Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
277/07.0TBOFR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: ERRO SOBRE O OBJECTO
ESSENCIALIDADE
ANULAÇÃO
NEGÓCIO JURÍDICO
CESSAÇÃO
ERRO
Data do Acordão: 05/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 251, 247 E 287 DO CC,
Sumário: 1. Configura erro-vício na modalidade de erro sobre o objecto do negócio, nos termos do art.º 251 do CC, a falsa representação pelo comprador de certo prédio urbano, licenciado para o exercício da actividade de restauração, de que esse imóvel, não beneficiando de rede pública de saneamento, dispunha de uma fossa séptica que se localizava numa área de logradouro que se veio a revelar que não fazia parte do prédio.

2. Esse erro é essencial se se provar que o comprador não teria em absoluto adquirido o prédio se soubesse que o mesmo não dispunha dessa fossa séptica.

3. Há lugar à anulação do negócio, nos termos dos art.ºs 251 e 247 do CC, se das circunstâncias concretas apuradas se concluir que o vendedor não podia ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro.

4. Julgada procedente uma acção em que um terceiro reivindicava do comprador a faixa de terreno em que se situava a aludida fossa séptica, deve considerar-se que a cessação do erro a partir da qual se começou a contar o prazo de propositura da acção de anulação, nos termos do art.º 287, nº 1, do CC, se verificou apenas com o trânsito em julgado da sentença aí prolatada.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A... e mulher B... intentaram no Tribunal Judicial de Oliveira de Frades uma acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra C.... , COOPERATIVA DE RESPONSABILIDADE LIMITADA, alegando sinopticamente que:

Em finais de 2004, após regressarem dos EUA, onde estiveram emigrados, foram aliciados pela Ré no sentido de aproveitarem um bom negócio que se traduzia na compra de um estabelecimento comercial de restaurante e snack bar, com casa de habitação e amplo logradouro, que esta havia adquirido em hasta pública, a que poderia acrescer também o recheio do mesmo estabelecimento, já penhorado em execução promovida pela Ré; para tanto, mostrou-lhes a Ré o que dizia ser a exacta composição e exactos limites do imóvel, que compreenderia um vasto logradouro, um caminho calcetado a poente, um largo fronteiro à casa, e um terreno de horta e laranjeiras, sito a nascente, onde se situava a fossa sanitária, perfazendo a área total de 1233 de m2; vieram a pagar por esses bens € 180.000 e 16.224,28, mediante empréstimos concedidos pela Ré e actualmente já liquidados; despenderam com a legalização do estabelecimento € 2.000,00; no entanto, depois de terem vedado o prédio com uma rede metálica, em acção de reivindicação proposta por P...viram-se condenados a abrir mão de uma determinada faixa, a nascente, declarada propriedade da Autora; em consequência, aquela proprietária procedeu ao aterro da fossa acima referida, inviabilizando o saneamento do estabelecimento dos aqui AA.; na faixa de que tiveram de abrir mão foi também incluído o caminho calcetado e o terreno a norte, tornando-se impraticável o estacionamento das viaturas dos clientes do estabelecimento; sabia a Ré que os mencionados espaços não integravam o imóvel alienado, até porque há 15 anos que sobre ele realizou várias operações de crédito; teve oportuno conhecimento da acção de reivindicação e orientou os AA. na respectiva contestação; nunca os AA. teriam celebrado o negócio se soubessem dos reais limites do prédio, por estes não incluírem o local da fossa e a zona de aparcamento a norte; como também não teriam despendido em juros, taxas, impostos e certidões a quantia de € 25.000,00, nem adquirido o recheio para o estabelecimento; não obstante, o valor objectivo do prédio sem as mencionadas áreas é muito inferior ao preço que pagaram à Ré.

Concluem, pedindo, a título principal, que se declare a nulidade do negócio celebrado com a Ré, com a restituição do preço por esta recebido; subsidiariamente, entendendo-se haver lugar a simples redução do preço, deverá a Ré ser condenada a ver limitado o preço do negócio ao valor encontrado por arbitramento, em sede de oportuna liquidação, e a restituir o diferencial respectivo. Cumulativamente, deverá a Ré ser condenada a indemnizar os AA. dos gastos efectuados, os quais ascendem a € 31.244,28, importância acrescida de juros desde a citação até efectivo pagamento, reconhecendo-se o direito de retenção dos AA. sobre o imóvel até à satisfação de tal quantia.     

Contestou a Ré, excepcionando que os AA. nunca denunciaram a falta de qualidade da coisa comprada, pelo que caducou o seu direito de acção com base no defeito invocado; e que nunca souberam que a área real do prédio era inferior à que constava do registo predial; que não há relevância do erro dos AA. dado que a Ré não tinha de saber da essencialidade para os AA. do elemento sobre o qual ele incidiu, tendo, além disso, decorrido já o prazo da inerente acção de anulação; por impugnação, aduzem que nunca garantiram outra área ou limites do prédio para além dos que constavam da descrição registral, bem como o seu desconhecimento da demais factualidade alegada. Terminam com a procedência da excepção de caducidade, ou, de todo o modo, com a improcedência da acção.

Em réplica vieram os AA. responder às excepções, rematando como na petição.

A final foi prolatada sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré de todos os pedidos formulados.

Irresignada, deste veredicto interpuseram os AA. recurso, admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

                                                                                  *

A apelação.

São as seguintes as questões que importa apreciar no recurso:

A modificação da decisão sobre a matéria de facto.

Se estão demonstrados todos os requisitos de relevância do erro dos AA. que ditam a anulação do negócio.

Assim não se entendendo:

Se o negócio é nulo por a prestação objecto do negócio ser objectivamente impossível, ou, se, subsidiariamente,

O preço pago pelos AA. deve ser objecto de uma redução proporcional, nos termos do art.º 888, nº 2 do CC.

