Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3516/13.5TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA PENAL
PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 10/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COIMBRA - 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.S 810, 812 CC, DL Nº 446/85 DE 25/10
Sumário: 1. A regulamentação do DL 446/85 de 25 de Outubro, aplica-se também às cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos individualizados pelo que, mais do que saber se estamos ou não perante um contrato de adesão o que releva, é saber se a cláusula em questão constitui uma cláusula contratual geral, ou seja, se o seu conteúdo é pré-elaborado e insusceptível de ser influenciado ou negociado pela parte.

2. Para se aferir da adequação e proporcionalidade da cláusula estabelecida, à luz do disposto no artº 19 al. c), há que ter em conta o valor dos danos a ressarcir e a pena contratualmente fixada, que vale como indemnização pré-determinada, de modo a estabelecer-se uma certa equivalência entre ambos os valores.

3. É nula, por desproporcionada e injustificada a cláusula penal que dá à A. o direito a haver o pagamento de todas as prestações vincendas, em valor idêntico àquele que seria cobrado caso o contrato se mantivesse em vigor e o serviço a ser prestado, sem que haja essa efectiva prestação de serviço com todos os custos a tal associados, já que a A. fica desonerada da sua prestação.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

A O (…), Ldª vem intentar a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum contra o Condomínio do Edifício Lote B-29 da Rua (...), Coimbra, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 6.125,40 acrescida de juros vencidos no montante de € 479,17 e vincendos até integral pagamento.

Alega para tanto, em síntese, que no exercício da sua atividade comercial celebrou com o réu um contrato de conservação de elevadores, através do qual se obrigou a conservar, por períodos de 6 anos, renováveis por iguais períodos, os dois elevadores do condomínio, pelo valor mensal inicial de € 130,20 acrescidos de IVA, o qual, for força das atualizações anuais, se cifrava à data do seu terminus em € 172,79 (com IVA incluído). Este contrato renovou-se em 1 de outubro de 2009, destinando-se a vigorar até 3 de setembro de 2015, sucedendo contudo que, sem alegar qualquer justificação para tal, o réu resolveu o contrato dos autos com efeitos imediatos em 22 de agosto de 2012. Perante este comportamento, a autora considerou o contrato resolvido sem justa causa e, por aplicação da cláusula 5.7.4 do contrato, faturou-o até ao seu termo, ou seja, de outubro de 2012 a setembro de 2015, num valor global de € 6.125,40, que o réu se recusou a pagar.

O réu, devidamente citado, contestou invocando que o contrato foi celebrado com outra administração que não a demandada e que, decorridos 8 anos, entendendo que os valores cobrados pela autora eram muito elevados, tentou encetar negociações com esta no sentido de rever o preço dos serviços, nunca tendo contudo a autora mostrado abertura para uma efetiva e alargada revisão. Por isso, considerando que a autora atualizara os preços sem respeito pela cláusula 5.3.3 do contrato, praticava preços muito mais elevados do que os seus concorrentes, e ainda que não cumpriu o dever de manter em funcionamento simultâneo os dois elevadores, uma vez que apenas um dos elevadores funcionava alternadamente, considerou que havia justa causa para a resolução do contrato. Mais referiu que, de todo o modo, nunca a revogação do contrato poderia estar sujeita ao cumprimento da cláusula 5.7.4 do contrato, já que esta se mostra desproporcionada e viola o disposto no art. 19.º, al. c), do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.

            Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Procedeu-se a audiência de julgamento, com observância do legal formalismo.

Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o R. do pedido contra ele formulado pela A.

Inconformada com esta decisão vem dela interpor recurso a A., pedindo a sua revogação e substituição por outra que condene o R. no peticionado, formulando para o efeito as seguintes conclusões:

I. Na sentença recorrida o tribunal a quo entendeu que a cláusula penal constante do contrato celebrado entre a recorrente e o recorrido é nula, o que não merece a concordância da recorrente, a qual considera que o referido tribunal não aplicou correctamente a regra contida no art. 19º-C do DL 446/85, de 25 de Outubro.

II. Desde logo porque, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, o contrato em causa nos presentes autos não pode subsumir-se tout court ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, na medida em que não é um contrato de adesão.

