Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8/09.0TBMMV-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: PENHORA
BEM IMÓVEL
VALOR
Data do Acordão: 10/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 751º, Nº 3 DO NCPC.
Sumário: I – Da previsão directa do artigo 834º, nº 2 do CPC (actual artigo 751º, nº 3) resulta admitir-se, através da penhora de imóveis, algum excesso de valor destes, relativamente à quantia exequenda, quando seja de presumir que a penhora de bens de outra natureza, designadamente móveis, não permita satisfazer a quantia exequenda no prazo de seis meses.

II – Com esta base, por identidade de razão, tendo-se procedido à penhora de imóveis cuja venda executiva, presumivelmente, não permita satisfazer o crédito exequendo em concreto no prazo de seis meses (por razões de valor desses imóveis ou por estarem onerados), deve aceitar-se o reforço da aptidão executiva à satisfação do crédito exequendo, através da penhora de bens móveis, mesmo que estes excedam o valor do referido crédito.

III – A antevisão do valor do crédito exequendo a considerar no juízo de adequação, em vista do valor dos bens a penhorar, deve reportar-se ao valor que seja previsível vir a ser satisfeito em concreto ao exequente, nas situações de concorrência deste na execução com outros credores.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Através do requerimento executivo certificado a fls. 183/186, J… (Exequente e aqui Apelante) instaurou uma execução para pagamento de quantia certa contra M… (Executado, que deduziu a presente oposição à penhora e, tendo obtido vencimento, ocupa agora a posição processual de Apelado).

            No desenvolvimento da instância executiva – e prescindimos da descrição exaustiva de todas as incidências da execução –, a par da penhora de quatro imóveis (fracções prediais, as indicadas nas alíneas i), ii), iii) e iv) do item 2. de fls. 138 – fracções “E”, “CD”, “AN” e “AL” –, ocorreu a penhora de uma embarcação de recreio “C…, denominada Easy Rider”, sendo que o Executado deduziu oposição à penhora (artigo 863º-A, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil anterior ao texto de 2013) desta (da embarcação de recreio), invocando excesso de penhora em função de se encontrarem já penhorados quatro imóveis, e tendo presente o valor da dívida exequenda (a qual era, liquidada à data da instauração da execução, de €26.118,68).

            1.1. Respondeu o Exequente invocando que os ónus existentes sobre as ditas fracções prediais tornavam improvável a satisfação do crédito através da venda destas, nas presentes condições de mercado, mencionando adicionalmente as dificuldades, ilustradas no processo de execução, de alcançar executivamente bens em nome do Executado.

            1.2. Foi a oposição julgada procedente pela Sentença de fls. 137/144e esta constitui a decisão objecto do presente recurso – determinando-se o levantamento da penhora relativamente à embarcação de recreio, considerando-se excessiva essa abrangência, em função da afirmada circunstância de se ter “começado” pela penhora de bens imóveis[3].

            1.3. Inconformado, reagiu o Exequente apelando a esta instância, formulando as seguintes conclusões a rematar a motivação do recurso:
“[…]


II – Fundamentação

1. Caracterizado o desenvolvimento da oposição à penhora – a um determinado item penhorado – que conduziu à presente instância de recurso, importa apreciar a impugnação do Exequente referida a esse elemento, sendo que o âmbito objectivo desta foi delimitado pelas conclusões transcritas no item antecedente [artigos 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil (CPC)[4]]. Assim, fora dessas conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo o artigo 608º, nº 2 do CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

Constitui objecto ou fundamento do recurso o controlo da asserção decisória central presente na decisão apelada: a penhora da embarcação de recreio do Executado, tendo-se penhorado “primeiramente” bens imóveis[5], expressa uma situação de desproporção do alcance executivo, caindo em função disso na previsão excludente do nº 3 do artigo 821º do CPC (actualmente o artigo 735º, nº 3), sendo relevante para a Sentença apelada (como decorre da nota 3, supra) o disposto no artigo 834º, nº 2 do CPC (actual artigo 751º, nº 3) – chamemos assim a uma espécie de leitura a contrario do artigo 821º, nº 3 do CPC anterior, por referência à sua incidência negativa. 