A Ré contra-alegou, batendo-se pela não alteração da sentença recorrida. 

Sobre a decisão da matéria de facto.

Insurgem-se os recorrentes contra a decisão sobre a matéria de facto no segmento atinente às respostas dadas aos nºs 1, 2, 3, 7, 8, 18, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 34 e 35, cujo teor é o seguinte:

                                                                                    1

Em finais de Agosto de 2004 foi transmitido pela Ré ao Autor que tinha entre mãos um bom negócio para ele, que havia adquirido em hasta pública, que se encontrava em perfeitas condições de funcionamento?

                                                                                    2

E que era composto de um estabelecimento comercial de restaurante e snack-bar, casa de habitação com amplo logradouro, dito em (...), freguesia de (...), deste concelho e comarca?

                                                                                   3

O Autor aceitou ver o prédio que lhe foi mostrado pela Ré, a qual igualmente lhe mostrou o que dizia ser a sua exacta composição e limites?

                                                                                   7

Convictos dos factos referidos em 1 a 6 transmitidos pela Ré aos Autores, estes aceitaram efectuar a escritura referida em C?

                                                                                  8

(…) e seguindo a orientação que para o negócio a Ré traçou realizaram o negócio referido em E?

                                                                                 18

Não pertence ao prédio referido em C o caminho calcetado a poente?

                                                                                24

A Ré sabia que ao prédio não pertencia o espaço situado para nascente e além do murete situado na linha paralela à parede nascente da casa e distante dela cerca de dois metros?                                                                          25

Que ao prédio não pertencia também o espaço situado a norte do caminho de acesso a diversas propriedades situadas a norte dele?

                                                                               26

Nem o caminho calcetado situado a poente?

                                                                               27

Os Autores, logo que citados para a acção referida em G contactaram a Ré dando-lhe conhecimento da situação e esta disse-lhe que não se preocupasse, dando-lhes orientação para a contestação e indicação mesmo das testemunhas que deveriam indicar?

                                                                               29

Tendo em conta a área do logradouro, a falta de fossa e a falta de saneamento no prédio referido em C este desvaloriza em nunca menos de 50% do seu valor considerado na sua aquisição pelos Autores?

                                                                              30

Logo que tiveram conhecimento destes factos de imediato deram conhecimento à Ré?

                                                                              31

A qual, todavia, nenhuma resposta satisfatória lhes deu até à data?

                                                                               32

A falta de logradouro no prédio referido em C, bem como a falta do saneamento adequado impedem que o mesmo seja utilizado para a indústria da restauração e mesmo para a habitação?

                                                                              34

Os Autores nunca teriam celebrado o negócio se conhecessem os agora fixados limites do prédio?

                                                                             35

E se soubessem que o mesmo não dispunha de fossa no seu terreno ou saneamento?

           

A esta materialidade respondeu-se da seguinte forma:

Quesito 1º: Não provado.

Quesito 2º: Não provado.

Quesito 3º: Provado apenas que ao A. foi mostrado o prédio objecto da escritura pública aludida em C antes da celebração da mesma.

Quesito 7º: Não provado.

Quesito 8º: Não provado.

Quesito 18º: Provado apenas que o prédio referido em C confronta a poente como um caminho calcetado.

Quesitos 24, 25, 26, 27, 30 e 31: Não provados.

Quesito 29: Provado apenas que a redução da área do logradouro, a falta de fossa e saneamento do prédio referido em C desvaloriza este em nunca menos de 30% do valor por que foi adquirido pelos RR. à A.

Quesito 32: Provado apenas que a redução da área de logradouro e a falta de saneamento adequado impede que o prédio aludido em C seja utilizado para a indústria da restauração.

Quesito 34: Não Provado.

Quesito 35: Não Provado.

Propugnam os apelantes que as respostas em apreço sejam modificadas para Provado.

Vejamos.

 

Procedeu-se à audição integral da prova gravada.

Operando uma agrupação temática dos pontos em questão podemos a partir dessa síntese definir os seguintes temas da prova:

A apresentação do negócio ao A. – nºs 1, 2, 3, 7, e 8;

O conhecimento pela Ré dos limites e composição do prédio comprado pelos AA., a poente, nascente e norte – nºs 18, 24, 25 e 26;

A atitude da Ré relativamente à acção instaurado contra os AA. – nºs 27, 30 e 31;

A desvalorização do prédio – nº 29;

A função da área retirada a nascente – nº 32;

A importância da área retirada para o interesse do A. – nºs 34 e 35 (aditados).

A apresentação do negócio ao A. marido.

As testemunhas inquiridas e que depuseram a este propósito – D... e E..., que representavam a C... Ré na altura em que foram abordados pelo A. marido;   F..., amigo do A. marido que com ele passou no local do imóvel antes do negócio, e G..., cliente da Ré, que informou esta do interesse do A. marido– negaram de forma espontânea, coerente e verosímil esta versão. Só o pai do A. H..., depondo com parcialidade, afirmou que o negócio tinha sido apresentado como bom para o A. pela Ré.

Deste modo, a nenhuma alteração há que proceder nas respostas negativas dadas e na resposta restritiva ao nº 3.

O conhecimento da Ré dos limites e composição do prédio comprado.

