Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
500/15.8JACBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: PERÍCIA PSIQUIÁTRICA
REQUISITOS
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CRIMINAL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 351.º DO CPP
Sumário: I - A questão da inimputabilidade do arguido não se basta com a simples suspeita ou sequer a mera probabilidade assente na sua aparência. Tem de perspectivar-se em razão de circunstâncias concretas que apontem para a forte possibilidade de o arguido, aquando do cometimento dos factos em causa, sofrer de anomalia psíquica incapacitante da avaliação da ilicitude da sua conduta ou da auto-determinação para poder agir de acordo com o direito.

II – In casu, tal questão não foi suscitada fundadamente, na audiência de julgamento, porquanto no relatório social, elaborado para determinação da sanção, fundado em entrevista do arguido, donde emerge a pretensão de realização de perícia psiquiátrica, os invocados distúrbios e internamentos ocorreram há vinte anos, e, quanto à propalada apresentação de um estado de ansiedade e instabilidade emocional e psicológico, determinante da ingestão de ansiolíticos, existe uma adequada ligação com a condição de reclusão do arguido.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 500/15.8JACBR do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Leiria – JC Criminal – Juiz 2, pelo arguido A... , melhor identificado nos autos, foram requeridas a realização de perícia psiquiátrica e sobre a personalidade, pretensão que, por despacho de 19.10.2017, proferido em ata, viu indeferidas.

2. Na sequência do que, de imediato, arguiu a nulidade do despacho por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade – cf. artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP, nulidade, essa, igualmente indeferida.

3. Inconformado recorreu o arguido, extraindo da motivação as seguintes conclusões [apresentadas na sequência do convite ao aperfeiçoamento que, ao abrigo do disposto no artigo 417º, n.º 3 do CPP, lhe foi dirigido]:

1. A... , Arguido nos presentes autos vem pelo presente INTERPOR RECURSO de dois Despachos proferidos pelo Tribunal a quo na sessão de julgamento do dia 19/10/2017 que se encontram intimamente relacionados entre si, a saber: Do Despacho que indeferiu as perícias requeridas pelo arguido, (perícia psiquiátrica prevista no art. 351.º nº 1 do CPP e, ainda, a perícia sobre a personalidade do arguido nos termos do art.º 160º, nº 1 do CPP), bem como do Despacho, também ali proferido, que indeferiu a nulidade invocada pelo arguido, por omissão de diligências de prova que se têm por essenciais (a realização daquelas perícias).

2. O Tribunal a quo determinou a realização de relatório social dos arguidos, nos termos e para os efeitos do art. 370º, nº 1 do CPP, por ter considerado importante para a boa decisão da causa – cf. Ata da sessão de julgamento do dia 5/09/2017.

3. Os relatórios sociais foram elaborados pela DGRSP, sendo que o Relatório Social do Recorrente foi notificado ao Recorrente e à sua Mandatária apenas na sessão de julgamento do dia 19/10/2017 – cf. Ata da sessão de julgamento do dia 19/10/2017.

4. Do Relatório Social do recorrente resulta expressamente o seguinte: “O seu processo de socialização decorreu num contexto familiar de baixa condição socioeconómica, onde são imputados consumos excessivos de álcool ao pai, e atitudes agressivas para com a mulher e os filhos. Segundo o arguido o pai padecia de esquizofrenia, que dificultava a interação na dinâmica familiar. O pai faleceu há cerca de 8 anos devido a consumos excessivos de álcool. (…) A... relata que depois dos 15 anos de idade, passou a andar perturbado psicologicamente “ouvia vozes” (sic). Devido a alegados surtos psicóticos esteve internado em dois períodos distintos (…) Identifica dificuldade em reconhecer o desvalor e a gravidade dos crimes pelos quais está acusado, apresentando um certo distanciamento emocional. No EP por apresentar, por vezes, uma postura de ansiedade e instável a nível emocional e psicológico faz medicação a nível de ansiolíticos. Evidencia dificuldades em manter um comportamento consentâneo com as normas e regras institucionais (…) O anterior percurso criminal e eventuais problemas ao nível da saúde mental apontam para uma dificuldade de adesão às normas e regras sociais”.