III. Isto porque, apesar do contrato em causa constar de um documento pré elaborado pela recorrente, o que se explica por uma questão de economia e comércio jurídicos, o mesmo é passível de ser negociado pelas partes contratantes, existindo para esse efeito um espaço no mesmo, na página das “Condições Contratuais Específicas”, designado “Condições Particulares”.

IV. Assim, é possível aos clientes da recorrente – foi possível ao recorrido – alterar, adaptar, derrogar e/ou aceitar apenas parcialmente as “condições gerais” do mesmo contrato.

V. Por outro lado, não entende a recorrente a razão por que deve a cláusula penal inserida no referido contrato ser considerada nula.

VI. Como todas as restantes, também essa cláusula foi devidamente explicada ao recorrido aquando da negociação que teve lugar antes da celebração do contrato, não tendo o mesmo feito qualquer reparo ao teor e implicações da mesma.

VII. Assim, e ao abrigo da liberdade contratual consagrada na lei civil portuguesa, tal cláusula foi inserida no contrato.

VIII. Dessa forma, as partes contratantes ficaram a saber, de antemão, com todas as vantagens a esse facto inerentes, nomeadamente em termos de segurança jurídica, qual o quantum indemnizatório que seria devido à parte contrária em caso de quebra injustificada do vínculo contratual firmado por ambas.

IX. Efectivamente, ao contratar com o recorrido, a recorrente teve de se dimensionar em termos humanos e técnicos, para assegurar o cumprimento das obrigações que estava a assumir com a celebração do contrato em causa, perspectivando, naturalmente, quais os lucros provenientes desse cumprimento integral do contrato pelas partes.

X. Tal expectativa resultou, no entanto, frustrada com a atitude do recorrido ao não liquidar atempadamente as facturas correspondentes à prestação de serviços realizada pela recorrente, o que conduziu ao fim antecipado e injustificado do contrato, deixando a recorrente de auferir os lucros que antecipara, não sendo de outra forma ressarcida do investimento técnico e humano que fez para a manutenção/conservação dos elevadores instalados no prédio do recorrido.

XI. Não há, pois, qualquer nulidade na cláusula penal acordada entre as partes, no que se acompanha de perto as ilações do Tribunal da Relação de Lisboa, em especial no seu acórdão de 06.12.2011, bem como nos acórdãos de 27.05.2010, 26.09.2006 e 14.06.2011, do mesmo Tribunal, disponíveis, na sua maioria, em www.dgsi.pt.

O R. veio apresentar contra-alegações pedindo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- artº 635 nº 4 e 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine:

- da (in)validade da cláusula penal prevista no contrato celebrado, nos termos do artº 19 al c) do DL 446/85 de 25 de Outubro.

III. Fundamentação de facto

Por não ter sido impugnada, não havendo lugar a qualquer alteração da matéria de facto e tendo em conta o disposto no artº 663 nº 6 do C.P.C., remete-se para a decisão da 1ª instância, que considerou provados os seguintes factos:

1. A autora é uma sociedade comercial que tem como atividades principais o fornecimento, a montagem e a conservação de elevadores.

2. Com data de 20 de novembro de 2003, o réu celebrou com a autora um contrato de conservação de elevadores simples (sem peças incluídas), denominado “Contrato Otis Controlo OC”.

3. Nos termos do qual a autora se obrigava a conservar, por períodos de seis anos, renováveis por iguais períodos, com início no dia 1 de outubro de 2003, os dois elevadores instalados no edifício do réu, descritos no contrato com os n.º s de instalação NKH578 e NKH579.

4. Da cláusula 5.3.3 do contrato consta que o preço seria anualmente revisto, à data do aniversário da última alteração de preços, com base na evolução dos últimos doze meses conhecidos no Índice de Preços no Consumidor, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, sendo a última revisão efetuada decorrido um ano após a data do início do contrato.

5. Da cláusula 5.7.3 que o contrato se considerava tacitamente prorrogado por iguais períodos desde que não fosse denunciado por qualquer dos contraentes com pelo menos noventa dias de antecedência do termo do prazo que então estiver em curso, através de carta registada.

6. E da cláusula 5.7.4 que em caso de denúncia antecipada do contrato pelo cliente, a Otis teria direito a uma indemnização por danos no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado.

7. Os serviços contratados tinham o valor mensal inicial de € 130,20 acrescidos de IVA, os quais sofreram as atualizações anuais de preços respetivas, tendo à data do seu termo o valor de € 136,00 acrescidos de IVA.