A este respeito podem principalmente citar-se os depoimentos de I...e J... que apenas referiram que estiveram no local a indicar ao A. marido por onde passava o caminho que localizando-se a poente do prédio comprado pelos AA. dava serventia a norte para vários prédios, conforme o nº 18. Além disso, os representantes da Ré que se deslocaram ao local depois das dúvidas manifestadas pelo A. marido, e, bem assim, a testemunha L..., depondo com objectividade, foram inequívocos em dar conta de que a Ré sempre esteve convencida de que o logradouro nascente era parte do prédio comprado pelos AA.. Também a testemunha Eng. M..., que procedeu à avaliação do imóvel ainda no tempo em que ele pertencia a N... (conhecido por NN...), tomou esse logradouro como área do imóvel. Nenhuma outra testemunha pôde confirmar o conhecimento prévio da Ré dos limites e composição a nascente do imóvel transaccionado. Sendo que o depoimento de N..., que foi dono do prédio sito também a nascente, mais não acrescentou, visto ter tomado uma posição parcial e interessada na matéria (sem embargo do que veio a resultar provado na acção instaurada pela filha, P..., contra os AA.).

Isto é, não se provou que na altura do negócio a Ré soubesse que os limites do prédio não correspondiam aos assinalados aos AA..

A atitude da Ré relativamente à acção nº 1/06.5 instaurada por P... contra os AA.

Reportam-se a este assunto os pontos 27, 30 e 31.

As já aludidas testemunhas D..., E..., I..., J... e, bem assim, L..., assessor da Ré, convergiram em que a C... procurou esclarecer os limites do prédio quando questionada pelo A., nomeadamente por virtude da acção que a este foi movida, prestando toda a colaboração, inclusive fazendo deslocar os seus técnicos e representantes ao local para tentar confirmar áreas e confrontações. Mas desses depoimentos não resulta que alguma vez a Ré C... tenha assegurado ao A. o que quer que fosse. Pelo que se justificam inteiramente as respostas de Não Provado que foram dadas aos pontos em apreço.

A desvalorização do prédio.

Trata-se aqui de apurar se a falta de fossa e de estacionamento que eram viabilizados pelo logradouro (que ficou excluído) desvalorizam o prédio do A. em pelo menos 50%.

A resposta contra a qual se rebelam os AA., ora apelantes, é a de que essa desvalorização é de nunca menos de 30%.

Ora, o elemento de prova que a este respeito aparentemente se poderia ter por mais consistente seria o decorrente do relatório pericial de fls. 450-453, complementado a fls.493-496, por aí se vendo que a posição que fez vencimento entre os senhores peritos (perito da Ré e do Tribunal) é precisamente a que aponta para uma redução em pelo menos 30% do valor que prédio teria com a parcela retirada.

Esta avaliação harmoniza-se, é certo, com a opinião do Eng. Avaliador M..., já mencionado, que admite que o prédio conserva algum valor pela possibilidade de aquisição de um espaço contíguo para aqueles mesmos fins.

Mas a posição dos peritos “não joga”, por assim dizer, com a importância e dimensão da “amputação” do prédio, visto ser evidente para o homem médio que sem saneamento (fossa), e sem rede pública, o prédio perde necessariamente quase todo o seu valor, o que aliás foi confirmado por todas as outras testemunhas ouvidas (constando do nº 32 da b.i. e do segmento não impugnado do facto 27 da sentença). A testemunha Q..., que é engenheiro civil e chegou a receber instruções dos AA. para avançar com um projecto de propriedade horizontal, deu uma estimativa que temos por mais razoável: o prédio vendido vale agora menos de metade do valor que lhe foi atribuído pelos AA..   

Donde que a decisão quanto a este ponto não possa ser mantida nos moldes em que se encontra, devendo a desvalorização aí aludida ser computada em mais de 50%.

A função da área de logradouro retirada a nascente.

Visa-se aqui a modificação da resposta restritiva ao nº 32 da b.i., quanto a saber se o impedimento de utilização também inclui a habitação.

Neste particular foi abundante a prova sobre os reflexos da falta da fossa no desenvolvimento da actividade comercial de café e restaurante que os AA. pretendiam desenvolver no edifício.

Os vários clientes do café que depuseram – R..., S..., T..., U..., W... – e de Y..., que chegou a trabalhar no restaurante já explorado pelo A. marido, foram convincentes a expressar que sem a fossa o estabelecimento não poderia trabalhar. Só não estenderam esse impedimento à habitação.

Daí que a resposta restritiva seja de manter.

Por fim, a questão do não interesse do A. no negócio se soubesse da exclusão da área do logradouro e da inexistência de fossa ou saneamento.

Estão aqui focados os nºs 34 e 35 que esta Relação mandou aditar à base instrutória, aos quais a 1ª instância respondeu Não Provado.

Mas nesta matéria não acompanhamos a 1ª instância.

É que os depoimentos de X..., H..., Y... e F... são inequívocos quanto ao objectivo imprescindível do A. marido de “se estabelecer”, de “ganhar vida”, com a actividade de restauração que lhe seria propiciada com a compra do imóvel. E nenhuma outra prova infirma esse interesse exclusivo.

Em todos os mencionados depoimentos se alude à intenção do A. em deixar de ser emigrante para se dedicar à restauração ( X...), em estabelecer-se ( H...), em ganhar a vida com a aquisição do imóvel. E todos eles confluem em que a redução do prédio ao espaço confinado tornou inútil o estabelecimento de restauração que ali estava sediado, dado que a ausência de saneamento público e de mais terreno próprio não permitem a instalação de outra fossa.

Donde que se deva ter por provado que o A, nunca teria celebrado o contrato se soubesse que os limites do prédio eram os agora fixados e que na realidade ele não dispunha de fossa saneamento.

Destarte, a impugnação da matéria de facto procede ainda que apenas parcialmente.

