Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
585/10.3TBCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: FALÊNCIA
SENTENÇA
FIANÇA
JUROS
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 02/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARAS MISTAS COIMBRA 1º S
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.151, 63 CPEREF, 323, 627, 631, 634 CC
Sumário: 1.-Tendo cessado a contagem de juros para todas as obrigações do falido a partir da sentença declarativa da falência nos termos do art. 151.º do CPEREF, a partir dessa cessação igualmente cessa a contagem de juros sobre as mesmas obrigações cujo cumprimento vem exigido ao fiador do falido, por força da regra da acessoriedade, nos termos dos artigos 627º/2 e 631º/1 do Código Civil.

2.- A prescrição quinquenal dos juros referentes a período anterior àquela sentença não é interrompida pela notificação, ao mandatário do agora demandado como fiador, da reclamação de créditos que o credor deduzira por apenso ao processo falimentar ou pela sua notificação da sentença de graduação dos créditos, tendo o ora fiador intervindo nesse apenso apenas como um dos credores reclamantes.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTA RELAÇÃO O SEGUINTE:

I – Relatório:


A Caixa Geral de Depósitos intentou acção executiva contra C (…) e F (…), para pagamento da quantia de €99 700,00, proveniente de contrato de abertura de crédito em conta corrente, acrescendo a essa quantia juros computados em € 91.608,77, vencidos desde 26.5.2004. Principal devedora é C(…), Lda, de que os executados são fiadores solidários.
Por apenso, os executados deduziram oposição, colocando em causa os juros peticionados e alegando: não há título executivo; o requerimento executivo é inepto, já que nele não se esclarece a taxa de juro aplicada; os juros deixam de vencer-se desde a prolação da sentença declaratória da falência do principal obrigado, C (…), Lda., por força do artigo 151º do CPEREF; os juros só podem ser contabilizados a partir de 26 de Maio de 2004, pois o devedor só incorreu em mora a partir dessa altura; os juros vencidos até 15 de Maio de 2005 já se encontram prescritos.
A exequente veio contestar a oposição apresentada, invocando, em síntese, que a responsabilidade do fiador, decorrente da própria lei, abrange os prejuízos resultantes da mora, que o limite da obrigação assumida pelo fiador não prejudica a obrigação de pagamento de juros de mora, desde que relativos ao valor daquele limite, que as taxas de juros remuneratórios constam do preçário da Caixa Geral de Depósitos que está afixado em todos os balcões e que foi acordado pelas partes, que a taxa de juro aplicada consta do documento junto com o requerimento executivo, que os valores descriminados no requerimento executivo estão correctos e que a prescrição dos juros foi interrompida pela notificação do oponente-marido no âmbito da reclamação de créditos, que correu termos no 3.º Juízo Cível de Coimbra, com o n.º 2579/04.9TJCBR.
Após os articulados, foi proferido saneador – sentença, que julgou improcedente a arguição de ineptidão do requerimento executivo e, conhecendo do mérito da causa, considerou não serem devidos juros desde a data da sentença que decretara a falência da C (..) Lda (15.7.2005) e verificada a prescrição dos juros contados até 15 de Maio de 2005, sem que tenha ocorrido a interrupção da prescrição. A sentença concluiu decidindo julgar a oposição totalmente procedente e reduzir a quantia exequenda para o montante de € 100.355,97.
Inconformada, a Caixa Geral de Depósitos recorreu, concluindo a sua alegação:
1. Em 26/02/1997, a CGD celebrou com a sociedade comercial C (…)Lda. um contrato de abertura de crédito em conta corrente até ao montante de € 99.759,58 (esc. 20.000.000,00).
2. Nos termos desse contrato, ficou estabelecido que, em caso de mora, «a Caixa poderá cobrar sobre o capital exigível e juros correspondentes aos períodos mínimos legalmente previstos, comissões e outros encargos, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios, que em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa para operações activas da mesma natureza (actualmente 15,125%), acrescida de uma sobretaxa até 4%.».
3. Conforme decorre da cláusula 26 do contrato, «Para garantia do integral e tempestivo cumprimento de todas as obrigações assumidas no presente contrato pelo 1.º contratante, os 2.ºs contratantes, constituem-se por este acto fiadores solidários e principais pagadores de tudo quanto à Caixa venha a ser devido em capital, juros, incluindo juros capitalizados, comissões e demais encargos até integral e efectivo pagamento, dando desde já o seu acordo a eventuais alterações de taxas de juro, prazos e moratórias.».
