Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
324/20.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 06/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA, LEIRIA, JUÍZO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.7, 294 CIRE, 59, 62, 63 CPC.
Sumário: 1.- O critério estabelecido nos arts. 294.º a 296.º do CIRE apenas tem aplicação quando se verifica uma situação de insolvência transfronteiriça ou internacional, ou seja, quando o devedor tem ligações com mais do que um Estado-Membro, designadamente por ter bens ou credores localizados em mais de um Estado-Membro, e quando, verificando-se tal situação de insolvência transfronteiriça, o Estado Português não é o internacionalmente competente para o chamado “processo de insolvência principal.

2.- Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para a declaração de insolvência pedida por dois devedores ( marido e mulher) residentes na Suíça, mas em que os credores são portugueses e as dívidas foram contraídas em Portugal.

Decisão Texto Integral:

            Processo n.º 324/20.0T8LRA.C1 – Apelação

            Comarca de Leiria, Leiria, Juízo de Comércio

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A (…) e esposa G (…), identificados nos autos, vieram apresentar-se à insolvência.

Alegam que são emigrantes, residem e trabalham na Suíça.

Como fundamento para a declaração da insolvência, referem que, no ano de 2005, contraíram um empréstimo junto do B (…), para aquisição de uma fracção de um prédio urbano, que identificam, no montante de 238.161,00 €, a que acresce um outro no montante de 1.012,00 €.

O referido banco instaurou uma execução com vista ao pagamento de tais dívidas, que culminou com a venda da referida fracção e restando, ainda, em dívida a quantia de 150.640,33 €.

Contraíram outro crédito junto do mesmo banco, no montante de 18.500,00 €, correndo, também, execução para a respectiva cobrança.

Mais alegam que se encontram em “situação de total incumprimento e não possuem qualquer disponibilidade financeira para liquidar as dívidas”. Reiterando, a fl.s 10 v.º, que não são possuidores de quaisquer bens.

Resulta ainda dos documentos juntos aos autos que (no que ao presente recurso, interessa):

- O B (…) SA enviou em Março de 2017 uma carta aos requerentes para a morada indica por estes na Suíça.

- As notificações efectuadas no âmbito dos processos de execução que correm termos contra os requerentes, pelo menos desde 2018, são efectuadas para a morada indicada pelos requerentes na Suíça.

*

Notificados para juntarem aos autos documento comprovativo de que possuem domicílio fiscal em Portugal, os requerentes vieram juntar aos autos um documento da Autoridade Tributária que comprova que o seu domicílio fiscal é na Suíça.

Conforme despacho proferido em 06 de Fevereiro de 2020 (ref.ª 93217525), a M.ma Juiz a quo, ordenou a notificação dos requerentes para que se pronunciassem sobre a eventual incompetência internacional dos tribunais portugueses para a apreciação destes autos, com o fundamento em os mesmos se encontrarem a residir na Suíça e não terem quaisquer bens em Portugal.

Pronunciaram-se os requerentes pugnando pela competência do Tribunal a quo, com o fundamento em que residem na Suíça para efeitos profissionais, mas as dívidas foram contraídas em Portugal e os credores são todos portugueses.

Mais apelam ao disposto nos artigos 294.º, n.º 2, do CIRE e 62.º, do CPC, fundando-se a competência dos tribunais portugueses, ao abrigo da alínea b), deste último preceito porque “a causa de pedir é a contração das dívidas e o seu não pagamento no nosso País aos seus credores”.

A que acresce o facto de o artigo 63.º, alínea e), do CPC, dispor que em matéria de insolvência de pessoas domiciliadas em Portugal, se verifica a competência exclusiva, dos tribunais portugueses.

Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, foi proferida a decisão de fl.s 23 a 24v.º (aqui recorrida), que se passa a transcrever:

“(…)

 Dispõe o art. 7º, nº 1 do CIRE que é competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor ou do autor da herança à data da morte, consoante os casos.