2.1. Os factos que a decisão, através da fundamentação de fls. 134/135, considerou provados, foram os seguintes:
“[…]

            2.2. Tendo presente este rol de factos – e não esquecendo, nos termos enunciados supra na nota 5, os elementos resultantes do processo de execução –, tendo tudo isto presente, dizíamos, importa apreciar o fundamento do recurso.

            2.2.1. Está em causa a questão da proporcionalidade do alcance executivo, por via da penhora aqui contestada pelo Executado[6], entendida – entendida a afirmada violação do princípio da proporcionalidade – por referência ao artigo 821º, nº 3 do CPC (actualmente o artigo 735º, nº 3) e ao artigo 834º, nº 2 do CPC (actual artigo 751º, nº 3).

Vale o raciocínio que se expressa na Sentença no sentido em que o primeiro dos preceitos (o artigo 821º, nº 3 do anterior CPC[7]) manda, fundamentalmente, limitar a penhora aos bens do executado necessários ao pagamento da dívida executiva e às despesas previsíveis da execução, intuindo-se constituir excesso, que deve ser corrigido por via de afastamento dessa penhora, o que previsivelmente ultrapasse, na sua aptidão de redução a dinheiro através de uma ulterior venda, as projecções valorativas indicadas na norma. E vale este raciocínio, também, entendendo-se o artigo 834º, nº 2 do anterior CPC[8] como impedindo a “tolerância” ou aceitação de algum excesso de penhora quando esta começou por incidir sobre bens imóveis, tratando-se de aferir esse excesso relativamente a bens móveis (foi isto o que se indicou na decisão recorrida no trecho transcrito supra na nota 5). Claro que, neste último caso, já se viu (e continua a valer o que se disse na nota 5) que foi a exaustão da possibilidade prática de penhorar efectivamente (outros) bens móveis ou saldos bancários do Executado – que, na realidade ou só na aparência, os não tem alcançáveis aos credores –, foi esta exaustão, dizíamos, que deslocou a execução para os bens imóveis aqui em causa. E deslocou, seguramente à contre coeur para o Exequente, dado tratarem-se de imóveis já afectos a outras garantias reais ou sujeitos a arrendamento de pendor vinculístico, sendo todas estas incidências factores que consabidamente afectam negativamente o valor de mercado destes bens e, consequentemente, tornam muito problemática a satisfação do crédito do Exequente.

Não cremos, pois, que a referência da decisão recorrida ao artigo 834º, nº 2 do CPC – cuja aplicação em Novembro de 2013 à presente execução nos suscita as maiores dúvidas (v. o artigo 6º da Lei nº 41/2013) – tenha aqui sentido para afastar a penhora de um móvel, uma embarcação de recreio, subsequentemente à penhora de imóveis, desde logo porque aqui a penhora até começou “por outros bens que não bens imóveis” (não é verdade, pois, o que se diz na Sentença), e essa incidência tornou adequada a evolução da penhora para bens imóveis e, depois disso, em função da significativa relativização da garantia propiciada por estes bens (os imóveis) à efectiva satisfação do crédito do Exequente, parece-nos aceitável que, paralelamente à penhora dos imóveis se tenha alcançado (penhorado) um móvel com estas particulares características (repete-se: uma embarcação de recreio) como forma de superar a evidente relativização do valor dos imóveis, tomando por referência a quantia exequenda com os juros já vencidos.

