Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1630/03.4TBAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
COMUNICAÇÃO
VIA PÚBLICA
Data do Acordão: 10/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE MÉDIA E PEQUENA INSTÂNCIA CÍVEL DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 1550º DO CC
Sumário: I – A faculdade de exigir a constituição de uma servidão de passagem, ao abrigo do disposto no art. 1550º do CC, pressupõe uma situação de encrave (seja ele absoluto ou relativo) do prédio em benefício do qual se requer a constituição da servidão, situação essa que ocorre quando o prédio não tem qualquer comunicação com a via pública (encrave absoluto), quando o prédio apenas poderia ter comunicação à via pública com excessivo incómodo ou dispêndio ou quando a comunicação do prédio com a via pública é insuficiente (encrave relativo).

II – O preenchimento do conceito legal “comunicação insuficiente com a via pública” tem que ser aferido através da definição daquelas que são as necessidades normais do prédio face à afectação que, em dado momento, lhe está atribuída e à concreta exploração de que está a ser objecto.

III – Sendo possível aceder, a pé, da via pública a qualquer ponto do prédio e não estando demonstrado que o acesso de veículos a determinado ou determinados locais desse mesmo prédio seja necessário à sua normal fruição e exploração económica, tendo em conta a sua afectação e a concreta exploração que dele está a ser efectuada, não poderá ser afirmada a existência de uma situação de encrave relativo, por insuficiente comunicação do prédio com a via pública, que justifique a constituição de uma servidão legal de passagem sobre um prédio vizinho de forma a permitir o acesso de veículos.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A..., S.A. (entretanto substituída, por meio de incidente de habilitação, por B..., Ldª) intentou a presente acção contra C... (entretanto falecido e ora representado pelos seus herdeiros, devidamente habilitados, D..., E... e F...) e contra D..., melhor identificados nos autos, alegando, em suma, que:

É dona de um prédio urbano e de um prédio rústico (que identifica), a norte dos quais existe um terreno para construção pertencente aos Réus; entre os prédios da Autora e o prédio dos Réus sempre existiu uma faixa de terreno com cinco metros de largura, pela qual a Autora e seus antecessores sempre passaram para aceder ao seu prédio rústico e à parte de trás do seu prédio urbano; tal faixa de terreno faz parte integrante dos seus prédios e, ainda que assim não se entenda, sempre terá um direito de passagem adquirido por usucapião; todavia, os Réus iniciaram a construção de um edifício no prédio de que são proprietários e procederam à terraplanagem da aludida faixa de terreno aí iniciando a construção de um muro, sendo que a vala aberta para as sapatas desse muro e estas sapatas situam-se em terrenos da Autora, além de impedirem a sua passagem naquela faixa de terreno, sendo que esse é o único acesso de que dispõe. Mais alega que, de qualquer forma, sempre lhe assistirá o direito de exigir a constituição de servidão de passagem sobre o prédio dos Réus, porquanto não pode aceder do seu prédio rústico e das traseiras do urbano à via pública sem que proceda à demolição de parte do pavilhão ali implantado o que lhe acarretaria prejuízos desproporcionados e excessivos computáveis em não menos de 50.000,00€.

Com estes fundamentos, pede:

a) Que se declare que a Autora é dona dos prédios descritos no art.º 1º da p.i., que incluem a faixa de terreno referida e descrita em 7º a 11º desse articulado;

b) A condenação dos Réus a tal reconhecer e a restituírem à Autora a totalidade da dita faixa de terreno, deixando-a livre e devoluta;

Subsidiariamente, pede:

c) Que seja fixada a estrema entre os dois prédios da Autora e o prédio dos Réus através de uma linha recta que, partindo da via pública – sita a poente dos prédios da Autora e dos Réus – se prolongue até à estrema nascente do prédio rústico da Autora e do prédio urbano dos Réus, e que dista a cinco metros da parede externa norte do prédio urbano da Autora ou, se assim se não entender, de acordo com a lei e com a prova que se vier a produzir em julgamento, cravando-se marcos no solo assinalando tal linha divisória;

d) Que se reconheça à Autora o direito de passagem a pé, de carro e camião sobre a dita faixa de terreno, caso venha a ser considerado que tal faixa não lhe pertença total ou parcialmente;

E, subsidiariamente, em relação aos supra referidos pedidos, pede:

e) Que seja constituído, a favor dos dois prédios da Autora, descritos no art.º 1º da p.i., o direito de servidão de passagem de pé, de carro, de camião, sobre o logradouro dos prédios dos Réus, a qual deverá ser materializada numa faixa de terreno com largura mínima de cinco metros, contados da parede externa norte do edifício construído no prédio urbano da Autora, partindo da via pública a poente, seguindo em direcção a nascente até à testeira poente do prédio rústico da Autora.

Os Réus contestaram, impugnando os factos alegados pelos Autores e alegando, em suma, que o prédio da Autora tem acesso à via pública, nunca tendo existido entre o seu prédio e o prédio dos Réus qualquer caminho e inexistindo qualquer servidão de passagem.

Mais alegam que, por força do embargo do muro, os Réus ainda não conseguiram legalizar o pavilhão que aí construíram e pelo qual poderiam receber pelo menos 3.000,00€ de rendas.

Com estes fundamentos, concluem pela improcedência da acção, pedindo ainda que a Autora seja condenada a indemnizar os Réus pelos prejuízos que o embargo lhes está a causar e em valor a liquidar posteriormente e que a Autora seja condenada por litigância de má fé em multa e indemnização não inferior a 5.000,00€.

A Autora respondeu reafirmando a posição inicialmente assumida, impugnando os prejuízos alegadamente sofridos pelos Réus e sustentando não haver lugar à sua condenação como litigante de má fé.

Foi proferido despacho saneador e foi efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, decidindo nos termos que, a seguir, se reproduzem:

a) Declara-se o direito de propriedade da autora habilitada “ B..., S.A.” sobre os prédios descritos em A) e C) dos Factos Provados;

b) Sem prejuízo da indemnização devida pela autora aos réus, nos termos dos arts.º 1552º e 1554º do Código Civil, a liquidar, declara-se constituída, a favor daqueles prédios da autora, uma servidão legal de passagem de carro e camião, por uma faixa de terreno com a largura total de 3 metros, metade da qual (1,5 metros) no prédio dos réus descrito em F), e a outra metade nos prédios da autora, contando-se a largura total de 3 metros do caminho assim constituído, a partir da parte externa da parede norte do pavilhão da autora, caminho esse que, partindo da via pública a poente, segue em direcção a nascente, até à testeira nascente do prédio descrito em C), numa extensão de 92,20 metros.

c) Julgam-se improcedentes os demais pedidos formulados pela autora, indo os réus dos mesmos absolvidos.

d) Julga-se improcedente o pedido reconvencional, dele absolvendo a autora.

Improcede o incidente de litigância de má fé suscitado pelos réus”.

Inconformadas com essa decisão, as Rés vieram interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

A) As Apelantes recorrem de apelação da parte da douta sentença recorrida que as condenou a “sem prejuízo da indemnização devida pela autora aos réus, nos termos dos artigos 1552º e 1554º do Código Civil, a liquidar, declara-se constituída, a favor daqueles prédios da autora, uma servidão legal de passagem de carro e camião, por uma faixa de terreno com a largura total de 3 metros, metade da qual (1,5 metros) no prédio dos réus descrito em F), e a outra metade nos prédios da autora, contando-se a largura total de 3 metros do caminho assim constituído, a partir da parte externa da parede norte do pavilhão da autora, caminho esse que, partindo da via pública a poente segue em direcção a nascente, até à testeira nascente do prédio descrito em C), numa extensão de 92,20 metros.”

B) As Apelantes, com a presente apelação, pretendem colocar à douta sindicância deste Venerando Tribunal os seguintes pontos da: a) recorrer da matéria de facto julgada provada pelo Tribunal a quo sob os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 18, 19, 20, 21 e 22 (na parte em que se lê “confinavam, antes das construções levadas a efeito no prédio referido em A)”) dos factos provados constantes da douta sentença recorrida, por entender que houve um manifesto erro de julgamento e contradição entre a decisão e a própria fundamentação de facto, como infra se dirá; e b) recorrer de direito, já que a solução de mérito dada ao caso sub judice não se nos afigura, com o devido respeito por douta decisão em contrário, a mais correcta atendendo às normas jurídicas convocáveis para a sua resolução.

C) No que concerne à impugnação da matéria de facto julgada pelo Tribunal a quo e supra indicada, as Apelantes entendem, com o devido respeito, que o Tribunal a quo não fez uma análise critica e global de toda a prova produzida, havendo prova nos autos que contrariam os factos aqui impugnados dados como provados, designadamente, a prova documental – certidões prediais dos prédios objecto da lide, fotografias, projecto de arquitectura e licenciamento das obras de construção do edifício implantado nos prédios da Apelada – e a prova por inspecção ao local, bem como há contradição entre tais factos dados como provados e a douta fundamentação de facto constante da douta sentença recorrida.

D) Deste modo, no que concerne aos factos dados como provados sob os pontos 1 e 2 da douta sentença recorrida, que têm por objecto as confrontações dos dois prédios pertencentes à Apelada, o Tribunal a quo, ao considerar provada tal factualidade, não analisou correctamente as certidões prediais juntas aos autos, como também ao dar como provada tais factos há contradição quer com a sua própria fundamentação de facto quer mesmo contradição com outros factos que resultaram provados. Ora

E) O Tribunal a quo, ao dar como provadas tais confrontações contraria a realidade predial que pôde constatar com a inspecção ao local, bem como os documentos que se encontram juntos aos autos e o que as próprias testemunhas indicaram e que o Tribunal a quo na douta fundamentação de facto refere.

F) Com efeito o Tribunal a quo dá como provado que o prédio identificado em A) confina a nascente com o prédio identificado em C), contudo na douta fundamentação de facto refere o seguinte, quanto à análise do depoimento da testemunha G..., anterior proprietário dos dois prédios que hoje pertencem à Apelada: “Em face do ali alegado, mal se entende o depoimento da testemunha G..., que, nestes autos, veio sustentar que a confinância dos prédios A) e C) era a nascente/poente, o que foi contrariado pelas testemunhas que conheciam o local, antes das construções”, continuando, “a testemunha H...disse que o prédio hoje dos réus pertenceu a seu pai, N..., tendo depois ficado para a sua irmã e cunhado, I..., conhecendo, por isso, bem os prédios. Referiu que os prédios adquiridos pelo G..., ambos ao comprido, batiam com a estrada, confinando entre si pelo norte/sul. No mesmo sentido depôs a testemunha J..., primeiro industrial a instalar-se na zona, em frente aos prédios em questão, por volta de 1975/76. Referiu que o G... comprou duas leiras, que ambas confinavam com estrada a poente, e alisou os terrenos, tendo depois construído, deixando apenas cerca de 1,5 metros até à estrema com o vizinho I....”