4. Esse acordo sofreu alterações em 23/08/1998 e em 21/02/2000, subscritas, para além do mais, por um representante da exequente e pelos executados/oponentes.
5. Na alteração de 23/08/1998, foi estipulado que o capital em dívida venceria juros a uma taxa correspondente à “LISBOR” a 3 meses com arredondamento para o 1/8 superior, acrescida de 2,5%, donde resultava, à data da alteração contratual, a aplicação da taxa de juro nominal de 6,875% ao ano.
6. Na alteração de 21/02/2000 o prazo contratual de 06 meses passou a ser de 30 meses automaticamente renovado por períodos iguais e sucessivos.
7. No 3.º Juízo Cível de Coimbra correu termos os autos de falência da sociedade C (…), Lda., com o n.º de processo 2579/04.9TJCBR, tendo esta sido decretada por sentença datada de 15/07/2005, transitada em julgado em 17/03/2008.
8. Por apenso, correu termos autos de reclamação de créditos, com o n.º 2579/04.9TJCBR-A, em que foi reclamada a C (…), Lda. e reclamante, para além do mais, a Caixa Geral de Depósitos, a qual reclamou o quantitativo de € 859.168,47, respeitante, para além do mais, ao contrato de abertura de crédito em conta corrente que serve de título executivo nos autos principais de execução.
9. Em sentença de verificação e graduação de créditos, proferida nesses autos em 13/12/2007, foi julgado verificado o referido crédito da Caixa Geral de Depósitos.
10. Interposto recurso da sentença de verificação e graduação de créditos, foi a mesma anulada por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 06/07/2010 e proferida nova sentença de verificação e graduação de créditos, a qual foi notificada ao credor C (…) (ora recorrido), na pessoa do seu mandatário, a 08/07/2010.
11. Ora, com base no n.º 2 do art. 151.º do CPEREF (aplicável ex vi art. 12.º, n.º 1 do DL 53/2004, de 18 Março) que dispõe «Na data da sentença de declaração de falência cessa a contagem de juros ou de outros encargos sobre as obrigações do falido….», concluiu o douto Tribunal a quo que, se para o obrigado principal (C (…), Lda.) os juros deixaram de ser contabilizados a partir de 15/07/2005, então para os fiadores, ora recorridos, também o devem ser.
12. Porém, nos termos do artigo 63.º CPEREF «As providências de recuperação a que se refere o artigo anterior não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores contra os co-obrigados ou os terceiros garantes da obrigação» (sublinhado nosso).
13. Ora, a ratio legis deste normativo é a protecção dos interesses dos credores.
14. Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, se justifica a aplicação analógica como concretização deste princípio basilar da protecção do credor, que abrange os processos de recuperação, do mesmo modo que os de falência.
15. Acresce que o art. 151.º do CPEREF determina que a contagem de juros cessa, para todas as obrigações do falido, na data da sentença de declaração de falência, nada dispondo quanto aos co-obrigados.
16. Desta forma, somos de parecer que a sentença de declaração de falência do obrigado principal não determina a cessação da contagem de juros quanto aos co-obrigados uma vez que, se a intenção do legislador no CPEREF fosse liberar os coobrigados, existiria norma expressa, o que não acontece.
17. Inexistindo, forçoso é concluir que se houvesse que legislar dentro do espírito do sistema – o de protecção dos credores - a norma seria contrária à pretensão dos ora recorridos.
18. Tanto mais que, actualmente, o CIRE, não contempla sequer a cessação da contagem de juros com a sentença declaratória de insolvência do obrigado principal, ninguém pondo em causa que inexiste cessação quanto aos co-obrigados.
19. Pelo exposto, e salvo o devido respeito por melhor opinião, mal andou o douto tribunal a quo ao decidir que os juros da dívida não poderão ser exigidos aos fiadores, ora recorridos, a partir de 15/07/2005, data da sentença de declaração de falência da sociedade C (…), Lda.
20. Por outro lado, entendeu o douto Tribunal recorrido que os juros contabilizados até 15/05/2005 se encontram prescritos.
21. Ora, do valor dos juros peticionados pela ora recorrente no requerimento executivo, no montante total de € 91.608,77, € 2.828,30 correspondem a juros remuneratórios e € 88.780,47 a juros de mora.