8. Ao longo dos anos o réu foi solicitando à autora a revisão dos preços e apresentando propostas para um novo contrato, não tendo estas negociações surtido efeito.

9. Por carta de 22 de agosto de 2012 o réu comunicou à autora a intenção de rescindir o contrato com efeitos a partir de 1 de dezembro de 2012, acrescentando não pretender qualquer ato de manutenção ou outro por parte da autora a partir daquela data.

10. No dia 16 de outubro de 2012 autora emitiu e remeteu à ré uma fatura relativa aos meses de outubro de 2012 a setembro de 2015, no valor global de € 6.220,45 com vencimento a 9 de novembro de 2012.

11. Os dois elevadores funcionavam alternadamente.

12. O contrato foi celebrado com outra administração que não a demandada.

13. Tendo sido assinado em substituição de um outro contrato pré-existente com o construtor do prédio e que resultava das instalações dos equipamentos.

14. Decorridos oito anos sobre o início da execução do contrato, o réu entendeu que o valor que estava a ser solicitado pela autora, de € 525,60 por trimestre, era demasiado elevado.

15. Tendo a administração tentado encetar conversações com a autora, veio a ser proposto pela autora o valor mensal de € 136,00 acrescidos de IVA, que ainda assim o réu considerava demasiado elevado.

16. O réu informou a autora que tinha uma proposta no valor de € 58,00 acrescidos de IVA que lhe fora apresentada por outra empresa do ramo e que abrangia a manutenção dos dois equipamentos do condomínio.

17. Proposta que se veio a materializar no contrato de manutenção entretanto assinado pelo réu.

IV. Razões de direito

- da (in)validade da cláusula penal prevista no contrato celebrado, nos termos do artº 19 al. c) do DL 446/85 de 25 de Outubro.

Começa a Recorrente por alegar que não está em causa um contrato de adesão. Refere que embora se trate de um contrato pré-impresso, com as condições gerais elaboradas antecipadamente, as mesmas podem ser negociadas mediante inscrição nas condições particulares, que variam em cada contrato com a indicação do preço, duração do contrato e identificação dos elevadores do prédio, pelo que não pode subsumir-se, sem mais, ao regime das cláusulas contratuais gerais do DL 446/85 de 25 de Outubro.

O DL 446/85 de 25 de Outubro vem estabelecer o regime a que estão sujeitas as cláusulas contratuais gerais. Esta regulamentação surge perante a constatação de que a negociação dos contratos, assente no princípio da igualdade formal das partes, não corresponde, muitas vezes, à realidade concreta. A massificação do comércio jurídico levou ao surgimento de contratos que não são precedidos de fase negocial, limitando-se a liberdade contratual à aceitação ou não de determinada proposta apresentada. Tal regime pretende salvaguardar os interesses da parte contratualmente mais fraca, surgindo como uma emanação do princípio da boa fé.

A designação de contrato de adesão deriva do facto do consumidor ou cliente não ter intervenção na preparação das cláusulas do contrato que lhe é apresentado, limitando-se a aceitar a proposta que lhe é feita e assim a aderir a um conteúdo unilateralmente fixado pela contraparte. Os chamados contratos de adesão apresentam-se como “contratos padrão” e, sendo o seu conteúdo, em regra, formado por cláusulas contratuais gerais, estão sujeitos ao regime estabelecido no DL 446/85 de 25 de Outubro.

Na previsão do artº 1º nº 1 do diploma mencionado, cláusulas contratuais gerais são aquelas que são “elaboradas sem prévia negociação individual”, ou seja, são prévia e unilateralmente definidas por um dos contraentes, tendo em vista uma generalidade e pluralidade de pessoas que não as vão negociar e influenciar, no âmbito de um padrão negocial uniformizado.

Dizem-nos Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in. Cláusulas Contratuais Gerais, anotação ao Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro, em anotação ao artº 1º que: “As cláusulas contratuais gerais manifestam as características seguintes: a) são pré-elaboradas, existindo disponíveis antes de existir a declaração que as perfilha; b) apresentam-se rígidas, independentemente de obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações; c) podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários.

