Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
428/08.8GBILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: PENA DE PRISÃO SUBSTITUÍDA POR MULTA
MULTA NÃO PAGA
CUMPRIMENTO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 07/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE ÍLHAVO, COMARCA DO BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 43º Nº 3 CP
Sumário: Transitado em julgado o despacho judicial que determinou o cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença, por falta de pagamento da multa aplicada em substituição daquela prisão, não é já possível ao condenado pagar a multa para desse modo evitar a prisão.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I

1. Nos autos de processo comum nº nº428/08.8GBILH do Juízo de Média Instância Criminal de Ílhavo, comarca do Baixo Vouga, foi o arguido

            A... condenado pela prática, em co-autoria material, de um crime de furto simples, na pena de 100 (cem) dias de prisão substituída por 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 5€ (cinco euros), num total de 500€ (quinhentos euros).

            2. Não tendo o arguido pago a multa, o Ministério Público levou a efeito

diligências “com vista a averiguar da viabilidade da cobrança coerciva da pena de multa…” - (fls. 264).

            3. Não tendo sido obtido o pagamento coercivo, veio o MºPº promover

a conversão “da pena de multa não paga, em prisão subsidiária, pelo tempo correspondente, reduzida a 2/3 nos termos do artigo 49º nº 1 do Código Penal”.

            4. Ouvido o arguido, este nada disse.

            5. Não obstante o teor da promoção do MºPº, foi decidido (v. folhas 292) que o arguido cumpriria 100 (cem) dias de prisão “por ser esta a pena aplicada na sentença”.

            6. Este despacho transitou em julgado.

            7. Após a prolação do anterior despacho veio o arguido (folhas 321) requerer a

substituição do pagamento da multa por trabalho a favor da comunidade, requerimento

que foi indeferido por ser considerado extemporâneo (folhas 323).

            8. O despacho de indeferimento transitou em julgado.

            9. Foram, então, emitidos mandados de detenção para cumprimento dos 100 (cem) dias de prisão. Nos mandados fez-se constar a possibilidade de o arguido poder evitar, total ou parcialmente, o cumprimento da pena de prisão pelo pagamento, total ou

parcial, da multa, oportunamente, imposta.

            10. O arguido no momento da detenção pagou a multa e, por isso, foi libertado não tendo, portanto, cumprido os 100 (cem) dias de prisão.

            11. Entretanto o Ministério Público, entendeu não ser aplicável à situação dos autos o disposto no artigo 49º nº 2 do Código Penal devendo, no seu entender, o arguido cumprir os 100 (cem) dias de prisão fixados no despacho de folhas 292 e devolver-se ao arguido a quantia paga, o que promoveu.

            12. A questão foi apreciada por despacho judicial de 6.2.2012, que indeferiu o promovido, nos seguintes termos:

            A questão tem sido abundantemente tratada na jurisprudência e são conhecidas as duas oposições opostas: a defendida por quem entende que, se o condenado não pagar a multa substitutiva da pena de prisão, terá de cumprir a pena de prisão fixada a título principal; e a defendida por quem entende ser possível, a todo o tempo, isto é, mesmo depois de declarado o retorno à primitiva pena de prisão, o cumprimento da pena de multa.

            Da primeira posição são exemplo os doutos acórdãos referidos na douta promoção do Ministério Público; da segunda posição são exemplo os doutos Acórdãos da Relação do Porto de 04.03.2009 e de 12.01.2011.

            É esta última posição minoritária mas, salvo o devido respeito por opinião contrária, os argumentos não são menos válidos que os da posição maioritária.

            Não se impõe, neste momento, repeti-los, são conhecidos.

            O que se impõe é dizer o seguinte: o texto que ficou a constar dos mandados de detenção não resultou de lapso, mas do entendimento de que a multa poderia, efectivamente, ser paga a todo o tempo.

            E este entendimento resulta da constatação de que a lei (artigo 43º nº 2 do Código Penal) não proíbe a aplicação do nº 2 do artigo 49º do Código Penal.

            É certo que prevê expressamente a possibilidade de aplicação do nº 3 do artigo 49º e que nada diz relativamente ao nº 2. Mas nada dizer, não é proibir…

            Acresce que se o arguido tivesse pago parcialmente a multa, o pagamento parcial teria de ser descontado nos dias de prisão (Neste sentido AC STJ de 21-07.2009 (habeas corpus) in www.dgsi.pt); se a pagou totalmente, é… descontada totalmente a pena de prisão.

            É certo ainda que a multa deveria ser paga em 15 (quinze) dias (artigo 489º nº 1 do Código de Processo Penal) e não o foi; mas também é verdade que o artigo 43º do Código Penal diz tão só que “se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão fixada na sentença”, mas não diz o que acontece se a multa for paga. Isto é, a norma prevê apenas as situações de não pagamento. Mas, e se for paga a multa, ainda que tardiamente?