G) Concluindo o Tribunal a quo, na douta fundamentação de facto, quanto a estes pontos de factos que “da prova produzida, resulta que o pavilhão foi edificado junto à estrada, ocupando particamente toda a largura dos dois anteriores prédios rústicos adquiridos por G..., passando, depois disto, a considerar como prédio urbano a parte poente dos dois prédios, e como prédio rústico, as traseiras do urbano, ou seja, a parte nascente daqueles prédios.” Ora

H) Esta conclusão, não se encontra demonstrada nem evidenciada por prova documental, nem mesmo testemunhal, designadamente, que com a construção do pavilhão ocupando os dois prédios – o identificado em A) e o identificado em C) – a considerar-se como prédio urbano a parte poente dos dois prédios e o rústico a parte nascente dos dois prédios.

I) Na verdade, o Tribunal a quo nunca poderia considerar que o prédio urbano – o identificado na alínea A) – passou a integrar, como se de anexação se tratasse, a parte poente dos prédios rústicos, pois tal não resulta das confrontações prediais conforme documentos de fls., nem sequer foi alegado ou está registada qualquer anexação de prédios, qualquer destaque predial que pudesse levar a uma reconfiguração predial dos prédios pertencentes à Apelada.

J) Com efeito, analisando as certidões prediais juntas aos autos, das confrontações dos dois prédios pertencentes à Apelada, o rústico e o urbano, estes confrontam, ambos, a poente com estrada e são ambos sob o comprido, sendo que o prédio identificado em A) – o urbano – confronta a norte com o prédio identificado em C), tal como referiram as testemunhas indicadas pelo Tribunal a quo.

K) Donde não pode o Tribunal a quo, partir de uma mera suposição que não encontra suporte nos documentos registais, e dizer que a parte da frente dos dois prédios passa a ser considerada urbana e a parte de trás dos dois prédios a parte rústica, quando tal contraria a natureza e a existência como prédios distintos e autónomos – já que não houve qualquer acto de emparcelamento, e até foram adquiridos pela mesma pessoa na mesma altura, como consta do registo –, isso seria eliminar dois prédios e criar dois novos e distintos prédios, o que nunca ocorreu, não foi alegado nem resulta das certidões prediais juntas.

L) Por outro lado, se o prédio urbano – o da alínea A) – confrontasse a nascente com o rústico – o da alínea C) – então como explica o Tribunal a quo que na acção que o anterior proprietário desses dois prédios, após os ter adquirido, ter instaurado uma acção contra o anterior proprietário do prédio que hoje pertence às Apelantes – acção essa identificada sob a alínea L) dos factos assentes na douta base instrutória – apenas tenha identificado como confrontando com o prédio das Apelantes a norte o prédio identificado sob a alínea C) e não já também o prédio identificado em A)?

M) Tal também releva uma contradição entre a matéria de facto provada e a própria fundamentação de facto dada pelo Tribunal a quo, tanto mais que o próprio Tribunal dá como provado sob o ponto 23 que os anteproprietários dos prédios referidos em A) e C), então rústicos, ocuparam toda a frente dos mesmos, que dá para a estrada, com a construção do pavilhão e anexos.

N) Com efeito, nunca o prédio pertencente às Apelantes confrontou do sul com o prédio pertencente à Apelada e identificado sob a alínea A) dos factos assentes, como resulta da descrição predial do mesmo enquanto rústico, sendo que o averbamento que posteriormente foi feito não corresponde minimamente à realidade e tanto assim é que o anteproprietário dos prédios da Apelada nem sequer alterou as confrontações do prédio rústico identificado em C) dos factos assentes e, como tal, nunca poderia existir uma faixa de terreno e a ser utilizada como caminho entre os prédios objecto dos presentes autos, porquanto

O) O único prédio pertencente à Apelada que confronta com o prédio das Apelantes é o prédio rústico identificado sob a alínea C) dos factos assentes, prédio este que como resulta da sua descrição predial confronta a ponte com estrada e, portanto, tem acesso directo à via pública, não necessitando de ocupar o prédio das Apelantes para transitar para a parte traseira.

P) Daí que não resultou minimamente provado que exista ou existisse uma faixa de terreno com três metros ao longo da estrema norte do prédio identificado em C) que desse acesso às traseiras deste prédio, quando o mesmo tem toda a sua frente voltada para a via pública, como também não faz sentido que a mesma seja utilizada para aceder às traseira do prédio identificado em A), quando este nem sequer confronta com o prédio das Apelantes, pelo que também a matéria julgada provada sob os pontos 3, 4, 5 e 6 constante da douta sentença deverão ser julgados não provados.

Q) Refira-se, também que o anterior proprietário dos prédios que hoje pertencem à Apelada os adquiriu, ambos, em Março de 1990 – como resulta das certidões prediais juntas aos autos – , tendo posteriormente, em 19 de Setembro de 1991 instaurado a acção judicial identificada sob a alínea L) dos factos assentes e em que peticionava o reconhecimento para o prédio identificado na alínea C) também dos factos assentes a faixa de terreno objecto dos presentes autos e onde o anterior proprietário do prédio que hoje é das Apelantes estava a colocar esteios para delimitar a sua estrema.

R) Pelo que se o anterior proprietário dos prédios das Apelada instaurou tal acção e onde alega, conforme certidão judicial junta aos autos a fls., que construiu um pavilhão para indústria no seu prédio (o da alínea C) dos factos assentes) – artigo 8º da petição inicial desse processo – não referindo aí a existência do prédio urbano ou sequer que o mesmo confrontasse com o prédio das Apelantes, o que mais uma vez se vê que nunca poderia o Tribunal a quo considerar provada a factualidade dos pontos 1 e 2.

S) E tendo a sentença em tal processo sido proferida em Junho de 1992, só posteriormente a tal data poderá o anterior proprietário ter abusivamente passado por um trato de terreno que pertence às Apelantes, mas sempre com a oposição dos proprietários, pelo que nunca poderia ser dada como provado que tal alegada passagem ocorreu durante pelo menos 13 anos e muito menos que também o era para as traseira do prédio identificado em A), quando na acção supra mencionado apenas o Autor da acção punha em causa o acesso ao prédio identificado em C).

T) Não resultando provada também que o faziam a pé, de carro e / ou de camião, já que se o faziam a pé era pela parte do prédio que pertence à Apelada identificado na alínea C) dos factos assentes, pelo que também não poderia o Tribunal a quo ter dado como provada a factualidade constante do ponto 7.

U) O Tribunal para dar como provada esta matéria, bem como a constante dos pontos 8, 9, 10, 11 e 12, parte novamente da conclusão errada constante da douta fundamentação de facto de que foram criados dois novos prédios com a eliminação dos prédios que ainda constam das descrições prediais.

V) Mais uma vez se alega que o prédio descrito na alínea C), como resulta da descrição predial junta aos autos a fls., confronta a poente com estrada e o mesmo sucedente com o prédio descrito em A), ou seja, ambos os prédios têm a sua frente voltada para a estrada, não sendo um a frente do outro e o outro a traseira daquele, como o Tribunal a quo pretendeu criar tal ideia errada e sem suporte em documentos ,ou testemunhas , como já se deixou dito.

W) Veja-se que no próprio processo de licenciamento da construção do pavilhão, que se encontra implantado nos dois prédios que pertencem à Apelada – prédios esses cuja configuração, dimensão e disposição fisica não foi alterada, como se vê pela análise da certidão predial do prédio rústico (onde o pavilhão também está construído) – junto aos autos a fls., se verifica o seguinte: a) o pavilhão encontra-se todo ele construído na parte da frente dos dois prédios da Apelada: o rústico e o urbano (este que confronta com aquele pelo lado norte); b) no alçado principal do pavilhão existe um portão de enormes dimensões, que dá directamente para a estrada, e por onde podem entrar veículos ligeiros e pesados, como se infere quer das plantas juntas aos autos, quer das fotografias de fls.; c) também nas traseiras do pavilhão, ou seja na parte nascente do mesmo e, portanto, para as traseiras do pavilhão, existe um outro portão de grandes dimensões que permite a passagem de veículos e pessoas pelo seu interior para a parte nascente dos dois prédios ou seja para as traseiras, como também se infere das plantas e projectos de arquitectura junto aos autos a fls., d) na parede norte do pavilhão, a qual se encontra implantada no prédio rústico identificado em C) dos factos assentes, o anterior proprietário dos prédios e que construiu o pavilhão apenas deixou entre essa parede e a estrema 1,50 metros, o que permite a circulação a pé para a parte nascente do prédio rústico e, por sua vez, para o prédio urbano.

X) Pelo que o Tribunal a quo ao dar como provada a factualidade constante dos pontos 18, 19, 20 e 21, não teve em conta a prova documental existente nos autos, designadamente, os projectos de arquitectura e de licenciamento camarário, bem como as fotografias que se encontram juntas a fls., bem como a declaração mencionada na alínea K) dos factos assentes, daí que tal factualidade deva ser considerada não provada.

Y) Também pelas razões que vêm sendo invocadas e pelo que consta das certidões prediais, o ponto 22 dos factos provados também deverá ser alterado, uma vez que resulta das certidões prediais e do que se deixou alegado que quer o prédio identificado em A) quer o identificado em B) ainda, hoje, confrontam a poente com a estrada, não se tendo alterado tal realidade com a construção do pavilhão, o qual foi implantado em ambos os prédios, como resulta dos projectos de arquitectura e pelo que o próprio Tribunal a quo dá como provado no ponto 23º quando diz que “os anteproprietários dos prédios referidos em A) e C), então rústicos, ocuparam toda a frente dos mesmos, que dá para a estrada, com a construção de pavilhão e anexos”.

Z) Pelo exposto, o Tribunal ad quem reapreciando a prova documental existente nos autos e a prova testemunhal, cuja indicação o Tribunal a quo indica na douta fundamentação de facto mas que dá uma resposta aos factos provados que contradiz essa fundamentação, não deixará de considerar não provados os pontos de facto aqui deixados impugnados, designadamente, que: a) o prédio rústico e o prédio urbano pertencente à Apelada confrontam, ambos e ainda hoje, com a via pública, a poente, cada um deles; b) que o prédio rústico da Apelada confronta a sul com o prédio urbano da Apelada; c) que o prédio rústico da Apelada confronta a norte, e só este, com o prédio propriedade das Apelantes; d) que da face exterior da parede norte do prédio rústico identificado em C) dos factos assentes não existe nem nunca existiu um caminho; e) que o pavilhão pertencente à Apelada se encontra construído e implantado em ambos os seus prédios, os quais não viram alteradas as suas confrontações, nem tal resulta das certidões prediais juntas aos autos; f) que o pavilhão implantado nos dois prédios tem dois grandes portões, quer na parte da frente do mesmo e que confronta com a via pública situada a poente dos dois prédios, quer na parte traseira do edificio e que, portanto, a Apelada tem acesso pelo interior do seu imóvel para a parte nascente dos seus prédios, como se infere dos projectos de arquitectura juntos aos autos a fls.; g) que o afastamento de 1,50 metro deixado entre a face exterior da parede norte do pavilhão – que está implantada ao longo do prédio rústico identificado em C) dos factos assentes – permite que aí se possa transitar a pé e com veículo automóvel ligeiro; h) que a Apelada tem acesso pelos seus prédios para aceder desde a via pública às traseiras dos mesmos, quer pelo exterior , quer pelo interior do pavilhão.

