Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
230/10.7GFPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
Data do Acordão: 11/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - 1º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 384º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Decretada a suspensão provisória do processo, em processo sumário, encontrando-se este em fase de julgamento, por se tratar já de processo judicial, cuja orientação e supervisão pertence ao juiz, devem os autos aguardar o decurso do prazo da suspensão provisória, na secção judicial a que foram distribuídos.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

Aberta a audiência de julgamento dos presentes autos de processo sumário, antes de iniciada a produção de prova, o arguido requereu a suspensão provisória do processo mediante imposição de injunções e regras de conduta, tendo o M.P. expressado a sua concordância com o requerido.
Os autos foram então remetidos à Mmª Juiz de Instrução Criminal que, após ter efectuado as diligências necessárias para verificação dos pressupostos da suspensão provisória, proferiu despacho de suspensão provisória mediante cumprimento de injunções, determinando, a final, que se procedesse à respectiva notificação.
Contudo, os autos foram devolvidos ao 1º Juízo Criminal de Viseu sem precedência de qualquer notificação, tendo aí sido proferido despacho com o seguinte teor:
“Da interpretação do disposto no art. 384º do Código de Processo Penal resulta que, após a remessa dos autos à Mmª Juiz de Instrução, e independentemente do sentido da duas decisão (de concordância ou discordância à requeria suspensão provisória) haverão os autos de ser devolvidos aos serviços do Ministério Público para aí correrem os seus termos.
Efectivamente, se a decisão for de discordância, os autos deverão para aí ser remetidos para que se providencie pela notificação a que alude o nº 2: notificação do arguido e testemunhas para comparecerem em tribunal para o julgamento nos 15 dias subsequentes à detenção.
Se for de concordância, os autos deverão para aí ser remetidos para que se verifique do cumprimento das injunções ou regras de conduta, nos termos do art. 282º. Se aquelas forem cumpridas, como em qualquer suspensão provisória, o processo é arquivado. Se não forem cumpridas, então, para que seja deduzida acusação em processo abreviado (nº 3 do art. 384º)”.
Remetidos os autos aos Serviços do Ministério Público foram estes autuados e registados como inquérito, a que se seguiu despacho determinando o arquivamento liminar do inquérito por falta de verificação de qualquer dos pressupostos do art. 262º do CPP e a devolução dos autos ao 1º Juízo Criminal para os fins tidos por convenientes, nomeadamente, cumprimento do despacho da Mmª Juiz de Instrução e prosseguimento dos autos em processo sumário.
Regressados os autos ao 1º Juízo Criminal de Viseu, foi proferido novo despacho ordenando uma vez mais a devolução dos autos aos Serviços do Ministério Público. Este despacho, que é, aliás, o despacho recorrido, tem o seguinte teor:
“Não se vê qual o fundamento legal para, em Processo Penal, o Ministério Público, sobrepondo-se à decisão do Juiz, decidir do destino dos presentes autos devolvendo-o à secção de processos quando no despacho de fls. 31 se decidiu em sentido contrário.
No despacho de fls. 31 deixou-se escrito que: " ... haverão os autos de ser devolvidos aos serviços do Ministério Público para aí correrem os seus termos ... " ( § primeiro) e, nessa conformidade, se decidiu remeter os autos ao Ministério Público.
Do que se conhece da respectiva orgânica, não existem serviços do Ministério Público nos Juízos Criminais, pela evidente razão de que os processos que aqui se tramitam não são os "seus" processos, não tendo o Ministério Público no Juízo criminal quaisquer poderes decisórios.
Igualmente, não se conhece da existência nos Juízos Criminais de um corpo de Magistrados do Ministério Público (ainda que reduzidos a um só elemento) com funcionários e secção própria para tramitarem processos já distribuídos aos juízos criminais e em que passem a agir como «dominus».
Não se vê como, se o processo não regressar à fase de inquérito, pode vir a ser proferida acusação para julgamento em processo abreviado nos termos do art. 384.°, n." 3, do CPP quando disso for caso.