22. Por a dívida de juros ser autónoma da dívida de capital (a qual corresponde à prestação obrigacional do contrato celebrado), cada uma dessas dívidas, até certo ponto independentes, encontram-se sujeitas à sua prescrição própria – neste sentido, cf. Acórdão STJ de 18.11.2004, in www.dgsi.pt.
23. Deste modo, «a dívida de juros não é uma dívida a prestações, mas antes uma dívida que, periodicamente (ou dia a dia) renasce: no termo de cada período (ou dia) vence-se uma nova dívida ou obrigação» - cfr. F. Correia das Neves, Manual dos Juros, 3.ª Edição, Coimbra, 1989.
24. E assim, também a prescrição se conta dia a dia, a qual, tratando-se de uma prescrição extintiva, está sujeita às regras da suspensão e interrupção dos artigos 318.º ss CC.
25. Nos termos do art. 323.º, n.º 1 e 4 CC «a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence…» e que «é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido».
26. Ora, a reclamação de créditos apresentada pela exequente, ora recorrente, no processo de falência da sociedade C (…), Lda. deu entrada no tribunal em 09/08/2005.
27. Dessa reclamação foi o ora recorrido (sócio gerente da sociedade) notificado, tendo nesse momento, conhecido a intenção da credora CGD de exercer os seus direitos.
28. Pelo que, com tal notificação, foi interrompida a prescrição, não se encontrando, pois, prescritos os juros vencidos até 15 de Maio de 2005.
29. Considerando, porém, a possibilidade de os opoentes/recorridos, sócios da sociedade C (…), Lda. não terem sido notificados da reclamação de créditos apresentada pela exequente/recorrente no processo de falência da sociedade, não pode o oponente marido negar que foi notificado da sentença de verificação e graduação de créditos dessa insolvência dado que reclamou créditos nesse processo no montante de € 101.195,39.
30. Ora, como decorre do teor da sentença de verificação e graduação de créditos, aquando da notificação da verificação e graduação do crédito reclamado, o opoente tomou conhecimento do montante e origem do crédito reclamado pela exequente/recorrente.
31. Assim, ainda que não se entenda que com a notificação da reclamação de créditos da CGD se interrompeu a prescrição dos juros, forçoso é concluir que, com a notificação da sentença de verificação e graduação de créditos, foi interrompida a prescrição.
32. Quanto aos juros de mora, refere Antunes Varela (Das obrigações em geral, vol. II, 7ª edição, Almedina, 2006, pág. 488, nota 1), «a consequência lógica mais grave da obrigação que impende sobre o fiador é a de que ele responde, não apenas pela prestação inicial, mas também pelas consequências legais e contratuais do não cumprimento, incluindo a mora do devedor (art.º 634º). O fiador responde, por conseguinte, não apenas pela prestação principal, mas também pelos juros moratórios, pela cláusula penal estabelecida e pelos danos que o devedor culposamente causar, a não ser que, nos termos da parte final do nº 1 do artigo 631º, outro regime tenha sido convencionado. (…) Para que o fiador responda pelos juros moratórios, em especial, e pelos danos moratórios, em geral, não se torna necessário que ele tenha sido interpelado e constituído em mora. Basta que, atento o carácter reflexo (acessório) da sua responsabilidade, o devedor tenha incorrido em mora
33. E sustentam Pires de Lima e A. Varela, in Código Civil anotado, volume I, Coimbra Editora, 3ª edição, 1982, pág. 621, em nota ao artigo 634º do Código Civil: «Em consequência ainda do disposto neste artigo, para que a obrigação se tenha por não cumprida e se vençam os juros moratórios contra o fiador, não é necessária a interpelação deste; basta que tenha sido interpelado o devedor, nos termos do artigo 805º».
34. Neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, Ac. de 04.12.2003, in www.dgsi.pt ao afirmar que «para a obrigação se ter por incumprida e se vençam juros moratórios da responsabilidade do fiador, não é necessária a sua interpelação, bastando que o seja o devedor» (no mesmo sentido, cfr. acórdão do STJ, de 12.12.2002, in www.dgsi.pt).
35. Assim, os fiadores suportam as consequências da mora do devedor, independentemente de terem sido interpelados para honrar a sua obrigação, nos termos do art. 805.º CC.
36. Pelo exposto, forçoso é concluir que os juros peticionados não se encontram prescritos, sendo, pois, exigível aos executados/recorridos o pagamento do montante de € 91.608,77 a título de juros vencidos reportados à data de 23/04/2010. Pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente e o douto Tribunal ad quem revogar a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue provada e procedente a acção (?) pelas razões supra-alegadas.