AA) Não podendo as Apelantes verem o seu direito de propriedade – o qual tem consagração constitucional – afectado só porque o anterior proprietário dos prédios da Apelada, quando resolveu edificar um pavilhão industrial nos dois prédios que a esta pertencem ocupou todo o espaço construtivo, com o único propósito de ter uma maior área de implantação, com a consequente valorização patrimonial da sua construção.

BB) Pelo que o anterior proprietário, porque os prédios confrontavam e confrontam com a via pública, deveria ter respeitado os afastamentos laterais do seu pavilhão, não podendo agora fazer-se valer do facto de ter ocupado toda a área dos seus prédios com a construção de um pavilhão, para à custa do prédio vizinho ver constituída uma servidão, que sempre seria evitável se este tivesse construido, como ditam as regras de construção, menos área edificativa e reservando um espaço para a circulação exterior de veículos.

CC) Ambos os prédios da Apelada têm comunicação directa com a via pública, todo o pavilhão se encontra voltado para a estrada e têm acesso interior, através de dois grandes portões – um da parte da frente e outro da parte de trás – para se poder aceder às traseira dos mesmos, pelo que há desnecessidade de constituição de servidão de passagem, sendo que o Tribunal a quo ao ter decidido por constituí-lo está a criar um ónus ao prédio das Apelantes superior, pois estas, sem culpa, vêm o seu direito de propriedade sacrificado por um comportamento do anterior proprietário dos prédios da Apelada que pretendendo edificar um pavilhão com mais área não observou os afastamentos necessários à estrema dos prédios vizinhos.

DD) Daí que ainda que se entenda que com tal acção do anterior proprietário dos prédios da Apelada, os prédios ficaram com encrave voluntário – que não ficaram, já que ainda hoje ambos os prédios confinam com a via pública – tal não poderá resultar no direito a ver constituída uma servidão de passagem nos termos do artigo 1552º do Código Civil.

EE) No caso sub judice, o Tribunal a quo considerou que os prédios pertencentes à Apelada – ainda que ambos confinem com a via pública – se encontram numa situação de encrave relativo, já que, partindo da premissa errada de que não dispõe de acesso pelo interior do edificio, não é possível aceder à parte de trás dos imóveis desde a via pública.

FF) Contudo, a Apelada não alegou nem sequer ficou provado a onerosidade da passagem relativamente ao beneficio alcançado pela Apelada com o acesso à parte nascente dos seus dois prédios.

GG) Com efeito, não foram alegados factos susceptíveis de integrar o mencionado critério de aferição do excessivo incómodo ou dispêndio a que alude o artigo 1550º n.º 1 do Código Civil, tanto mais que resultou não provado o ponto k) dos factos não provados considerados na douta sentença recorrida.

HH) Por outro lado, o normativo que vem sendo referido prescreve ainda que a constituição da servidão de passagem o seja sobre prédio rústico, sendo que o prédio das Apelantes é urbano e logo também não se mostra preenchido este requisito.

II) Com efeito, referem os insignes Mestres, Professores Pires de Lima e Auntunes Varela, in Código Civil anotado, volume III, 2ª edição, página 638 “note-se, porém, que a servidão legal só recai sobre os prédios rústicos, conforme prescreve na parte final do n.º 1. A servidão legal de passagem não onera, por conseguinte, os prédios urbanos (…), por se entender que a solução oposta colidiria com a intimidade de que deve rodear-se a habitação ou domicilio (…) ou com as exigências próprias do exercicio da actividade instalada no prédio.”

JJ) Acresce, ainda, que nos termos do artigo 1553º do Código Civil, “a servidão de passagem deve ser concedida através do prédio ou prédios que sofram menor prejuízo, e pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados” e também quanto a este aspecto, andou mal o Tribunal a quo, já que a Apelada não alegou e, portanto, não se encontra provado, que é através do prédio urbano pertencente às Apelantes que a passagem causa menos prejuízo e se torna menos inconveniente, até porque para tal será necessário derrubar um extenso muro importando a sua destruição e reconstrução em mais de € 30.000,00 (trinta mil euros) não sendo bastante a mera alegação de um alegado encrave e da confinância do seu prédio com o prédio encravante, por onde poderá aceder à via pública, o que também levaria à improcedência do pedido de costituição de servidão legal de passagem.

KK) Posto tudo o que supra se disse, e porque não se mostram preenchidos os requisitos para que possa ser constituída uma servidão legal de passagem a onerar parte do prédio urbano pertencente às Apelantes, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, declarando constituída uma servidão legal de passagem que ocupa 1,50 metros o prédio das Apelantes, violou a douta sentença recorrida o disposto nos artigos 1547º, 1548º, 1550º, 1552º e 1553º, todos, do Código Civil.

TERMOS EM QUE

Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser revogada a douta sentença recorrida na parte em decidiu “sem prejuízo da indemnização devida pela autora aos réus, nos termos dos artigos 1552º e 1554º do Código Civil, a liquidar, declarar-se constituída, a favor daqueles prédios da autora, uma servidão legal de passagem de carro e camião, por uma faixa de terreno com a largura total de 3 metros, metade da qual (1,5 metros) no prédio dos réus descrito em F), e a outra metade nos prédios da autora, contando-se a largura total de 3 metros do caminho assim constituído, a partir da parte externa da parede norte do pavilhão da autora, caminho esse que, partindo da via pública a poente segue em direcção a nascente, até à testeira nascente do prédio descrito em C), numa extensão de 92,20 metros.” e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente, tudo com os demais termos até final.

A Autora apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1 – A douta sentença recorrida, não merece, a nosso ver, qualquer censura, pois faz boa apreciação dos factos e correcta aplicação do direito.

2 – As apelantes, com as suas doutas alegações, juntam um “rascunho – desenho “ , que designam por “Documento para mais fácil identificação dos prédios das apelantes e da apelada”, referido no artigo 13º das alegações.

3 – Tendo elaborado um “desenho em papel”, a que chamam “documento”, - que não é – ( Cfr Artº 362 e seg do C.C. ) , pretendendo demonstrar como, na (apenas) sua opinião, se configuram e dispõem, no terreno, os prédios da A e dos R.R., objecto da presente acção.

4 – Tal “desenho em papel”, além de inexacto, falta de rigor e autenticidade, não tem qualquer valor legal. Cfr. artº 362º e seguintes do C. Civil.

5 – Não sendo também legalmente permitida a sua junção aos autos, nesta fase processual, para os efeitos pretendidos pelos recorrentes. Cfr. artºs 425º e 651º ambos do C.P.C.

6 – Não pode portanto ser tomado em consideração e em consequência deve ser mandado desentranhar, por violação do disposto nos artigos 362 e seg. do C. Civil e 425 e 651º, ambos do C.P.C.

7 – As apelantes discordam da decisão proferida relativa (também) á matéria de facto, que impugnam.

8 – Embora delimitando o objecto do recurso à parte em que foram condenados e referidos no artigo 1º do seu requerimento.

9 – Põem em “crise” a matéria de facto referente aos pontos 1 a 12; 18 a 21 e 22 (parte), que no seu entender o tribunal “a quo” deveria ter julgado como Não Provados.

10 – Entendendo, quanto à matéria de facto, por um lado, ter ocorrido “erro notório na apreciação das provas produzidas” e por outro, “contradição entre a decisão e a própria fundamentação de facto”.

11 – E quanto à matéria de direito, entendem que a solução de mérito dada ao caso, não é a mais correcta, atendendo às normas jurídicas convocadas para a sua resolução.

12 – Quando impugna matéria de facto, o recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição, deve especificar quais os pontos concretos de facto, que considera incorrectamente julgados.

13 – Constantes do processo ou gravação realizada, que impunham decisão diversa. Cfr. al. a) e b) do nº 1 do artº 640º do C.P.C.

14 – Quando os meios de prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição, indicar os depoimentos e as passagens da gravação, em que se funda, por referência ao assinalado na acta. Cfr. nº 2 al. a) do C.P.C.

15 – Para que a parte contrária, na sua contra alegação proceda à indicação de depoimentos gravados que infirmem as conclusões da recorrente. Cfr. artº 640º nº 2 al. b) do C.P.C.

16 – Havendo gravação da prova, - o caso dos autos -, incumbe ao recorrente a especificação dos pontos concretos que considera incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios, que impunham decisão diversa. Cfr. artº 640º do C.P.C.

17 – Se o recorrente apenas se refere aos depoimentos das testemunhas, cintando-os de memória ou “adaptando-os” e “extraindo-os e desinserindo-os do contexto” (Motivação da Decisão de Facto) da sentença proferida, que determinou a convicção do Tribunal, tais depoimentos não podem ser reapreciados, nem podem alterar a decisão sobre a matéria de facto. Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 2.11.2000 disponível em www.dgsi.pt .

18 – A transcrição das passagens da gravação, garante a sua fidelidade, relativamente ao texto integral do depoimento e o respeito pelo princípio do contraditório. Cfr. Ac. S.T.J. de 13.01.2001 – Revista nº 3619/00 – 1ª Secção.

19 – As apelantes limitaram-se a exprimir e alegar conceitos vagos e imprecisos, tais como “ o Tribunal incorreu em erro notório na apreciação das provas”, ao dar como provados os factos que referiu nas suas alegações …

20 – E que, “dos factos provados, juntamente com a prova documental existente, em conjunto com os depoimentos das testemunhas” (sem concretamente as identificar, nem aos referidos depoimentos), “ocorreu manifesto erro de julgamento!”

21 – E ter ocorrido “contradição entre a decisão e a própria fundamentação de facto”.

22 – Perdendo-se em conceitos, considerações, repetições exaustivas e extraindo conclusões vagas e sem qualquer suporte real e concreto em relação aos factos considerados provados pelo Tribunal “a quo”.

23 – Deve assim, o presente recurso ser rejeitado, por não ter sido legalmente cumprido o que estabelece o artigo 640º do C.P.C.

24 – Entendem os apelantes que, de acordo com a prova produzida, os pontos da matéria de facto referida sob os nºs 1 a 12; 18 a 21 e 22 (parte) deveriam ter sido considerados como Não Provados.

25 – Não assiste qualquer razão aos apelantes.

26 – Diga-se desde já que a apelada está praticamente impedida de cumprir o que estabelece a alínea b) do nº 2 do artº 640º do C.P.C.

27 – Tendo dificuldade em infirmar as conclusões das apelantes, que não referem de forma concreta e precisa os pontos de facto, nem quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa.

28 – Pois limitam-se a citar “de memória” tais depoimentos, adaptando-os ao seu raciocínio, extraindo conclusões…!

29 – Procurando apenas “convencer” o Tribunal “ad quem” com o argumento de que as confrontações dos prédios, propriedades das partes, correctas e reais, são as constantes das certidões prediais juntas aos autos, que não foram analisadas correctamente pelo Tribunal “a quo”.

30 – No que não têm razão, porquanto o tribunal as analisou e na sua fundamentação a tais documentos se refere expressamente.

31 – Desconhecendo que a presunção estabelecida no artº 7º do C.R.P., não abrange a área, limites e confrontações dos prédios registados. Cfr. por todos o Ac. S.T.J. de 4.05.2004 – Proc. nº 04A570 disponível em www.dgsi.pt .