E acrescenta o nº 2 é igualmente competente o tribunal do lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais interesses, entendendo-se por tal aquele em que ele os administre, de forma habitual e cognoscível por terceiros.

Por seu turno, refere o art. 294º, nº 1 do mesmo diploma que se e o devedor não tiver em Portugal a sua sede ou domicílio, nem o centro dos principais interesses, o processo de insolvência abrange apenas os seus bens situados em território português.

Referindo o nº 2 que se o devedor não tiver estabelecimento em Portugal, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação dos requisitos impostos pela alínea c) do nº º 1 do artigo 62º do Código de Processo Civil.

Dispõe o artigo 62º do Código de Processo Civil, "sob a epígrafe factores de atribuição da competência internacional", que "Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: c) quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o Autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litigio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão real ou pessoal.

E ainda o artigo 63º do Código do Processo Civil que "os tribunais portugueses são exclusivamente competentes: e) em matéria de insolvência (...) de pessoas domiciliadas em Portugal.

O art. 82º do Código Civil reza ainda que a pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual, a qual no caso, em face dos elementos juntos aos autos, é na Suiça.

O critério principal que determina a competência internacional dos tribunais portugueses em matéria de insolvência é o do domicílio do insolvente, podendo ainda a ordem jurisdicional portuguesa ser considerada internacionalmente competente para conhecer do pedido de insolvência se o devedor (apesar de não residente ou não domiciliado) tiver bens em Portugal ou for alegado pelo requerente que o seu direito não se pode tornar efectivo senão por meio de ação proposta em território português ou ainda se alegar dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litigio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão real ou pessoal.

Tais critérios legais foram instituídos com o propósito de salvaguardar a própria eficácia e utilidade da decisão a proferir.

Sendo certo que, caso não se verifique nenhum desses critérios, o próprio decretamento da insolvência do devedor (sendo que este é um processo de execução universal, ainda que com reflexos de natureza pessoal), revestirá a natureza de decisão inútil.

Inútil desde logo para os credores, sendo certo, que são os interesses destes e não o interesse do devedor em se desonerar das suas dívidas (mormente através beneficio da exoneração do passivo restante) que são tutelados em primeira linha pela declaração de insolvência do devedor.

No caso concreto, da factualidade alegada pelos requerentes é evidente que os mesmos não têm actualmente e pelo menos desde 2017 qualquer ligação com o território nacional, sendo Portugal apenas o país onde contraíram o passivo de que se reconhecem agora devedores, circunstância essa que não é, só por si, facto bastante ou juridicamente relevante (atentos desde logo os fins que o processo em causa prossegue, e bem assim a própria remissão legal feita do artigo 294º, nº2 do CIRE, para a alínea c) do artigo 62º do Código de Processo Civil), para que os devedores vejam reconhecida e declarada, a sua alegada situação insolvência por tribunal que integre a ordem ou sistema jurisdicional português.

É que o processo de insolvência, para além dos reflexos de natureza pessoal que comporta, visa sobretudo, como já foi frisado, a satisfação dos interesses dos credores, satisfação essa que se revela, no plano prático, inviável se os devedores deixaram de ter ligação ao país onde contraíram as dívidas e se nesse mesmo país não possuem quaisquer bens e ou direitos que possam ser objeto de apreensão para a massa insolvente.

Resulta do exposto que o prosseguimento desta ação especial constitui uma violação das regras da competência internacional.

A incompetência internacional é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso e que determina a absolvição da instância (art.º 96º, 97º, 576º e 577º, todos do Código do Processo Civil.

Deste modo, não tendo os requerentes residência nem bens em Portugal, impõe-se concluir pela verificação da excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da presente acção de insolvência nos termos do disposto nos normativos dos artigos 96º, 576º, nºs 1 e 2, e 577º, a), do CPC, com a consequente absolvição dos requerentes da instância, o que se decide.

Custas pelos requerentes”.

Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os requerentes A (…) e G (…) recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 30), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1 – Salvo melhor entendimento, e contrariamente à decisão proferida e da qual se recorre, não se verifica qualquer exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da presente ação de insolvência;

2 – Os recorrentes sempre possuíram o seu domicilio em Portugal, primeiro na morada que constituía a situação da sua habitação, ou seja, na Rua (…) – em Pombal, e isto até Fevereiro de 2018, data em que a fração habitacional foi objeto de venda no Proc. nº 1296/06.0TBPBL do Juízo de Execução de Ansião, no qual é exequente o credor Banco B(…) S.A., e, a partir desta data, na morada indicada na ação.

3 – Os recorrentes apenas possuem na Suíça o seu domicilio profissional, por força da necessidade de prestar a sua força de trabalho e poder angariar o rendimento necessário à sua sobrevivência.

4 – Mercê deste domicilio profissional, a residência habitual dos recorrentes é à face do disposto no artigo 82º nº 2 do Cod. Civil, a sua residência ocasional, ou seja, a indicada na ação.

5 – Aos recorrentes seria de todo impossível, recorrer à instauração da presente ação na Suíça, porquanto, não é membro da União Europeia e, portanto, não podem recorrer ao disposto no regulamento nº 1346/200 (CE).

6 – Com a decisão proferida, o Tribunal a quo, lesa quer os direitos dos recorrentes, quer os direitos dos credores identificados na ação, que a ser possível instaurar a acão de insolvência na Suíça, que não é, impedidos ficam de reclamar os seus créditos, e de lhes dar o tratamento adequado, inclusive fiscal e, portanto, o não conhecimento da insolvência, jamais os pode prejudicar nos seus direitos, incluindo, a possibilidade de obter um plano de pagamentos por parte dos recorrentes.

7 – Os recorrentes, despojados que ficaram do bem imóvel que possuem, são, contudo, titulares de todo o recheio que se encontrava na habitação e, portanto não podem ser condenados.

8 – O Tribunal a quo, com a decisão proferida, violou o principio do dispositivo e o disposto no artº 82º do Código Civil, n artº 65º nº1 alínea d) e artº 65-A alínea b), artº 1º, 30º nº1, artº 7º e artº 90º do CIRE.

9 – Deverão portanto VV.Exªs revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo por outra que considere os Tribunais portugueses, nomeadamente o presente, por competente para conhecer da ação de insolvência intentada pelos recorrentes.

Assim farão VV.Exªs a costumada Justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de aferir da competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer e decidir a presente acção.

A matéria de facto relevante é a que consta do relatório que antecede.

 Passando ao conhecimento da questão de aferir da competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer e decidir a presente acção, importa, pois, averiguar se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para decidir do pedido aqui formulado, para apreciar/declarar a situação de insolvência, alegada pelos requerentes.

Os factores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses encontram-se referidos nos artigos 59.º, 62.º e 63.º do CPC, sem embargo do estabelecido nas normas de direito internacional, bem como nas convenções internacionais ratificadas pelo Estado Português – cf. artigo 8.º da CRP.

Desde já, cumpre esclarecer que não fazendo a Suíça parte da União Europeia, não se pode aplicar in casu o Regulamento (UE) 2017/848 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Maio de 2015.

Por outro lado, e como decorrência do facto da Suíça não fazer parte da UE, também os artigos 294.º a 296.º do CIRE não têm aplicação ao caso em apreço, uma vez que os mesmos apenas são de aplicar quando se verifica uma situação de insolvência transfronteiriça ou internacional, ou seja, quando o devedor tem ligações com mais do que um Estado-Membro, designadamente por ter bens ou credores localizados em mais de um Estado-Membro; e quando, verificando-se tal situação de insolvência transfronteiriça, o Estado Português não é o internacionalmente competente para o chamado “processo de insolvência principal”.

Neste sentido, veja-se Carvalho Fernandes e João Labareda in CIRE, Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, 2015, a pág.s 963/4 e o Acórdão do STJ, de 12 de Julho de 2018, Processo n.º 2892/17.5T8VNF-A.G1.S2, disponível no respectivo sítio do itij.

