Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1111/16.6T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: DOCUMENTO PARTICULAR AUTENTICADO
VALIDADE
ASSINATURA A ROGO
CONFIRMAÇÃO
Data do Acordão: 12/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - F.FOZ - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.373, 374 CC, 46, 132, 151, 152 CN, DL Nº 116/2008 DE 30/12
Sumário: 1. A confirmação do rogo perante a entidade autenticadora não tem de ser certificada através da expressão “confirmo o rogo”, bastando que da declaração aposta no documento de autenticação resulte claro que o rogante no ato declarou que o documento a autenticar foi efetivamente assinado a seu rogo.

2. A entidade que lavra o termo de autenticação de documento particular, ao abrigo do disposto no artigo 22º do DL 116/2008, embora não tendo de proceder à leitura de tal documento aos interessados, deverá explicar-lhes o conteúdo do “documento particular autenticado” no seu todo e dos seus efeitos.

Decisão Texto Integral:





                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

A (…), Solicitador, veio, ao abrigo do disposto no artigo 140º do Código do Registo Predial, interpor recurso contencioso do despacho proferido pelo Exma. Conservadora da Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz que lavrou provisoriamente por natureza e dúvidas o ato de registo requisitado pela Ap. 33 (...) de 21/4/2016, pelo qual se pedia a conversão em definitivo do registo provisório de aquisição respeitante à aquisição de um prédio urbano, sito no x (...) , não descrito na CRP e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 00 (...) .

Alegando, para tanto e em síntese:

tendo autenticado um documento particular (contrato de compra e venda) e apresentado online um pedido de registo da aquisição, com base naquele documento, foi notificado nos termos do art.º 73.º do CRP, para, em 5 dias, suprir deficiências, sob pena do registo ser lavrado por dúvidas, por: não se descortinar quem adquiriu o prédio (terceira ou quarta contraente); do termo de autenticação não constar que o termo de autenticação sido lido ou explicado, bem como o seu conteúdo ( art.º 46.º, n.º 1 al. a) do C.N: do termo de autenticação da procuração não constar que o rogante tenha confirmado o seu rogo no ato de autenticação ( art.º 152.º do CN) e al. f), n.º 1 do art.º 92.º do CRP);

no seguimento de tal despacho procedeu a novo depósito do documento particular retificado: «Averbamento n.º 1: rectifica-se o presente documento particular autenticado nos termos da alínea f), do n.º 2 do art.º 131.º do Código de Notariado, no sentido de na cláusula primeira “vendem, à quarta contraente, que o aceita”, por lapso de escrita devidamente comprovado pelo IMT e IS junto e depositado, bem como pelo contexto do acto» e, efetuou Apresentação complementar n.º 22 (...) (fls. 18), na qual o impugnante declara que quanto ao lapso de escrita junta o documento averbado nos termos da al. f) do art.º 131.º do CN, lapso esse devidamente comprovado tanto pelo IMT e IS junto, bem como do teor do ato.

o impugnante retificou tal lapso por averbamento, e efetuou o respetivo depósito, sendo que o CN prevê no art.º 132.º a possibilidade de suprimento e retificação de omissões e inexatidões, tendo sido retificado o lapso de escrita quando se refere à terceira contraente, quando na realidade se queria referir à quarta contraente;

no que se refere à falta de menção no termo de autenticação de ter sido explicado às partes o conteúdo do contrato, contrapõe que, no exercício das suas funções lavrou o termo e explicou-o aos signatários, cumprindo o estipulado na al.l) do art.º 46.º, aplicado por remissão do art.º 151.º do CN, tendo os signatários declarado

Entende o ora impugnante que, com exceção do lapso de escrita, o documento autenticado cumpre as legalidades formais, nomeadamente as previstas na al. l) do n.º 1 do art.º 46.º e art.º 152.º do CN.

A Exma. Sr. Conservadora efetuou o registo provisório e por dúvidas, conforme despacho de qualificação de fls. 19.

 Não se conformando com o decido, o impugnante dele interpôs recurso de impugnação.