5. Tendo em conta o teor daquele relatório Social e atendendo, ainda, que nenhuma prova foi produzida quer em sede de inquérito, quer em sede de instrução, quer ainda em sede de julgamento quanto às condições sociais, pessoais e familiares do Recorrente, bem como nenhuma prova foi produzida quanto à sua saúde e sobre o facto de o recorrente sofrer ou não de qualquer doença do foro psiquiátrico, a Mandatária do recorrente, logo que foi notificada do teor do referido relatório social, requereu que fossem efetuados exames periciais ao recorrente: perícia psiquiátrica prevista no art. 351º nº 1 do CPP e, ainda, a perícia sobre a personalidade do arguido nos termos do art.º 160º, nº 1 do CPP – cf. Ata da sessão de julgamento do dia 19/10/2017.

6. O Tribunal a quo indeferiu entendendo, muito sumariamente, o seguinte:

a) Que o requerimento era extemporâneo, pois o arguido já tinha conhecimento dessa “anomalia psíquica há vários anos” e, assim sendo, deveria ter requerido tais exames periciais em fase de inquérito, instrução ou em sede de contestação;

b) A perícia sobre o estado psíquico do arguido deve ser ordenada quando, no decorrer da audiência se suscitar fundamentadamente a questão da inimputabilidade do arguido – o que não se verifica no caso concreto, na medida em que “o técnico que elaborou o referido relatório social não é nenhum perito, não havendo quaisquer outros elementos ou indícios que suscitem tal questão”.

c) “Tal requerimento de prova deve ser considerado como irrelevante ou supérfluo – art.º 340º, n.º 4, al. e) do Código do Processo Penal, tendo ainda finalidade meramente dilatória, a que não é alheia a circunstância do prazo de prisão preventiva, a que o arguido A... está sujeito, expirar no próximo dia 18 de Novembro”.

7. Antes de mais, o Tribunal a quo no Despacho recorrido refere que o requerimento de prova deve ser considerado como irrelevante, supérfluo e dilatório – mas não o declara como tal. Uma coisa é o “dever ser declarado”, outra coisa é “ser declarado”.

8. Por outro lado, a circunstância de o arguido não ter suscitado a questão em momento anterior ao momento do julgamento, não dispensa o tribunal de o fazer em qualquer momento, pois trata-se de questão essencial para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa que sempre se impõe ao tribunal apurara, mesmo em audiência de julgamento, face ao princípio da investigação que tempera o nosso processo penal – cfr. art.º 340º do CPP.

9. Por outro lado, a questão da imputabilidade diminuída ou da inimputabilidade do arguido pode ser arguida e/ou requerida em qualquer fase do processo, pois é uma circunstância absolutamente decisiva para a prolação de um juízo de culpa essencial à punição criminal ou do respetivo grau, sendo, assim, questão a cujo conhecimento o tribunal não se poderá furtar.

10. Quanto ao facto de tais perícias não estarem fundadamente suscitadas pois o relatório social foi efetuado por um técnico que “não é nenhum perito”, não havendo quaisquer outros elementos ou indícios que suscitem tal questão, apenas diremos que também o tribunal não é perito em matéria de saúde mental, sendo, ainda, certo que nada há no processo que contrarie o que consta do relatório social quanto aos problemas de saúde mental do recorrente.

11. E assim sendo, o Recorrente no requerimento de prova que apresentou requerendo os exames periciais em causa fê-lo fundamentadamente, tendo em conta o teor do relatório social de fls. 3033 e, ainda, atendendo à ausência de quaisquer outras provas quanto às condições pessoais e sociais do recorrente bem como do seu estado de saúde mental que afirme ou contrarie o que resulta do mesmo.

12. Por último, diga-se, ainda, que não é necessário, para que se submeta um arguido à realização de perícia psiquiátrica, que esteja já provado que padece de distúrbio daquela ordem. Se assim não fosse, a realização da perícia seria um ato redundante e desnecessário, pelo que basta que dos factos carreados possa surgir um mínimo de dúvida, atenta a sua presunção de inocência, os poderes-deveres inquisitórios do tribunal e a imperativa necessidade de descoberta da verdade material.

13. Resultando dos autos, mais concretamente do seu relatório social, que o arguido foi, previamente à data dos factos por que vem acusado, sinalizado e encaminhado para acompanhamento médico-psiquiátrico, tendo, inclusivamente, sido internado por duas vezes, em dois períodos distintos, e resultando do mesmo relatório que o pai do arguido sofria de esquizofrenia, que o Recorrente ainda hoje toma ansiolíticos em situações de ansiedade e de instabilidade emocional ou psicológica, e não havendo nada que contrarie tal realidade estampada no relatório social, existem razões para se suscitarem dúvidas fundadas sobre a sua imputabilidade, inimputabilidade, imputabilidade diminuída ou apenas da sua boa saúde mental que é necessário investigar e determinar a respetiva gravidade.

