Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16/10.9PTFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: CONDUÇÃO
Data do Acordão: 02/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 292º CP
Sumário: A condução é um acto complexo, que comporta várias operações para manter o carro em circulação, sendo o primeiro acto a introdução da chave na ignição e é aí que se começa a ter o controlo da máquina, logo seguido do acto de destravar o carro que se encontrava em plano inclinado, dando início a um processo de movimento e dinâmica no trânsito.
Decisão Texto Integral: No processo Abreviado, supra identificado, após a realização audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a acusação pública procedente e consequentemente condenou o arguido JM..., pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo art 292º, nº 1 do CPenal na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 6.00 (seis euros), no montante global de € 300.00 (trezentos euros).
- Condenou, ainda, o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, que na respectiva motivação concluiu:
1- A douta decisão recorrida não está devidamente fundamentada face aos
elementos constantes dos autos, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito; 2 - está o Tribunal da Relação munido de todos os elementos indispensáveis não só para a alteração da factualidade dada como provada, como para a modificação da sentença, porquanto a prova foi gravada (cf artº 428º do CPPenal);
3 - a douta sentença recorrida enferma uma clara injustiça, porquanto nunca o arguido poderia ter sido punido pelo crime de condução sob o estado de embriaguez p. e p. no artigo 292º do CPenal, porquanto nunca o Recorrente conduziu;
4 - o verbo conduzir significa "levar por determinado caminho", "fazer ir ter a determinado lugar", "levar a um local", ou mais concretamente, "controlar um veículo, um meio de transporte ou de locomoção, de modo a fazê-lo mover-se e dirigir-se para o local que se pretende";
5 - Para existir condução tem de se manejar os mecanismos de direcção do veículo de forma a verificar-se uma deslocação de um lugar para outro;
6 - O que no caso em concreto não aconteceu, nem poderia acontecer pois nem o motor do seu veículo motorizado se encontrava ligado;
7 - E jurídico-penalmente irrelevante estar sentado à direcção de um veículo que se encontra imobilizado, ainda que com o motor ligado, ou seja, não é conduzir, uma vez que não existe deslocação;
8 - Não será ainda conduzir se não forem manejados os comandos de direcção do veículo, como no caso em pleito ou no caso de alguém que empurra um veículo avariado para o retirar da faixa de rodagem;
9- Pelo que não existiu, no nosso modesto entender, qualquer espécie de condução, não podendo por isso mesmo o Recorrente ser punido com o Crime de Condução sob o estado de embriaguez, pena de multa, nem com a consequente sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados.

Face ao exposto, deve a douta decisão recorrida ser revogada / alterada com as consequências que daí decorrem.
e só assim se fará JUSTIÇA!

Foi admitido o recurso a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto manifestando-se pela improcedência do recurso defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova se encontra documentada.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:
1. No dia 16 de Maio de 2010, pelas 00h30, no cruzamento ou entroncamento entre a Rua de ... e a Rua do ...o, no ..., área desta comarca, o arguido conduzia o quadriciclo de matrícula …, com uma taxa de álcool no sangue de 1,60 g/l;
2. O arguido quis conduzir o veículo supra referido após ingerir bebidas alcoólicas, bem sabendo que tal facto lhe iria provocar uma TAS superior à permitida por lei e não obstante, não se coibiu de adoptar tal conduta, nas condições de tempo e lugar supra descritas, estando ciente que semelhante conduta é proibida e punida por Lei;
3. O arguido é canalizador de profissão, auferindo o equivalente ao rendimento mínimo nacional;
4. Vive com a esposa, que trabalha, e uma filha maior de idade;
5. Encontra-se a pagar ao banco um empréstimo para aquisição de habitação no valor de cerca de 600,00 € por mês;
6. O arguido estudou até ao 6.° ano;
7. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais;
8. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1. supra, logo que o arguido colocou a chave na ignição e pressionou a manete do travão da mota, mesmo sem sentar em cima do banco da mota, esta deslizou pela rua abaixo com grande velocidade, sendo que a mota não estava engatada;
9. Com a descida e a tentativa de controlar a mota desamparada, o arguido ao guinar o guiador da mota fez com que esta se virasse, sendo que o arguido foi projectado juntamente com ela.
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Não se provaram outros factos relevantes para a discussão da causa para além ou em contradição com os que foram dados como assentes.