Os apelados contra-alegaram, concluindo:
1) Quanto à cessação da contagem dos juros face aos fiadores
A. A lei (Artigo 151º, nº2 do CEPREF) reza que “Na data da sentença de declaração da falência a cessa a contagem dos juros ou de outros encargos sobre as obrigações do falido...”
B. Não dispõe expressamente sobre se a cessação da contagem dos juros actua também relativamente aos fiadores
C. Mas não restringe a cessação da contagem dos juros relativamente ao falido
D. O elemento literal (ubi lex non distinguit nec nos distingure debemus) aponta no sentido de que tal cessação é sobre as obrigações, e que portanto abrange também os fiadores.
E. Não existindo qualquer lacuna legislativa, dado que a letra (e o espírito da lei) abrange também os fiadores
F. É que O escopo, a ideia fulcral do CEPREF consistia na salvação das empresas que, embora insolventes, eram economicamente viáveis.
G. Por tal facto, o legislador quis incentivar os credores a permitirem a recuperação das empresas insolventes, em vez de precipitarem a sua declaração de falência.
H. Motivo pelo qual estatuiu a cessação de contagem dos juros de mora, em caso de falência.
I. E, ao invés, permitindo a sua contagem nos casos de recuperação de empresa.
J. De qualquer forma a existir alguma lacuna, o que não é o caso, não poderia ser preenchida com apelo à disposição do artigo 63º do CEPREF
K. Por um lado, porquanto as situação são diversas, e distintos os âmbitos de aplicação.
L. O artigo 63º rege sobre os direitos (ou créditos), abrangendo todas as obrigações, incluindo capital e os acessórios do crédito, juros vencidos e vincendos (e não só as obrigações de juros) para um período de tempo que pode ser duradouro, em caso de aprovação de medida de recuperação.
M. O artigo 151º, nº2 aplica-se apenas aos juros após a data da sentença de falência.
N. Por outro lado, as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (artigo 63º) não procedem neste caso.
O. Aquele dispositivo não tem por fim a protecção dos credores.
P. Mas apenas a o de facilitar a subsistência da empresa e até( A Fernades e D João labareda), o de proteger os garante e outros co-obrigados.
Q. Ou seja, exactamente o contrário R. A dívida dos fiadores, e tal resulta dos princípios gerais em matéria de fiança, consagrados nos artigos 627º e seguintes do Código Civil, não pode
exceder a obrigação do afiançado.
S. No dizer do artigo 627º do Código Civil, A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor.
T. E o artigo 631º dispõe que “A fiança não pode exceder a dívida principal, nem ser contraída em condições mais onerosas,..”
U. Acaso os fiadores, ora apelados, fossem obrigados a pagar juros que não impendem sobre o originário obrigado, violar-se-ia este preceito legal, e o princípio da acessoriedade da fiança.
V. Pelo que, por esta circunstância, não estando a falida C (…), Lda obrigada ao pagamento de juros a partir dessa data de 15 de Julho de 2005, por identidade de razão a tal não estão obrigados os fiadores.