14. Suscita-se, pois, fundadamente, a questão da inimputabilidade do arguido ou da sua imputabilidade diminuída, dado ser plausível que o arguido padecesse de anomalia ou mesmo de anomalia psíquica grave à data dos factos, com reflexos na sua capacidade de avaliar a ilicitude dos factos ou de se determinar de acordo com a mesma. Segundo o relatório social “O anterior percurso criminal e eventuais problemas ao nível da saúde mental apontam para uma dificuldade de adesão às normas e regras sociais.”

15. Assim, sendo, e como para efeitos da decisão sobre a inimputabilidade em razão de anomalia psíquica, nos termos do art. 20º nº 1 do C. Penal, a prova da anomalia psíquica e sua caracterização constitui facto probando necessariamente objeto de prova pericial, pois trata-se da perceção, avaliação e caraterização de factos que apenas pode ser feita por peritos de psiquiatria forense, sendo-lhe aplicável o disposto no art. 163º do CPP, o Tribunal estava obrigado a deferir a pretensão do Recorrente e ordenar os exames médico-legais requeridos pelo recorrente.

16. O tribunal, ao não determinar, em fase de julgamento, a realização das perícias médico-legal requeridas pelo arguido, havendo razões para se suscitarem dúvidas sobre a sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, comete a nulidade prevista na parte final da al. d), do n.º 2, do art.º 120º, do CPP – omissão de diligência que se reputa essencial para a descoberta da verdade.

17. O tribunal a quo não podia concluir fundadamente que se mostra afastada no caso presente a hipótese de declaração de inimputabilidade do arguido ou da sua imputabilidade diminuída, quer em sentido próprio (art. 20º nº 1 do C. Penal), quer por equiparação nos termos do n.º 2 do mesmo art. 20º do CP, até tendo em conta a própria fundamentação que apresenta.

18. No caso dos autos não se mostra devidamente suportada a convicção do tribunal a quo de que o arguido não sofria de anomalia psíquica no momento dos factos, uma vez que existem elementos nos autos que indiciam que assim seja, havendo indícios de ser plausível o contrário, sendo certo que é de natureza indiciária e probabilística o juízo perfunctório sobre a questão da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída, que o art. 351º do CPP pressupõe.

19. Impõe-se, assim, a realização de perícia psiquiátrica, nos termos e para efeitos do disposto nos arts. 20º do C. Penal, 91º, 151º, 152º, 159º e 351º todos do CPP e, ainda, do art. 589º do CC, art. 2º, 3º e 24º, da Lei 45/2004 de 19 de Agosto, que aprovou o regime das perícias médico-legais e forenses, a ter lugar no decurso da audiência de julgamento, sem prejuízo do disposto no nº 4 do art. 351º e nº 6 do art. 328º, ambos do CPP.

20. Com o despacho de indeferimento do pedido de realização da perícia, o tribunal violou o disposto nos artº 340º, nº 1, 351º, nº 1 e nº 2 CPP, cometendo a nulidade do art.º 120º, nº 2, alínea d), do CPP, por omissão de ato fundamental à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa e subsequente erro de julgamento quanto ao pedido de realização de prova pericial.

21. Esta nulidade por omissão de diligência tem-se por verificada na sessão de julgamento de 19/10/2017, pelo que a nulidade cometida tem como consequência, nos termos do artigo 122º do CPP, a invalidade desta e de todos os atos praticados posteriormente e que dela dependem.

22. O tribunal, ao não querer objetivamente saber se efetivamente o arguido sofre ou não de tal doença e qual a gravidade da mesma, apesar de não poder deixar de saber que tal podia influir na decisão da causa, impôs ao arguido o ónus da prova no sentido de que a dúvida teria de ser resolvida em seu favor em clara violação dos mais elementares princípios do processo penal de um Estado de Direito material – o princípio da igualdade de oportunidades e os direitos de defesa do arguido previstos nos arts. 32º, 1 e 2 da CRP, tendo, para além destes, sido violadas 20º do CP, 340º, nº 1 e 351º, nº 1 e nº 2 do CPP.

23. Nestes termos, deve o recurso ser julgado provado e procedente e, por via dele, ser revogado o despacho de 19/10/2017, ordenando-se a realização de perícia psiquiátrica ao arguido nos termos do art. 351º nº 1 do CPP para apuramento da verificação de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída e, ainda, a perícia sobre a personalidade do arguido nos termos do artº 160.º, nº 1 do CPP.