A Exma. Sr. Conservadora manteve a decisão recorrida, nos termos do disposto no art.º 142.º-A do CN, sustentando no seu despacho que:.

a) existe um vício de forma da procuração a rogo de M (…) – que não sabe assinar –, posto que a lei exige que conste no respetivo termo a “menção que o rogante confirmou o seu rogo no ato de autenticação”( art.º 152.º do CN), sendo o mesmo exigido no art.º 373.º, n.º 4 do CC que estipula que “o rogo deve igualmente ser dado ou confirmado perante o notário, depois de lido o documento ao rogante”, entendendo que a validade jurídica da assinatura depende dessa confirmação que deve ser refletida no instrumento lavrado pelo impugnante, formalidade que não transparece do documento que instruí o pedido de registo, e cuja omissão condiciona a validade da assinatura a rogo. Mais defende que a declaração feita pela rogante na sua presença de que “para fins de autenticação, apresenta esta procuração que diz haver lido e aposto a sua impressão digital, por não poder assinar, sendo assinada a seu rogo por (…)” não traduz confirmação do rogo, mas tão só designação de terceiro que assina. Não constando do termo que autentica o documento particular a menção confirmação do rogo de forma expressa e inequívoca, carece a mesma de requisito legal de validade, previsto nos art.º 152.º do CN e 374.º do CC;

b)existem dúvidas quanto à qualidade em que intervêm as terceiras e quartas contraentes, sendo que dos documentos fiscais não são suscetíveis de auxiliar à interpretação inequívoca da sua vontade, acrescendo que a quarta contraente não se pronuncia no contrato, pois sendo efetivamente a compradora, em lado nenhum expressa a sua vontade de comprar e de ter pago o preço.

Mais, aduz que a retificação não pode ser realizada por averbamento retificativo nos termos do art.º 132.º do CN assinado pelo impugnante, por duas ordens de razões: a primeira radica no facto do documento submetido a registo se tratar de um documento particular (art.º 362.º do CC) e não autêntico, ou seja a intervenção de terceiro a consignar as declarações de vontade das partes, a elaborar e a subscrever o documento na presença simultânea de todos os outorgantes; a segunda, porque o art.º 132.º do CN, só se aplica aos “ atos lavrados no livros de notas” e “ às omissões e inexatidões devidas a erro comprovado documentalmente”( 132.º, n.º 1 do CN).

Remata, dizendo que, estando em presença de documento particular, a falta de declaração da quarta contraente nunca poderia ser suprida através de averbamento, mesmo que de uma escritura pública se tratasse, mas antes mediante a elaboração de novo documento particular com o conteúdo ajustado ao fim pretendido devidamente assinado pelas partes e submetido a autenticação;

c) não foi explicado às partes o conteúdo do documento por elas assinado, sendo que do termo de autenticação de um documento particular deve constar a menção da entidade autenticadora deve explicar às partes o próprio centeúdo documento.

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer concordando na aderindo na íntegra à posição perfilhada pela Exma. Sra. Conservadora.

Pelo juiz a quo foi proferida decisão a julgar o recurso parcialmente procedente, julgando validamente retificado o lapso de escrita por averbamento, julgando, no mais, a impugnação improcedente, mantendo a provisoriedade do registo por omissão de confirmação do rogo no ato de autenticação e da menção, no termo de autenticação, da explicação do conteúdo do documento particular.


*

Inconformado com tal decisão o Solicitador dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

(…)