Pelo que é a seguinte a matéria de facto que se tem por definitivamente provada;

1. Por escrituras públicas lavradas, respectivamente em 05 de Julho de 1995 e 9 de Fevereiro de 1998, a primeira no Cartório Notarial de Oliveira de Frades, de fls 65 vº a fls. 67, do livro de notas nº 112 e a segunda no Cartório Notarial de Sever do Vouga, de fls 38 a fls 39 vº do Livro de notas nº 734-B a fls 61 verso a fls 63 do Livro 2-D, N... e esposa Z..., constituíram, a favor da ré, duas hipotecas sobre: Prédio urbano composto de casa de habitação com cave com duas divisões, sito no lugar de (...); rés-do-chão com cinco divisões; e 1º andar com nove divisões com a área coberta de duzentos e cinquenta e sete metros quadrados e “quintal com mil duzentos e trinta e três metros quadrados”, a confrontar do norte com estrada, do sul e poente com caminho e do nascente com (...), inscrito na respectiva matriz predial urbana da Freguesia de (...) sob o artigo nº 2 (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Frades sob o nº um (0 (...)/220185) e inscrito a favor de Z... sob a inscrição G-1. [ alínea A) dos factos assentes ].

2. Na acção executiva n.º 462/99, do 1.º Juízo do Tribunal de Águeda, onde eram executados N... e mulher Z... a ré reclamou os seus créditos e na venda judicial do prédio referido em A) adquiriu-o, com título de transmissão passado em 19.01.04. [ alínea B) dos factos assentes ].

3. No dia 23 de Dezembro de 2004, no Cartório Notarial de Sever do Vouga, os autores declararam comprar e a ré declarou vender, por escritura lavrada a folhas 67 e seguintes do livro de notas para escrituras diversas 888-B) o prédio urbano composto de casa de habitação de cave, rés do chão, primeiro andar, destinado a comércio e logradouro, sito em (...), freguesia de (...), Concelho de Oliveira de Frades, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Frades sob o número um, registado a favor da C..., CRL, pela inscrição G-DOIS, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2 (...), pelo preço de. € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros). [ alínea C) dos factos assentes ].

4. Na data referida em C) esse prédio estava descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Frades como: prédio urbano – casa de rés-do-chão primeiro e segundo andar – 257m2 e logradouro 1.233 m2 – (...) – norte, estrada; sul e poente, caminho e nascente (...). [ alínea D) dos factos assentes ].

5. Os autores adquiriram na execução ordinária 118/04.0TBOFR, do Tribunal Judicial de Oliveira de Frades, os seguintes equipamentos apreendidos e penhorados naqueles autos e que constituíam o recheio do prédio referido em C):16 mesas em madeira de pinho e 51 cadeiras;1 móvel de canto em pinho;1 móvel em fórmica;1 cabide em pinho, com espelho;1 quadro de parede;4 candeeiros de tecto em ferro preto;5 varões para cortinado,1 fogão industrial;1 grelha industrial;1 fogão a lenha;1 móvel de cozinha em pinho;1 mesa de cozinha em pinho;1 balança de cozinha, comercial;1 máquina de cortar fiambre;2 móveis de parede;1 máquina de café de 2 grupos;1 moinho de café;1 máquina registadora;1 balcão frigorífico;1 balcão em semi círculo;1 balcão de conservação com vitrine;1 mata moscas eléctrico;1 armário de parede; duas prateleiras de parede em pinho;1 candeeiro em inox;100 pratos rasos, 96 de sopa, 100 de sobremesa e 24 pires;120 copos;64 garrafas;1 aparelhagem; 24 holofotes;3 sofás;5 mesas em pinho;1 balcão frigorífico;1 máquina de gelo;5 candeeiros com globos coloridos;1 banca com 3 portas com tampo em inox;11 cadeiras de ferro e forradas a tecido;1 mobília de cozinha (dois móveis de chão e dois de parede);1 mesa e 3 cadeiras em pinho;1 móvel de sala de estar em pinho;1 móvel de sala em madeira com 5 portas;1 mesa de sala de jantar;1 conjunto de sofás;1 escrivaninha;1 sofá com armação em madeira;1 máquina de lavar;4 mobílias de quarto de casal;9 varões; vários utensílios de cozinha. [ alínea E) dos factos assentes ].

6. A ré concedeu aos autores créditos de curto prazo necessários, para a aquisição do prédio referido em C) e dos bens referidos em E), créditos esses que se encontram liquidados. [ alínea F) dos factos assentes ].

7. P... intentou contra os autores uma acção sumária que correu termos neste Tribunal com o número 1/06.5TBOFR na qual pedia que os RR fossem condenados, além do mais, a: a) “Reconhecerem o direito de propriedade da autora relativamente ao prédio rústico, sito em Carvalhas, inscrito na matriz sob o n.º 385 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1170, com a área de 2470 m2, a confrontar do nascente com herdeiros de (...) de sul com caminho e de poente com (...); b) Reconhecerem a que tal prédio pertence a parcela de terreno numa faixa situada a poente, desde o caminho municipal situado a sul (aqui numa profundidade de cerca de 7 metros) e até a um caminho de serventia que atravessa a norte o prédio da autora (aqui numa profundidade de cerca de 1,80 metros); c) A repor tal trato de terreno removendo os postes metálicos e a rede que nele colocaram, ao estado em que o mesmo se encontrava e a restituí-lo à autora; Por seu turno os autores (aí réus) deduziram reconvenção, pedindo, por sua vez, o reconhecimento do seu direito de propriedade relativamente ao prédio identificado em C) e que a eles pertence (e sempre pertenceu) a aludida parcela de terreno. Os autores (ali réus) pediram o chamamento da aqui ré, o qual não foi admitido. [ alínea G) dos factos assentes ].

8. (…) Nesse processo e no que aqui releva resultaram provados os seguintes factos:

1) O prédio referido em 5 (aqui referido em C)) confronta do norte com a EN230, do sul e poente com caminho e do nascente com a autora.