32 – Em relação aos factos provados nos pontos 1 a 12; 18 a 21 e 22 (parte) da sentença ora posta em crise, nenhuma critica, falta ou incorrecta fundamentação ou contradição existe, que imponha decisão diversa.

33 – As apeladas não põem em crise os factos dados como Assentes, da Base Instrutória, nem os factos dados como Não Provados pelo Tribunal “a quo”.

34 – Como bem se refere na sentença posta em crise, o Tribunal formou a sua convicção, quanto à matéria controvertida, com base na prova produzida – documental, testemunhal, depoimento de parte e inspecção judicial ao local.

35 – Quanto aos pontos nºs 1 e 2 dos factos provados e às “confrontações” dos prédios dos Autores, resultou da prova produzida que a configuração dos prédios se alterou, após a compra dos mesmos e a construção ali efectuada do edifício (pavilhão) pelo anterior proprietário, G....

36 – O prédio urbano descrito em A) dos factos assentes, proveio do prédio rústico que confrontava a poente com caminho, tal como sucedia com o prédio rústico descrito em C) dos mesmos factos.

37 – Que esse “caminho” a poente, é a actual estrada, conforme se verificou no local.

38 – E também resulta da descrição predial que o prédio referido em C), confronta a Norte com I..., anterior proprietário do prédio dos R.R.

39 – Que “o pavilhão” foi edificado junto à estrada, ocupando toda a largura dos anteriores prédios rústicos, passando depois a ser considerado como prédio urbano, a parte Poente dos dois prédios.

40 – E como prédios rústicos, as traseiras do urbano, ou seja a parte Nascente daqueles prédios.

41 – O que se verifica e resulta também do constante da certidão do registo predial junta a fls. 12 e 14 do Apenso A e da inspecção judicial ao local.

42 – Quanto aos pontos 3 a 6 dos factos provados, a sua prova resulta do documento de fls. 42 do apenso A, fundamentalmente da certidão junta a fls. 90 dos autos respeitante ao processo judicial com o nº 164/91 do 1º Juízo do Tribunal de Águeda; ao Procedimento Cautelar de Embargo, anexo aos presentes autos e das fotografias juntas a fls. 237 e seguintes.

43 – Ali ficou provada a existência de um trilho, caminho ou faixa de terreno, que, saindo da estrada, segue junto à extrema do prédio dos anteproprietários do prédio das R.R. e do A., com a largura de 3 metros, a todo o comprimento dos prédios.

44 – Que por essa faixa de terreno, pelo menos desde o ano de 1990 se faz passagem de pessoas e veículos para a parte de trás dos prédios do A., até ao ano de 2003, altura em que foi edificado um muro pelos R.R., ora apelantes.

45 – Quanto aos pontos 7 a 12 dos factos provados, revelou-se determinante a inspecção judicial efectuado pelo Tribunal, ao local e bem assim a certidão da sentença da acção nº 164/91 (fls. 90 do apenso A).

46 – Tendo-se considerado como provada , naqueles e nestes autos, a existência de uma faixa de terreno que servia de caminho, a Norte do “barracão”, construído pelo G... e cujo leito se encontra implementado em ambos os prédios, de A. e R.R., em 1,50 m de cada um.

47 – Relevante também a declaração de fls. 42 dos autos apensos e os depoimentos das testemunhas do A. e R.R., já identificados nas presentes alegações, que por desnecessário aqui se não repetem, que afirmam a existência de marcas no solo de rodados de veículos e pegadas de pessoas, caracterizadas por um trilho de terra batida, com cerca de 3 metros de largura, a todo o comprimento dos prédios de A. e R.R.

48 – Faixa de terreno essa, por onde se circulava e passava, a pé, de carro e camião.

49 – À vista de toda a gente e como único acesso à parte nascente do prédio descrito em C) e á parte de trás do prédio urbano descrito em A).

50 – Quanto aos pontos 18 a 22 dos factos provados, foi relevante a prova documental de fls. 26 e 27 do Apenso A e as fotografias de fls. 235 e seguintes, a inspecção judicial ao local e os autos de procedimento cautelar de embargos a este apensos.

51 – Que demonstra de forma inequívoca, que no início do ano de 2003 as apeladas terraplanaram uma faixa de terreno de 5 m de largura, onde se incluía metade do caminho referido, ou seja, com 1,50 m de largura do mesmo e aí construíram o muro, a uma distância de 1,50 m da parte da extrema Norte do pavilhão referido em A).

52 - O que impossibilitou a passagem do A., de carro e camioneta, para a parte de trás do prédio referido em A) e para o prédio referido em C).

53 – Não tendo, ambos os prédios, comunicação directa com a via pública, após a construção do pavilhão, a não ser pelo caminho referido.

54 – A parte de trás do prédio urbano descrito em A), não tem qualquer acesso á via pública, a não ser pelo referido trilho ou caminho.

55 – Não podendo o A. aceder também ao seu prédio referido em C), exclusivamente pelos seus prédios, sem que se proceda à demolição de parte do pavilhão descrito em A).

56 – A passagem de veículos pelo interior do pavilhão referido em A) é impossível, devido à sua própria configuração.

57 – As obras levadas a efeito pelas apelantes inviabilizaram, a partir de então, a passagem de qualquer veiculo para trás do pavilhão da A., sendo notoriamente o espaço de 1,50 m existente entre a parede Norte do referido pavilhão e o muro edificado, manifestamente exíguo para o efeito, o que foi constatado pela inspecção judicial efectuada ao local.

58 – Consideram-se assim, infirmadas totalmente as conclusões das apelantes, no que respeita á sua pretensão de ver julgados como Não Provados aqueles pontos da matéria de facto a que o Tribunal “a quo” respondeu positivamente.

59 – Não se verificando o pretendido “erro notório na apreciação das provas” nem qualquer “contradição entre a decisão e a própria fundamentação dos factos”.

60 – O A. pretende ver constituído, a favor dos seus dois prédios identificados em A) e C) dos factos assentes, o direito de servidão de passagem a pé, de carro e camião, sobre o logradouro do prédio das apeladas identificado em F) dos factos assentes.

61 – A qual se deverá materializar numa faixa de terreno com a largura mínima de 5 metros, contados da parede exterior Norte do edifício construído no prédio urbano da A., partindo da via pública, a Poente, em direcção a Nascente, até à testeira Poente do prédio rústico da A.

62 – Alegando e fundamentando que os seus dois prédios são total (o rústico) e parcialmente (o urbano) encravados.

63 – O proprietário de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições de estabelecê-la, sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a construção de servidão de passagem sob os prédios vizinhos. Cfr. artº 1.550 do C.C.

64 – A constituição de servidão legal, pode constituir-se não apenas sobre prédios rústicos, mas também através de terrenos que sirvam de logradouro a prédios urbanos. Cfr. Ac. R.Lx. de 20.03.2003 in col. Jur. 2003/ 2º / 87.

65 – Também as zonas adjacentes dos prédios urbanos são para a jurisprudência, incluídas no conceito de prédio rústico, em sintonia com o disposto no artigo 1.551º do C.C. – Vide Ac. S.T.J. de 15.12.972 in B.M.J. nº 22/402 e Ac. R.Porto de 3.07.2012.

66 – É encravado não só o prédio, rústico ou urbano, que por todos os lados confine com outros prédios, mas também aquele que, apesar de confinar com via publica, só poderá com ela comunicar de modo excessivamente incómodo ou mediante a realização de obras ou trabalhos que impliquem dispêndio incomportável! Cfr. Henrique Mesquita – R.L.J. - 129 – 191 e seg. e Pires de Lima e A. Varela in C.C. Anotado – pag. 637.

67 – Os prédios do A. estão nessas condições, não tendo comunicação com a via pública, a não ser pelo caminho que veio a ser obstruído pelos R.R., com a construção do muro.

68 – Apenas tendo uma pequena passagem, a pé, pelo espaço de 1,50 m de largura, que foi deixado fora do muro construído pelas apelantes.

69 – Espaço que é manifesta e notoriamente insuficiente para permitir a passagem de veículos ou camiões para a parte de trás do pavilhão ou do prédio rústico da A.

70 – A única forma de passar pelo seu próprio prédio, seria mediante a demolição e recuo da parede norte do pavilhão.

71 – Obra essa que contenderia com a sua própria estrutura e seria manifestamente excessiva, incómoda, dispendiosa e onerosa. Cfr. artº 1.550 do C.C.

72 – Estão portanto reunidos os fundamentos e as exigências legais para a constituição de uma servidão legal de passagem, a favor dos prédios da A.. Cfr. artº 1.550º e segs. do C.C.

73 – Tal como foi ( e bem) decidido na sentença sob censura.

Termos em que, negando-se provimento ao recurso, deve manter-se a douta decisão recorrida.


/////

II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações das Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se existiu erro na apreciação da prova e saber se têm ou não procedência as demais razões invocadas pelas Apelantes com vista à alteração da decisão da matéria de facto;

• Saber se os prédios da Autora/Apelada estão ou não encravados, com vista a saber se a mesma tem ou não a faculdade de exigir a constituição de uma servidão de passagem sobre o prédio das Rés/Apelantes;

• Saber se a circunstância de o encrave dos prédios ter sido provocado pelo seu proprietário pode ou não obstar ao exercício da faculdade de exigir a constituição de uma servidão sobre prédio vizinho;

• Saber se a circunstância de o prédio das Apelantes ser um prédio urbano impede ou não a constituição da aludida servidão;

• Saber se a circunstância de a Autora/Apelada não ter alegado e provado que é através do prédio das Apelantes que a passagem causa menos prejuízo e se torna menos inconveniente impede ou não, face ao disposto no art. 1553º do CC, que se declare constituída a aludida servidão.


/////

III.

Questão prévia

Antes de entrar na apreciação das questões que constituem o objecto do recurso, importa fazer uma breve referência à questão prévia suscitada pela Apelada, nas suas contra-alegações, referente a um documento que as Apelantes juntaram com as suas alegações e que, na perspectiva da Apelada, deve ser desentranhado em virtude de a sua junção neste momento não ser admissível.

Parece-nos, porém que não está em causa um verdadeiro “documento” que tenha sido junto aos autos como elemento probatório e tendo em vista a prova de determinados factos. O documento em causa é apenas – como resulta, aliás, do que nele se escreveu – um desenho feito pelas Apelantes no sentido de tornar mais clara e mais perceptível aquela que sustentam ser a real e exacta configuração dos prédios.

 É certo, portanto, que o aludido documento não se destina a provar seja o que for – até porque não teria qualquer idoneidade para esse efeito – correspondendo apenas a uma clarificação (através de desenho) do que havia sido alegado nas alegações e para mais fácil percepção da posição das Apelantes, funcionando, portanto, como mero complemento das alegações e não como elemento probatório.

E, nessa perspectiva, não encontramos razões para ordenar o seu desentranhamento.

IV.

Matéria de facto

As Apelantes começam por impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, sustentando a Apelada que, nessa parte, o recurso deve ser rejeitado por não ter sido cumprido o disposto no art. 640º do C.P.C.

Vejamos se assim é.