Apesar de ser imperativa, e sublinha-se imperativa, a ponderação pelo Ministério Público das soluções e formas processuais possíveis antes da remessa dos autos para julgamento em processo especial ou em processo comum, bem se compreende o porquê da opção legislativa na recente alteração ao art. 384.° do CPP, apesar de aparentar ser kafkiana.
Na verdade, só aparentemente é que o é, porque, afinal, a substância há-de permanecer sobre a forma, porque o processo é apenas um instrumento e não um fim em si mesmo e porque o legislador, mais uma vez, sentiu a necessidade de se sobrepor à inércia do aplicador da lei, que tantas e tantas vezes, ignora aquele imperativo de ponderar as soluções e formas processuais.
Dizer que um processo que foi já distribuído como processo especial não pode vir a ter outra forma processual e nem sequer pode voltar à fase de inquérito, apenas e tão só porque já foi distribuído como processo sumário, é fazer prevalecer a forma sobre a substância.
Mas esse não é o Processo Penal Português. Sobretudo quando o legislador sempre considerou de forma diversa - v.g. um arguido acusado em processo comum singular pode, depois, vir a ser julgado em processo comum colectivo - e, no caso da suspensão provisória, até o diz de forma expressa - cf. n." 3 do art. 384.° do CPPl.
O despacho de fls. 31 é inequívoco no sentido do decidido e não foi objecto de recurso.
O despacho de fls. 36 a 40, proferido já pelo Magistrado do Ministério Público a quem os autos foram distribuídos, não vincula o Juiz nem incumbe ao Juiz promover a sua sindicância.
O sentido de tal despacho é o de arquivar liminarmente o inquérito. O âmbito e alcance dessa decisão é, para o Juiz, irrelevante, sendo certo que neste Juízo inexistem em curso inquéritos liminarmente arquivados.
Não há quaisquer fins convenientes a assegurar neste Juízo com a presença neles destes autos.
Crê-se que as normas inscritas no art. 384 do CPC são claras nos seus termos e não suscitam dúvidas quanto aos termos processuais que os presentes autos devem ter.
Assim, e pelo exposto, devolva os autos aos serviços do Ministério Público.”

Como se referiu já, é deste despacho que recorre o Ministério Público, retirando da correspondente motivação as seguintes conclusões:
1 – Proferida decisão de concordância pela Mmª Juiz de Instrução da requerida suspensão provisória pelo arguido, na audiência de julgamento em processo sumário, mas determinando tal decisão um prazo para a suspensão que não constava no requerimento apresentado, bem como uma nova injunção e uma explicitação sobre o comprovativo nos autos do pagamento da quantia determinada, tal decisão devia ter sido notificada ao arguido e ao Ministério Público, conforme consta, aliás, do douto despacho proferido pela Mm." Juiz de Instrução a fim de os mesmos poderem declarar se concordavam ou não com a suspensão do processo nos termos constantes no despacho proferido pela JIC.
2 - Não tendo sido cumprida tal notificação, não se pode considerar reunidos todos os pressupostos que permitem a suspensão provisória do processo, nos termos constantes no disposto no art. 280, n.º 1, al. a) do CPP (adaptado ao presente caso em Processo Sumário), por faltar concordância do arguido e do Ministério Publico.
3 - Mesmo que assim não se entenda e se considere verificados todos os pressupostos da suspensão provisória no processo sumário, nunca poderiam os autos serem remetidos de imediato ao Ministério Publico a fim de serem autuados como inquérito.
4 - O Ministério Público não requereu a suspensão provisória do processo na chamada fase preliminar do processo sumário, sob o domínio do Ministério Público (ao contrário de outra situações em que foram proferidas decisões pelo Tribunal da Relação de Lisboa), sendo que tal foi requerido já na fase jurisdicional do processo, pelo arguido na audiência de julgamento e após despacho judicial que determinou a autuação dos autos corno Processo Sumário e a realização imediata da audiência de julgamento.