2) Recentemente os réus invadiram uma faixa de terreno situada na parte poente do prédio referido em 1) (prédio das aí autora), desde o caminho municipal, situado a sul, numa profundidade de 7 metros, e até um caminho que o atravessa a norte, numa profundidade de cerca de 1,80 metros.

3) No verão de 2005, vedaram através de postes de ferro que chumbaram no solo com cimento e depois ligaram com uma rede metálica a faixa de terreno referida em 4. [ alínea H) dos factos assentes ].

9. (…) foi proferida sentença, já transitada em julgado, onde se decidiu: “Julgar totalmente procedente por provada a acção e, em consequência condeno os réus:

1) A reconhecerem o direito de propriedade da autora sobre o prédio identificado no art. 1º e 2 .º da Petição Inicial;

2) A reconhecerem que do prédio identificado no artigo 1.º e 2 da PI (prédio da aí autora) pertence a parcela de terreno identificada no artigo 24.º da PI (parcela de terreno, desde o caminho municipal situado a sul (aqui numa profundidade de cerca de 7 metros) e até a um caminho de serventia que atravessa, a norte, o prédio dela (aqui numa profundidade de cerca de 1,80 metros) para nascente do muro existente no prédio vendido pela RÉ e que dista cerca de 2 metros da respectiva parede);

3) A removerem os postes metálicos e a rede que colocaram na parcela referida em 2), colocando-a no estado em que se encontrava e restitui-la à autora;

4) Absterem-se da prática de quaisquer actos que violem o direito de propriedade da autora.

5) Pagarem uma sanção pecuniária compulsória que se fixa no valor de €30,00 (trinta euros), por cada dia de infracção, consistindo esta infracção na não restituição da parcela de terreno identificada no artigo 24 da PI, passados que sejam 10 dias sobre o trânsito da presente sentença.

Julgar parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência condenar a autora:

Reconhecer o direito de propriedade dos réus sobre o prédio urbano sito em (...), freguesia de (...), concelho de Oliveira de Frades, inscrito na matriz urbana sob o n.º 2 (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 0 (...)/220185, a confrontar do norte com a EN230, do sul e poente com caminho e do nascente com a autora.

Absolver a autora dos restantes pedidos reconvencionais formulados pelos réus”. [ alínea I) dos factos assentes ].

10. Em 12.07.2005 a Câmara Municipal de Oliveira de Frades notificou o autor enquanto proprietário do “café restaurante – O emigrante” para “no prazo de 180 dias proceder à execução das obras e demais recomendações constantes nas cláusulas do respectivo auto. Para tanto deverá apresentar em quadruplicado o projecto de licenciamento do estabelecimento, ao abrigo do decreto-Lei n.º 57/02, de 11 de Março (Regime Jurídico de Restauração e Bebidas). [ alínea J) dos factos assentes ].

11. Os autores enviaram à ré e esta recebeu a carta datada de 2 de Junho de 2007, a fls. 105, que aqui se dá por integralmente reproduzida, à qual respondeu a ré alegando “desconhecer os contornos daquele litígio”. [ alínea L) dos factos assentes ].

12. O processo de construção do imóvel referido em A) e C) foi licenciado pela Câmara Municipal de Oliveira de Frades, com deferimento em 30.06.1984 e com a licença de construção nº 145, passada pela autarquia referida em 31.07.1984 bem como a licença de utilização do prédio para habitação e comércio, com o nº 9/85, datada de 09.04.1985. [ alínea M) dos factos assentes ].

13. Ao A. foi mostrado o prédio objecto da escritura pública aludida em C) antes da celebração da mesma. [ resp.ques. 3º da B.I. ]

14. Após a celebração da escritura pública aludida em C) a R. deu indicações ao A. no sentido de que o prédio objecto de tal escritura pública, tinha uma área de 1.233 m2 correspondendo: 113,93 m 2 ao terreno junto à estrada “ de baixo”; 144,95 m2 ao terreno onde se encontra um azevinho e o poço; 212,50 m2 ao largo em frente à casa; e 466,95 m2 ao restante terreno a nascente; que tal prédio incluía um caminho calcetado para poente, um largo em frente à casa e um terreno a horta e laranjeiras, situado a nascente, onde se situava a fossa da casa, tendo então a R. procedido à demarcação das extremas desse prédio em consonância com tais indicações com spray de tinta vermelha. [ resp.ques. 4º, 5º e 6º da B.I].

15. Na sequência do aludido na resposta dada aos quesitos 4º, 5º e 6º os AA. vedaram esse prédio, respeitando os limites indicados pela R. e a demarcação feita por esta. [ resp.ques. 9º da B.I. ]

16. Os AA. contestaram a acção referida em G) com base nas indicações dadas pela R. aludidas nas respostas dada aos quesitos 4º, 5º e 6º. [ resp.ques. 10º da B.I. ]

17. A parcela discutida na acção aludida em G) corresponde aos 466,95 m2 do restante terreno a nascente aludido na resposta dada aos quesitos 4º, 5º e 6º, terreno esse no qual se encontra a fossa que servia o prédio objecto da escritura pública aludida em C). [ resp.ques. 11º e 12º da B.I. ]

18. O referido em J) deveu-se ao facto do prédio aludido em C) não obedecer aos requisitos estruturais e higio-sanitários legalmente exigidos, designadamente os apontados no auto de vistoria junto a fls. 60-61, cujo teor aqui se dá inteiramente por reproduzido. [ resp.ques. 13º da B.I. ]

19. Após a referida notificação os AA. requereram o licenciamento de obras a realizar no edifício. [ resp.ques. 14º da B.I. ]

20. Despendendo no projecto, taxas e diversos pelo menos o montante de € 994,99. [resp.ques. 15º da B.I. ]

21. Após a sentença referida em I) a aí autora procedeu ao aterro da fossa referida em 12.º. [resp.ques. 16º da B.I. ]

22. Na sequência da decisão proferida na acção aludida m G), o prédio aludido em C) ficou sem fossa e sem rede de saneamento, encontrando-se o poço que abastece de água a casa a poente, e dele ficou também excluído um coberto para estacionamento existente a norte da casa bem como todo o terreno para norte do caminho de servidão que o delimita a norte até á Estrada do Caramulo e não lhe pertence o caminho calcetado existente a poente. [ resp.ques. 17, 18º, 19. e 20º da B.I. ].