O artº 1º do diploma referido, com a alteração que lhe foi dada pelo DL 220/95 de 31 de Agosto e DL 249/99 de 7 de Julho, dispõe:

“1 – As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.

2 – O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.

3 – O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.”

Estamos assim perante um contrato de adesão quando as suas cláusulas resultam da imposição de uma das partes- cláusulas pré fixadas, insusceptíveis de serem negociadas.

De notar, no entanto, que nos termos do nº 2 do artº 1º do DL referido, o regime estabelecido neste diploma aplica-se também às cláusulas inseridas em contratos individualizados, desde que o seu conteúdo seja pré-elaborado e que a parte não pode influenciar.

Assim, e uma vez que esta regulamentação se aplica também às cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos individualizados, mais do que saber se estamos ou não perante um contrato de adesão o que releva, é saber se a cláusula em questão constitui uma cláusula contratual geral, ou seja, se o seu conteúdo é pré-elaborado e insusceptível de ser influenciado ou negociado pela parte. Se assim for, tal cláusula, ainda que inseridas em contrato individualizado, encontra-se sujeita ao regime de protecção previsto neste diploma. Daí que importe avaliar a cláusula contratual, independentemente do tipo de contrato em que a mesma está inserida, seja ou não contrato de adesão.

Tal como nos diz o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/11/2012, in. www.dgsi.pt :“ Uma cláusula geral pode integrar um contrato de clausulado massificado como pode surgir nos chamados contratos individualizados, isto é, adaptados à relação concreta, o que, de certo modo, não representa já um produto dirigido a um universo de potenciais aderentes. Temos assim como seguro que o regime de favor estabelecido para o contraente “não negociante” pode existir independentemente de ele se encontrar ou não diante de um contrato de adesão, no sentido rigoroso: na verdade, basta que uma ou mais cláusulas não sejam susceptíveis de negociação, na acepção de modificação ou exclusão, para que em relação a elas seja permitido invocar a disciplina das CCG.”

Avaliando o caso concreto à luz destas considerações, verifica-se que o contrato celebrado entre as partes e que consta do documento junto aos autos é denominado de “Contrato Otis Controlo OC”, é composto por seis páginas, constando da primeira a identificação das partes, das seguintes 4 páginas constam condições gerais do contrato de forma detalhada e da última página as condições contratuais específicas, com um quadro destinado a anotação de condições particulares, decorrendo da sua forma extensa e do seu teor detalhado, que apenas as cláusulas contratuais específicas estão sujeitas a negociação das partes, como seja a duração do contrato e o preço.

A cláusula invocada pela Recorrente, como suporte para o pedido que formula na presente acção, é a que consta do ponto 5.7.4 do contrato celebrado, com o seguinte teor: “Uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços contratados, é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da Otis, em caso de denúncia antecipada do presente contrato pelo cliente, a Otis terá direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado.”

A avaliação do contrato celebrado, tanto na sua forma como teor, revela que tal cláusula é uma das que faz parte das diversas condições gerais do contrato enumeradas e que não são objecto de negociação entre as partes, antes sendo prévia e unilateralmente fixadas pela A. e plasmadas em impresso uniforme, sem que as parte destinatária tenha a possibilidade de interferir no seu conteúdo.

Aliás, a A. nem sequer invocou nos autos, que tal cláusula resultou de prévia negociação entre as partes, sendo certo que, de acordo com o artº 1º nº 3 do DL 446/85 de 25 de Outubro, o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.

Nesta medida, não restam dúvidas de que à cláusula em questão deve aplicar-se o regime das cláusulas contratuais gerais, conforme decidiu a sentença recorrida.

Embora a Recorrente nas suas alegações venha defender que tal cláusula foi alvo da devida informação ou comunicação à parte contrária, essa situação não assume qualquer interesse ou relevância para a decisão do presente recurso, na medida em que não foi pela falta de informação ou comunicação que tal cláusula foi considerada inválida pelo tribunal a quo. Importa tão só avaliar da sua proporcionalidade aos danos a ressarcir, já que foi com esse fundamento e atento o disposto no artº 19 al. c) do DL 446/85 de 25 de Outubro, que foi constatada a sua nulidade.

Importa então apurar da sua (in)validade, à luz do artº 19 al. c) do diploma referido. O artº 19 que tem como epígrafe “cláusulas relativamente proibidas” vem inserido no capítulo denominado “cláusulas contratuais proibidas”.