2) Quanto à prescrição invocada:
A. “A interrupção da prescrição relativamente ao devedor não produz efeito contra o fiador,..; mas, se o credor interromper a prescrição contra o devedor e der conhecimento do facto ao fiador, considera-se a prescrição interrompida contra este na data da comunicação.” Artigo 636º,nº1, do Código Civil.
B. Ora a apelante Caixa Geral de Depósitos não deu conhecimento aos apelados do facto interruptivo da prescrição, como exige a lei.
C. Desde logo tanto quanto à Apelada como quanto ao Apelado.
D. E, também quanto ao Apelado, não procede a pretensão de que tal poderia ser suprido pela notificação da reclamação de créditos ao seu advogado.
E. Primeiro, porquanto este não foi notificado da reclamação (e tal não consta, aliás, dos factos dados como provados).
F. Por outro lado, quanto à notificação da sentença de verificação e graduação de créditos é feita ao advogado, e não ao opoente apelado.
G. E o advogado não detém procuração para receber notificações que se não refiram ao processo para que está mandatado.
H. Ainda que o advogado do Apelado marido tenha sido notificado da sentença, e dela constasse a data e circunstâncias da reclamação de créditos, o que não era o caso, não tinha poderes para representar o apelado no recebimento de notificações que produzam efeitos para além do processo.
I. Mais: pode nem ter comunicado ao seu constituinte a parte da sentença que a este em princípio não diz respeito, o que aliás é prática corrente.
J. De qualquer modo, tal notificação não supre o acto, exigido ao credor, de dar conhecimento do facto ao fiador, porque não obedece ao formalismo que a lei exige.
Em suma: A douta sentença recorrida fez correcta aplicação da lei, não violando, antes interpretando de forma conspícua e adequada, as disposições legais aplicáveis Termos em que, e nos mais de direito doutamente supridos, deverá ser confirmada in totum a douta sentença.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

II- Delimitação do objecto do recurso e questões a conhecer:

1. O objecto do recurso é constituído apenas pelas decisões da sentença, que foram questionadas através das conclusões da alegação do recurso (artigo 684º/2 e 3 do CPC). De fora está pois a decisão que julgou improcedente a arguição de ineptidão do requerimento executivo.
Note-se que, para o efeito do disposto no artigo 684º, nºs 2 e 3, do CPC, a parte dispositiva da sentença recorrida contém “decisões distintas”, apesar da aparente decisão única, e que a apelante restringiu, na parte conclusiva da sua alegação, o objecto inicial do recurso, ficando excluída a decisão que julgou improcedente a arguição de ineptidão do requerimento executivo.  
Sobre o conceito equivalente de “partes distintas” na decisão (art. 685º do CPC/39) ou de “decisões distintas” na parte dispositiva (art. 684º/2 do CPC actual), vale ainda a lição de J. A. dos Reis, CPC Anotado, V, 304 ss.
Elas correspondem ao dever, imposto no artigo 660º do CPC, de resolver todas as questões que as partes submeteram à apreciação do tribunal: «a solução de cada uma das questões constitui uma parte distinta da decisão» (pág. 305).
Alberto dos Reis dava um exemplo. Propôs-se acção de investigação de paternidade com estes fundamentos: a) Na sedução com promessa de casamento; b) Na posse de estado. A sentença julgou a acção totalmente improcedente, ou julgou-a procedente quanto um dos fundamentos e improcedente quanto ao outro. «A decisão contém, nestes casos, dois capítulos ou duas partes distintas, porque resolve duas questões, perfeitamente independentes, postas pelo autor» (p. 305).
Nesse exemplo, embora o autor se proponha um único efeito jurídico (o reconhecimento da paternidade de R. sobre A.), ele põe ao tribunal duas questões ou pretensões distintas, tudo se passando como se o autor houvesse formulado dois pedidos distintos (declaração da paternidade baseada na posse de estado e declaração da paternidade baseada na sedução – cf. pág. 306). Acrescenta-se, na mesma página, que “partes distintas” é expressão que equivale a “decisões distintas”.
 Segundo a lição de Lebre de Freitas, a propósito do preceituado no artigo 660º do CPC, in CPC Anotado, II, 2ª ed, não havendo lugar à absolvição da instância, o juiz deve conhecer dos pedidos, das causas de pedir invocadas e das excepções peremptórias deduzidas, exceptuadas as questões cuja decisão esteja prejudicada (p. 679). Acrescenta a pág. 704 que, para efeitos do artigo 668º/1 d), conhecer das questões que se devem apreciar é conhecer dos pedidos, causas de pedir e excepções.