23. Na sequência da decisão proferida na acção aludida em G) o logradouro a norte do prédio aludido em C) ficou limitado a uma faixa de terreno que não permite a criação de uma zona de estacionamento necessária ao funcionamento do estabelecimento. [ resp.ques. 21º da B.I. ].

24. A ré sobre o prédio referido em C) realizou diversas operações de crédito, desde há mais de 15 anos e avaliou-o repetidamente. [ resp.ques. 22º e 23º da B.I. ].

25. Os autores despenderam, na sequência do negócio referido em C) e D) em empréstimos, juros e encargos dos empréstimos, taxas, impostos, certidões e serviços administrativos, montante superior a € 25.000,00. [ resp.ques. 28º da B.I. ].

26. A redução da área do logradouro, a falta de fossa e de saneamento do prédio referido em C) desvaloriza este em maiss de 50% do valor por que foi adquirido pelos AA. à R. [ resp.ques. 29º da B.I. ].

27. A redução da área do logradouro e a falta de saneamento adequado impede que o prédio aludido em C) seja utilizado para a indústria de restauração. [ resp.ques. 32º da B.I. ].

28. Afectações que correspondem ao destino normal do prédio e que os autores tinham em vista prosseguir, com a sua compra, o que era do conhecimento da ré. [ resp.ques. 33º da B.I. ].

29. Os AA. nunca teriam celebrado o negócio se conhecessem os agora fixados limites do prédio.

30. E se soubessem que o mesmo não dispunha de fossa ou saneamento.

                                                                                  *

Sobre a verificação dos requisitos da relevância do erro como motivo de anulabilidade.

No acórdão desta Relação de fls. 885-891, aliás produzido por este mesmo colectivo, fez-se a caracterização da vertente acção nos seguintes termos:

“Com efeito, tal como se depreende do relatório, a acção tem como causa de pedir a celebração de uma compra e venda de um imóvel em que teria ocorrido erro-vício por banda dos compradores ora AA., na modalidade de erro sobre o objecto (art.º 251 do CC), uma vez que estes, ao aceitarem o negócio, estariam convencidos de determinados limites e composição do prédio alienado pela Ré que não corresponderiam às características reais do bem. E também alegaram a essencialidade do invocado erro, no sentido de que, no art.º 72 da p.i expressamente invocaram “nunca os RR. [trata-se aqui de lapso evidente, dado que se quis aludir aos AA.] teriam celebrado o negócio se conhecessem os agora fixados limites do prédio e se soubessem que o mesmo não dispunha, sequer, de fossa no seu terreno ou saneamento”.

Em função deste fundamento pretendem os AA., logo no pedido formulado a título principal que se declare a nulidade do negócio (tratando-se, porém, de uma invalidade resultante de anulabilidade, como se prevê no art.º 251 do CC).

No entanto, e como, de resto, bem se lembra na sentença, o erro-vício na modalidade de erro sobre o objecto de negócio só releva se se apurar que foi essencial e próprio.

Diz-se que há essencialidade no motivo do errante quando este, se conhecesse a sua falta, ou não celebraria o negócio ou, pelo menos, celebrá-lo-ia com outro objecto ou de outro tipo.”

Continuamos a subscrever este enquadramento, neste conspecto coincidindo com a perspectiva que aparentemente foi seguida na sentença recorrida, não situando a problemática da acção logo no domínio da venda de coisa defeituosa e, nessa conformidade, não fazendo uma imediata aplicação do regime do art.º 913 do CC.[1].

O quadro factual proposto na acção é sempre o de um vício na formação da vontade dos AA. enquanto compradores.

Por conseguinte, importava averiguar se os AA. provaram a existência de erro, na modalidade de erro-vício, sendo que este, a existir, foi um erro que incidiu sobre o objecto do negócio.

Como se sabe, o denominado erro-vício é uma anomalia que atinge a vontade na declaração negocial, ligando-se a um desconhecimento ou falsa representação da realidade pelo declarante (o errante) que conduz a uma divergência entre o querido e o declarado.

O que, por conseguinte, se passa com o erro-vício, é que o declarante incorre numa ignorância ou ideia falsa sobre uma circunstância que o motiva na vontade de emitir uma concreta declaração negocial.

No erro-vício integra-se o chamado erro sobre o objecto do negócio, “que pode incidir sobre o objecto mediato (sobre a identidade ou sobre as qualidades) ou sobre o objecto imediato (erro sobre a natureza do negócio)”[2].

No que toca a extensão das qualidades que são susceptíveis de contribuir para o erro sobre o objecto mediato, escreve Manuel de Andrade (Teoria Geral, Vol. II, Coimbra, Almedina, 1972, p.250-251):

“Em todo o caso, pode coligir-se de alguns (principalmente Ennecerus-Nipperdey; conferir ainda Oertmann e Lehmann) que são de designar como qualidades de um objecto a respectiva constituição material e aquelas condições naturais e jurídicas que, pela sua natureza e duração, influem no valor ou no préstimo desse objecto)”.