4. O recurso foi admitido com subida imediata e efeito suspensivo [efeito mantido por decisão de 10.11.2017, proferida no âmbito dos autos de reclamação apresentada pelo ora recorrente]

5. O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:

1. No decurso da audiência de julgamento veio o arguido a requerer a realização de perícia psiquiátrica e sobre a sua personalidade.

2. Fundamentando-se nas informações do Relatório Social para determinação da sanção mandado elaborar pelo Tribunal, donde resultava que o arguido ora recorrente tinha problemas do foro psiquiátrico, estando a ser medicado com ansiolíticos e o seu pai já sofrera de esquizofrenia.

3. Tais perícias tornavam-se imperativas já que com as informações reportadas no Relatório Social suscitavam-se dúvidas sobre a sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída.

4. Todavia o Tribunal Coletivo indeferiu-as, pelo que cometeu a nulidade prevista na parte final da al.ª b) do art.º 120.º do CPP.

5. No entanto, conforme bem se deixa consignado no douto despacho recorrido, carecia de fundamento a pretensão do recorrente.

6. Já que consigna o art.º 351.º, n.º 1, do CPP a necessidade da verificação no decurso da audiência de julgamento de fundadas razões sobre a inimputabilidade do arguido para que a perícia seja determinada.

7. No entanto, da análise dos autos resulta que nunca surgiu no decurso da fase investigatória do processo qualquer elemento que pudesse indiciar que o arguido A... sofresse de qualquer patologia, mormente do foro psiquiátrico.

8. Também tal não resultando da prova produzida em sede de audiência, nunca tendo sido referido por qualquer dos presentes de que padecesse de qualquer patologia do foro mental.

9. Antes “a contrario” resultando da prova produzida, atento o modo de execução dos factos, que o arguido possuirá até uma elaboração mental um pouco superior ao normal do cidadão comum.

10. Por sua vez, resultam também do Relatório no qual o arguido se sustenta fundamentos para a não realização das perícias.

11. Já que do mesmo resulta que foi elaborado essencialmente com base na entrevista do arguido e na sua Introdução que “… Constatou-se a existência de algumas incongruências nos relatos do arguido sobre o seu agregado familiar e modo de vida. Em anteriores intervenções destes serviços o arguido apresentou versões diferentes sobre o seu processo de socialização. Contudo não foi possível averiguar a veracidade a veracidade da informação …”

12. Deixando assim indubitavelmente consignadas dúvidas fundadas sobre a veracidade da informação na qual essencialmente se sustenta.

13. Pelo que também com base nelas não poderemos considerar como verificadas fundadas razões para determinar as perícias, quando as mesmas estão alicerçadas em manifestas dúvidas sobre a veracidade da sua fonte/base de informação, que foi o próprio arguido ora recorrente.

14. É neste contexto que entendemos que bem decidiu o Tribunal ao indeferir as requeridas perícias e nesse âmbito deverá improceder o recurso interposto.

Todavia, em alto critério, V.ªs Ex.ªs decidirão.

Justiça.

6. Remetidos os autos à Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o visto.

7. Por despacho da relatora, proferido ao abrigo do artigo 417.º, n.º 3 do CPP, foi o recorrente convidado a apresentar novas conclusões, o que veio a suceder, sem que nenhum dos sujeitos interessados às mesmas reagisse.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Tendo presentes as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, no caso em apreço importa decidir se, ao indeferir as perícias psiquiátrica e/ou de personalidade, violou o tribunal os artigos 351.º, 160.º, 340.º, todos do CPP; incorrendo a decisão na nulidade da alínea d), do n.º 2, do artigo 120.º do mesmo diploma; contrariando, ainda, o princípio da igualdade de oportunidades e dos direitos de defesa do arguido.

2. As decisões recorridas

Ficou consignado na primeira decisão em crise:

A questão suscitada agora pelo arguido A... , terá a sua fonte no teor do relatório social constante de fls. 3032, a cujo teor apenas nos referimos nesse sentido. Refere ainda o arguido, reportando-se ao referido relatório social, que a alegada anomalia psíquica vem já desde os 15 anos de idade. Ou seja, a existir alguma anomalia psíquica, do que agora não cuidaremos, a mesma já seria conhecida do arguido há largos anos. Logo, a sede própria para suscitar tal questão seria, quer em fase de inquérito, quer em fase de instrução, que também ocorreu nos presentes autos, e na presente fase processual, aquando da contestação.