Dispõe o art. 640º, nº 1, do actual CPC (à semelhança do que dispunha o art. 685º-B do anterior CPC) que:

Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

E, acrescenta o nº 2 da norma citada “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

As Apelantes indicam, claramente, os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e indicam a decisão que, no seu entender, deve ser proferida, sustentando que os aludidos pontos não deviam ser considerados provados.

É indiscutível, no entanto, que as Apelantes não deram cumprimento ao disposto no nº 2 da citada disposição legal, o que, em princípio, obstará à alteração da decisão da matéria de facto com fundamento nos depoimentos prestados pelas testemunhas. Importa notar, no entanto, que não é com esse fundamento que as Apelantes pretendem ver alterada a decisão da matéria de facto, sendo certo que não aludem a qualquer depoimento que tenha sido erradamente valorado e não aludem a qualquer depoimento concreto que, na sua perspectiva, tivesse idoneidade para conduzir a decisão diversa daquela que foi proferida. Na verdade, o que as Apelantes invocam – para fundamentar a alteração da decisão – são determinados documentos que constam dos autos e algumas contradições entre a decisão e a respectiva fundamentação, questionando as conclusões retiradas que conduziram à decisão.

Assim, não encontramos, à partida, razões para rejeitar o recurso no que toca à matéria de facto, importando, por isso, apreciar as razões e os documentos invocados pelas Apelantes em termos de saber se os mesmos são suficientes para alterar a decisão proferida e sem prejuízo de ser recusada a alteração pretendida quando ela apenas se poderia basear em depoimentos prestados que as Apelantes não invocaram e relativamente aos quais não cumpriram os ónus legais de que dependia a impugnação com esse fundamento.

Analisemos, portanto, os pontos impugnados.

Pontos 1 e 2

Sustentam as Apelantes que os factos constantes dos pontos 1 e 2 – onde se diz que o prédio urbano descrito em A) confronta a nascente com o prédio descrito em C) e que o prédio urbano descrito em A) e o prédio descrito em C) confrontam, a norte, com o prédio descrito em F) – não poderiam ser considerados provados, invocando, para o efeito, as certidões prediais e outros documentos juntos aos autos e a contradição entre esses factos e a fundamentação da decisão, já que, não obstante se aludir a diversos depoimentos dos quais resultava que os prédios referidos em A) e C) confinavam entre si pelo lado norte/sul e que ambos confinavam a poente com a estrada, acabou por concluir nos termos que ficaram vertidos na matéria de facto e fundamentando-se, para esse efeito, na conclusão – não demonstrada – de que, após a construção do pavilhão (junto à estrada e a ocupar toda a largura dos dois anteriores prédios rústicos), se passou a considerar como prédio urbano a parte poente dos dois prédios e como prédio rústico as traseiras do urbano, ou seja, a parte nascente daqueles prédios.

Não poderemos deixar de reconhecer razão às Apelantes.

Resulta, efectivamente, da fundamentação da matéria de facto ter o Tribunal concluído, com base nos documentos juntos aos autos e com base nos depoimentos prestados, que os prédios referidos em A) e C) – pertencentes à Apelada – confrontavam (ambos) a poente com o caminho que corresponde à actual estrada e que confrontariam entre si pelo lado norte/sul e não pelo lado nascente/poente.

É isso que se depreende do seguinte excerto daquela fundamentação:

Com efeito, resulta da certidão do registo predial junta a fls. 12 do Apenso A), o prédio urbano que constitui hoje o prédio descrito em A), proveio de prédio rústico que confrontava a poente com caminho, tal como sucedia com o prédio rústico descrito em C). Ora, esse caminho a poente é a actual estrada, conforme se viu no local.

Por outro lado, também resulta da descrição registral do prédio referido em C), a fls. 14 daqueles autos, que a confrontação norte desse prédio era com I..., anteproprietário do prédio dos réus. Resulta, ainda, dessa mesma certidão predial, que se encontra inscrito o registo de acção movida pelo G... e mulher contra o I... e mulher, a fim de “serem os RR. Condenados a reconhecerem que o prédio pertence em propriedade aos AA. e de que dele faz parte o caminho existente junto à extrema com o prédio dos RR”. Está junta a fls. 90 e ss. certidão da p.i. dessa mesma acção, que correu termos sob o nº 164/91 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, onde o ali autor, G..., alega que o caminho que, saindo da estrada, segue junto à estrema com o prédio do ali réu I..., faz parte do prédio dos autores, prédio esse que identifica como sendo o prédio ora descrito em C) dos Factos Provados. Mais: o G... afirma, inclusivamente, na dita acção, que ali construiu um pavilhão industrial. Em face do ali alegado, mal se entende o depoimento da testemunha G..., que, nestes autos, veio sustentar que a confinância dos prédios A) e C) era a nascente/poente, o que foi contrariado pelas testemunhas que conheciam o local, antes das construções. Assim, a testemunha H...que o prédio hoje dos réus pertenceu a seu pai, N..., tendo depois ficado para a sua irmã e cunhado, I..., conhecendo, por isso, bem os prédios. Referiu que os prédios adquiridos pelo G..., ambos ao comprido, batiam com a estrada, confinando entre si pelo norte/sul, e não pelo nascente/poente. No mesmo sentido depôs a testemunha J..., primeiro industrial a instalar-se na zona, em frente aos prédios em questão, por volta de 1975/76. Referiu que o G... comprou as duas leiras, que ambas confinavam com estrada a poente, e alisou os terrenos, tendo depois construído, deixando apenas cerca de 1,5 metros até à estrema com o vizinho I...”.

O que resulta deste excerto é que o Tribunal – com base nos aludidos meios probatórios – concluiu que os prédios referidos nas alíneas A) e C) confrontavam ambos, a poente, com a estrada; que tais prédios confrontavam, entre si, pelo lado norte/sul (e não pelo lado nascente/poente, como se consignou no ponto 1.) e que (ao contrário do que se consignou no ponto 2.) apenas o prédio referido na alínea C) confrontaria a norte com o prédio das Apelantes (já que o prédio referido na alínea A) confrontaria a norte com o prédio referido em C).

E, por isso mesmo, se diz na fundamentação da decisão que “da prova assim produzida, resulta que o pavilhão foi edificado junto à estrada, ocupando praticamente toda a largura dos anteriores prédios rústicos adquiridos por G...…” – facto que, aliás, ficou vertido na matéria de facto no ponto 23, resultando também do ponto 22. que os aludidos prédios confinavam com a estrada.

No entanto, apesar de serem essas as conclusões que o Tribunal extraiu da prova produzida, veio a considerar provado – nos pontos 1 e 2 – que, afinal, aqueles prédios confinavam, entre si, pelo nascente/poente (ou seja, apenas um confrontava com a estrada) e que ambos confinavam pelo norte com o prédio das Apelantes.

E considerou provado esse facto com base na seguinte explicação: depois da edificação do pavilhão, junto à estrada, a ocupar toda a largura dos prédios – os referidos nas alíneas A) e C) – passou a considerar-se “…como prédio urbano a parte poente dos dois prédios, e como prédio rústico, as traseiras do urbano, ou seja, a parte nascente daqueles prédios”.

Mas, salvo o devido respeito, não vislumbramos como seja possível essa conclusão, uma vez que – como bem dizem as Apelantes – não ocorreu, em termos legais, qualquer alteração da configuração dos prédios (pelo menos nada se alegou nesse sentido e nada consta das certidões matriciais e prediais); não existiu qualquer emparcelamento, anexação, desanexação ou qualquer operação de remodelação predial que tivesse a virtualidade de alterar a configuração física e legal de cada um desses prédios. E, ao contrário do que se terá considerado na decisão recorrida, a mera circunstância de ter sido construído um pavilhão que ocupa a parte nascente de ambos os prédios não permite, de modo algum, afirmar e considerar que, a partir daí, essa parte nascente passa a ser considerada o prédio urbano e que a parte poente passa a ser considerada o prédio rústico que existia. A configuração física e legal dos prédios continua a ser a mesma (porque nenhuma alteração ocorreu que seja susceptível de a alterar) e o que acontece é que, cada um deles, está parcialmente ocupado com parte daquele pavilhão.

Refira-se que, como se depreende das certidões juntas ao procedimento cautelar, o prédio referido na alínea A) era um prédio rústico e passou a ser um prédio urbano por força da construção do pavilhão (circunstância que foi averbada na respectiva descrição predial); no entanto, não foi efectuada e não foi registada qualquer outra operação que fosse susceptível de determinar a alteração da configuração do prédio rústico que existia inicialmente, sendo certo, aliás, que não existiu, sequer, qualquer alteração da área, sendo que o prédio rústico tinha a área de 600 m2 e, após a sua alteração para urbano, passou a constar com a mesma área (400 m2 de área ocupada pelo pavilhão e 200m2 de logradouro). Por outro lado, o prédio referido na alínea C) manteve a mesma descrição, sem que tenha sido registada qualquer alteração. Isso significa que o pavilhão construído foi levado ao registo como tendo sido implantado, na sua totalidade, no prédio referido na alínea A) e, apesar de isso não corresponder à realidade (porque parte do pavilhão está implantado noutro prédio), isso não será bastante para concluir que, por força desse registo, toda a área ocupada pelo pavilhão passou a constituir o aludido prédio urbano e que a área restante passou a corresponder ao prédio rústico referido em C).

 Assim, atendendo às confrontações constantes das certidões matriciais e prediais juntas aos autos e atendendo aos depoimentos prestados pelas testemunhas que são referidas na fundamentação da decisão ( H... e J...) e dos quais resulta que os prédios tinham uma configuração semelhante, sendo que se desenhavam ao comprido (de alto a baixo ou nascente/poente) e ambos batiam com a estrada, importa concluir que os prédios referidos nas alíneas A) e C) confrontam ambos, a poente, com a estrada; que tais prédios confrontam, entre si, pelo lado norte/sul (e não pelo lado nascente/poente, como se consignou no ponto 1.) e que (ao contrário do que se consignou no ponto 2.) apenas o prédio referido na alínea C) confronta a norte com o prédio das Apelantes (já que o prédio referido na alínea A) confrontará a norte com o prédio referido em C).

Assim sendo, não poderá considerar-se provado que o prédio urbano descrito em A) confronta a nascente com o prédio descrito em C), razão pela qual se impõe alterar o ponto 1. da matéria de facto, que passará a ter a seguinte redacção: O prédio urbano descrito em A) confronta com o prédio descrito em C).

E também não pode considerar-se provado que o prédio urbano descrito em A) confronta a norte com o prédio descrito em F), pelo que o ponto 2. da matéria de facto passará a ter a seguinte redacção: O prédio urbano descrito em C) confronta, a norte, com o prédio descrito em F).

Pontos 3, 4, 5 e 6

Os citados pontos têm a seguinte redacção:

3. Nessa estrema referida em 2), existiu uma faixa de terreno, com cerca de 3 metros de largura, contados da parte externa da parede norte do edifício construído no prédio referido em A).

4. Faixa essa utilizada como caminho.

5. Que, saindo da via pública, sita a poente dos prédios referidos em A), C) e F), segue em linha recta até à parte nascente do prédio descrito em C).