*

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Vício de forma na procuração a rogo de M (…).
2. Omissão da menção, no termo de autenticação, da explicação do conteúdo do documento particular.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O Sr. Conservador do Registo Predial veio a lavrar provisoriamente por dúvidas o ato de registo pelo qual se pedia a conversão em definitivo do registo provisório de aquisição de um prédio urbano, entre outros, com fundamento em que os documentos apresentados para o efeito se encontravam inquinados dos seguintes vícios:
1. A procuração a rogo de M (…) – que não sabe assinar – contém um vício de forma, por incumprimento do disposto nos arts. 152º do Código do Notariado (CN) e do art. 373º, nº4, do CC, ou seja, por falta da menção de que o rogante confirmou o seu rogo no ato da autenticação;
2. No termo de autenticação do documento particular que formaliza o contrato de compra e venda não é mencionado que o autenticador tenha efetuado a leitura de tal contrato e explicado às partes o seu conteúdo.
O Juiz a quo deu como provados os seguintes factos, com interesse para a apreciação das questões em litígio:
A)  No dia 20 de Abril de 2016, por documento particular, autenticado pelo impugnante, foi celebrado um contrato de compra e venda relativo ao prédio urbano, sito no lugar de (…), não descrito na conservatória do registo predial de Valença e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 00 (...) .
 No referido contrato consta:
Primeiros Contraentes
B (…) e marido M (…), a qual outorga por si e na qualidade procuradora de procuradora, em representação de M (…) (…).
Segundo contraente
N (…)
Terceira contraente
M (…)
Quarta Contraente
C (…)
 Mais declararam os contraentes que “ É celebrado o presente contrato de compra e venda, que se rege pelas cláusulas seguintes:
Primeira (objecto)
Pelo presente contrato os Primeiros e Segundo Contraentes, nas invocadas qualidades, vendem à Terceira Contraente, que o aceita, o prédio urbano(…) ( sublinhado nosso).
Segunda (preço)
O prédio é vendido pelo preço de mil e quinhentos euros, que os Primeiros e Segundo contraentes, nas invocadas qualidades, já receberam e do qual dão a respectiva quitação.”(…)
 Sétima (Consentimento)
A Terceira contraente presta o seu consentimento a seu cônjuge para o presente contrato de compra e venda.”
B)  No termo de autenticação (fls. 10), impugnante elenca e identifica as pessoas intervenientes no contrato e consignando que “ os outorgantes apresentaram o documento em anexo que é um contrato de compra e venda, tendo declarado já o terem lodo e assinado e que o conteúdo do contrato exprime as sua vontades”.
 A final, consigna que “ o presente termo de autenticação foi lido e explicado aos signatários (…)”.
C) Nos termos o art.º 73.º do CRP, foi concedido ao impugnante o prazo de 5 dias para suprir as seguintes deficiências:
 Rectificação da cláusula quarta do contrato de compra e venda, por existir dúvida qual o contraente que adquire o imóvel (terceira ou quarta).
 Do termo de autenticação não consta que o termo de autenticação foi lido e explicado, bem como o conteúdo do contrato, nos termos do art.º 46.º, n.º 1, al.l) do CN.
 Omissão da menção prevista no art.º 152.º do CN, ou seja que a rogante confirmou o seu rogo no acto de autenticação., suprimento que apenas poderá ser efetuado mediante ratificação.
D) O impugnante pela apresentação n.º 11 (...) , em 28/4/2016, efetuou declarações complementares, em que peticiona a retificação do lapso de escrita.
1. Provisoriedade do registo por vício de forma por omissão de confirmação do rogo no ato de autenticação da procuração.
Encontra-se em causa o alegado incumprimento do disposto no nº2 do artigo 373º do Código Civil (CC) e do artigo 152º do Código do Notariado (CN), tão só, na parte em que exigem que o rogo seja confirmado perante o notário.
