada a entrega da carta à ré, a mesma não foi possível, em consequência do que lhe foi deixado aviso no seu apartado (fls. 13).

Ainda no prazo que lhe foi concedido pelos CTT, no dia 27/2/2012 a ré levantou a carta de notificação para contestar.

A ré contestou em 13/3/2012, juntando o comprovativo do pagamento de multa nos termos e para os efeitos do art. 145º/5/c do CPC.


*

B) De direito

“Às citações e notificações aplicam-se as regras estabelecidas no Código do Processo Civil, com as especialidades constantes dos artigos seguintes.” - art. 23º do CPT.

Nos termos do art. 253º/1 CPC, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais, sendo que se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações ser-lhe-ão feitas no local da sua residência ou sede ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber, nos termos estabelecidos para as notificações aos mandatários (art. 255º/1 CPC).

Nos termos do art. 254º do CPC:

“1. Os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido, podendo ser também notificados pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal.

2. (...).

3. A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

4. A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere o número anterior.

5. (...)

6. As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.”.

Da análise dos normativos acabados de transcrever resulta evidente que no âmbito das notificações por via postal, a data que, por regra, se há-de considerar como da notificação é a que a lei presume e não a da efectiva notificação.
Sendo assim, em caso de não devolução da carta, como sucedeu no caso em apreço, a notificação considera-se efectuada no terceiro dia posterior ao do registo, sendo que, se esse terceiro dia não coincidir com um dia útil, a notificação considera-se efectuada no primeiro dia útil seguinte.

Como assim, no caso dos autos, presume-se que a carta de notificação da ré para contestar foi recebida em 20/2/2012.

Sucede que, como resulta dos factos provados, nesse dia 20/12/2012, tentada a entrega da carta à ré, a mesma não foi possível, tendo-lhe sido deixado aviso no seu apartado, acabando a carta por ser levantada, apenas, no dia 27/2/2012, ainda no prazo que para o efeito lhe foi concedido pelos CTT.

Pretende a ré socorrer-se desta data da entrega como sendo aquela em que a notificação se deve considerar efectuada.

Sem razão, a nosso ver.

É certo que a lei permite que a presunção de notificação acima mencionada seja ilidida, pois está em causa uma presunção relativa.

No entanto, para que o onerado com essa presunção possa tentar ilidi-la, é necessário que o faça no momento em que se pratica o acto, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida – neste sentido acórdão do STJ de 21/2/06, proferido no âmbito do processo com o número 05B4290, que confirmou um acórdão da Relação de Lisboa nesse sentido proferido no âmbito do processo 1452/05.

Ora, lida a contestação, apresentada fora do prazo fixado em função da notificação que deve presumir-se feita em 20/2/2012, logo se verifica que nada foi alegado pela ré no sentido de ilidir a presunção em análise, ficando assim precludido o correspondente  direito da ré.

Por outro lado, para que possa ilidir-se a presunção em causa, a lei exige não só a demonstração de que a notificação não foi efectuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, mas também a demonstração de que tal ocorreu por razões que não lhe sejam imputáveis.

Como assim, se a notificação tiver ocorrido em data posterior à presumida por razões imputáveis ao notificado ou se nem sequer puder determinar-se a razão do assim ocorrido, deve considerar-se que a notificação se efectivou na data presumida.

No caso em apreço, tendo a ré logrado provar que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, não conseguiu provar, a nosso ver, que tal aconteceu por razões que lhe não são imputáveis.

Com efeito, a ré sabia da pendência deste processo, tanto assim que foi notificada para a audiência de partes e requereu a justificação da sua falta à mesma.

Constituiu, até, em 16/1/2012, mandatário judicial, outorgando na procuração que consta de fls. 68, que foi a junta com a contestação.

Sabia a ré, por isso, que por não ter comparecido à audiência de partes, na qual seria notificada para contestar (art. 56º/a do CPT), mais tarde ou mais cedo deveria receber uma carta do tribunal recorrido a notificá-la para contestar.