6. Por esse caminho, durante pelo menos 13 anos, a “ A...”, seus arrendatários, e antes dela, os anteproprietários e antepossuidores dos prédios descritos em A) e C), passaram para aceder à parte de trás do actual prédio urbano referido em A), e ao prédio referido em C).

Dizem as Apelantes que a matéria constante dos citados pontos não pode ser considerada provada, referindo que não resultou minimamente provado que exista ou existisse uma faixa de terreno com três metros ao longo da estrema norte do prédio identificado em C) que desse acesso às traseiras deste prédio, quando o mesmo tem toda a sua frente voltada para a via pública, como também não faz sentido que a mesma seja utilizada para aceder às traseiras do prédio identificado em A), quando este nem sequer confronta com o prédio das Apelantes.

Refira-se que, ao impugnarem a decisão proferida no que toca a estes factos, as Apelantes não se baseiam em qualquer meio probatório, não aludindo sequer ao depoimento de qualquer testemunha que, no seu entender, tivesse sido erradamente apreciado; as Apelantes baseiam-se apenas nas considerações já efectuadas a propósito das configurações e confrontações dos prédios, sustentando que esse facto é, só por si, bastante para que os pontos 3, 4, 5 e 6 não possam ser considerados provados.

Mas não será exactamente assim, embora se imponham algumas alterações.

De facto, a existência da faixa de terreno ali referida, a sua localização e a utilização que dela foi efectuada durante 13 anos foi considerada provada face à prova produzida e as Apelantes não invocaram, nesse ponto, qualquer erro de apreciação da prova e não invocaram qualquer elemento probatório que impusesse decisão diversa. Por outro lado, a circunstância de o prédio identificado em A) não confrontar com o prédio das Apelantes não impede, só por si, que aquela faixa de terreno fosse utilizada para acesso ao aludido prédio; tal implicaria apenas que o acesso a esse prédio não se bastava com essa faixa de terreno, exigindo ainda a passagem por outro prédio.

Por outro lado, não obstante as reais configurações e confrontações dos prédios, não poderá ser ignorada a existência do edifício que foi implantado nos aludidos prédios.

Assim, tendo como assente a existência da aludida faixa de terreno, a sua localização e a utilização que lhe tem sido dada (já que a decisão proferida no que toca a esses factos não foi impugnada, pelo menos com cumprimento dos ónus legais), importa apenas introduzir algumas alterações de forma a adaptar esses factos à correcta configuração dos prédios e à realidade física (o edifício) que existe no local.

Assim, mantendo-se inalterados os pontos 4 e 5, altera-se a redacção dos pontos 3 e 6 nos seguintes termos:

3. Nessa estrema referida em 2), existiu uma faixa de terreno, com cerca de 3 metros de largura, contados da parte externa da parede norte do edifício construído nos prédios referido em A) e C).

6. Por esse caminho, durante pelo menos 13 anos, a “ A...”, seus arrendatários, e antes dela, os anteproprietários e antepossuidores dos prédios descritos em A) e C), passaram para aceder à parte de trás (nascente) dos prédios referidos em A) e C), correspondente às traseiras do edifício aí implantado.

Ponto 7

Relativamente ao ponto 7, onde se refere que a utilização da faixa de terreno a que alude o ponto 6 era efectuada a pé, de carro e camião, dizem as Apelantes que essa matéria não pode ser considerada provada, porquanto se passavam era a pé pela parte do prédio que pertence à Apelada identificado na alínea C).

Não invocaram, todavia, as Apelantes os concretos meios probatórios em que se baseiam para sustentar tal afirmação, como lhe impunha o art. 640º do CPC e, como tal, nenhuma alteração se impõe efectuar.

Pontos 8, 9, 10, 11 e 12

Estes pontos de facto têm a seguinte redacção:

 8. Tal caminho era, antes da construção do muro aí implantado pelos réus, o único meio de acesso de carro e de camião, à parte nascente do prédio descrito em C) e à parte de trás do prédio urbano descrito em A).

9. Tal caminho tem 92,20 metros de comprimento.

10. Ao longo de todo o comprimento dos prédios descritos em A), C) e F).

11. A passagem atrás referida fazia-se à vista de toda a gente.

12. A passagem sobre essa faixa de terreno era visível no local pela existência de marcas no solo, de rodados de veículos e pegadas de pessoas.

Sustentam as Apelantes que esta matéria não pode ser considerada provada, mas, mais uma vez, não indicam os concretos meios probatórios em que se baseiam para sustentar tal impugnação, como lhe impunha o citado art. 640º, alegando apenas que, ao dar como provada esta matéria, o Tribunal partiu da conclusão errada de que foram criados dois novos prédios com a eliminação dos prédios que ainda constam das descrições prediais, sendo que ambos os prédios confrontam com a estrada.

A verdade é que essa errada conclusão do Tribunal e as reais configurações e confrontações dos prédios não interferem com a existência daquele caminho e com a utilização que lhe era dada. Importa referir, mais uma vez, que, não obstante o facto de os prédios confrontarem com a estrada, não poderá ser ignorada a circunstância de neles ter sido implantado um edifício que ocupa toda a frente dos prédios que dá para a estrada e foi em função dessa realidade que se considerou provada (com base na prova produzida) a existência daquele caminho e a respectiva utilização.

As Apelantes não impugnaram (pelo menos correctamente) aquela matéria de facto, sendo certo que não indicaram os concretos meios probatórios que permitiriam concluir pela inexistência do caminho e pela inexistência da utilização (passagem) que foi considerada demonstrada e, nessa medida, nenhuma reapreciação da prova produzida se impõe efectuar no que toca a essa matéria.

Importará apenas alterar a redacção dada ao ponto 8, de forma a adaptá-la à realidade que se considerou existir e às configurações e confrontações dos prédios que entendemos serem as correctas, como acima se assinalou.

Assim, mantendo-se inalterados os pontos 9, 10, 11 e 12, altera-se a redacção do ponto 8 nos seguintes termos:

Tal caminho era, antes da construção do muro aí implantado pelos réus, o único meio de acesso de carro e de camião, à parte de trás (nascente) dos prédios referidos em A) e C), correspondente às traseiras do edifício aí implantado.

Pontos 18, 19, 20 e 21

Estes pontos têm a seguinte redacção:

18. Tal vala e materiais, e o muro entretanto construído, impossibilitam a passagem da autora, de carro ou de camioneta, para a parte de trás do prédio urbano referido em A), e para o prédio referido em C).

19. Após a construção do pavilhão descrito em A), o prédio descrito em C) não tem comunicação directa com a via pública, a não ser pelo caminho em questão.

20. A parte de trás do prédio urbano descrito em A) também não tem qualquer acesso à via pública, a não ser pelo caminho em questão.

21. Não pode a autora aceder do prédio descrito em C), ou das traseiras do prédio urbano descrito em A), à via pública, de carro ou de camião, exclusivamente pelos seus prédios, sem que proceda à demolição de parte do pavilhão descrito em A).

Dizem as Apelantes que, ao considerar provada esta matéria, o Tribunal não teve em conta a prova documental existente nos autos, designadamente, os projectos de arquitectura e de licenciamento camarário, as fotografias juntas aos autos e a declaração mencionada em K). Com efeito, dizem, resulta desses documentos que, entre a parede do pavilhão e a estrema existe uma faixa de 1,50 metros que permite a circulação a pé para a parte nascente dos prédios, deles resultando igualmente que no alçado principal do pavilhão existe um portão de grandes dimensões que dá directamente para a estrada e pelo qual podem entrar veículos ligeiros e pesados e que nas traseiras do pavilhão existe outro portão semelhante, pelo que a passagem para a parte nascente dos prédios pode ser efectuada pelo interior do pavilhão. 

É indiscutível que – como se considerou demonstrado no ponto 23 – entre a parede externa do pavilhão e a estrema existe ainda uma faixa de terreno com a largura de 1,50m que permite, seguramente, a passagem a pé para as traseiras do edifício e, portanto, para a parte nascente dos aludidos prédios, pelo que não será inteiramente correcta a afirmação – feita nos pontos 19 e 20 – de que, após a construção do pavilhão, a parte nascente daqueles prédios não tem qualquer acesso à via pública a não ser pelo caminho em questão (pelo menos com a sua largura total de 3 metros). Com efeito, o acesso a pé pode ser efectuado pela aludida faixa de 1,5m que pertence ao prédio da Apelada e que corresponde apenas a metade do aludido caminho.

É certo, no entanto, que essa faixa de terreno é insuficiente para permitir a passagem de carros e camiões.

No que toca aos portões existentes no pavilhão, ainda que a sua altura e largura permitissem a entrada de camiões – como sustentam as Apelantes – isso não bastaria para concluir que o acesso à parte nascente dos prédios pode ser efectuado pelo interior do edifício; para que tal acesso fosse possível seria ainda necessário que a disposição, configuração e organização interna do pavilhão permitissem a passagem desses camiões. Ora, na fundamentação da decisão recorrida refere-se que todas as testemunhas inquiridas sobre a matéria negaram a possibilidade de passagem de camiões pelo interior do pavilhão, dada a sua configuração e a verdade é que as Apelantes não contestam esta afirmação e tão pouco invocam quaisquer elementos probatórios que permitissem concluir pela possibilidade dessa passagem, limitando-se a invocar – o que já vimos ser insuficiente – as dimensões dos portões ali existentes. Refira-se, designadamente, que a testemunha José António Fróis Duarte declara não ser possível essa passagem pelo interior do armazém, dizendo que não existe altura suficiente para a passagem de um camião, já que por cima existe um escritório, facto que é confirmado pela testemunha M.... Além do mais, a própria descrição do pavilhão que está feita na alínea A) da matéria de facto refere a existência de um 1º andar destinado a escritório, o que, à partida, dificultaria a passagem dos camiões. Importa não esquecer, além do mais, que a passagem dos veículos pelo interior do pavilhão, implicaria que o mesmo estivesse livre e desimpedido, o que, á partida, excluiria a sua utilização para outros fins e, designadamente, para os fins a que se destina. 

Impõe-se, portanto, concluir que os veículos não podem aceder da via pública à parte nascente dos aludidos prédios (traseira do pavilhão) a não ser pela faixa de terreno ou caminho em questão, apenas sendo possível o acesso a pé através da faixa de 1,5m que existe entre a parede do pavilhão e a estrema.

Em face do exposto e tendo ainda em conta a real configuração e confrontações dos prédios (conforme considerámos supra), importa fazer algumas correcções na redacção dada aos citados pontos de facto, que passarão a ter a seguinte redacção:

18. Tal vala e materiais, e o muro entretanto construído, impossibilitam a passagem da autora, de carro ou de camioneta, para a parte de trás (nascente) dos prédios referidos em A) e C), correspondente às traseiras do edifício (pavilhão) aí implantado.

19. Após a construção do referido pavilhão, a parte nascente do prédio descrito em C) não tem acesso à via pública, por carro ou camião, a não ser pelo caminho em questão.

20. A parte nascente do prédio urbano descrito em A) também não tem acesso à via pública, por carro ou camião, a não ser pelo caminho em questão.