Dispõe o artigo 373º, nº4 do CC: “O rogo deve ser dado ou confirmado perante o notário, depois de lido o documento ao rogante”.
A tal respeito, dispõe o artigo 154º CN:
1 - A assinatura feita a rogo só pode ser reconhecida como tal por via de reconhecimento presencial e desde que o rogante não saiba ou não possa assinar.
2 - O rogo deve ser dado ou confirmado perante o notário, no próprio ato do reconhecimento da assinatura e depois de lido o documento ao rogante.
Por sua vez, dispõe o artigo 152º CN quanto à autenticação dos documentos particulares assinados a rogo, sob a epígrafe “Requisitos Especiais”:
“Se o documento que se pretenda autenticar estiver assinado a rogo, devem ainda constar do termo de autenticação, o nome completo (…) e a residência do rogado e a menção de que o rogante confirmou o rogo no ato de autenticação”.
O Apelante alega mostrar-se cumprida tal formalidade, ao ter-se feito constar no termo de autenticação que “A outorgante declarou que, para fins de autenticação, apresenta esta procuração que diz haver lido e aposto a sua impressão digital, por a não poder assinar, sendo assinada a seu rogo por A (…)”.
O Conservador, depois de fazer apelo à necessidade de cumprimento das formalidades impostas pelos citados arts. 373º, nº4, do CC, e 152º CN, carateriza, pela seguinte forma, o vício que aponta à procuração junta e que instrui o pedido de registo respeitante ao ato de compra e venda:
No caso em apreço a única menção constante do termo de autenticação é, como bem referiu o impugnante, de que a rogante “declarou para fins de autenticação, apresenta esta procuração que diz haver lido e aposto a sua impressão digital, por não a poder assinar, sendo assinada a rogo por…”. Como se verifica do teor do texto, não há confirmação do rogo, mas sim a designação do terceiro que a assina. O impugnante ao afirmar, de forma algo inusitado no articulado (em 13º) que a referida declaração feita pela rogante na sua presença e tendo posto a sua impressão digital” é a confirmação da rogante do ato da autenticação, pretende que se interprete e complete o documento no sentido de que a rogante confirmou implicitamente o rogo. Mas tal não é possível por a lei exigir, como vimos, que conste do termo que autentica o documento particular, de forma expressa e inequívoca, a menção de a rogante ter confirmado o rogo no ato da autenticação.
Da leitura de tal fundamentação extrai-se que, dos dois requisitos impostos pelo artigo 373º CC – i) que o documento seja lido ao rogante; ii) que o rogo seja dado ou confirmado na presença do notário –, apenas o segundo constituiu fundamento ou motivo para a provisoriedade do registo.
Como observa Adriano Vaz Serra[1], podendo questionar-se se é necessário que o rogado assine na presença do notário e que este o ateste, determinando o artigo 165º, nº1 do Código do Notariado de 1935 (atual artigo 152º) que o rogo deve ser dado ou confirmado perante o notário, afigura-se claro que o documento pode ser assinado fora da presença do notário, bastando que depois, perante este, o rogante confirme ter a assinatura sido feita a seu rogo.
Ou seja, desde que o subscritor/rogado confirme na presença do autenticante que a assinatura a rogo foi efetivamente nele aposta a seu pedido e que o autenticante faça constar tal declaração do documento de autenticação, encontrar-se-á cumprida tal formalidade.
Ora, no caso em apreço, o Solicitador/recorrente fez constar do documento de autenticação a seguinte menção:
“A outorgante declarou que, para fins de autenticação, apresenta esta procuração que diz haver lido e aposto a sua impressão digital, por a não poder assinar, sendo assinada a seu rogo por A  (…).
Lida tal declaração não se nos suscita qualquer dúvida de que, através dela, a rogante M (…) está a dizer claramente que:
1. leu a procuração;
2. nela apos a sua impressão digital;
3. a mesma foi assinada a seu rogo (ou a seu pedido) por A (…)