2. Portanto, as decisões questionadas são as seguintes:
-- Não são devidos juros desde a data da sentença que decretara a falência da C (…) Lda (15.7.2005);
-- Está verificada a prescrição dos juros contados até 15 de Maio de 2005, sem que tenha ocorrido a interrupção da prescrição;
-- A consequente redução da quantia exequenda para o montante de € 100.355,97.
E para reapreciarmos tais decisões não temos de arrazoar sobre os argumentos ou meras razões expendidas pela apelante, mas apenas temos de resolver as questões emergentes das conclusões da alegação e que assim se sintetizam:

1ª- Se podem ser exigidos aos fiadores, executados, os juros sobre a dívida de capital a partir de 15/07/2005, data da sentença de declaração de falência da sociedade C (…), Lda.
2ª- Se os juros contabilizados até 15/05/2005 se encontram prescritos ou se, por força da dedução da reclamação de créditos pela CGD ou pelo menos pela notificação da sentença de verificação e graduação dos créditos, se verificou a interrupção da prescrição.

III- Fundamentos:
Vêm provados os seguintes factos:
1. Nos autos principais de execução serve de título executivo um acordo designado de “contrato de abertura de crédito em conta corrente”, formalizado por documento particular dado como perfeito em 26 de Fevereiro de 1997, subscrito, para além do mais, por um representante da exequente e pelos executados/oponentes, conforme documento n.º 1 junto com o requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. Desse acordo consta como primeiro outorgante C (…) Lda., como segundos outorgantes os executados/oponentes e como terceiro outorgante a exequente.
3. Nos termos desse acordo, a exequente concedeu a C (…) Lda. uma operação sob a forma de abertura de crédito em conta-corrente de que o mesmo se confessou devedor, com a linha de crédito 253, n.º de proposta 02550000774880019 da agência de Coimbra, até ao limite de € 99.759,58.
4. O acordo foi estipulado pelo prazo de seis meses, “com início na data em que a Caixa aceitar todos os documentos contratuais da operação” automaticamente renovado por períodos iguais e sucessivos.
5. Nos termos ainda desse acordo, no seu ponto 20, ficou estabelecido que, em caso de mora, “a Caixa poderá cobrar sobre o capital exigível e juros correspondentes aos períodos mínimos legalmente previstos, comissões e outros encargos, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios, que em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa para operações activas da mesma natureza (actualmente 15,125%), acrescida de uma sobretaxa até 4%.”
6. Do acordo consta igualmente que (no seu ponto 26) para “garantia do integral e tempestivo cumprimento de todas as obrigações assumidas no presente contrato pelo 1.º contratante, os 2.ºs contratantes, constituem-se por este acto fiadores solidários e principais pagadores de tudo quanto à Caixa venha a ser devido em capital, juros, incluindo juros capitalizados, comissões e demais encargos até integral e efectivo pagamento, dando desde já o seu acordo a eventuais alterações de taxas de juro, prazos e moratórias.”
7. Esse acordo sofreu as alterações de 23 de Agosto de 1998 e de 21 de Fevereiro de 2000, subscritas, para além do mais, por um representante da exequente e pelos executados/oponentes, conforme documentos nºs 2 e 3 juntos com o requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Na alteração de 23 de Agosto de 1998, foi estipulado que venceria juros a uma taxa correspondente à “LISBOR” a 3 meses com arredondamento para o 1/8 superior, acrescida de 2,5%, donde resultava, à data da alteração contratual, a aplicação da taxa de juro nominal de 6,875% ao ano.
9. Na alteração de 21 de Fevereiro de 2000 o prazo contratual de seis meses passou a ser de trinta meses automaticamente renovado por períodos iguais e sucessivos.
10. No 3.º Juízo Cível de Coimbra correu termos os autos de falência, com o n.º de processo n.º 2579/04.9TJCBR, a qual foi apresentada em juízo em 02 de Setembro de 2004.
11. Nesses autos, por sentença datada de 15 de Julho de 2005, transitada em julgado em 17 de Março de 2008, foi declarada a falência de C (…), Lda..
12. Por apenso a esses autos de falência, correu termos autos de reclamação de créditos, com o n.º 2579/04.9TJCBR-A, em que foi reclamada a C (…) Lda e reclamante, para além do mais, a Caixa Geral de Depósitos.
13. Nesses autos, a Caixa Geral de Depósitos reclamou o quantitativo de € 859.168,47, respeitante, para além do mais, ao contrato de abertura de crédito em conta corrente que serve de título executivo nos autos principais de execução.
14. Em sentença de verificação e graduação de créditos, proferida, nesses autos, em 13 de Dezembro de 2007, foi julgado verificado o crédito da Caixa Geral de Depósitos referido em 13..
15. Interposto recurso da sentença mencionada em 14., foi a mesma anulada por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 06 de Julho de 2010.
16. Proferida nova sentença de verificação e graduação de créditos, foi a mesma notificada ao credor C (…) (aqui oponente), na pessoa do seu mandatário, a 08 de Julho de 2010.