Tenha-se presente que – e citamos a anotação de José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes ao artigo 834º do anterior CPC –, “[…] em regra, a penhora dos prédios, rústicos e urbanos, e do estabelecimento comercial fica reservada para os créditos de maior valor. Isso mesmo é confirmado pela interpretação a contrario sensu do nº 2: a penhora de bens imóveis e do estabelecimento comercial, quando o seu valor ultrapasse o adequado, não é admitida se outros bens presumivelmente permitirem a satisfação integral do credor no prazo de 6 meses[9]. E, enfim, referenciando o regime actual sucedâneo deste, o regime que se expressa no artigo 751º, nº 3 do CPC[10], passou a existir, tão-só, o que Rui Pinto qualifica como “moratória provisória ou gradus executionis temporal na penhora de imóveis ou de estabelecimento comercial”:
“[…]
Permanece no nº 3 do artigo 751º, uma manifestação especial do princípio da proporcionalidade da penhora (cfr. artigo 735º, nº 3): a penhora de imóveis e de estabelecimento comercial apenas se admite quando a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor nos prazos, fixados nas várias alíneas, de doze, dezoito e seis meses.
[…]”[11].

            Ou seja – e trata-se aqui de caracterizar a escassa consistência do argumento pretendido extrair do nº 2 do artigo 834º na versão anterior do Código (que continua a valer no Código actual por via do artigo 751º, nº 3) –, se se tolera, em determinadas condições, o excesso de valor de bens penhorados aferido pelo montante do crédito exequendo, quanto à incidência sobre imóveis, não tem sentido não aceitar esse excesso protagonizado pelo alcance de bens móveis, quando os imóveis já penhorados presumivelmente, por razões de valor em si mesmo ou por acumulação neles de outras garantias reais, não mostrem aptidão a satisfazer integralmente o montante do crédito exequendo no prazo de seis meses assinalado na norma. Com efeito, por motivos de relevante identidade de razão, nada impede esta espécie de inversão lógica da norma em que o excesso é induzido pela penhora adicional de bens móveis (não de bens imóveis como resulta da letra do preceito) quando os imóveis se antevêem insuficientes para satisfazer o crédito exequendo.

            Note-se que esta asserção sai amplamente reforçada quando encaramos as operações projectivas do valor alcançável através dos concretos bens penhorados, referindo-as posteriormente ao valor gerado na dinâmica do processo executivo, em função do concurso nesse processo de garantias sobre esses bens, no sentido em que a consideração de tais garantias (dos créditos a elas associados) tende a relativizar significativamente a possibilidade de satisfação do crédito exequendo em si mesmo. Nestes casos – e o caso presente é destes em parte significativa dos imóveis – a ideia de adequação da penhora, a incidência concreta do princípio da proporcionalidade[12] através do nº 3 do artigo 821º do anterior CPC (actual artigo 735º, nº 3), vale para o valor que seja previsível vir a ser satisfeito ao Exequente, em função da dita afectação garantística prioritária ou preferente dos bens penhorados a créditos de outros credores. Vale, pois, enquanto referencial da adequação da penhora de qualquer bem, o valor do crédito exequendo e os valores dos créditos que tenham sido reclamados nessa execução, projectando-se a esse valor global a adequação dos bens alcançados e aferindo-se possíveis excessos em função da projecção ou antevisão desse valor global. Com efeito, como referem José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes anotando o nº 3 do anterior artigo 821º:
“[…]
Poderá estranhar-se que a adequação seja estabelecida entre o valor do bem penhorado e o da obrigação exequenda, e não antes entre o primeiro e o valor da obrigação exequenda e dos créditos reclamados. Mas, só podendo reclamar na execução os credores com garantia real sobre os bens penhorados (artigo 865º/1), o valor destes, enquanto realizável no processo executivo, tem de atender ao valor das garantias existentes, que o diminuem. Tratando-se de créditos conhecidos, o princípio da adequação leva a que, na altura da penhora, se tenham em conta, na estimativa do produto da venda dos bens, aqueles que devam ser satisfeitos antes do exequente. Aparecendo, após a penhora, a reclamar credores desconhecidos que prefiram ao exequente, o princípio da adequação implica que, verificando-se insuficientes os bens penhorados (por o seu valor de realização se mostrar, afinal, inferior ao estimado), a penhora possa ser reforçada (artigo 834º-3/b). A relação de adequação que o artigo 834º-1 exprime reporta-se ao momento inicial da penhora (‘a penhora começa’) e, não sendo rígida, vai-se adaptando em função das vicissitudes da execução […].
[…]”[13].