Olhando agora para a matéria provada, temos como insofismável a afirmação de que está demonstrado que os AA. formaram uma ideia falsa sobre o bem que estavam a adquirir, ou seja, incorreram em erro sobre o objecto do negócio, tal como previsto no art.º 251 do CC (do mesmo passo que também não nos repugna admitir como provável a hipótese de a própria Ré vendedora ter lavrado em idêntico erro).

Como a este propósito se ponderou - e bem – na 1ª sentença, proferida a 20/02/2012, elaborando-se sobre a matéria já então tida por provada:

“No caso em vertente, e em face da factualidade provada, afigura-se-nos que está em causa um erro acerca do objecto do negócio, na medida em que se apurou que os AA. pretendiam afectar o prédio adquirido à R. para habitação e indústria de restauração, afectações essas correspondentes ao destino normal do prédio e que os autores tinham em vista prosseguir com a sua compra, o que era do conhecimento da ré, e que estão impedidos de levar avante em relação á utilização do prédio para a industria de restauração em consequência da redução da área do logradouro do mesmo e também da falta de saneamento que vieram a resultar da decisão proferida no âmbito da acção sumária aludida na factualidade provada.

Ou seja, os AA. fundaram a sua decisão de contratar e modelaram o conteúdo do negócio com base em pressupostos relativos à área, composição e limites do prédio objecto desse negócio, pressupostos estes que não vieram a confirmar-se, antes até vieram a resultar infirmados, pois, a utilização que os AA. pretendiam dar ao prédio objecto desse negócio para habitação e para o exercício da industria de restauração, que eram conhecidas pela R. aquando dessa negociação, mostra-se inviável em relação à utilização para a industria de restauração por força do decidido no âmbito da referido acção sumária”.

No entanto, a sentença ora recorrida também entendeu que não estavam reunidos todos os requisitos de relevância do erro vício, como o denuncia pelo seguinte raciocínio:

“Assim, só releva o erro essencial e próprio, sendo essencial porque é a causa do negócio, sendo que sem ele, o errante não celebraria o negócio ou celebraria um negócio com outro objecto ou de outro tipo (cfr. Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pág. 508 e 509 e próprio porque incide sobre circunstâncias que não são a verificação de qualquer elemento legal de validade do negócio.

No caso em análise dúvidas não há que o erro é próprio, na medida em que respeita ao objeto do negócio e não à sua validade formal.

Vejamos agora se o erro é essencial.

Como mencionado há essencialidade quando o errante se conhecesse a sua falta, ou não celebraria o negócio ou celebrá-lo-ia com outro objeto ou de outro tipo, ou seja determina circunstância foi essencial para contratar.

A essencialidade do erro, ou a essencialidade do elemento sobre que incidiu, mais não é do que a circunstância do declarante não teria emitido a declaração de vontade negocial com o sentido que veio a ser exteriorizada.

Da factualidade dada como assente resulta que a redução da área do logradouro e a falta de saneamento adequado impede que o prédio objeto do negócio seja utilizado para a indústria de restauração. A isto acresce a circunstância de igualmente ter resultado provado que os AA adquiriram o prédio com essa finalidade, o que a R. conhecia.

Contudo, já não provaram os AA, como lhes competia, a essencialidade do erro, ou seja não provaram que nunca teriam celebrado o negócio se conhecessem os limites agora fixados do prédio.

De facto, nada nós diz que os AA não teriam celebrado na mesma o negócio, nomeadamente para habitação, finalidade essa a que o mesmo também se destina”.

Todavia, com a prova dos nºs 34 e 35 da base instutória já não é possível este raciocínio.

Quedou agora evidenciado que os AA. não teriam comprado o imóvel se soubessem que não disporiam, pelo menos, da área em que funcionava o saneamento: cfr. os factos provados em 29 e 30.

É verdade que na redução estão compreendidos cerca de 500 m2 de logradouro que em si mesmos poderiam não afastar o interesse dos AA., tendo em atenção todo o remanescente.

Ponto é que essa área não desempenhasse um papel decisivo na motivação dos AA..

O problema dos AA. não assenta apenas nem principalmente na redução da área.

É que sendo aí que se localizava o único local viável para a fossa que servia, pelo menos, o estabelecimento de restauração (cfr. o facto provado em 27), naturalmente que o interesse dos AA. no remanescente que se esvaneceria sem a disponibilidade desse espaço e dessa funcionalidade. Como o demonstra o provado em 29 e 30.

Isto é, não há dúvida de que o erro dos AA. sobre as qualidades substanciais do objecto negocial foi essencial.

Mas para a efectiva relevância do erro dos AA. não é suficiente a sua essencialidade: é ainda necessária a transparência objectiva dessa essencialidade[3].

Adversa aqui a decisão recorrida, reportando-se aos AA., que “ (…) mesmo que provassem a essencialidade, não provavam que a R. conhecia, ou pelo menos que não devesse ignorar que para os AA. apenas fosse essencial para decidir adquirir o prédio que este pudesse ser utilizado para o exercício da indústria de restauração”.

Contudo, é viável extrair da materialidade apurada que a Ré não devia ignorar a essencialidade do erro.

Note-se que – como de iure condendo[4] defendeu alguma doutrina – não se exige a cognoscibilidade pelo declaratário do erro em si; basta que este tivesse o dever de não ignorar a essencialidade da circunstância sobre que incidiu o erro do declarante.

A cognoscibilidade da essencialidade do erro prescinde da prova do conhecimento e radica naturalmente nas circunstâncias decorrentes do negócio e da posição do declaratário que levem o tribunal a concluir que este se devia ter apercebido dessa essencialidade.

No caso concreto, cremos que há matéria para o tribunal concluir que a Ré não devia ignorar a essencialidade do logradouro e da fossa para o projecto negocial dos Autores – compradores.