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MOTIVAÇÃO
A convicção do tribunal fundou-se no depoimento do arguido que admitiu parcialmente os factos, ao reconhecer desde logo que ingerira bebidas alcoólicas no dia e hora em questão e que se dirigiu ao quadriciclo com a matrícula ..., com o fito de se fazer transportar no I mesmo para sua casa. Explicou a dinâmica dos acontecimentos, tendo relatado que não chegou a rodar a chave da ignição, tendo-se apenas limitado a pressionar a manete do travão de mão do veículo, sendo que como este se encontrava num plano descendente, inclinado e desengatado, o quadriciclo resvalou e deslizou pela rua abaixo com grande velocidade, tendo o arguido tentado controlar o mesmo, o que não conseguiu, culminando na ocorrência de um sinistro de que veio a ser vítima e que lhe causou ferimentos físicos, carecendo de consequente tratamento e internamento hospitalar,
As declarações do arguido foram ainda relevantes para a prova das suas condições sócio-económicas, que neste particular se afiguraram dignas de crédito.
A testemunha CM..., agente da PSP, que foi chamado ao local após a ocorrência, identificou o arguido como sendo a pessoa do condutor da mota e interveniente no acidente de viação, tendo descrito a configuração da via e posição do veículo.
Atendeu-se também ao depoimento das testemunhas PJ... e EM…, presentes no momento dos acontecimentos e que, no essencial, corroboraram a versão dos factos relatada pelo arguido e bem ainda da testemunha FF…, que não tendo assistido aos factos, abonou o comportamento do arguido.
Todos os depoimentos pareceram sinceros e descomprometidos e, nessa medida, credíveis.
O Tribunal ancorou-se também na prova pericial existente nos autos, concretamente com o teor do relatório de exame junto a fls. 4.
Relativamente à ausência de antecedentes criminais, fundou-se no CRC junto aos autos - cfr. fls. 7.
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Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questões a decidir:
- Se foram incorrectamente julgados os factos dados como provados;

Lendo a motivação do recurso concluímos que o recorrente discorda com a forma como na decisão recorrida foi apreciada a prova produzida em julgamento e as conclusões de convicção probatória a que ali se chegou.
De acordo com o disposto no art 412 nº 3 al b) do Código Processo Penal, a matéria de facto impugnada só pode proceder, quando o recorrente tendo por base o raciocínio lógico e racional feito pelo tribunal na decisão recorrida, indica provas que “imponham decisão diversa”.
O recorrente não pode fazer o seu julgamento esquecendo a convicção formada pelo tribunal à luz das regras da experiência comum. Se aquela resulta clara destas, demonstradas no exame crítico das provas que a lei lhe impõe (art 374 nº 2 do Código Processo Penal) o raciocínio feito pelo tribunal não pode ceder perante um qualquer outro raciocínio do recorrente. Exige-o o princípio da livre apreciação da prova (art 127 do referido diploma).
O Tribunal ao decidir teve em consideração todos os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos. Foi no conjunto de todos os elementos que o tribunal fundou a sua convicção.
O que afinal o recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
De acordo com o disposto no art 127 a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta « é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., in "Direito Processual Penal", 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355 do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:
«Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...).Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais ". -In "Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234 .
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J. , ano XXV|II, 20 , página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pelo recorrente.
O Sr juiz na decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando as provas tidas em consideração.
O recorrente com a sua argumentação apenas pretende e com já se referiu extrair dos elementos analisados uma diferente convicção.
O recorrente faz o seu próprio julgamento pretendendo, agora impor o seu próprio raciocínio.
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando o recorrente qualquer fundamento válido que a possa abalar.
O recorrente ao impugnar a matéria de facto esquece os elementos de prova nos quais o tribunal se baseou. É no conjunto de todos esses elementos que se fundamenta a convicção e não, apenas, num ou noutro dos mesmos elementos (Rec nº 2541/2003 do Tribunal da Relação de Coimbra).
Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida em julgamento a questão a decidir é a de saber se a escolha do tribunal está fundamentada. Hoje exige-se que o tribunal indique os fundamentos necessários para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado e como não provado.
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
É o juiz de julgamento que tem em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que nós, neste Tribunal, não temos. O juiz do julgamento tem um contacto vivo e imediato com a todas as partes, ele questiona, ele recolhe todas as impressões e está atento a todos os pormenores.
O juiz perante dois depoimentos contraditórios por qual deve optar? “Esta é uma decisão do juiz do julgamento. “Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade congnitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/05).
Ora, analisando a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada e, de forma exaustiva faz uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e faz um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. O acórdão recorrido indica de forma clara e na medida do que é necessário, as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal.
Sustenta o recorrente que os factos provados não foram correctamente julgados e valorados atento os depoimentos prestados.
O Tribunal ouviu as declarações prestadas pelo arguido e por todas as testemunhas na sua totalidade.
O arguido refere que foi jantar com um amigo e que este depois o deixou junto á moto 4, para ir para casa. Que pôs a chave na moto, que pôs a mão no travão, destravou-se, que a moto estava desengatada, numa descida e que começou a andar, tentou segurá-la deu-lhe uma guinada, mas virou de pernas para o ar,
O arguido sublinha que estava com o pé para subir. Portanto, ainda não estava sentado na mota. Tinha um pé na estrada e um nos apoios laterais (plataforma do lado). Não chegou a sentar-se na mota. Sublinha, também, que não ligou a mota. Ela estava desengatada e que o travão é uma manete que basta tocar.