            No caso em apreço a multa foi, tardiamente, mas foi, paga. Bem ou mal, (crê-se que bem), foi autorizado o pagamento, não obstante tardio até porque se tivesse sido possível o pagamento coercivo, o M.P. tê-lo-ia admitido conforme decorre da posição anteriormente adotada nos autos (fls. 264) e esse pagamento assim obtido também não seria tempestivo.

            Pelo exposto indefere-se o requerido pelo Ministério Público a folhas 348.

            13. Não se conformando com o teor deste despacho, dele recorre o Ministério Público, que formula as seguintes conclusões:
       1. Nos presentes autos de processo comum singular o arguido A...
foi condenado em co-autoria da prática de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203. °
do C. Penal na pena de 100 dias de prisão substituída por 100 dias de multa à taxa diária de 5,00 €
num total de 500,00
€.
       2. Não tendo o arguido procedido ao pagamento da multa transitado em julgado, foi revogada a pena de multa de substituição e determinado o cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença com o seguinte teor:
       “O arguido A... foi condenado na pena de 100 dias de multa substituída por 100 dias de multa, que não pagou.
       Não se provou que o não pagamento da multa não lhe é imputável (art. 49.°, n.°3 do
CP).
       Assim nos termos do art. 43º, n.°2 do CP determino que o arguido cumpra 100 dias de prisão, por ser esta a aplicada na sentença.
       Notifique e após trânsito, passe mandados de detenção pata cumprimento da pena imposta”.
       3. Não obstante no referido despacho não se ter feito menção à possibilidade de o arguido ser imediatamente solto caso procedesse ao pagamento da multa, dos mandados de detenção fez-se constar tal possibilidade.
       4. O arguido pagou a multa e foi colocado em liberdade.
       5. Em nosso entender o disposto no art. 49º, n.°2 não é aplicável à situação de pena de multa substitutiva da pena de prisão, pelo que, nesta fase processual e, ao contrário do que entende o tribunal recorrido, consideramos que já não é admissível o pagamento da multa em que o arguido foi condenado.
       6. O acto judicial relevante é a decisão que ordena a passagem dos mandados de detenção. O mandado constitui apenas um modo de executar a decisão, não tendo a virtualidade de alterar o decidido (neste sentido Ac. Relação de Coimbra, datado de 19.01.2011, publicado em
www.dgsi.pt relatado por Jorge Jacob)
       7. Assim sendo, consideramos que a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que:
       a) Ordene a emissão de mandados de detenção para que o arguido cumpra 100 (cem) dias de prisão aplicada na sentença;
       b) Impute para pagamento das custas liquidadas o montante depositado nos autos para pagamento da multa.
       Deve, assim, o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser revogada a douta decisão recorrida substituindo-se por outra que:
       1. Ordene a emissão de mandados de detenção a fim de que o arguido cumpra 100 (cem) dias de prisão;
       2. Impute para pagamento das custas liquidadas a fls. 226 o montante depositado pelo arguido para pagamento da multa e se ordene a devolução do montante remanescente (art. 114.° do CCJ).
      
14. O arguido não respondeu.

            5. Nesta instância, a Exmª Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado provido, citando jurisprudência vária incluindo deste Tribunal da Relação de Coimbra, com este entendimento.  

6. Foram os autos a vistos e realizou-se a conferência.

                                                           II

Tendo por base as conclusões do recorrente, a única questão a apreciar traduz-se em saber se após o despacho judicial, transitado em julgado, em que foi determinado o cumprimento da pena de prisão originária, o arguido podia ainda obstar àquele cumprimento, pagando a respectiva multa ou se, de outro modo, será o art. 49.º n.º 2 do Código Penal também aplicável no caso de pena de multa de substituição?


III        

Apreciando:

1. Assiste razão ao recorrente Ministério Público.

Como resulta quer do despacho recorrido, quer das alegações de recurso quer do parecer da Exmª PGA junto deste Tribunal, existem actualmente, na jurisprudência duas posições de sinal oposto sobre esta mesma questão, sendo certo que a maioria se posiciona no sentido de que, transitado em julgado o despacho judicial que determina o cumprimento da pena inicial de prisão por não pagamento da multa substitutiva daquela, já não é possível o pagamento posterior da multa pondo termo à execução da prisão.

Sobre esta matéria foi por nós proferido, na mesma qualidade de Relator, o ac. do Tribunal da Relação do Porto de 26.1.2011, proferido no proc. nº 914/07.7PTPRT.P1, consultável na base de dados do ITIJ, onde defendemos exactamente aquela posição e por contraposição à defendida num dos acórdãos citados no despacho recorrido, o ac.  do TRP de 04.03.09, publicado in www.dgsi.pt/jtrp, relatado pelo Exmº Juiz Desembargador Melo Lima.