Consequentemente, uma vez que não estamos em presença de um processo particular e/ou secundário de insolvência, não é convocável o que se acha plasmado nos preceitos ora citados, por os requerentes terem a sua residência num país terceiro, relativamente à UE, no caso, na Suíça.

Cumpre, também, referir que os requerentes não têm razão quando alegam que a sua residência habitual se deve considerar como sendo em Portugal, porque só residem na Suíça por razões profissionais.

Até se entende que os mesmos residam na Suíça por ali usufruírem de melhores condições de trabalho, mas o facto é que lá residem, com carácter estável e duradouro, o que, nos termos do disposto no artigo 82.º do Código Civil, permite concluir que é na Suíça que têm a sua residência habitual.

Ora, o artigo 7.º do CIRE, estabelece que o tribunal territorialmente competente é aquele em que o devedor tem o seu domicílio ou sede, acrescentando-se no seu n.º 2, que é, igualmente, competente o tribunal do lugar onde tenha o centro dos seus principais interesses.

Como referem os autores acima citados, ob. cit., a pág. 104, o n.º 2 do preceito em referência, visa regular a competência internacional dos tribunais portugueses no caso em que o devedor resida num Estado-Membro da UE mas tenha o seu centro de interesses em Portugal, visando compatibilizar o regime legal português com o comunitário.

No entanto, como a Suíça não faz parte da UE, esta questão não se coloca, sem embargo de se colher no Regulamento acima citado e no artigo 7.º do CIRE, o que deva entender-se por domicílio do devedor e seu centro de interesses.

Como refere Luís de Lima Pinheiro in O regulamento comunitário sobre insolvência – Uma introdução, disponível no portal da Ordem dos Advogados (https://portal.oa.pt/publicações/revista/ano-2006/ano-66-vol-iii-dez-2006/doutrina/...), pág. 8, para estes efeitos, relativamente às pessoas singulares, dever ater-se à residência habitual, como sendo o centro dos seus principais interesses, ou da principal residência habitual, no caso de o devedor ter mais de uma residência habitual.

Assim, face ao exposto e vertido nos autos, é indubitável que os requerentes residem na Suíça que, reitera-se, não integra a UE, pelo que a fixação da competência internacional para o processamento e decisão destes autos, terá de ser determinada pelo direito processual (interno) português, face à inaplicabilidade do direito comunitário e como se passa a expor.

Colhendo os ensinamentos de Luís Lima Pinheiro, (estudo acima citado), nos casos em que a insolvência tem conexões com mais de um Estado, em que a mesma tem um carácter transnacional, não se pode dar por adquirida a competência dos tribunais portugueses e a aplicabilidade do regime do regime comum da insolvência vigente na nossa ordem jurídica.

Como o mesmo ali especifica (pág.s 1 e 2), do carácter transnacional da insolvência, decorre, desde logo a fixação da competência internacional dos tribunais portugueses; a determinação da lei nacional aplicável; qual a abrangência da decisão da insolvência sobre os bens situados em outro Estado e a eficácia/efeitos de tal decisão noutros Estados.

Questões, estas, a resolver pelo recurso ao Direito Internacional Privado.

Daqui decorre, igualmente, como o mesmo autor refere (pág.s 2 e 8, do referido Estudo) que na ordem jurídica portuguesa vigoram dois regimes de DIP nesta matéria: o regime comunitário e o regime interno, sendo que o regime comunitário se encontra previsto no Regulamento (UE) acima já referido e o interno resulta do disposto nos artigos 59.º, 62.º e 63.º do CPC, ali concluindo que “aos processos de insolvência instaurados num Estado-Membro sobre devedores que não têm o centro dos principais interesses na Comunidade aplica-se o Direito Internacional Privado de cada Estado. Na ordem jurídica portuguesa há que atender ao artigo 65.º/1/b e d e ao artigo 65.º-A/b CPC, conjugados com o artigo 7.º do CIRE, bem como aos artigos 275.º e segs. deste Código”.