            O significado destas considerações aplicadas ao caso concreto parece-nos intuitivo. Para além da relativização da capacidade de mobilização de valor apto a ser entregue ao Exequente das penhoras incidentes sobre as fracções indicadas em 2 ii), 2 iv) e 2 iii) do rol dos factos (v. também itens 3 a 5), afectas privilegiadamente a outras garantias, o bem imóvel no qual o Exequente aparece como primeiro credor graduado (a fracção E, v. item 2 i) e 6), não obstante o seu “valor comercial presumível” assumido nos factos (itens 7 e 8 dos factos), mostra-se afectado por um arrendamento de pendor vinculístico e, somadas despesas e juros e descontadas as vicissitudes presentes do mercado imobiliário (que aqui expressamos perguntando: haverá numa venda executiva potencialidade real de vender a terceiros, por €57.000,00 ou mais, um apartamento na Amadora, arrendado e sujeito a uma hipoteca legal registada em 2012?), somadas estas incidências, dizíamos, não nos parece desproporcionada a afectação, num quadro de adequação do alcance executivo ao valor realmente em causa na execução, de um bem móvel com as características de uma embarcação de recreio, que até pode ser visto como um bem supérfluo (particularmente vocacionado a uma operação sacrificial, no altar do interesse do credor) e que se apresenta como menos contingente na potencialidade de redução a dinheiro, comparativamente aos imóveis aqui alcançados. Parece-nos aceitável, assim, que se complemente a penhora referida a fracções prediais, num quadro de potenciação de uma efectiva realização da tutela executiva, com a penhora do bem móvel aqui em causa. Em qualquer caso, não nos parece desproporcionada, por inadequação de valores, a penhora incidente sobre uma embarcação de recreio (pertencente a quem já foi dono de, pelo menos, um Ferrari), como complemento, ou reserva de afectação, de uma quantia exequenda que, na melhor das hipóteses para o Exequente, estará no limiar da suficiência e, na realidade que já podemos antever, com tendência acelerada em direcção à insuficiência. Não cremos, sinceramente, que o direito do credor a realizar efectivamente a garantia patrimonial através do património do devedor deva ser relativizada nos termos em que a decisão apelada induz.

            O princípio da proporcionalidade expressa – e lembramos ter sido com base neste que a penhora da embarcação foi afastada pela decisão recorrida – uma ideia de equilíbrio de valores colocados em confronto. Ora, o valor constitucionalmente relevante referenciado ao Executado, aqui afectado pelo alcance executivo, correspondendo ao direito de propriedade (artigo 62º, nº 1 da Constituição) deste sobre a embarcação de recreio, com o sentido de este não dever ser afectado desproporcionadamente (artigo 18º, nº 2 da Constituição), não deixa tal direito de aqui nos aparecer num plano de tendencial paridade valorativa, cremos mesmo que de igualdade axiológica, com o direito de crédito do Exequente, sendo que este também expressa uma posição referenciável – aliás, não menos referenciável – à tutela da propriedade privada[14].

            Valem estas considerações, e assim concluímos a apreciação do presente recurso, no sentido de afastar a decisão recorrida, mantendo a afectação executiva sobre a embarcação de recreio visada na oposição à penhora. Procede inteiramente, pois, o recurso.

            2.3. Sumário elaborado pelo relator:
I – Da previsão directa do artigo 834º, nº 2 do CPC (actual artigo 751º, nº 3) resulta admitir-se, através da penhora de imóveis, algum excesso de valor destes, relativamente à quantia exequenda, quando seja de presumir que a penhora de bens de outra natureza, designadamente móveis, não permita satisfazer a quantia exequenda no prazo de seis meses;
II – Com esta base, por identidade de razão, tendo-se procedido à penhora de imóveis cuja venda executiva, presumivelmente, não permita satisfazer o crédito exequendo em concreto no prazo de seis meses (por razões de valor desses imóveis ou por estarem onerados), deve aceitar-se o reforço da aptidão executiva à satisfação do crédito exequendo, através da penhora de bens móveis, mesmo que estes excedam o valor do referido crédito;
III – A antevisão do valor do crédito exequendo a considerar no juízo de adequação, em vista do valor dos bens a penhorar, deve reportar-se  ao valor que seja previsível vir a ser satisfeito em concreto ao exequente, nas situações de concorrência deste na execução com outros credores.