Ora, quem sabe ser parte num processo judicial e sabe que, por isso, vai receber notificações para a prática de determinados actos, deve providenciar no sentido de haver alguém disponível para receber essas notificações ou, pelo menos, para consultar regularmente a caixa de correio/apartado para se inteirar dos avisos de registos que os correios ali depositem – neste sentido, acórdãos do STJ, de 15/12/1998 (CJ do STJ, Tomo III, pág. 160 e ss) e da Relação de Lisboa de 31/10/07, proferido no âmbito do processo 033/2007-4.

Assim, impunha-se à ré que estivesse minimamente atenta à correspondência que lhe fosse dirigida por via postal pelo tribunal recorrido e que providenciasse no sentido de, pelo menos, ser consultado regularmente o seu apartado para verificação da existência de qualquer aviso ali depositado; mais se lhe impunha que, constatado o depósito de qualquer aviso postal referente a uma carta proveniente do tribunal recorrido, a ré procedesse diligentemente ao respectivo levantamento.

Ora, dos autos e dos factos provados não resulta minimamente a razão pela qual os CTT não lograram fazer a entrega à ré da carta de notificação quando a mesma foi tentada em 20/2/2012; logo, não pode concluir-se no sentido de que a carta não foi entregue à ré nesse dia por razões que lhe foram alheias, pois excluída não está a possibilidade da ré ter actuado de forma intencional no sentido de a entrega da carta não ser conseguida naquele dia.

Por outro lado, fica sem se perceber, minimamente, as razões pelas quais a ré só levantou a carta de notificação em 27/2/2012, quando desde 20/2/2012 estava depositado no seu apartado um aviso para o seu levantamento; por isso, não pode também ter-se por assente que a carta só foi entregue em 27/2/2012 e não antes por razões de todo alheias à recorrente.

De tudo se conclui, pois, no sentido de que a ré não logrou provar que a efectiva entrega da carta em data posterior à decorrente da presunção legal aconteceu por razões alheias à mesma.

É certo que a carta foi entregue no prazo que os CTT fixaram para levantamento dela no aviso depositado no apartado.

Porém, menos certo não é que tal circunstância não permite dar como demonstrado que foi por razões alheias à ré que a carta só lhe foi entregue em data posterior à decorrente da presunção legal.

Na verdade, o prazo concedido no aviso para o levantamento da carta deixado no apartado é um prazo emergente de uma norma administrativa interna, uniformizando o modo de actuar do pessoal dos correios perante uma determinada situação, e que, para o destinatário, tem apenas o significado de que, não sendo a correspondência levantada no prazo fixado, a mesma será devolvida – neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 23/1/07, in CJ, Tomo I, pág. 8, e acórdão da Relação de Lisboa de 9/2/2010, proferido no âmbito do processo 122-C/1998.L1-7.

Não é com base nesse prazo fixado administrativamente pelos CTT que a recorrente consegue demonstrar que foi por razões alheias à sua vontade que a notificação ocorreu em data posterior à presumida.

Assim sendo, não será de atender à data efectiva da notificação, mas à data em que a mesma se presume feita, nos termos do art. 254º/ 3 do CPC (no mesmo sentido do ora decidido, em caso com contornos fácticos semelhantes dos autos, decidiu esta Relação de Coimbra em acórdão proferido no dia 12/4/11 no âmbito da apelação 263/10.3TTFIG.C1, tendo sido relator desse acórdão o ora segundo adjunto), concluindo-se, assim e tal como se decidiu na 1ª instância, que a contestação apresentada em 13/3/2012 foi apresentada fora do seu prazo legal (1/3/2012) e mesmo fora do prazo complementar decorrente do art. 145º/5 do CPC (6/3/12).

Consequentemente, a decisão recorrida não merece censura, antes deve ser confirmada.

*

IV – Decisão
Termos em que deliberam os juízes que compõem esta sexta secção do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Jorge Manuel Loureiro (Relator)

Ramalho Pinto

Azevedo Mendes