5 - A aplicação com as devidas correspondências prevenidas no art.º 384º do CPP, não pode, logicamente e, numa apreciação literal e puramente sistemática das normas aplicáveis, querer dizer que, apenas porque o art.º 281 está inserido na fase processual do inquérito, se deve entender que é nos Serviços do Ministério Publico que o processo deverá aguardar o decurso do prazo de suspensão e que cabe ao Ministério Público verificar pelo cumprimento das regras de conduta e das injunções aí aplicadas.
6 - Registado, distribuído e autuado o expediente que lhe é remetido pelo Ministério Publico como processo sumário, iniciada a audiência de julgamento e requerida já nesta audiência e pelo arguido a suspensão provisória do processo, é ao Juiz de julgamento que cabe proferir despacho que determine a suspensão provisória do processo.
7 - Após o registo e autuação de um processo sumário e iniciada a audiência de julgamento, o mesmo só comporta despacho judicial que ponha termo ao processo e este só poderá revestir uma de três possibilidades: absolvição, condenação ou remessa para outra forma processual.
8 - De acordo com a interpretação gramatical e legal, suspender um processo é sustar-lhe a marcha o que, necessariamente, implica que o mesmo fique a aguardar os ulteriores trâmites processuais no mesmo sítio onde se encontra na data da sua suspensão.
9 - O processo sumário suspenso só poderá ser remetido ao Ministério Público se o Juiz de Instrução não concordar com a suspensão provisória do processo, o arguido não cumprir as regras de conduta/injunções que lhe tenham sido aplicadas ou se não for já possível o julgamento em processo sumário.
10 - Tal como sucede na suspensão provisória do processo na fase de instrução, cabe ao Juiz de Julgamento (na instrução cabe ao JIC) decretar a suspensão do processo no processo sumário, devendo o processo aguardar aí os seus termos (tal como pacificamente sucede na fase de instrução).
11 - O entendimento da decisão recorrida é inconstitucional por violar o principio da separação de poderes ínsito nos art.°s 2 e 111.°, ex vi dos art.°s 202 e 219 da Constituição da República Portuguesa, conduzindo ao vicio de incompetência absoluta, por constituir a prática por um órgão (Ministério Público) de acto para o qual não possui qualquer competência conferida pela Constituição ou pela Lei.
12 - Remeter o processo sumário, em que foi requerida a suspensão provisória pelo arguido já depois de iniciada a audiência de julgamento, ao Ministério Público para inquérito, ainda antes de saber se o arguido cumpriu ou não a injunção e depois de a Juiz de Instrução concordar com a suspensão, será pretender que um processo jurisdicional saia da respectiva secção fora dos casos previstos na lei, em violação do art. 125, nº 3 da L.O.F.T.J. (Lei n.º 3/99, de 13/01 e do art. 155.°, n.º 2 da N.L.O.F.T.J (Lei n.º 52/2008, de 28/08).
13 - O que viola flagrantemente o disposto no art. 390, n.º 1 do Código de Processo Penal que, de forma taxativa, fixa os casos em que o processo muda de forma processual.
14 - A manter-se o entendimento da douta decisão recorrida, não se vislumbra o destino a dar pelo Ministério Público a este processo que lhe é remetido pelo Juiz de Julgamento já que, por Lei, não o pode mandar arquivar, nem registar como processo administrativo, expediente avulso ou inquérito (violando-se aqui e nesta hipótese, como se pretende na douta decisão recorrida), estatuído no art. 262º do CPP) por o mesmo constituir um processo jurisdicional, dirigido pelo Juiz e não pelo Ministério Público.
15 - É manifesto que um processo judicial especial (no caso concreto, o processo Sumário), ainda que remetido aos serviços do Ministério Público, não integra, nem nunca poderia integrar o conceito de inquérito ou "converter-se" num inquérito, fora dos casos expressamente estabelecidos na Lei (art. 390, n.º 1 do CPP).
16 - O inquérito que se instaurasse por esta via e sem fundamento legal, estaria assim, ab initio e inelutavelmente esvaziado de objecto e sentido porque estaria já alcançada a sua finalidade, coarctando o Ministério Público enquanto titular do "inquérito" assim instaurado de decidir-se ou não pela suspensão provisória do processo.