III – Decisão

            3. Face ao exposto, na procedência da apelação, revogando-se a decisão recorrida, determina-se a manutenção na execução da penhora incidente sobre a embarcação de recreio denominada “Easy Rider” com a referência C...

            As custas em ambas as instâncias ficam a cargo do Executado.


 (J. A. Teles Pereira)
(Manuel Capelo)
(Jacinto Meca)



                                                             ***


[1] Recurso com origem no extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz.

[2] Referimo-nos ao chamado Novo Código de Processo Civil (doravante CPC) aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, sendo que estamos perante um processo iniciado em 2009 (v. fls. 198, referindo-nos à execução que constitui o processo-base deste apenso que foi proposta em 04/01/2009), sendo que a decisão aqui recorrida (corresponde esta à referência Citius 5007416, v. fls. 137/144), corresponde a um apenso de oposição a penhora e foi proferida em 29/11/2013 (v., conjugadamente, os artigos 5º, nº 1, 7º, nº 1 e 8º da Lei nº 41/2013, cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, 2013. p. 15). 
[3] Disse-se a este propósito na Sentença:
“[…]

Na situação sub judice, afigura-se-nos que estamos, efectivamente, perante um excesso de penhora.

De facto, a quantia exequenda cifra-se, na data de hoje, em €34.100,48 (€31.000,44 + 10% a título de despesas previsíveis da execução).

Quanto aos imóveis id. em 2. ii) e iv), atentos os ónus registados, não é de prever que o exequente venha a receber alguma quantia pela sua venda.

Já quanto ao imóvel id. em 2. iii), com a sua venda, poderá o exequente ser parcialmente ressarcido do seu crédito uma vez que, sobre o mesmo, incide apenas uma penhora anterior, no valor de €758,01, desde que reclame o seu crédito no processo executivo competente.

O imóvel id. em 2. i) tem um valor comercial presumível de €57.000,00, sendo o valor mínimo de venda de 85%, ou seja, €48.450,00.

Na fixação do valor comercial de tal imóvel, foi tido em consideração que o mesmo se encontra arrendado, não sendo despiciendo o valor da renda paga.

Ainda que se considere o seu valor patrimonial, o valor mínimo de venda é de €45.046,18 (85% de €52.995,50).

Em relação a este imóvel, não há créditos graduados antes do crédito exequendo.

Evidente que é o excesso de penhora, será esse excesso admissível à luz do disposto no art. 834º n.º 2 do CPC?

Prevê este normativo que, ainda que não se adeqúe, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial, quando a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses.

Ora, resulta deste normativo que tal excesso apenas é admissível se a penhora começar por outros bens que não bens imóveis.
[…].