A testemunha PJ..., refere que deixou o arguido junto à mota 4 e esperou que a sua esposa que ía no banco de trás passasse para a frente. De repente vê o arguido a correr atrás da mota. Esta estava desligada, sublinha que não fazia barulho. Refere que posteriormente foi ele que ligou a mota para ver o seu estado e verificou que estava muito acelerada.
EM… esposa da testemunha PJ…, ía a passar para o banco da frente quando vê o arguido a tentar segurar a moto e logo a cair no chão. Não se recorda se a mota estava ou não ligada.
A testemunha CM…, policia que foi chamado ao local não sabe se a mota estava ou não ligada.
Estes foram os depoimentos prestados e que se encontram e bem nos factos provados, nomeadamente, no ponto 8 e 9:
8. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1. supra, logo que o arguido colocou a chave na ignição e pressionou a manete do travão da mota, mesmo sem sentar em cima do banco da mota, esta deslizou pela rua abaixo com grande velocidade, sendo que a mota não estava engatada;
9. Com a descida e a tentativa de controlar a mota desamparada, o arguido ao guinar o guiador da mota fez com que esta se virasse, sendo que o arguido foi projectado juntamente com ela.
A questão que aqui se levanta é a de saber se a actuação do arguido se enquadra no artº 292º do CPenal, ou seja, se o Tribunal andou bem ao dar como apurado os factos constantes do ponto 1 e 2 que são:
1. No dia 16 de Maio de 2010, pelas 00h30, no cruzamento ou entroncamento entre a Rua de ... e a Rua do ...o, no ..., área desta comarca, o arguido conduzia o quadriciclo de matrícula …, com uma taxa de álcool no sangue de 1,60 g/l;
2. O arguido quis conduzir o veículo supra referido após ingerir bebidas alcoólicas, bem sabendo que tal facto lhe iria provocar uma TAS superior à permitida por lei e não obstante, não se coibiu de adoptar tal conduta, nas condições de tempo e lugar supra descritas, estando ciente que semelhante conduta é proibida e punida por Lei;
O tipo objectivo de ilícito de condução de veículo em estado de embriaguez, abarca a condução de veículo com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2g/l; Para a descrita situação objectiva, exige-se a condução de veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada.
No que respeita ao tipo subjectivo de ilícito, o crime pode ter lugar a título de dolo ou de negligência.
A questão está em decidir se o arguido conduzia ou não a moto 4 pois, no entender do arguido este não estava a conduzir a mota.
Ora, o arguido pretendia ir para casa, pôs a chave na ignição, destravou a mota (sem querer, por descuido e aqui podemos dizer que a actuação do arguido só se processou pelo modo descrito por este estar manifestamente diminuído, na sua capacidade volitiva e de determinação e nos seus movimentos físicos, pelo excesso de álcool que circulava nas suas artéria e vasos sanguíneos, pois se assim não fosse provavelmente teria actuado de outra forma, como sentar-se, ligar a moto 4, engatá-la, ou por a mudança devida e depois destravá-la), que por estar num plano inclinada começou a deslizar.
A condução é, na verdade um acto complexo, que comporta várias operações para manter o carro em circulação. Mas o primeiro acto de condução é, sem dúvida, ao acto de introduzir a chave na ignição é aí que se começa a ter o controlo da máquina, logo seguido do acto de destravar o carro. São todos estes actos que vão levar à condução propriamente dita. O arguido quando se dirigiu ao seu veículo sabia que ía conduzi-lo para se deslocar para casa e, para tal tinha que começar por pôr a chave na ignição, destravá-lo, pôr a mudança e iniciar a marcha. Todo este conjunto de actos fazem parte da condução e não podem ver-se de forma isolada. Por isso e como muito bem vem referido na sentença recorrida, “a circunstância do arguido, porventura, não ter accionado o motor do veículo, nem se ter sentado no banco da mota, não invalida que se considere que o mesmo executou actos próprios do exercício de condução e aptos a permitir a condução do veículo finalidade última da sua conduta. Na verdade, foi o acto voluntário do arguido de colocar a chave na ignição e accionar o mecanismo de destravagem da mota (ainda que auxiliado pelo facto de não estar engatada e se encontrar num plano inclinado, independentemente do motor estar em funcionamento ou não), que fez com que esta avançasse para a via pública, assim dando início a um processo de movimento e dinâmica no trânsito, através do qual o arguido veio a colocar em causa a segurança da circulação rodoviária”.
Assim, bem andou o Tribunal ao dar como provado os factos constantes do ponto 1 e 2.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 uc (artº 513 do CPP e artº 8º nº 5 e tabela III do RCP)


Alice Santos (Relatora)
Belmiro Andrade