É certo que no documento de autenticação não recorreu à expressão “confirmo” o rogo, mas declarar que a procuração foi assinada “a seu rogo significa exatamente a mesma coisa.

A formalidade prevista no artigo 152º do CN (e no artigo 373º CC) tem-se assim por cumprida.

Quando à decisão proferida pelo juiz a que, no que respeita a tal motivo de provisoriedade do registo, não se atinge qual o exato alcance da irregularidade aí apontada à procuração, parecendo apontar para um vício que não coincidirá com motivo de determinou a provisoriedade por dúvidas:

Do termo da autenticação (fls. 13 e 14) não consta que o rogante tenha confirmado o rogo depois de lido o documento particular. Aliás, o termo de autenticação termina com a declaração de que «O presente termo de autenticação foi lido e explicado aos signatários, devendo, de seguida, ser obrigatoriamente depositado eletronicamente”.

Ou seja, aparentemente, o vício imputado pelo juiz a quo consistirá na circunstância de não resultar do documento de autenticação que a procuração tenha sido lida à respetiva subscritora a rogo antes de a mesma ter confirmado o seu rogo.

Ora, embora tal formalidade também seja referida no artigo 373º do CC, não era esta a irregularidade que se encontrava em questão nem ela surge como referida no despacho do Conservador que determinou a provisoriedade por dúvidas do registo em questão.

2. Omissão, no documento de autenticação do documento que formaliza o contrato de compra e venda, da menção de ter explicado às partes o conteúdo do documento particular.

O Conservador invocou ainda um outro motivo para a provisoriedade por dúvidas – a ausência da menção de ter sido efetuada a leitura do contrato de compra e venda e a explicação do seu conteúdo pela entidade autenticadora às partes, nos termos dos arts. 46º, nº1, al. l), in fine, 50º, nº3, 151º, nº1, al. a) do CNm e 24º, nº1, do DL 116/2008.

A decisão recorrida veio confirmar a verificação de tal motivo de provisoriedade, com a seguinte fundamentação:

Quando o documento particular assinado pelas partes é apresentado à entidade autenticadora para autenticação, deverá esta apreciar os requisitos de validade do acto. Não se afigurando ser essencial a leitura do documento, que até pode ser dispensada, não constando tal menção do termo de autenticação não afecta a sua validade, mantendo-se a suficiência registral do título.

Todavia, é necessário que a entidade autenticadora explique às partes o conteúdo do documento por elas assinado, sendo requisito legal essencial – para a suficiência registral do título – impõe-se, assim, a explicação do conteúdo do documento particular – por forma a que os outorgantes fiquem a conhecer com precisão o significado e os efeitos do acto – e a sua menção no termo de autenticação, conforme obriga o art.º 46.º, n.º 1 al. l), “ in fine”.

Resultando do termo de autenticação que não consta tal menção, deverá tal omissão ser suprida por aditamento, (vd. Parecer 72/2009 STC-CT), pelo que neste conspecto, haverá a impugnação que ser julgada improcedente.”

Por sua vez, o apelante insurge-se contra tal entendimento, defendendo, e desde já se adiantando, sem razão, que não tendo o titulador qualquer intervenção no documento particular semente confirma a vontade das partes quanto ao conteúdo do documento, reduzindo-o a escrito através do documento de autenticação e aí sim, deve ler e explicar o conteúdo do termo de autenticação.

A questão em apreço passa, assim, por determinar se o autenticador tem somente de explicar às partes o conteúdo do termo de autenticação, como acontece com os documentos de autenticação em geral, ou se, encontrando-se em causa a autenticação de documentos particulares que titulem atos sujeitos a registo, o autenticador tem ainda de explicar aos outorgantes o próprio sentido do ato formalizado pelo documento particular.

O Dec-Lei nº 116/2008, de 30-12, veio permitir o recurso à modalidade de documento particular autenticado submetido a depósito eletrónico como meio de formalização dos factos jurídicos respeitantes a imóveis enumerados nas alíneas a) a g) do artigo 22º.

Ao permitir que atos, que anteriormente eram reservados à celebração por escritura pública, pudessem igualmente ser titulados por documento particular autenticado, o legislador veio acrescentar ao tradicional documento particular autenticado alguns requisitos adicionais tendo em vista a manutenção da segurança jurídica que, pela sua natureza estes atos exigem, entre os quais destacamos os seguintes:

a) quando titulem atos sujeitos a registo predial, devem conter os requisitos legais a que estão sujeitos os negócios jurídicos sobre imóveis, aplicando-se subsidiariamente o Código do Notariado (artigo 24º, nº1);

b) o titulador deve assegurar-se do integral cumprimento das obrigações fiscais – art. 25º;

c) a obrigatoriedade de o titulador proceder ao arquivo dos originais dos documentos particulares autenticados, bem como dos documentos que o instruam e que não conste de arquivo público – art. 24º, nº6 e art. 4º, nº1 da Portaria nº 153/2008, de 30 12;

d) depósito eletrónico do documento particular autenticado, bem como dos documentos que fiquem arquivados, do qual depende a validade do documento particular autenticado – art. 24º, nº2;

f) as mesmas obrigações impostas ao titulador de verificação, comunicação ou participação nos atos como se fossem celebrados por escritura pública – art. 23º, nº3.