21. Não pode a autora aceder da parte nascente dos prédios referidos em A) e C) – situada nas traseiras do pavilhão que foi implantado nesses prédios –, à via pública, de carro ou de camião, exclusivamente pelos seus prédios, sem que proceda à demolição de parte do pavilhão ali implantado.

Ponto 22

Diz-se no citado ponto que “os prédios referidos em A) e C) confinavam, antes das construções levadas a efeito no prédio referido em A), com caminho “estada velha” ou “estrada real””.

Sustentam as Apelantes que essa redacção deve ser alterada, porquanto, tendo em conta as considerações já efectuadas, os aludidos prédios confrontam ainda hoje com a estrada, porquanto a configuração e confrontações dos prédios não se alteraram com a construção do pavilhão.

Assim é efectivamente.

Com efeito, e conforme já referimos, a circunstância de o pavilhão ter sido implantado sobre os dois prédios não altera a realidade predial que existia anteriormente, designadamente, a identidade, configuração e confrontações dos prédios. Os prédios continuam a ser os mesmos – seja na sua configuração, seja nas suas confrontações – porquanto não ocorreu nenhum facto (emparcelamento, anexação, desanexação…) que tivesse a virtualidade de alterar essa realidade. A edificação do pavilhão (ainda que tenha sido averbada apenas na descrição predial de um dos prédios) não é bastante para transformar a identificação física e legal dos prédios, não podendo, por isso, considerar-se que toda a área ocupada por essa edificação passa a integrar um determinado prédio, quando é certo que essa edificação não foi implantada num único prédio, mas sim em dois prédios que tinham total autonomia e que não foram objecto de qualquer anexação.

Assim, os aludidos prédios confinavam antes da referida construção com caminho, “estrada velha” ou “estrada real”, e continuam a confinar com a estrada actualmente existente, esclarecimento que se impõe efectuar no citado ponto de facto, que passará a ter a seguinte redacção:

Os prédios referidos em A) e C) confinavam, antes da edificação do pavilhão que neles foi implantado, com caminho “estada velha” ou “estrada real”, sendo que tais prédios continuam a confinar com a estrada actualmente existente.

 

A matéria de facto provada, com as alterações agora efectuadas, é, portanto, a seguinte:

A) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda, sob o nº 625 da freguesia de (...), o seguinte prédio: pavilhão industrial e comércio, composto de rés-do-chão amplo destinado a comércio, com casa de banho; 1º andar destinado a escritório com duas divisões e casa de banho; com a área de 400 m2; e logradouro com a área de 200 m2; a confrontar do norte com I..., do sul e nascente com vários, e do poente com estrada, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1038. Este prédio urbano teve origem (Ap. 07/290797) no prédio rústico “Vendas”, terreno a pinhal e mato, com a área de 600 m2, a confrontar do norte com AB..., do sul com AR..., do nascente com AF..., e do poente com caminho, inscrito na matriz sob o artigo 756.

B) Pela Ap. 13/190997, encontra-se inscrita no registo a aquisição do prédio descrito em A) a favor de “ A..., S.A.”, por compra.

C) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda, sob o nº 737 da freguesia de (...), o seguinte prédio rústico: “Vendas”, terreno a pinhal e mato, com a área de 1.300 m2, a confrontar do norte com I..., do sul com MF..., do nascente com Joaquim de Oliveira, e do poente com caminho, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 760.

D) Pela Ap. 13/190997, encontra-se inscrita no registo a aquisição do prédio descrito em C) a favor de “ A..., S.A.”, por compra.

E) Por escritura pública de 9/9/1997, lavrada no Cartório Notarial de Albergaria-a-Velha, G...e mulher L..., declararam vender a “ A..., S.A.”, e esta declarou comprar, pelo preço global de trinta milhões de escudos, os prédios descritos em A) e C).

F) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda, sob o nº 2340 da freguesia de (...), o seguinte prédio urbano: Terreno para construção, omisso na matriz, o qual resultou da Ap. 32/07082002-Av. 1, no prédio rústico, “Vendas”, composto por terreno a pinhal e mato, com a área de 4.279 m2, a confrontar do norte com G... do sul com AQ..., do nascente com JO..., e do poente com estrada, inscrito na matriz predial rústica sob os artigos 757 e 758.

G) O prédio descrito em F) pertence aos réus.

H) Os réus iniciaram a construção de um edifício/pavilhão no prédio descrito em F).

I) A “ A...” procedeu ao embargo extrajudicial de obra nova dos réus, e obteve a sua ratificação judicial, através do procedimento cautelar apenso a estes autos, que aqui se dá por reproduzido (Apenso A).

J) Autora e réus não estão de acordo entre si quanto à definição da estrema norte dos prédios A) e C), e sul do prédio F).

K) A “ A...” emitiu a declaração cuja cópia está junta a fls. 42 dos autos de procedimento cautelar apenso, que aqui se dá por reproduzida.

L) Correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, a Acção Sumária nº 164/91, cuja certidão da p.i. e da sentença aí proferida está junta a fls. 90 e ss. dos autos de procedimento cautelar apensos, e que aqui se dá por reproduzida.

M) Por escritura pública de 2/4/2004, “ A..., S.A.” declarou vender a “ B..., Lda.”, que declarou comprar, o prédio rústico descrito na CRP de Águeda sob o nº 737 da freguesia de (...), inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 760.

N) Por escritura pública de 20/5/2005, “ A..., S.A.” declarou vender a “ B..., Lda.”, que declarou comprar, o prédio urbano descrito na CRP de Águeda sob o nº 625 da freguesia de (...), inscrito na matriz predial sob o artigo 1038.

1. O prédio urbano descrito em A) confronta com o prédio descrito em C).

2. O prédio urbano descrito em C) confronta, a norte, com o prédio descrito em F).

3. Nessa estrema referida em 2), existiu uma faixa de terreno, com cerca de 3 metros de largura, contados da parte externa da parede norte do edifício construído nos prédios referidos em A) e C).

4. Faixa essa utilizada como caminho.

5. Que, saindo da via pública, sita a poente dos prédios referidos em A), C) e F), segue em linha recta até à parte nascente do prédio descrito em C).

6. Por esse caminho, durante pelo menos 13 anos, a “ A...”, seus arrendatários, e antes dela, os anteproprietários e antepossuidores dos prédios descritos em A) e C), passaram para aceder à parte de trás (nascente) dos prédios referidos em A) e C), correspondente às traseiras do edifício aí implantado.

7. O que fizeram de pé, de carro e de camião.

8. Tal caminho era, antes da construção do muro aí implantado pelos réus, o único meio de acesso, de carro e de camião, à parte de trás (nascente) dos prédios referidos em A) e C), correspondente às traseiras do edifício aí implantado.

9. Tal caminho tem 92,20 metros de comprimento.

10. Ao longo de todo o comprimento dos prédios descritos em A), C) e F).

11. A passagem atrás referida fazia-se à vista de toda a gente.

12. A passagem sobre essa faixa de terreno era visível no local pela existência de marcas no solo, de rodados de veículos e pegadas de pessoas.

13. Em Janeiro de 2003, os réus, através de trabalhadores contratados para o efeito, procederam à terraplanagem com máquinas de uma faixa de terreno com 5 metros de largura, a qual inclui metade do caminho supra referido, ou seja, 1,5 metros de largura do mesmo.

14. E iniciaram a construção de um muro a 1,50 metros da parte externa da parede norte do pavilhão referido em A).

15. Para esse efeito, abriram uma vala ao longo de todo o leito do caminho, em toda a sua extensão, com pelo menos 27 cm de largura.

16. Nessa vala, foi lançado cimento para fazer as sapatas do muro a construir.

17. E foram colocados ferros, na vertical, que iriam servir para fazer os pilares de suporte desse muro.

18. Tal vala e materiais, e o muro entretanto construído, impossibilitam a passagem da autora, de carro ou de camioneta, para a parte de trás (nascente) dos prédios referidos em A) e C), correspondente às traseiras do edifício (pavilhão) aí implantado.

19. Após a construção do referido pavilhão, a parte nascente do prédio descrito em C) não tem acesso à via pública, por carro ou camião, a não ser pelo caminho em questão.

20. A parte nascente do prédio urbano descrito em A) também não tem acesso à via pública, por carro ou camião, a não ser pelo caminho em questão.

21. Não pode a autora aceder da parte nascente dos prédios referidos em A) e C) – situada nas traseiras do pavilhão que foi implantado nesses prédios –, à via pública, de carro ou de camião, exclusivamente pelos seus prédios, sem que proceda à demolição de parte do pavilhão ali implantado.

22. Os prédios referidos em A) e C) confinavam, antes da edificação do pavilhão que neles foi implantado, com caminho “estrada velha” ou “estrada real”, sendo que tais prédios continuam a confinar com a estrada actualmente existente.

23. Entre 10 a 13 anos antes da propositura desta acção, os anteproprietários dos prédios referidos em A) e C), então rústicos, ocuparam toda a frente dos mesmos, que dá para a estrada, com construção de pavilhão e anexos, apenas deixando um espaço de 1,50 metros de largura livre, da parede externa norte do pavilhão até à estrema.

24. Os réus têm o seu pavilhão concluído.

25. Os réus têm o seu pavilhão arrendado.


/////

IV.

Direito

Conforme resulta da matéria de facto, a Autora/Apelada é proprietária de dois prédios que confrontam entre si e nos quais foi implantado um pavilhão e anexos. Tal pavilhão e anexos ocupam toda a frente dos prédios que dá para a estrada – com a qual os prédios confrontam a poente – existindo apenas, do lado norte e entre a parede do pavilhão e a estrema com o prédio das Rés/Apelantes, um espaço de 1,50m de largura pelo qual é possível aceder – a pé – à parte nascente dos prédios da Apelada (traseiras do pavilhão ali implantado).

Não obstante o facto de os prédios em causa (da Apelada) terem acesso à via pública, seja através do pavilhão ali construído (que deita directamente para a estrada), seja através da referida faixa de terreno com 1,5 metro de largura, a verdade é que nenhum desses acessos permite a passagem de veículos – designadamente veículos de maiores dimensões – para a parte nascente dos prédios (traseiras do pavilhão), sendo que, desde a construção do pavilhão e durante pelo menos 13 anos, os antepossuidores desses prédios efectuavam esse acesso – com carro e camião – através de uma faixa de terreno com 3 metros de largura a contar da parede norte do pavilhão, sendo esse o único acesso, de carro ou camião, à parte nascente dos aludidos prédios.

Não obstante a Autora ter sustentado nestes autos ser a proprietária dessa faixa de terreno, tal direito não lhe foi reconhecido, resultando, aliás, da matéria de facto provada que o seu direito de propriedade apenas incide sobre metade dessa faixa de terreno, ou seja, uma faixa com a largura de 1,5m que é insuficiente para a passagem de carros e camiões.

E, não lhe tendo sido reconhecido esse direito de propriedade, também lhe foi negado o reconhecimento – que havia peticionado subsidiariamente – de uma servidão de passagem, alegadamente constituída por usucapião, através da aludida faixa de terreno, por se ter considerado que tal passagem não havia sido exercida pelo tempo necessário para a aquisição desse direito por usucapião.