17 - Não se vê como pode tal processo ser registado junto dos serviços do Ministério Público, já que não vislumbramos, sempre salvo o devido respeito por interpretação diversa, "outras formas processuais" onde tal pudesse caber ou integrar-se.
18 - A pretensão do legislador ao conferir a possibilidade de uso da suspensão provisória no processo sumário não terá certamente sido a de que este fosse remetido ao Ministério Publico e ficasse num "limbo" não sindicável e sem assento legal.
19 - Nem a de, por via de despacho como o proferido nos autos, instituir o Ministério Público como "fiel depositário" de um processo judicial e especial.
20 - Não cabe ao Ministério Público, no caso de cumprimento conduta/injunções por parte do arguido, determinar, em casos como o vertente, o arquivamento do processo.
21 - Se a intenção do legislador tivesse sido a de fazer regressar estes processos (abreviados e sumários) ao Ministério Publico, não teria expressamente dito (tanto mais quanto estatuiu expressa e taxativamente no art. 390º as circunstâncias em que o processo é remetido par a forma comum) que assim era? E a forma ou veste, sob a qual, tal "regresso" seria efectuada (como inquérito? Expediente avulso ou outra?).
22 - O processo sumário no qual tenha sido solicitado pelo arguido a suspensão provisória do processo, iniciada a audiência de julgamento, com concordância da Juiz de Instrução e durante o prazo da suspensão, deve pois manter-se na secção judicial onde o mesmo foi distribuído cabendo ao Juiz, titular do mesmo processo, decretar a suspensão e aferir, a final, dos pressuposto do seu arquivamento, decidindo pelo arquivamento dos autos em caso de cumprimento da injunções/regras de conduta (nos termos do art. 282º, nº 3) ou determinando a remessa dos autos ao Ministério Público, apenas em duas hipóteses:
- nas situações referidas pelo art. 282º, n.º 4, ser proferida acusação em processo abreviado, nos termos do disposto no n.º 384, n.º 3,
ou
- para tramitação sob outra forma de processo, nos casos taxativamente estipulados no art. 390º, nº 1 do CPP.
Termos em que, pelos fundamentos e nos termos expostos, com o douto suprimento de Vossas Excelências, se requer seja revogada a douta decisão recorrida e seja a mesma substituída por outra que determine que se dê sem efeito todos os actos praticados após o douto despacho da Mmª Juiz de Instrução, regressando os autos à Secção onde originariamente foram distribuídos a fim de se dar cumprimento à notificação ordenada no despacho da Juiz de Instrução e, após, em caso de concordância do arguido e do Ministério Publico, seja determinada a suspensão provisória do processo pelo Mm.º Juiz de Julgamento, aguardando os autos naquele Secção o prazo da suspensão provisória do processo.

Não houve resposta.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância, pronunciando-se pela procedência do recurso interposto.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso suscita-se uma questão prévia, qual seja, a de saber se o recurso é admissível. Perante resposta positiva, a questão controvertida consiste em saber se, decretada a suspensão provisória do processo em processo sumário, encontrando-se este em fase de julgamento, devem os autos aguardar o decurso do prazo da suspensão provisória na secção judicial a que foram distribuídos ou nos serviços do Ministério Público.

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II - FUNDAMENTAÇÃO:

Começando, por óbvias razões metodológicas, pela questão prévia suscitada, diremos sem delongas de maior que o recurso se nos afigura admissível, como o entendeu, aliás, a Exmª Vice-Presidente deste Tribunal da Relação de Coimbra na decisão da reclamação constante dos autos apensos. Com efeito, sendo certo que o art. 391º do Código de Processo Penal (diploma a que se reportam também todas as demais disposições legais citadas sem menção de origem) estabelece que «em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou do despacho que puser termo ao processo», o despacho que determinou a remessa dos autos aos serviços do Ministério Público para ali prosseguirem os seus termos não pretende senão pôr termo ao processo enquanto processo sumário. Na verdade, o Ministério Público não tem competência para dirigir processos que se encontrem em fase judicial, como sucede com os inquéritos que após acusação sejam remetidos à distribuição e sejam recebidos para julgamento, bem como com o expediente que ainda que não comportando inquérito seja apresentado em juízo pelo M.P. e recebido para julgamento, como sucede com o processo sumário (o processo sumário, não comportando inquérito, comporta no entanto uma fase pré-judicial, da competência do M.P., que decorre entre a apresentação do arguido ao M.P. pela autoridade que procedeu à detenção e a apresentação do arguido a julgamento pelo M.P.). De resto, se porventura nos presentes autos o arguido incumprisse as condições de suspensão, a sua subsequente apresentação para julgamento sempre implicaria a dedução de acusação para julgamento em processo abreviado, conforme prevê o art. 284º, nº 3, pelo que não há dúvida de que o despacho recorrido pôs termo ao processo enquanto processo sumário.