Logo o artº 15 estabelece o princípio geral de proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé. Coloca-se assim a boa fé como princípio orientador das cláusulas contratuais gerais. Este princípio é concretizado no artº 16 que dispõe: “Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.”

O artº 18º vem estabelecer as cláusulas absolutamente proibidas e o artº 19º, por seu turno, dispõe sobre as cláusulas relativamente proibidas, consoante o quadro negocial padronizado. É neste artigo que a al. c) prevê a proibição das cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.

A cláusula em discussão prevê que, em caso de denúncia antecipada do contrato pelo cliente, a Otis teria direito a uma indemnização por danos no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado.

Refere a Recorrente que a fórmula encontrada para a cláusula penal em questão é justificada pela natureza e âmbito do contrato, bem como pela dimensão da empresa, adequando-se ao dano causado pela extinção injustificada do contrato pelo cliente.

A cláusula em questão obriga o contraente que pretenda denunciar o contrato antes do tempo previsto para a sua duração, em regra longo e que no caso concreto ficou previsto em 6 anos (com início em 1 de Outubro de 2003, renováveis por iguais períodos), ao pagamento da totalidade da retribuição prevista para todo o período de vigência do contrato, obrigando uma fidelização imposta por receio de fazer face à pesada penalização estabelecida.

A R. comunicou à A. a intenção de rescindir o contrato a 22 de Agosto de 2012, o que na prática, os factos provados revelam é que tal traduziu-se numa denuncia do contrato, não pretendendo a R. a sua continuação por entender que os valores cobrados pela A. eram muito altos, tendo obtido uma proposta para a manutenção dos elevadores por menos de metade do valor proposto pela A. Face a tal comportamento da R., a A. emitiu uma factura com vista ao pagamento da penalização contratualmente fixada, no valor de € 6.220,45 correspondente aos meses de Outubro de 2012 a Setembro de 2015.

É assim imposta uma cláusula que prevê que à denúncia do contrato, independentemente da causa invocada, corresponde o pagamento de uma indemnização por força da cessão do contrato, que assume a natureza de cláusula penal.

A cláusula penal vem prevista no artº 810 do C.Civil que, no seu nº 1, deixa às partes a possibilidade de fixarem previamente o montante da indemnização por acordo, numa manifestação do princípio da liberdade contratual.

O principal objectivo da cláusula penal é evitar dúvidas futuras e litígios quanto à determinação da indemnização. Mas ela é fixada muitas vezes com o caracter de verdadeira penalidade- vd. neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in. Código Civil anotado, II. Vol., pág. 57, assumindo essa função no caso concreto, no sentido de se apresentar como dissuasora do incumprimento.

No caso em presença, como se viu, a cláusula penal foi previamente estabelecida pela A., sem qualquer intervenção da R., no sentido de prever, a favor da Otis, em caso de denuncia antecipada do contrato, uma indemnização no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo do contrato.

Para se aferir da adequação e proporcionalidade da cláusula estabelecida, à luz do disposto no artº 19 al. c), há que ter em conta o valor dos danos a ressarcir e a pena contratualmente fixada, que vale como indemnização pré-determinada, de modo a estabelecer-se uma certa equivalência entre ambos os valores.

Diz-nos o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/05/2014, in. www.dgsi.pt a propósito da al. c) do artº 19º: “O preceito tem, pois, como pressuposto a aposição de cláusulas penais, que admite, mas sujeitas ao critério da proporcionalidade e da adequação, e tendo sempre em vista o contrato-padronizado em que se inserem. Daí resulta que a proporcionalidade terá sempre de ser ponderada à luz do critério geral da boa-fé, conforme prescrito nos artigos 15.º e 16.º”

É preciso não esquecer que quem recorre à utilização de cláusulas contratuais gerais se encontra numa posição de superioridade relativamente aos aderentes, que são privados de interferir na “modelação” da cláusula. Tal tem como contraponto o dever de levar em consideração os interesses dos aderentes, no que só assim encontra correspondência numa conduta conforme à boa fé. De um ponto de vista objectivo, a cláusula imposta deve ser equilibrada e razoável, na ponderação dos vários interesses em presença, daí que o artº 19 c) venha cominar com a nulidade a cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir, ou seja, quando dela resulta, em abstracto uma desequilibrada repartição dos direitos e deveres entre as partes, sem razão atendível que o justifique.