Pois emerge do acervo fáctico que:

A Ré é uma instituição de crédito;

Há mais de 15 anos que realizava diversas operações de crédito sobre o imóvel, avaliando-o repetidamente (facto 24);

A redução da área do logradouro e a falta de saneamento impede a utilização do prédio para a restauração (facto 27);

A desvalorização do imóvel, decorrente dessa ablação, face ao valor que sem ela teria, é superior a 50 % (facto 26);

A restauração é o destino normal do prédio que a Ré sabia que os AA. tinham em vista prosseguir (facto 28);

A Ré concedeu aos AA. créditos de curto prazo para aquisição do prédio em causa e do recheio do estabelecimento que aqueles adquiriram em processo executivo (factos 5 e 6).

A conjugação deste circunstancialismo leva-nos, portanto, a asseverar que a Ré, que é uma instituição de crédito que pelo seu objecto está habituada a avaliar imóveis e a captar os créditos dos potenciais interessados, não podia ter celebrado o negócio de compra-e-venda no desconhecimento de que os AA. só queriam o imóvel porque nele se queriam estabelecer e fazer modo de vida da actividade da restauração que nele viam desenvolvida. Não podia ignorar esse interesse exclusivo ou excludente dos AA.

Não sendo discutida a propriedade do erro dos AA., e provada a essencialidade do mesmo, bem como a obrigação da Ré, como declaratária, de não ignorar tal essencialidade para os AA., nos termos dos art.ºs 251 e 247 do CC, será com fundamento nesse vício da vontade que tem de proceder o pedido principal de anulação de negócio de compra-e-venda do imóvel em questão, negócio que foi celebrado entre as parte na escritura de 23 de Dezembro de 2004, no Cartório Notarial de Sever do Vouga, e que melhor está identificada em 3 dos factos provados.

A Ré excepcionou a caducidade do direito dos AA. à anulação por ter decorrido o prazo do art.º 917 sem denúncia dos defeitos da venda ou da acção de anulação dos art.ºs 247 e 251 do C.C.

Deve observar-se que os AA. só conheceram os defeitos com o trânsito em julgado da acção 1/06.5TBOFR, a que se reporta o provado em 7 a 9, trânsito que só ocorreu em Fevereiro de 2007. Contudo, logo em 2 de Junho de 2007 enviaram à Ré a carta de fls. 105 em que lhe noticiavam o teor da reivindicação da parcela que foi incluída na venda.

Para o exercício da acção de anulação nos termos dos art.ºs 247 e 251 do CC. dispunham os AA. do prazo de um ano.

Conta a Ré esse prazo entre o momento em que os AA. foram citados para a acção instaurada por P... (9 de Janeiro de 2006) – e a data da instauração da presente – 3 de Setembro de 2007.

Mas sem razão.

Com efeito, o prazo de arguição da anulabilidade do negócio fundada em erro é de um ano contado da cessação do vício.

Só que o conhecimento do erro que é atendível para a cessação do vício é o que deriva do trânsito em julgado da acção de reivindicação que foi instaurada contra os AA.; não o da mera citação. Colhe-se dos autos que esse trânsito apenas ocorreu em Fevereiro de 2007. Pelo que o prazo de um ano para instaurar a acção, contado desde esta data, estava obviamente a decorrer em Setembro do mesmo ano.

Improcede, desta forma, a excepção da caducidade.

 

Declarada a nulidade do negócio, e não se estendendo o objecto recursivo delimitado nas conclusões a qualquer outra pretensão, encontram-se, assim, prejudicadas as restantes questões que subsidiariamente ali vinham colocadas.

Pelo exposto, na procedência da apelação, revogam a sentença recorrida, e, em função disso, julgando a acção essencialmente procedente por provada, declaram anulada compra-e-venda celebrada entre AA. e Ré tendo por objecto o imóvel identificado em 3 dos factos provados, por essa via condenando cada uma das partes a restituir o por esse título recebido, nos termos do art.º 289 do C. Civil.

Custas pela Ré e apelada.

                                   Coimbra, 27 de Maio de 2014

Freitas Neto (Relator)

Carlos Barreira

Barateiro Martins


[1] Invocando a lição do Prof. Antunes Varela (Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda, CJ. Ano XII, 1987. T.4, p. 30) que ensina que há venda de coisa defeituosa sempre que a coisa vendida sofrer dos vícios ou carecer das qualidades abrangidas no art.º 913 do CC.
No caso vertente, o substrato fáctico apurado também poderia autorizar a invocação do regime da venda de coisa defeituosa em relação às declarações emitidas, em lugar da mera anulabilidade fundada no erro (pela qual os AA. optaram a título principal). 
Na verdade, o objecto mediato da venda foi um imóvel urbano que em sim mesmo se não pode dizer que sofresse de vícios intrínsecos ou estruturais face ao que foi declarado pela vendedora. Como também não será adequado afirmar-se que nele houve particulares qualidades asseguradas pela vendedora que se não verificaram. Em todo o caso, na falta de rede pública de saneamento, configuraria certamente uma qualidade necessária à realização do fim da coisa a existência de uma fossa séptica que servisse a zona afecta ao comércio de restauração do edifício, sendo nesse caso legítimo o recurso à tutela do art.º 913 do CC.
De qualquer modo, o pedido principal da acção assenta apenas na anulabilidade que se funda em erro-vício.
[2] Mota Pinto, Teoria Geral, Coimbra, Almedina, 1967, p. 236.
[3] Definição do único critério da essencialidade atendível, segundo M. Andrade, ob. e ed. citadas, p. 249.
[4] Neste sentido, cfr. Mota Pinto, ob. e ed. citadas, páginas 222-223 e 247-248.