Distinguindo-se três momentos na formação deste título – um primeiro momento em que o documento particular é outorgado e assinado palas partes, um segundo momento em que o documento é apresentado à entidade autenticadora para autenticação e um terceiro momento em que o documento particular e os documentos que o instruíram e que devem ficar arquivados devem ser depositados na plataforma eletrónica – a “função autenticadora” dos documentos particulares que titulem os atos elencados no artigo 22º é bem mais exigente e exauriente do que aquela que é exercida na autenticação dos demais documentos particulares[2].

Segundo a alínea l) do artigo 46º do CN (aplicável aos termos de autenticação por força do artigo 151º CN) do termo de autenticação deve constar a menção de haver sido feita a leitura do instrumento lavrado, ou de ter sido dispensada a leitura pelos intervenientes, bem como a menção da explicação do seu conteúdo.

Tal norma importa que o instrumento seja lido aos intervenientes na presença de todos.

E, segundo o nº2 do artigo 150º CN, apresentado o documento para fins de autenticação, o notário deve reduzir este a termo.

A entidade que lavra o termo de autenticação não tem de proceder à leitura do documento particular aos interessados[3] – tendo sido redigido e subscrito por estes (ao contrário da escritura pública), presume-se que leram o seu conteúdo –, apenas lhe impondo que proceda à leitura em voz alta do termo de autenticação, a não ser todos os interessados declarem que dispensam a sua leitura.

A entidade autentificadora deverá no momento da autenticação apreciar os requisitos da validade do ato, devendo recusara autenticação do documento se o acto nele “incompletamente titulado” for nulo (art. 173º, nº1, al. a), CN), ou se tiver sido violada norma imperativa que no momento da autenticação não possa ser observada (v.g., norma atinente ao princípio da legitimação). Assim como deverá advertir as partes se o ato for anulável ou ineficaz (art. 174º CN).

Como é sustentado no Pº R.P. 67/2009 STJ-CT, o art. 174º exige à entidade autenticadora que explique às partes o próprio conteúdo do documento (apenas) por ela assinado, e não apenas o conteúdo do termo de autenticação, como no “vulgar” termo de autenticação.

Também David Martins Lopes de Figueiredo assume a posição de que a explicação a dar pelo autenticador não deverá ser apenas do conteúdo do termo de autenticação mas do próprio documento particular e do termo de autenticação.

Fazendo recair sobre a entidade que procede à autenticação a função de fiscalização dos requisitos legais a que estão sujeitos os negócios jurídicos sobre imóveis e as formalidades previstas no Código do Notariado, incumbe-lhe certificar-se da capacidade e legitimidade das partes, qualidade e poderes de eventuais representantes, situação do imóvel no registo, situação matricial, normas do loteamento, de habitabilidade, da ficha técnica de habitação, dos direitos legais de preferências, do cumprimento de normas fiscais, entre outros.

Ou, como se afirma no Pº R.P. 84/2009 SJC-CT[4], se o ato lavrado por escritura pública (com os efeitos previstos no art. 22º) se distingue daquele que é formalizado por documento particular autenticado, desde logo, por ser o notário e não as partes a redigir o documento, os pressupostos e os requisitos legais especiais demandados pelo tipo negocial e pela natureza dos bens envolvidos têm, num caso e noutro, de ser observados pela entidade tituladora: o notário, no caso da escritura pública ou qualquer outra entidade que autentique o documento particular. A essa entidade tituladora competirá fiscalizar a titularidade do ato (arts. 173º/1 e 174º do CN) e verificar, comunicar e participar com o mesmo grau de dever imposto ao notário quando o ato seja praticado por escritura pública.