Ultrapassada a questão prévia e assente que o recurso é admissível, vejamos então o mérito da questão de fundo:
Segundo o disposto no nº 1 do art. 281º, «se o crime for punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:
a) Concordância do arguido e do assistente;
b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza;
c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza;
d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
e) Ausência de um grau de culpa elevado; e
f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
Complementarmente, o art. 282º dispõe nos seguintes termos:
1 – A suspensão do processo pode ir até dois anos, com excepção do disposto no nº 5.
2 – A prescrição não corre no decurso do prazo de suspensão do processo.
3 – Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto.
4 – O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas:
a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou
b) Se durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.
5 – Nos casos previstos nos nºs 6 e 7 do artigo anterior, a duração da suspensão pode ir até cinco anos.

Estas normas constituem o regime regra, por remissão para as quais são reguladas as demais situações de suspensão provisória do processo previstas no Código de Processo Penal. Assim, quanto à suspensão provisória em instrução, rege o art. 307º, nº 2 (remetendo para a aplicabilidade do disposto no art. 281º), em processo sumário rege o art. 384º e em processo abreviado rege o art. 391º-B, nº 4 (remetendo os dois últimos para os arts. 280º a 282º).
Temos assim que a suspensão provisória do processo não é atribuição exclusiva do M.P., assim como a consideração da sua aplicabilidade não tem que ser equacionada exclusivamente no decurso do inquérito. Também na fase de instrução pode o juiz, verificados os pressupostos previstos no art. 281º, decidir-se pela suspensão provisória, exigindo-se, desta feita, a concordância do Ministério Público (art. 307º, nº 2), assim como no processo sumário pode ser decidida até ao início da audiência (art. 384º, nº 1)
No que concretamente concerne ao processo sumário, forma de processo especial do processo penal que não comporta fase de inquérito nem admite instrução, uma vez verificados os pressupostos que determinam a tramitação sob a forma de processo sumário, deve o Ministério Público apresentar imediatamente o arguido, ou no mais curto prazo possível, ao tribunal competente para o julgamento, como o determina o art. 382º, nº 2, conjuntamente com o expediente da autoridade que tiver procedido à detenção, fixando o âmbito do processo através da apresentação de acusação ou substituindo-a pela leitura do auto de notícia, nos termos previstos no art. 389º, nº 2.
Até ao início da audiência pode o tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente, suspender provisoriamente o processo, como prevê o art. 384º, nº 1.
Tratando-se de iniciativa do M.P., a suspensão deverá obter a concordância do juiz de instrução e, em bom rigor, deverá ser desencadeada na fase pré-judicial, antes da apresentação do expediente para registo como processo sumário. Nesse caso, obtida a concordância do juiz de instrução para a suspensão provisória do processo, os autos aguardarão nos serviços do Ministério Público o decurso do prazo fixado, visto nada justificar a remessa dos autos para a fase judicial com vista à sua tramitação como processo sumário ou outra forma processual. Se o arguido não cumprir as injunções e/ou regras de conduta, o Ministério Público, no prazo de 90 dias a contar da verificação do incumprimento [art. 282º, 4, al. a)] ou da condenação [art. 282º, nº 4, al. b)], deduzirá acusação para julgamento em processo abreviado (art. 384º, nº 3). Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o M.P. arquivará o processo, que não poderá ser reaberto (art. 282º, nº 3).