Tal como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa citado: “ O princípio da proporcionalidade impõe uma relação equilibrada (não se exigindo uma desproporção manifestamente excessiva ou flagrante) entre o montante dos danos a ressarcir e a pena previamente fixado por via da cláusula penal, aferição que tem de ser com base no quadro negocial padronizado, apelando a critérios objetivos, guiados por cálculo de probabilidade e de valores médios usuais. A aferição da proporcionalidade não emerge da ponderação de interesses individuais dos intervenientes, mas sim da ponderação dos interesses típicos do círculo de pessoas normalmente implicadas no negócio da espécie em consideração.”

Entendemos também que a desproporção ou desequilíbrio entre a cláusula penal e os danos a ressarcir não tem de ser manifestamente elevado ou excessivo, ao contrário do que é exigência do artº 812 nº 1 do C.Civil para a redução equitativa da cláusula penal (é preciso não esquecer que nestes casos a cláusula penal é fixada por negociação das partes), bastando apenas que a pena estabelecida seja desrazoavelmente superior aos danos, para que possa falar-se de violação do principio da boa fé e nessa medida considerar tal cláusula como proibida– neste sentido, vd. ainda Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/11/2011, in. www.dgsi.pt

A Recorrente invoca como danos a sua dimensão empresarial e custos associados.

Constata-se que tal cláusula é prevista não só para o período de tempo inicialmente contratado, mas também para as suas renovações. O investimento feito pela A. em meios humanos e técnicos, que integram a sua empresa, dirige-se a uma carteira de clientes alargada e não a este cliente em concreto, não sendo sequer concretizada a repercussão de cada um dos clientes na sua dimensão.

A cláusula em questão dá à A. “o direito” a haver o pagamento de todas as prestações vincendas, em valor idêntico àquele que seria cobrado caso o contrato se mantivesse em vigor e o serviço a ser prestado, sem que haja essa efectiva prestação de serviço com todos os custos a tal associados, já que a A. fica desonerada da sua prestação. É como se só uma das partes ficasse obrigada ao cumprimento do contrato, com o pagamento da totalidade do preço acordado para a vigência de todo o contrato, pelo que já se vê que tal cláusula cria um desequilíbrio nas prestações contratuais, por comparação com o regime geral, sendo ficcionado para a A. um prejuízo fora do comum, o que não tem justificação e se apresenta como contrário ao princípio da boa fé.

Conclui-se assim pela desproporção da cláusula penal fixada no contrato com os danos a ressarcir, em conformidade aliás com o que tem vindo a ser entendimento da nossa jurisprudência ao pronunciar-se sobre cláusulas semelhantes, e do que são exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/05/2014 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/04/2012, ambos in. www.dgsi.pt não havendo por isso censura a fazer à decisão recorrida que assim o considerou.

V. Sumário:

1. A regulamentação do DL 446/85 de 25 de Outubro, aplica-se também às cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos individualizados pelo que, mais do que saber se estamos ou não perante um contrato de adesão o que releva, é saber se a cláusula em questão constitui uma cláusula contratual geral, ou seja, se o seu conteúdo é pré-elaborado e insusceptível de ser influenciado ou negociado pela parte.

2. Para se aferir da adequação e proporcionalidade da cláusula estabelecida, à luz do disposto no artº 19 al. c), há que ter em conta o valor dos danos a ressarcir e a pena contratualmente fixada, que vale como indemnização pré-determinada, de modo a estabelecer-se uma certa equivalência entre ambos os valores.

 3. É nula, por desproporcionada e injustificada a cláusula penal que dá à A. o direito a haver o pagamento de todas as prestações vincendas, em valor idêntico àquele que seria cobrado caso o contrato se mantivesse em vigor e o serviço a ser prestado, sem que haja essa efectiva prestação de serviço com todos os custos a tal associados, já que a A. fica desonerada da sua prestação.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela A., confirmando-se a sentença recorrida.

 Custas pela Recorrente.

Notifique.

                                               *

                                               Coimbra, 28 de Outubro de 2014

           

Maria Inês Moura (relatora)

Luís Cravo (1º adjunto)

Carvalho Martins (2º adjunto)