Aí se afirmou, na altura, que esta posição - do ac. do TRP de 04.03.09 -, remava praticamente contra toda a jurisprudência conhecida, quer daquele Tribunal, quer dos Tribunais das Relações de Lisboa e Coimbra.

Foi a propósito desta posição e deste concreto acórdão que então se escreveu:

“2. Anotamos expressamente o respeito que nos merece esta posição, admitindo até a bondade da mesma numa correlação entre “ cumprimento de penas curtas de prisão versus (des)ressocialização do condenado” mas é precisamente em nome da coerência interna do sistema que nós entendemos não ser já possível o pagamento da multa após a prolação do despacho em que se decide o cumprimento, pelo arguido, da pena de prisão inicialmente aplicada, desde que tenha transitado em julgado tal despacho.

Entendemos que deve ser assim, porque estamos exactamente perante duas situações ou duas penas de natureza diferente[1], em que o legislador, com a revisão do CP, em 1995, optou por aplicar regimes jurídicos também diferentes.

2.1. O regime inicial do Código Penal traduzia-se numa equiparação entre as duas situações, ou seja, quer quando a multa resultasse da substituição de uma pena de prisão quer quando resultasse da aplicação directa como pena principal, se não fosse paga, teria lugar a execução patrimonial e caso esta também não fosse possível nem houvesse substituição por dias de trabalho, seria cumprida uma pena de prisão – qualificada de pena alternativa -, que seria a correspondente a dois terços da pena de multa. Era o regime dos artigos 43º, 46º e 47º, do então Código Penal.

No fundo, era esta total equiparação, que motivou a crítica do Prof. Figueiredo Dias, nos seguintes termos[2]:

«… a regulamentação contida no artigo 43º 3 conduz a resultados inadmissíveis, Se o condenado não pagar a multa e não houver lugar a execução, nem a substituição por dias de trabalho, ele vai então cumprir prisão igual a 2/3 dos dias de multa em que foi condenado (art. 46º/3)! Quer dizer: o tribunal fixou a pena de prisão, v.g. em 4 meses, substituiu-a por 120 dias de multa e, como “prémio” do incumprimento culposo da pena de substituição, o condenado acaba por cumprir apenas 3 meses de prisão! Uma tal solução já nada tem a ver com a consideração da prisão como extrema ratio, mas constitui um erro legislativo que acaba por pôr em causa a efectividade político-criminal da própria pena de substituição»
«Pode então perguntar-se em que consistiria, de iure condendo, a solução mais correcta para este problema. É perfeitamente aceitável, v.g. que a multa de substituição possa ser paga em prestações ou com outras facilidades; ou que, uma vez não paga sem culpa, se apliquem
medidas de diversão da prisão – valendo aqui a analogia com a multa principal. Mas já se torna inaceitável que, uma vez não paga culposamente a multa de substituição, se não faça executar imediatamente a pena de prisão fixada na sentença. Por aparentemente contraditória que se antolhe a afirmação seguinte, é sem dúvida esta a solução mais favorável à luta contra a prisão, por ser a que oferece a consistência e a seriedade que se tornam indispensáveis à efectividade de todo o sistema das penas de substituição»[3].

2.2. Com a revisão de 1995, o legislador separou o tratamento jurídico das duas penas nas situações de incumprimento, mantendo um tronco comum quanto à sua similitude mas diferenciando o que deve ser efectivamente considerado diferente.

E assim o legislador, no artigo 44º do Código Penal - situação de substituição da pena de prisão por multa -, consagrou o cumprimento da pena de prisão inicial – no caso de a multa não ser paga, -, sem que esta seja reduzida a dois terços, como acontecia até então.

Por sua vez, enquanto que o regime anterior, ou seja, o artigo 43º, remetia para a aplicação ao não pagamento da multa resultante da substituição de pena de prisão, para os regimes dos artigos 46º e 47º, sem qualquer limitação, o artigo 44º passou a mandar aplicar apenas o disposto no nº 3 do artigo 49º - o equivalente grosso modo, ao anterior nº 4, do artigo 47º - referente às situações de não pagamento da multa não imputáveis ao condenado.

Este regime mantém-se actualmente no artigo 43º, do CP, com a redacção dada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro.

2.3. No que concretamente respeita à possibilidade de a multa ainda poder ser paga já depois de ordenado o cumprimento da pena de prisão inicial, situação objecto do recurso, a resposta passa necessariamente, como já se aflorou, pela apreciação da diferente natureza das penas em questão e o tratamento jurídico que o legislador definiu para cada uma delas.