Diversamente, uma vez recebido o expediente como processo sumário e partindo a iniciativa da suspensão do próprio tribunal, obtida a concordância do M.P. e determinada a suspensão provisória, os autos aguardam o decurso do prazo de suspensão provisória na secretaria judicial, por se tratar já de processo judicial, cuja orientação e supervisão pertence ao juiz. Se as injunções e regras de conduta forem cumpridas – e será ao juiz que competirá verificá-lo – será ordenado o arquivamento dos autos. Se o não forem ou se ocorrer condenação do arguido no decurso do prazo de suspensão nos termos previstos no art. 282º, nº 4, al. b), o juiz remeterá os autos ao M.P. para os fins previstos no nº 3 do art. 384º, mantendo-se a competência do tribunal competente para o julgamento sob a forma sumária (art. 391º, nº 2), precisamente porque os autos não regressam à titularidade do Ministério Público, que não pode, assim, decidir livremente do respectivo destino, estando vinculado a deduzir acusação em processo abreviado (o art. 384º, nº 3, é imperativo!).
E se a iniciativa da suspensão provisória partir do próprio arguido ou do assistente mediante formulação de requerimento nesse sentido, vindo este a ser acolhido, qual será o destino dos autos?
A questão não oferece dúvida de maior. Decidida a suspensão provisória, a situação dos autos não sofre alteração. Se o requerimento foi apresentado e apreciado na fase pré-judicial, quando os autos se encontravam ainda na disponibilidade do Ministério Público, permanecerão sob a alçada do M.P., que verificará o cumprimento das injunções e regras de conduta e oportunamente ordenará o seu arquivamento ou deduzirá acusação. Se pelo contrário o requerimento foi apresentado e apreciado quando os autos se encontravam já na fase judicial, recebidos e autuados como processo sumário, permanecerão na secção de processos, cumprindo ao juiz verificar o cumprimento das injunções e regras de conduta e determinar oportunamente o seu arquivamento ou a remessa ao M.P. para dedução de acusação. Argumento no sentido apontado se colhe, aliás, da interpretação conjugada das normas já citadas com o disposto no nº 1 do art. 390º. Acresce uma razão de natureza administrativa: Tendo os autos sido registados na secretaria judicial como processo sumário, não poderão ser registados na secretaria do Ministério Público sob outra espécie (inquérito, processo administrativo ou expediente avulso) nem lhes poderia ser dada definitiva baixa na secção de processos por se tratar de processo pendente em fase judicial.
A situação em recurso enquadra-se precisamente na última vertente apontada. O requerimento para suspensão provisória do processo foi formulado pelo arguido quando os autos tinham sido já recebidos como processo sumário, ou seja, quando se encontravam na fase judicial. Remetidos ao Mmº Juiz de Instrução Criminal para apreciação, foi proferido despacho de concordância com a suspensão provisória que fixou o prazo da suspensão e as injunções a observar pelo arguido. Devolvidos ao 1º Juízo Criminal de Viseu, aí deveriam ter permanecido nos termos que se apontaram. O recurso oferece-se, pois, como procedente, devendo ser provido.
Uma última nota, apenas para referir que a notificação pretendida pelo recorrente faz sentido exclusivamente para levar ao conhecimento do arguido o teor da decisão de suspensão provisória e marcar o início do respectivo cumprimento. Na verdade, a decisão de suspensão acolheu, quanto a prazo e injunções, a sugestão do próprio arguido e logo em audiência obteve a concordância do Ministério Público (cfr. acta de audiência, a fls. 20).

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, concede-se provimento ao recurso e revoga-se o despacho recorrido, determinando-se que os autos se mantenham na secção e juízo a que foram distribuídos como processo sumário, procedendo-se aí à notificação ordenada pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal, que tanto quanto resulta dos autos ainda não foi efectuada, seguindo-se depois os termos adequados de acordo com a tramitação que se apontou.
Sem tributação.
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Jorge Miranda Jacob (Relator)
Maria Pilar de Oliveira