De direito:

Sobre a 1ª questão: Se podem ser exigidos aos fiadores, executados, os juros sobre a dívida de capital a partir de 15/07/2005, data da sentença de declaração de falência da sociedade C (…) Lda.
Deve ter-se em atenção que, de acordo com o provado, esta sociedade, declarada falida por sentença de 15/07/2005, era a devedora principal da quantia de capital exequendo e os executados são fiadores solidários dessa sociedade. Isto não vem questionado.
Enquanto a sentença decidiu que pelos fiadores não são devidos juros desde a data da sentença que decretara a falência da C (…) Lda (15.7.2005), com fundamento no disposto no artigo 151º do CPEREF e na acessoriedade da fiança (com expressão no artigo 627.º, n.º 2, do Código Civil e consistindo no facto de a fiança ficar subordinada a acompanhar a obrigação afiançada, com as consequências que se encontram fixadas nos artigos 628.º, 631.º, 632.º, 634.º, 637.º e 651 do mesmo Código), já a apelante CGD defende posição contrária, sucintamente com estes fundamentos:
-- O art. 151.º do CPEREF determina que a contagem de juros cessa para todas as obrigações do falido, mas a norma nada dispõe quanto aos “co-obrigados”.
-- Justifica-se a “aplicação analógica do artigo 63º do CPEREF como concretização deste princípio basilar da protecção do credor, que abrange os processos de recuperação, do mesmo modo que os de falência”.
-- À mesma conclusão (contagem dos juros após a sentença que decretou a falência) se chegaria se se houvesse que legislar dentro do espírito do sistema, até porque, actualmente, o CIRE não contempla sequer a cessação de tal contagem de juros.
A linha argumentativa da apelante é manifestamente errada. Correcta é a fundamentação que ressalta da sentença, como bem defendem os apelados na sua contra-alegação.
A falência da C (…) Lda foi decretada na vigência do CPEREF, aplicável ao caso ex vi artigo 12.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o CIRE. A situação relevante é a de falência e não a recuperação dessa empresa, com regimes diferenciados.
No Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência (CPEREF), no Título III, capítulo IV, sobre os efeitos da declaração de falência, insere-se o artigo 151º, epigrafado “Vencimento imediato de dívidas; estabilização do passivo”, que preceitua:
1 - A declaração de falência torna imediatamente exigíveis todas as obrigações do falido, ainda que sujeitas a prazo não vencido, e determina o encerramento de todas as contas correntes.
2 - Na data da sentença da declaração de falência cessa a contagem de juros ou de outros encargos sobre as obrigações do falido e é rigorosamente apurado o montante em escudos, correspondente à liquidação das obrigações expressas em moeda estrangeira ou sujeitas a qualquer factor de actualização.
Já o art. 63º do CPEREF se insere no regime específico do processo de recuperação, preceituando: “As providências de recuperação a que se refere o artigo anterior não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores contra os co-obrigados ou os terceiros garantes da obrigação, salvo se os titulares dos créditos tiverem aceitado ou aprovado as providências tomadas e, neste caso, na medida da extinção ou modificação dos respectivos créditos”.
Como dissemos, a situação da empresa é a de falência e não a de recuperação, pelo que se deve eleger como aplicável o artigo 151º e não o artigo 63º.
Embora o preceituado no dito artigo 151º não se refira directamente à obrigação de fiança, ele acaba por relevar no âmbito da fiança, mercê da sua conjugação com o preceituado nos artigos 627º/2, 631º e 634º do Código Civil, que, entre outros, traduzem a acessoriedade da fiança em relação à obrigação principal (característica essencial da fiança, ou seja, sem a qual inexistiria fiança).
A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor – art. 627º/2.
A fiança não pode exceder a dívida principal nem ser contraída em condições mais onerosas – art. 631º/1.
A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor—art. 634º.
O referido artigo 151º, ao ditar a cessação da contagem de juros, impõe a cessação de quaisquer juros e implica a irrelevância jurídica da mora, estabilizando o passivo.
Ora, se para a devedora, obrigada principal, C (…) Lda, os juros da dívida cessaram a partir de 15 de Julho de 2005, igualmente cessaram para os fiadores. Caso contrário, a fiança excederia a dívida principal, com infracção ao disposto no artigo 631º/1 do Código Civil.
Inexiste qualquer caso omisso, que requeresse a aplicação analógica do artigo 63º ou de qualquer outra norma do CPEREF ou que, na falta de caso análogo, autorizasse o julgador a integrar a lacuna segundo a norma que o intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
Obtempera a apelante CGD, citando a seguinte doutrina e jurisprudência, embora o faça a propósito (melhor: a despropósito) da pretensa interrupção da prescrição:
«Quanto aos juros de mora, refere Antunes Varela (Das obrigações em geral, vol. II, 7ª edição, Almedina, 2006, pág. 488, nota 1), «a consequência lógica mais grave da obrigação que impende sobre o fiador é a de que ele responde, não apenas pela prestação inicial, mas também pelas consequências legais e contratuais do não cumprimento, incluindo a mora do devedor (art.º 634º). O fiador responde, por conseguinte, não apenas pela prestação principal, mas também pelos juros moratórios, pela cláusula penal estabelecida e pelos danos que o devedor culposamente causar, a não ser que, nos termos da parte final do nº 1 do artigo 631º, outro regime tenha sido convencionado. (…) Para que o fiador responda pelos juros moratórios, em especial, e pelos danos moratórios, em geral, não se torna necessário que ele tenha sido interpelado e constituído em mora. Basta que, atento o carácter reflexo (acessório) da sua responsabilidade, o devedor tenha incorrido em mora.
«E sustentam Pires de Lima e A. Varela, in Código Civil anotado, volume I, Coimbra Editora, 3ª edição, 1982, pág. 621, em nota ao artigo 634º do Código Civil: «Em consequência ainda do disposto neste artigo, para que a obrigação se tenha por não cumprida e se vençam os juros moratórios contra o fiador, não é necessária a interpelação deste; basta que tenha sido interpelado o devedor, nos termos do artigo 805º.
«Neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, Ac. de 04.12.2003, in www.dgsi.pt ao afirmar que «para a obrigação se ter por incumprida e se vençam juros moratórios da responsabilidade do fiador, não é necessária a sua interpelação, bastando que o seja o devedor» (no mesmo sentido, cfr. acórdão do STJ, de 12.12.2002, in www.dgsi.pt).
«Assim, os fiadores suportam as consequências da mora do devedor, independentemente de terem sido interpelados para honrar a sua obrigação, nos termos do art. 805.º CC».
A doutrina e a jurisprudência citadas estão correctas: desde que o devedor principal esteja em mora, o fiador é responsável pelos correspondentes juros de mora mesmo que ele fiador não tenha sido interpelado para pagar a dívida de capital. Apenas sucede que a apelante não as compreendeu.
Na verdade, embora a doutrina e a jurisprudência citadas estejam correctas, elas não têm aplicação no caso dos autos. É que a partir da sentença de 15/07/2005 que declarou a falência, a mora da empresa deixou de relevar, cessando a contagem de juros.