Do que acabamos de dizer, resulta que, ainda que se preveja que o exequente não será integralmente ressarcido no prazo de 6 meses, está vedado o excesso de penhora se a mesma se iniciou por bens imóveis, como é o caso dos autos.
[…]”.
[4] Vale aqui como precedente, com contínua relevância no CPC actual, o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[5] Esta asserção – a de que se começou logo por penhorar imóveis – não é pura e simplesmente confirmada pelo registo citius referente à execução base, à qual tivemos acesso, patenteando esta – e trata-se de incidências que o Tribunal a quo conhecia nos termos do artigo 514º, nº 2 do CPC anterior, actual artigo 412º, nº 2 actual –, patenteando a execução, dizíamos, a procura inicial pelo Exequente e pela Agente de execução de bens móveis cujo valor pecuniário e características permitiriam uma mais fácil realização do crédito exequendo, no caso duas viaturas de marca Ferrari pertencentes ao Executado. Ora, a este respeito, limitar-nos-emos a sublinhar aqui, dizendo que também isso era acessível ao Tribunal a quo, as vicissitudes que conduziram à impossibilidade de alcance executivo desses Ferraris e de outros bens com aptidão idêntica no quadro da execução (depósitos bancários, por exemplo).
Note-se, quanto à apelativa questão dos Ferraris, que no dia 22/01/2009 o Registo Automóvel registava, passe a redundância, em nome do Executado, pelo menos, a propriedade de um Ferrari, nos termos que aqui reproduzimos a partir do suporte citius da própria execução (note-se que foi o posterior reconhecimento de que o Executado teria vendido os Ferraris a terceiros, embora não registado essa venda no caso de um deles, que impediu a penhora destes:
“[…]


OQ-…

CONSERVATORIA DO REGISTO AUTOMOVEL DE PORTO

CARACTERÍSTICAS DO VEÍCULO


Matricula: OQ-… Ano: 1990 Categoria: LIGEIRO

Tipo: PASSAGEIROS Marca: FERRARI Modelo: F 119 AS

Quadro: … Motor: Reg. Ant.: 6

Cilindrada: 3405 Combustível: GASOLINA Cor: PRETO

Imposições Fiscais:

PROPRIETÁRIO

Nome: M…

NIPC: …

Morada: … Cod. Postal: 3000 COIMBRA

Registo de Propriedade: … Data: 18/03/1998

Quota:


NÃO EXISTE REGISTO DE ENCARGOS

[…]”.


 
[6] “[A penhora constitui], descritivamente, um acto do Tribunal (nos tempos que correm um acto praticado por um agente de execução), situado no desenvolvimento de uma instância executiva – a penhora é, neste sentido, um acto processual –, cuja função consiste, na dinâmica do processo, na concentração em certos bens do devedor (aqueles que forem objecto desse acto) da subsequente actividade judicial tendente a realizar o respectivo valor para satisfação do pedido executivo../../../../../../Documents and Settings/fa00140/Os meus documentos/Jurisprud├¬ncia/C├¡vel/3┬¬ Sec/Dr. Teles Pereira/Apela├º├úo n┬║ 1625_09_4.doc - _ftn10.
É através da penhora que a tutela executiva específica evolui de um plano de alcance geral do património do executado para um alcance já referido (já limitado) a determinados bens. Ou seja – e referenciamos o acto processual da penhora ao que este já envolve como efeito substantivo para os bens alcançados por ela –, ‘[…] produz [a penhora] a concentração do direito do credor sobre o património do devedor nos bens efectivamente apreendidos pelo tribunal, criando sobre estes bens, a favor do exequente e dos credores cujos créditos venham a ser verificados no processo, um direito real de garantia’. Este direito, ‘[…] que não dá poder de disfruto da res, mas que incide apenas sobre o valor pecuniário dela e com a finalidade específica de satisfação de um crédito pecuniário, altera, a referenciação subjectiva do poder de disposição desses bens, passando este a integrar a jurisdição executiva do Tribunal../../../../../../Documents and Settings/fa00140/Os meus documentos/Jurisprud├¬ncia/C├¡vel/3┬¬ Sec/Dr. Teles Pereira/Apela├º├úo n┬║ 1625_09_4.doc - _ftn11. E, com efeito, não perdendo o Executado com a penhora, propriamente, o poder de dispor do bem alcançado, gera-se uma indisponibilidade relativa dos actos dispositivos subsequentes que incidam sobre esse bem. Porém, ficam ressalvados – rectius, são válidos – os actos dispositivos anteriores à penhora, desde que intrinsecamente válidos, como sucede com uma compra e venda de um veículo celebrada consensualmente.
[…]” (Acórdão desta Relação de 19/12/2012, proferido pelo ora relator no processo nº 1625/09.4TBCTB-A.C1, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/92e0c4dab5c4476080257af7003fb3db
[7]