“A explicação deve abranger o conteúdo do ato, ou seja, do documento particular autenticado no seu todo, e das suas consequências legais. (…). A explicação deve abranger não só o significado do ato como também o correspondente alcance e efeitos, quer em relação às partes quer a terceiros, competindo ao titulador realizá-la em termos facilmente acessíveis ao entendimento dos intervenientes, e que bem os elucidem sobre as consequências do ato titulado com a sua intervenção. (…) Há de abranger certamente a informação aos intervenientes da obrigatoriedade que sobre a entidade tituladora impende de promover o correspondente registo (…). Há de abranger ainda a explicação de que os originais do documento particular autenticado e dos documentos que o instruam, que não foram apenas exibidos e não constem do arquivo público, ficam arquivados, dos quais, conjuntamente com o documento particular autenticado , será efetuado pela entidade autenticadora o depósito no arquivo público constante da plataforma eletrónica www.predialonline.pt, e que a validade do documento particular está dependente desse registo. (…) Informará também as partes de que todas a comunicação ou participação relacionada com a prática do ato, nomeadamente à Autoridade Tributária, serão efetuadas pela entidade autenticadora (…)  [5]”.

A entidade autenticadora, inter alia, deve apreciar a legalidade formal e substantiva do ato, explicar e consignar a explicação às partes do conteúdo do próprio documento particular, obter a confirmação do conteúdo particular na presença de todos os intervenientes, efetuar o depósito eletrónico e aí fazer constar que para que o procedimento de titulação do negócio jurídico fique completo falta o depósito eletrónico, que é condição de validade da autenticação, e qual a data para se proceder a tal depósito[6].

Assim configurado o dever de explicação e informação a cargo da entidade autenticadora, ter-se-á de concluir que a mera aposição, no documento de autenticação, da menção de que “os outorgantes apresentaram o documento em anexo que é um contrato de compra e venda, tendo declarado já o terem lido e assinado e que o conteúdo do mesmo exprime as suas vontades”, é notoriamente insuficiente para considerar cumprido o dever de explicação do conteúdo e dos seus efeitos do documento particular por esse meio autenticado.

A apelação será de proceder, tão só, em parte.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, mantendo-se a provisoriedade do registo unicamente pela omissão da menção, no ato de autenticação do documento particular, da explicação do conteúdo e efeitos do documento particular autenticado.

O recorrente suportará 2/3 das custas da apelação.                    

                                                                Coimbra, 12 de dezembro de 2017

                                                                                           Maria João Areias ( Relatora )

                                                                                          Alberto Ruço

                                                                               Vítor Amaral


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. A confirmação do rogo perante a entidade autenticadora não tem de ser certificada através da expressão “confirmo o rogo”, bastando que da declaração aposta no documento de autenticação resulte claro que o rogante no ato declarou que o documento a autenticar foi efetivamente assinado a seu rogo.
2. A entidade que lavra o termo de autenticação de documento particular, ao abrigo do disposto no artigo 22º do DL 116/2008, embora não tendo de proceder à leitura de tal documento aos interessados, deverá explicar-lhes o conteúdo do “documento particular autenticado” no seu todo e dos seus efeitos.


[1] “Provas (Direito Probatório Material)”, BMJ nº 112, p.34.
[2] Pº R.P. 67/2009 SJC-CT, disponível in http://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2009/p-div-72-2009-sjc-ct/downloadFile/file/DIV72-09.pdf?nocache=1317390168.12.
[3] David Martins Lopes de Figueiredo, “Titulação de Negócios Jurídicos Sobre Imóveis”, Almedina 2013, p. 328.
[4] Disponível na net in http://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2009/p-r-p-84-2009-sjc-ct/downloadFile/file/ctprp084-2009.pdf?nocache=1317393289.35.
[5] David Martins Lopes de Figueiredo, obra citada, p. 330-331.
[6] Proc. R.P. 3/2014 STJ-CC, disponível in http://www.irn.mj.pt.