Sobre a 2ª questão: Se os juros contabilizados até 15/05/2005 se encontram prescritos ou se, por força da dedução da reclamação de créditos pela CGD ou pelo menos pela notificação da sentença de verificação e graduação dos créditos, se verificou a interrupção da prescrição.
Na oposição, os executados/oponentes invocaram a excepção de prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos contados até 15.5.2010. Na resposta, a exequente invocou uma contra-excepção: a interrupção da prescrição.
Segundo a exequente, a interrupção da prescrição ocorreu com a notificação ao executado marido da reclamação de créditos deduzida pela credora agora exequente no âmbito do processo de falência da C (…) Lda ou, pelo menos, com a notificação ao executado marido da sentença de verificação e graduação de créditos, proferida nesse processo de falência (n.º 2579/04.9TJCBR-A), em 20 de Dezembro de 2007.
A sentença considerou:
«Não nos afigura que assista razão à exequente.
«Na verdade, e como decorre do artigo 636.º do Código Civil, o facto de se encontrar interrompida a prescrição relativamente ao devedor não significa que fique interrompida relativamente ao fiador. A este propósito, explica VAZ SERRA, in “Fiança e figuras análogas”, n.º 7, (apud PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in obra citada, página 654), “Não falando na interrupção derivada do acto do devedor (pois o devedor não pode, por um acto seu, agravar a situação do fiador), afigura-se preferível que o fiador não deva suportar as consequências dos actos interruptórios realizados em relação do devedor apenas: o credor, se quiser que a prescrição se interrompa também em relação ao fiador, pode praticar esses actos igualmente quanto ao mesmo fiador, que não parece razoável seja atingido pelos efeitos de actos estranhos, que pode até ignorar.”
«Na situação em apreço, é verdade que o executado-marido/oponente-marido foi notificado da sentença de verificação e graduação de créditos, da qual constava o crédito ora em dívida. No entanto, pergunta-se: não seria legítimo ao executado marido/oponente-marido ignorar este acto (como interruptivo da prescrição)? Entende-se que sim, que é legítimo, ou seja, pensa-se que a comunicação da sentença de verificação e graduação de créditos (feita pelo Tribunal) não pode servir para interromper a prescrição relativamente ao fiador. De facto, por um lado, o executado-marido/oponente-marido, no apenso de verificação e graduação de crédito, intervinha (somente) como credor, tendo sido, (somente) nessa qualidade, notificado da sentença. Naturalmente que o executado/oponente-marido, enquanto credor reclamante, estaria muito mais interessado em conhecer e verificar o reconhecimento e graduação do seu crédito do que em verificar todos os demais créditos, podendo perfeitamente não estar atento a todos os pormenores dos restantes créditos reclamados. Por outro lado, a exequente poderia ter solicitado o cumprimento da obrigação directamente aos fiadores, uma vez que estes não beneficiavam do benefício da excussão prévia previsto no artigo 638.º (de facto, neste ponto, o acordo em causa estipula que os executados/oponentes são “fiadores solidários e principais pagadores de tudo quanto à Caixa venha a ser devido em capital, juros, incluindo juros capitalizados, comissões e demais encargos até integral e efectivo pagamento, dando desde já o seu acordo a eventuais alterações de taxas de juro, prazos e moratórias”, ou seja, constituindo-se “principais pagadores”, os executados/oponentes logicamente renunciaram ao benefício da excussão prévia – a este propósito, cf. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES de 15 de Novembro de 2007, in www.dgsi.pt), o que, incompreensivelmente, não fez, aguardando por uma comunicação feita pelo Tribunal, sabendo à partida que esta poderia não ser idónea para esclarecer plenamente o fiador da interrupção da prescrição.
«Aliás, o próprio legislador parece afastar, na última parte do n.º 1 do artigo 636.º do Código Civil, esta forma de comunicação da interrupção da prescrição ao fiador, ao prever expressamente que deverá ser o credor a dar conhecimento ao fiador da interrupção da prescrição contra o devedor, considerando-se a prescrição interrompida na data da comunicação.
«Não o tendo feito, o credor sujeitou-se às vicissitudes da notificação da sentença de verificação e graduação de créditos – desde logo, no caso, tendo existido recurso da sentença de verificação e graduação de créditos, foi a mesma anulada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, tendo sido, nessa sequência, proferida nova sentença de verificação e graduação de créditos, que foi notificada ao executado/oponente-marido, através do seu mandatário, em 08 de Julho de 2010. Ou seja, já decorridos os cinco anos de prescrição dos juros em causa.
«Naturalmente que, tendo o credor aguardado por uma decisão nova quanto ao crédito reclamando contra o devedor, sabendo que a anterior tinha sido anulada, não tendo tomado nesse entretanto qualquer iniciativa (ainda que implícita) relativamente ao crédito contra o fiador, e tendo a nova sentença de verificação e graduação de créditos sido notificada passados cinco anos dos juros em causa, terá de se concluir pela prescrição dos juros até 15 de Julho de 2005» -- fim de transcrição.
Na alegação do recurso, a apelante nada adianta em relação a essa fundamentação da sentença. Limita-se a invocar o disposto no art. 323.º, n.º 1 e 4 CC e que com a notificação da reclamação o executado (também credor reclamante) ficou a conhecer a intenção da credora CGD de exercer os seus direitos e o montante e origem do crédito reclamado.
O artigo 323º do CC preceitua nos nºs 1 e 4 que «a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence…» e que «é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido».
Sucede que, como refere a sentença, face ao disposto no n.º 1 do artigo 636.º do Código Civil deverá ser o credor a dar conhecimento ao fiador da interrupção da prescrição contra o devedor, considerando-se a prescrição interrompida na data da comunicação. Ao que acrescentamos: deverá ser o credor a dar conhecimento ao fiador da interrupção, ainda que por intermédio do tribunal como sucede nos casos de notificação judicial avulsa. No processo de reclamação de créditos o agora executado apenas foi notificado na qualidade de credor reclamante (que também era tal como a CGD): o processo não era dirigido contra ele, logo não foi manifestação de intenção da CGD de exercer algum direito contra ele. O artigo 636º do CC não estende ao fiador (antes afasta) a eficácia do acto interruptivo da prescrição praticado contra o devedor principal, pois que é claro: «A interrupção da prescrição contra o devedor não produz efeito contra o fiador».
Como bem sublinha a contra-alegação, não foi alegado nem resultou provado que o oponente tenha sido notificado de tal reclamação, pelo que a realização de tal notificação (que aliás nunca foi feita) nem consta na matéria de facto dada como provada pela douta sentença; não basta um conhecimento fortuito, por parte do fiador, do facto interruptivo da prescrição; é preciso que seja o credor a levar ao conhecimento do fiador tal facto; por outro lado, a notificação da sentença de verificação e graduação de créditos é feita ao advogado e não consta que ele tivesse poderes para receber notificações de acto interruptivo.
Por outro lado, a executada nem sequer consta ter intervindo no processo de reclamação de créditos.

Síntese conclusiva:
1-Tendo cessado a contagem de juros para todas as obrigações do falido a partir da sentença declarativa da falência nos termos do art. 151.º do CPEREF, a partir dessa cessação igualmente cessa a contagem de juros sobre as mesmas obrigações cujo cumprimento vem exigido ao fiador do falido, por força da regra da acessoriedade nos termos dos artigos 627º/2 e 631º/1 do Código Civil.
2- A prescrição quinquenal dos juros referentes a período anterior àquela sentença não é interrompida pela notificação, ao mandatário do agora demandado como fiador, da reclamação de créditos que o credor deduzira por apenso ao processo falimentar ou pela sua notificação da sentença de graduação dos créditos, tendo o ora fiador intervindo nesse apenso apenas como um dos credores reclamantes.

IV- Decisão:
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão impugnada.
Custas pela apelante.

Virgílio Mateus ( Relator )
Carvalho Martins
Carlos Moreira