Artigo 821º
(Objecto da execução)
1. Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
2. Nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele.
3. A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respectivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da relação, ou seja superior a este último valor.
Artigo 735º [actual CPC]
(Objecto da execução)
1. Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
2 - Nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele.
3 - A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.
[8]
Artigo 834º
(Ordem de realização da penhora)
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
2. Ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, só é admissível a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial, quando a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses.
3 - A penhora pode ser reforçada ou substituída pelo agente de execução nos seguintes casos:
a) Quando o executado requeira ao agente de execução, no prazo da oposição à penhora, a substituição dos bens penhorados por outros que igualmente assegurem os fins da execução, desde que a isso não se oponha o exequente;

b) Quando seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens penhorados;
c) Quando os bens penhorados não sejam livres e desembaraçados e o executado tenha outros que o sejam;
d) Quando sejam recebidos embargos de terceiro contra a penhora, ou seja a execução sobre os bens suspensa por oposição a esta deduzida pelo executado;

e) Quando o exequente desista da penhora, por sobre os bens penhorados incidir penhora anterior;
f) Quando o devedor subsidiário, não previamente citado, invoque o benefício da excussão prévia.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------.

A redacção em vigor imediatamente antes do Novo CPC (aqui a redacção introduzida pela Lei nº 60/2012, de 9 de Novembro) era a seguinte:
Artigo 864º
(Ordem de realização da penhora)
1 - Independentemente da ordem pela qual o exequente indicou bens à penhora, do resultado das diligências prévias à penhora e dos bens nomeados à penhora pelo executado, o agente de execução deve efectuar a penhora daqueles bens preferencialmente pela seguinte ordem:
a) Penhora de depósitos bancários;
b) Penhora de rendas, abonos, vencimentos, salários ou outros créditos se permitirem, presumivelmente, a satisfação integral do credor no prazo de seis meses;
c) Penhora de títulos e valores mobiliários;
d) Penhora de bens móveis sujeitos a registo se, presumivelmente, o seu valor for uma vez e meia superior ao custo da sua venda judicial;
e) Penhora de quaisquer bens cujo valor pecuniário seja de fácil realização ou se mostre adequado ao montante do crédito do exequente.
2 - Ainda que não se adeqúe, por excesso, ao montante do crédito exequendo, só é admissível a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial desde que:
a) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de doze meses, no caso de a dívida não exceder metade do valor da alçada do tribunal de primeira instância e o imóvel seja a habitação própria permanente do executado;
b) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de dezoito meses, no caso de a dívida exceder metade do valor da alçada do tribunal de primeira instância e o imóvel seja a habitação própria permanente do executado;
c) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses, nos restantes casos.
3 - A penhora pode ser reforçada ou substituída pelo agente de execução nos seguintes casos:
a) Quando o executado requeira ao agente de execução, no prazo da oposição à penhora, a substituição dos bens penhorados por outros que igualmente assegurem os fins da execução, desde que a isso não se oponha o exequente;

b) Quando seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens penhorados;
c) Quando os bens penhorados não sejam livres e desembaraçados e o executado tenha outros que o sejam;
d) Quando sejam recebidos embargos de terceiro contra a penhora, ou seja a execução sobre os bens suspensa por oposição a esta deduzida pelo executado;

e) Quando o exequente desista da penhora, por sobre os bens penhorados incidir penhora anterior;
f) Quando o devedor subsidiário, não previamente citado, invoque o benefício da excussão prévia.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------.