Manifestamente que tal prova já poderia ter sido requerida nesses momentos, devendo tal requerimento de prova ser considerado ser considerado como irrelevante ou supérfluo – art.º 340.º, n.º 4, al. e) do Código de Processo Penal, e tendo ainda a finalidade meramente dilatória, a que não é alheia a circunstância do prazo de prisão preventiva, a que o arguido A... está sujeito, expirar no próximo dia 18 de Novembro – cfr. al. d) do mesmo artigo.

Acresce ainda que, como bem refere o arguido A... , a perícia sobre o estado psíquico do arguido deve ser ordenada quando, no decorrer da audiência se suscitar fundamentadamente a questão da inimputabilidade do arguido – cfr. art.º 351º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Ora, como já referimos, o técnico que elaborou o referido relatório social não é nenhum perito, não havendo quaisquer outros elementos ou indícios que suscitem tal questão, pelo que, também por aqui, não existe fundamento legal para que sejam ordenadas tais perícias.

Consequentemente indefere-se a pretensão do arguido A... .

Por seu turno, consta da segunda decisão recorrida:

Não tendo o arguido trazido argumentos que não tivesse indicado no requerimento anterior, remetemos para o despacho antecedente e que mantemos, afirmando que não existe qualquer nulidade do mesmo.

3. Apreciação

Insurge-se o recorrente contra a decisão que indeferiu a realização de perícia psiquiátrica e sobre a personalidade por si requerida, não se conformando ainda com o despacho que se lhe seguiu enquanto não reconheceu a nulidade a que se reporta a alínea d), do n.º 2, do artigo 120.º do CPP, após arguida.

Vejamos.

Dispõe o artigo 351.º do CPP:

1 – Quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, ordena a comparência de um perito para se pronunciar sobre o estado psíquico daquele.

2 – O tribunal pode também ordenar a comparência do perito quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da imputabilidade diminuída do arguido.

[…].

Por seu turno, sob a epígrafe Perícia sobre a personalidade, prescreve o artigo 160.º do citado diploma:

1 – Para efeito de avaliação da personalidade e da perigosidade do arguido pode haver lugar a perícia sobre as suas características psíquicas independentes de causas patológicas, bem como sobre o seu grau de socialização. A perícia pode relevar, nomeadamente para a decisão sobre a revogação da prisão preventiva, a culpa do agente e a determinação da sanção.

2 - A perícia deve ser deferida a serviços especializados, incluindo os serviços de reinserção social, ou, quando isso não for possível ou conveniente, a especialistas em criminologia, em psicologia, em sociologia ou em psiquiatria.

[…].

A decisão que indeferiu as ditas perícias mostra-se alicerçada em fundamentos, que não dispensam uma leitura articulada, quais sejam: a circunstância da alegada anomalia psíquica se encontrar sustentada num (alegado) quadro que se verificaria desde os 15 anos de idade do arguido; tornando incompreensível que a questão não haja sido levantada em fase de inquérito, de instrução ou de julgamento, aquando da contestação; não se mostrar a inimputabilidade fundamentadamente suscitada; nas circunstâncias, a natureza irrelevante e/ou supérflua das requeridas perícias, com finalidade, atenta a aproximação do prazo máximo da prisão preventiva (que ocorreria em 18.112017), meramente dilatória.

Previamente importa assentar na irrelevância da questão - exclusivamente semântica - a que se reporta o ponto 7 das conclusões, pois o teor da decisão recorrida não consente a mínima dúvida sobre a consideração das requeridas perícias como irrelevantes, supérfluas e, bem assim, da finalidade dilatória do respetivo requerimento.

Depois, e como aspeto decisivo, reconhecer que o relatório social elaborado para determinação da sanção, com recurso, quanto ao que ora releva, à entrevista levada a efeito ao arguido, não é de modo a fundamentadamente criar a dúvida sobre a sua imputabilidade ou imputabilidade diminuída, revelando-se, outrossim, esclarecedora sobre os traços essenciais de personalidade do próprio.