Mas, prevendo a possibilidade de improcedência dessas pretensões, a Autora havia ainda formulado o pedido de constituição de uma servidão legal de passagem através da aludida faixa de terreno que lhe veio a ser reconhecida pela sentença recorrida.

Contestando essa decisão, dizem as Apelantes que não estão reunidos os pressupostos de que depende a constituição dessa servidão, já que – dizem – os prédios da Apelada não estão encravados, porquanto confrontam com a via pública e ainda que se entenda que estão encravados, sempre seria um encrave voluntário que não poderá dar lugar à constituição de uma servidão de passagem nos termos do art 1552º do CC, sob pena de as Apelantes verem o seu direito de propriedade sacrificado por causa de um comportamento do anterior proprietário dos prédios da Apelada que, ao construir o pavilhão, ocupou toda a área dos prédios sem reservar qualquer espaço para o acesso de veículos.

Analisemos, portanto, essa matéria.

Dispõe o art. 1550º, nº 1, do Código Civil[2] que: “os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos”. E, dispõe o nº 2, “de igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio”.

A faculdade de exigir a constituição de uma servidão de passagem pressupõe, pois, uma situação de encrave (seja ele absoluto ou relativo) do prédio em benefício do qual se requer a constituição da servidão.

Refira-se, desde já, que, ao contrário do que sustentam as Apelantes, não releva, para este efeito, a circunstância de estar em causa um encrave que tenha sido provocado, ainda que voluntariamente e sem justo motivo, pelo proprietário do prédio encravado (como teria acontecido no caso sub judice, já que os prédios da Apelada confrontam com a via pública e, se é certo que, neste momento, não tem acesso, por veículos, à parte nascente dos aludidos prédios, tal apenas aconteceu porque ali foi construído um pavilhão que ocupa toda a frente dos prédios que dá para a estrada sem que tenha existido o cuidado de reservar um qualquer espaço que permitisse aceder à parte traseira do pavilhão). Com efeito, dispondo o art. 1552º, nº 1, que “o proprietário que, sem justo motivo, provocar o encrave absoluto ou relativo do prédio só pode constituir a servidão mediante o pagamento de indemnização agravada”, é evidente que, ainda que o encrave tenha sido causado por acção injustificada do proprietário do prédio, pode ser exigida a constituição da servidão para assegurar a satisfação das necessidades que foram perdidas em consequência daquela actuação injustifica, sucedendo apenas que a indemnização devida pela constituição da servidão será agravada, de harmonia com a culpa do proprietário, até ao dobro da que normalmente seria devida (cfr. nº 2 do citado art. 1552º).

Mas, sendo irrelevante – como vimos – que o encrave tenha sido (ou não) provocado pelo proprietário sem qualquer motivo justificado, a faculdade de exigir a constituição da servidão pressupõe, necessariamente, que o prédio esteja encravado, até porque, de outra forma, não faria sentido impor ao proprietário vizinho o encargo inerente a uma servidão; tal encargo só pode e deve ser imposto para fazer face a uma necessidade real de determinado prédio que, por força do seu encrave, não pode ser fruído e explorado normalmente sem que lhe seja permitido o acesso através de um prédio vizinho.

 Um prédio está encravado – como resulta do disposto no nº 1 do art. 1550º - quando não tenha qualquer comunicação com a via pública, situação que é definida pela doutrina como correspondendo ao encrave absoluto[3]. Mas, a esse conceito de encrave absoluto acresce ainda aquilo que se designa por encrave relativo[4] e que, como resulta do disposto no citado art. 1550º, também dá ao respectivo proprietário a faculdade de exigir a constituição de uma servidão. Corresponde este encrave às situações em que o prédio poderia ter comunicação à via pública, mas apenas com excessivo incómodo ou dispêndio e às situações em que a comunicação do prédio com a via pública é insuficiente.

Ora, transpondo essas considerações para o caso sub judice, facilmente se constata que os prédios da Autora/Apelada não estão em situação de encrave absoluto, porquanto tais prédios têm comunicação com a via pública, seja através do pavilhão que neles está implantado e que deita directamente para a estrada, seja através da aludida faixa de terreno, com 1,5m de largura, que existe ao lado do pavilhão e que permite o acesso a pé para as traseiras do pavilhão (parte nascente dos aludidos prédios).

É certo, porém, que essa comunicação à via pública não permite o acesso de veículos à parte nascente dos prédios (traseiras do pavilhão).

Mas, poder-se-á afirmar, por isso (como se considerou na sentença recorrida), que os prédios estão numa situação de encrave relativo por terem comunicação insuficiente com a via pública?

Tal como se referiu, a Apelada pode aceder, a pé e através dos seus prédios, a qualquer ponto dos mesmos, seja ao interior do pavilhão, seja à área que se situa atrás do pavilhão, pelo que a insuficiência da comunicação com a via pública apenas poderia radicar na circunstância de não ter como aceder directamente, com veículos, à parte nascente dos prédios (traseiras do pavilhão).

Mas a normal utilização e exploração dos prédios da Apelada pressupõe e exige o acesso de veículos àquela parte dos prédios? Porquê e para quê? Não sabemos; a matéria de facto é totalmente omissa a esse respeito.

De facto, não sabemos o que existe naquela parte dos prédios; não sabemos qual é a concreta utilização que lhe é dada e não sabemos como e em que medida a sua normal utilização exige (ou não) a possibilidade de acesso directo de veículos a esse local.

Importa notar que o preenchimento do conceito legal (comunicação insuficiente com a via pública) tem que ser aferido através da definição daquelas que são as necessidades normais do prédio face à afectação que, em dado momento, lhe está atribuída e à exploração de que está a ser objecto. Só essas circunstâncias permitirão aferir se o acesso de que o prédio dispõe é insuficiente para prover à normal utilização e exploração do prédio e se existe justificação válida par impor a um prédio vizinho o encargo inerente a uma servidão de passagem, com os prejuízos e incómodos que tal representa. Refira-se que a faculdade de exigir a constituição de uma servidão não se destina a satisfazer necessidades recreativas ou de mera comodidade do prédio, mas sim a satisfazer uma necessidade de acesso à via pública que é necessária à fruição e exploração económica normal do prédio, tendo em conta a sua afectação e a concreta exploração que dele está a ser efectuada.

Com efeito, estando em causa um prédio destinado a habitação, não será certamente a circunstância de o seu logradouro (que funciona como mero complemento da habitação) não ter acesso directo à via pública (a não ser pelo interior da habitação) que dará ao seu proprietário o direito de impor a um proprietário vizinho a constituição de uma servidão que lhe permita, para sua comodidade, aceder directamente ao logradouro sem ter que passar pelo interior da habitação. Da mesma forma, o proprietário de um prédio rústico cuja exploração apenas exige um acesso a pé, não terá o direito de exigir a constituição de uma servidão que lhe permita, para sua comodidade, aceder ao prédio com veículos.

Ora, à luz do que foi dito, parece claro não poder afirmar-se – com base na factualidade apurada – que a normal fruição e exploração económica dos prédios da Apelada não se baste com o acesso de que dispõe, seja pelo interior do pavilhão, seja pelo acesso exterior que lhe permite aceder, a pé, às traseiras do pavilhão e à parte nascente dos prédios. Nada nos permite afirmar que a normal fruição e exploração dos prédios exija a possibilidade de aceder, com veículos, à parte nascente dos prédios (traseiras do pavilhão), sendo que não sabemos sequer o que existe nesse local e a utilização que lhe é dada, importando notar que não sabemos sequer qual a concreta actividade que é exercida no pavilhão ali instalado. Sabemos, através de certidão que se encontra junta aos autos, que a A... (anterior proprietária que instaurou a presente acção) tinha como objecto social a construção, compra e venda de prédios para a revenda, sua administração e exploração e prestação de todos os serviços conexos com tais actividades, o que, só por si, nada nos diz sobre a necessidade de utilização dos espaços traseiros ao pavilhão para qualquer finalidade que exija o acesso de veículos directamente a esse espaço e a designação da actual proprietária ( B..., Ldª) também não aponta para o exercício de uma actividade que nos permita, de algum modo, presumir que a afectação que está a dar aos prédios demande a necessidade de aceder, de veículo, aos aludidos espaços.

Não ficou, portanto, demonstrado que o acesso à via pública de que dispõem os prédios da Autora/Apelada seja insuficiente para prover à normal fruição e exploração dos aludidos prédios de acordo com o destino e a afectação que lhes estão atribuídos e, nessa medida, não ficou demonstrado que os aludidos prédios se encontrem em situação de encrave (absoluto ou relativo) que possa justificar, à luz do disposto no art. 1550º, a constituição de uma servidão de passagem sobre o prédio das Rés/Apelantes. Tal como referiu, o encrave dos prédios (absoluto ou relativo) é um pressuposto básico e essencial sem o qual não é possível a constituição de uma servidão legal de passagem e, sendo um facto constitutivo do direito que veio invocar, cabia à Autora/Apelada o ónus de alegação e prova dos factos concretos que permitissem concluir pela existência do aludido encrave.

Assim, não tendo ficado demonstrado tal encrave, não será possível decretar a constituição da aludida servidão, o que conduz à procedência do recurso e à revogação da sentença recorrida, sem necessidade de apreciação das demais questões que haviam sido suscitadas.


******

SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – A faculdade de exigir a constituição de uma servidão de passagem, ao abrigo do disposto no art. 1550º do CC, pressupõe uma situação de encrave (seja ele absoluto ou relativo) do prédio em benefício do qual se requer a constituição da servidão, situação essa que ocorre quando o prédio não tem qualquer comunicação com a via pública (encrave absoluto), quando o prédio apenas poderia ter comunicação à via pública com excessivo incómodo ou dispêndio ou quando a comunicação do prédio com a via pública é insuficiente (encrave relativo).

II – O preenchimento do conceito legal “comunicação insuficiente com a via pública” tem que ser aferido através da definição daquelas que são as necessidades normais do prédio face à afectação que, em dado momento, lhe está atribuída e à concreta exploração de que está a ser objecto.

III – Sendo possível aceder, a pé, da via pública a qualquer ponto do prédio e não estando demonstrado que o acesso de veículos a determinado ou determinados locais desse mesmo prédio seja necessário à sua normal fruição e exploração económica, tendo em conta a sua afectação e a concreta exploração que dele está a ser efectuada, não poderá ser afirmada a existência de uma situação de encrave relativo, por insuficiente comunicação do prédio com a via pública, que justifique a constituição de uma servidão legal de passagem sobre um prédio vizinho de forma a permitir o acesso de veículos.


/////

V.
Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso e, revogando-se a sentença recorrida, absolvem-se as Rés/Apelantes do pedido – em que haviam sido condenadas pela sentença recorrida (alínea b) da decisão recorrida) – referente à constituição da aludida servidão legal de passagem, confirmando-se, no mais e por não ter sido objecto de recurso, a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelada.
Notifique.

Maria Catarina Ramalho Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Reg. nº 164.
[2] Diploma a que se reportam as demais disposições legais que venham a ser citadas sem menção de origem.
[3] Cfr., designadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol III, 2ª ed. Revista e Actualizada (Reimpressão), pág. 636.
[4] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit. págs. 636 e 637.