Por maioria de razão se os devedores não residem num Estado-Membro da UE, igualmente, terá de se aplicar o regime nacional (no caso, o português, por inaplicabilidade do referido Regulamento comunitário que disciplina a fixação da competência internacional dos tribunais dos seus Estados-Membros, em caso de insolvência).

Tal é, também, a solução a que se aderiu no Acórdão do STJ, acima citado, ali se decidindo que, nestes casos, se “aplica o Direito Internacional Privado de cada Estado”.

Consequentemente, a competência internacional dos tribunais portugueses no caso em apreço, tem de aferir-se à luz do que se acha disposto nos artigos 59.º, 62.º e 63.º, do CPC (este último, de afastar, porque está assente que os devedores não residem em Portugal – cf. sua alínea e).

Assim e desde logo, cf. seu artigo 59.º, dada a ausência de regulamentos europeus ou outros instrumentos internacionais, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de algum dos elementos de conexão referidos no seu artigo 62.º.

Assim, nos termos deste preceito, constituem factores de atribuição da competência internacional:

- a possibilidade da acção poder ser proposta em Portugal segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa (alínea a);

- ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram (alínea b) e;

- quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real (alínea c).

Tais alíneas traduzem, respectivamente, o que, nesta matéria, a doutrina e a jurisprudência designam por princípios da coincidência, da causalidade e da necessidade.

No caso em apreço, cf. requerimento de fl.s 18 v.º e 19, a única justificação aventada pelos requerentes para que se decida pela competência dos tribunais portugueses, é a da “contração das dívidas e o seu não pagamento no nosso País”, por reporte à referida alínea b) (sendo de salientar que o referido nas conclusões 5.ª e 6.ª, constitui matéria nova, não alegada em 1.ª instância, que aqui não se conhece, uma vez que os recursos apenas visam a reapreciação de questões anteriormente já suscitadas).

Vejamos, então, se se verifica o invocado factor de conexão.

Efectivamente, é indubitável que os fundamentos/factos alegados para a declaração da insolvência dos requerentes, ocorreram, todos, em Portugal.

Foi aqui que os mesmos contraíram os débitos que ainda não se mostram liquidados, pelo que se tem de concluir que foram praticados em Portugal os factos que servem de causa de pedir na presente acção.

Ou seja, impõe-se concluir que se mostra verificado o princípio da causalidade, ínsito na alínea b), do artigo 62.º do CPC, que, assim, basta, para que os tribunais portugueses sejam internacionalmente competentes para a apreciação e decisão dos presentes autos.

Como refere Luís de Lima Pinheiro, in Direito Internacional Privado, Vol. III, Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, Almedina, 2002, a pág.s 198/9, verifica-se a competência internacional dos tribunais portugueses quando tenha sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, justificando-se tal factor de atribuição de competência internacional, porque “os tribunais do país em que ocorreram os factos que servem de causa de pedir estão melhor colocados para o acesso às provas e para a sua apreciação”.

Ou, nos dizeres de Artur Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, Almedina, 1982, a pág. 27, o princípio da causalidade, visa evitar que “ficassem excluídas da competência internacional dos tribunais portugueses acções em que a causa de pedir tivesse ocorrido em território nacional, desde que o réu não tivesse domicílio ou residência no nosso país. Obviar a este inconveniente foi o propósito do legislador ao ditar a regra que se traduz no princípio da causalidade. Justifica-a a forte conexão que a demanda apresenta com o território português por nele haver sido praticado o facto que serve de causa de pedir na acção”.

Consequentemente, face ao exposto, aplicando-se, como se aplica, ao caso em apreço, o direito internacional privado português, nos termos do disposto nos artigos 59.º e 62.º, alínea b), do CPC, tem de se concluir que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para a decisão dos presentes autos, em função do que não pode subsistir a decisão recorrida, procedendo o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que declara a competência internacional dos tribunais portugueses para a apreciação e decisão dos presentes autos.

Sem custas.

Coimbra, 01 de Junho de 2020.

           

Arlindo Oliveira ( Relator)

Emídio Santos

Catarina Gonçalves