De facto - sem descurar as reportadas (no relatório social) incongruências detetadas nos relatos do arguido, designadamente sobre o respetivo processo de socialização - supostos distúrbios e internamentos verificados há cerca de 20 anos, tal como uma eventual esquizofrenia do progenitor e ainda a apresentação (em reclusão), por vezes, de uma postura ansiosa, de instabilidade a nível emocional e psicológico, requerendo a ingestão de ansiolíticos, sempre seriam (sem mais) insuficientes para fazer nascer uma dúvida plausível sobre a capacidade de o arguido entender e querer a sua própria conduta - cf. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, UCE, pág. 903. Na verdade, como refere o Autor: A questão da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída do arguido deve ter sido suscitada “fundadamente”, isto é, a questão deve ser colocada com base em factos concretos (que são “os fundamentos”) atinentes ao comportamento do arguido, os quais terão de ser idóneos a criar a dita dúvida plausível, o que, salvo o devido respeito, já pelo lapso de tempo (20 anos) decorrido sobre os invocados distúrbios, já em função de uma compreensível harmonia entre a condição de recluso e a postura ansiosa, de instabilidade emocional e psicológica, não se nos afigura ser o caso. Efetivamente, a questão da inimputabilidade do arguido não se basta com a simples suspeita ou sequer a mera possibilidade assente na sua aparência. Tem de tratar-se de factos concretos que apontem para a forte probabilidade de que o arguido, quando cometeu os factos, sofria de anomalia psíquica (…) que o incapacitou de avaliar a ilicitude da sua conduta ou de se auto-determinar para poder agir de acordo com o direito – [cf. Código de Processo Penal, dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, pág. 881].

 O mesmo se diga relativamente à perícia sobre a personalidade, cuja determinação não dispensa a respetiva necessidade para a decisão, sendo que os factos, por ocasião do requerimento, convocados – no essencial os mesmos que surgiram a sustentar a perícia psiquiátrica – não nos levam a semelhante juízo, tanto mais que as características de personalidade e o grau de socialização do arguido constituem aspetos suscetíveis de ser percecionados com base em prova de diferente natureza (não pericial), como, conforme decorre do artigo 1.º, alínea g) do CPP, é o caso do «relatório social».

Por outro lado, não constituindo a fase ou o momento em que a pretensão foi apresentada, fundamento bastante para o seu indeferimento, o certo é que, perante as circunstâncias concretas, motivos concorrem para encarar o requerimento como meramente dilatório. Assim é enquanto foram alegados factos que desde o início do processo o arguido não podia desconhecer – sendo, como tal, irrelevante a data da junção aos autos e/ou da notificação do relatório social –, tendo preferido aguardar a sessão da audiência de julgamento, onde veio a ser designada a data da publicação do acórdão final, para, sem que nada de novo o justificasse, verbalizar, junto do tribunal, a necessidade de se submeter às ditas perícias, circunstância que torna legitimo supor não ter sido, para tanto, indiferente a aproximação do prazo máximo de prisão preventiva, medida de coação a que se encontrava sujeito.

Seja como for, decisivo, a nosso ver, é a circunstância dos factos concretamente invocados com vista à realização das perícias – transpostos do relatório social, assente no essencial e no que aos mesmos respeita nas declarações do arguido – não consubstanciarem motivos fundamentadamente capazes de fazer despoletar a dúvida (plausível) sobre uma eventual inimputabilidade e/ou imputabilidade diminuída; afigurando-se-nos, pelas razões já aduzidas, revelar-se, no caso, desnecessário para ajuizar das características de personalidade e do grau de socialização do arguido, a perícia de personalidade.

Não resulta, assim, violada qualquer das normas invocadas, designadamente dos artigos 351.º e 160.º, 340.º do CPP; consequentemente, não tendo redundado o indeferimento da realização das perícias em omissão de diligência que, perante os factos concretamente invocados, fosse – objetivamente - de reputar essencial para a descoberta da verdade, inverificada se mostra a nulidade da alínea d), do n.º 2 do artigo 120.º do mesmo diploma. Por fim, falhando os pressupostos idóneos a ditar a necessidade das perícias em questão, sendo evidente que não se colocou ao tribunal – nem se vê, perante a natureza dos factos que surgiram a sustentar a respetiva pretensão, que assim devesse ter sido – a dúvida (plausível) sobre os aspetos que através das mesmas se visava esclarecer, não se alcança que encerrem as decisões em crise afronta quer ao princípio de igualdade de oportunidades, quer aos direitos de defesa do arguido – artigo 32.º da CRP.

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Custas, com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs, a cargo do recorrente (artigos 513.º, 514.º do CPP; 8.º do RCP).

Coimbra, 21 de fevereiro de 2018

[Processado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira (relatora)

Isabel Valongo (adjunta)