E esta é a versão correspondente actual, decorrente da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho:
Artigo 751º [actual CPC]
(Ordem de realização da penhora)
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
3. Ainda que não se adeqúe, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial desde que:
a) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses, no caso de a dívida não exceder metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e o imóvel seja a habitação própria permanente do executado;
b) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de 18 meses, no caso de a dívida exceder metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e o imóvel seja a habitação própria permanente do executado;
c) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses, nos restantes casos.
[9] Código de Processo Civil anotado, Vol. 3º, Coimbra, 2003, p. 395.
[10] Regime (o da Reforma da acção executiva de 2013) cujo traço distintivo central a este respeito se expressa no fim do chamado gradus executionis objectivo, excepção feita à penhora de saldos bancários, com o sentido implícito no nº 7 do actual artigo 780º (v. Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra, 2014, p. 558).
[11] Notas ao Código de Processo Civil, cit., p. 558.
[12] A “adequação” expressa um elemento particular do princípio da proporcionalidade, também referida como um dos testes de proporcionalidade:
“[…]
The proportionality test consists of four rules, namely legitimate ends, suitability [adequação], necessity, and proportionality in its narrow sense. The first stage examines whether the act pursues a legitimate aim; necessity, whether the act impairs the rights as little as possible; and the balancing stage, whether the act represents a net gain, when the reduction on enjoyment of rights is weighed against the level of realization of the aim. The principle of suitability is an expression of the idea of Pareto-optimality and excludes the adoption of means which obstruct at least one right without promoting any other right or interest.
[…]” (Matthias Klatt, Moritz Meister, The Constitutional Structure of Proportionality, Oxford, 2012, pp. 8/9).
A referência final da citação ao conceito de “óptimo de Pareto”, também designado como “eficiência de Pareto” (do economista italiano Vilfredo Pareto 1848-1923), introduz no conceito de adequação, ligado ao princípio da proporcionalidade como elemento relacional intersubjectivo, a ideia de eficiência caracterizando esta em termos pareteanos: pode definir-se a “eficiência de Pareto” como a situação social em que só se consegue uma melhoria para alguém, se pelo menos outra pessoa sofrer por esse motivo algum prejuízo, trata-se aqui de assimilar o modelo, como se diz na citação, à exclusão por inadequação de obstruções ou violações de um direito que não gerem a concretização de um outro direito ou interesse, sendo que aqui corresponde à afectação do direito de propriedade do executado a garantia do direito do credor, satisfazendo-se nessa medida o critério de eficiência pareteana (v. sobre a “eficiência de Pareto”, Fernando Araújo, Introdução à Economia, Vol. I, 2ª ed., Coimbra, 2004, pp. 414/415).
[13] Código de Processo Civil anotado, Vol. 3º, cit., p. 342.
Ideia esta que vale inteiramente para o actual CPC:
“[…]
O preceito do artigo 821º, nº 3 = artigo 735º, nº 3 nCPC lida, assim, com uma dupla estimativa: a do valor dos bens e a do valor das despesas de justiça.
Relativamente ao valor dos bens importa operar uma prognose não só do valor do produto arrecadável, mas ainda do valor, o quantum desse valor, que chegará, no final, às mãos do exequente. Neste sentido, ensina Lebre de Freitas que devem ser levadas em conta na extensão inicial da penhora às garantias reais de terceiro: accionadas em sede de reclamação de créditos, elas reduzirão a parte do produto da venda a receber pelo exequente.
É, tendo em conta estas limitações, que se deve aferir se os bens a penhorar são ou não são os necessários.
[…]” (Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, Coimbra, 2013, p. 563).
[14] Tenha-se presente, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, anotando o artigo 62º da Constituição, que “[o] objecto do direito de propriedade não se limita ao universo das coisas. Parece seguro que ele não coincide com o conceito civilístico tradicional, abrangendo, não apenas a propriedade de coisas (mobiliárias e imobiliárias), mas também […] outros direitos de valor patrimonial (direitos de autor, direitos de crédito, partes sociais), etc. O alargamento do conceito de propriedade a outros bens, para além da proprietas rerum, representa uma extensão da garantia constitucional e traduz, por um lado, uma diversificação do objecto do direito de propriedade para fora do seu paradigma oitocentista e, por outro lado, a descaracterização do seu figurino originário de garantia absoluta de livre utilização e disposição exclusiva de um determinado bem” (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2007, p. 800).