Como afirma o Prof. Figueiredo Dias in RLJ Ano 125º, fls. 163 a 165, “ a pena de multa de substituição, aqui em consideração, não é a pena de multa principal regulada nos artigos 46º e 47º. Não o é, de um ponto de vista político-criminal, dadas a particular intencionalidade e a específica teleologia que lhe preside: se bem que uma e outra se nutram do mesmo terreno político-criminal - o da reacção geral contra as penas privativas da liberdade no seu conjunto - a multa de substituição é pensada como meio de obstar, até ao limite, à aplicação das penas curtas de prisão e constitui, assim, específico instrumento de domínio da pequena criminalidade, de sorte que esta diversidade é já por si bastante para conferir autonomia à pena de multa de substituição. Mas se as duas penas são diversas do ponto de vista político-criminal, são-no também (e em consequência) do ponto de vista dogmático: a pena de multa é uma pena principal mas a pena de multa agora em exame é uma pena de substituição no seu mais lídimo sentido. Diferença esta donde resultam (ou onde radicam) como de resto se esperaria, consequências político-jurídicas do maior relevo, maxime em termos de medida de cumprimento da pena”.

Diferenças apontadas igualmente no ac. da Relação de Lisboa de 6.10.2009, proferido no processo nº 7634/o4.2TDLSB-A.L1-5, consultável na base de dados do ITIJ, nestes termos:

“Mas não se pode esquecer que a pena principal a que o arguido foi condenado é, efectivamente, uma pena de prisão.

Uma pena de prisão substituída por multa e uma pena de multa convertida em prisão subsidiária, são penas de diferente natureza.

A primeira é privativa de liberdade, a segunda não.

Tal diferença de natureza acarreta muitas diferenças no seu regime de execução”.

2.4. Mas vejamos, no concreto, os dois diferentes regimes para cada uma das ditas penas, quer na parte comum, quer na parte divergente[4]:

Em ambas as situações:

- A multa só é exigível depois do trânsito em julgado da sentença – art. 489º, nº 1, do CPP.

- O prazo de pagamento é de 15 dias – nº 2 do mesmo preceito.

Neste prazo de pagamento, pode o condenado:

- Requerer o pagamento da multa em prestações – artigo 47º, nº 3, do CP e 489º, nº 3, do CPP.

- Requerer a substituição da multa por dias de trabalho – artigos 48º, do CP e 490º, do CPP.

Se a multa não for paga voluntariamente, ainda que em prestações e se não tiver sido substituída/cumprida por dias de trabalho, segue-se a execução patrimonial correspondente ao pagamento coercivo – artigo 491º, do CPP[5].

E pode ainda o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável requerendo, assim, que se suspenda, por esta via e fundamento, a execução da prisão principal - art. 49º nº 3 do Código Penal, aplicável por força do artigo 43º, nº 2, in fine, do mesmo diploma.

2.5. A partir daqui, ou seja, a partir do não pagamento da multa[6], as situações divergem, passam a ter regimes diferentes.

Quanto à pena de multa aplicada como pena principal, o regime continua o mesmo até então, ou seja, o condenado cumpre a pena de prisão subsidiária, correspondente a dois terços da dita pena de multa – artigo 49º, nº 1, do CP.

No entanto, pode o condenado, a todo o tempo, evitar a execução desta pena de prisão subsidiária, pagando no todo ou em parte, a multa aplicada – nº 2, do mesmo artigo 49º.

Quanto à pena de multa aplicada como substitutiva da pena de prisão, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença[7] – artigo 43º, nº 2, do CP.

Mas não pode, contrariamente ao que acontecia, pagar aquela multa a todo o tempo e fazer cessar a execução da pena de prisão. O mesmo é dizer que lhe não é aplicável o regime do artigo 49º, nº 2, do CP.

Na verdade, a remissão do artigo 43º, nº 2, do CP é bem expressa e restrita ao disposto no artigo 49º, nº 3, daquele diploma.

Com certeza que, se o legislador também pretendesse a aplicação do disposto no nº 2, tê-lo-ia dito expressamente.

Não o fez porque com a dita alteração, pretendeu efectivamente distinguir os dois regimes porque de penas de natureza diferente se trata.

Os motivos que justificam que se possa evitar a todo o tempo a execução de uma pena de prisão subsidiária, inexistem na execução da pena de prisão originária, quando esta foi substituída por multa.

Na pena de multa principal, o cumprimento de pena de prisão subsidiária é o último reduto ou a última possibilidade para que o condenado cumpra uma pena. E ao cumpri-la, está a cumprir uma pena de natureza bem diferente da aplicada inicialmente na sentença, sendo mais gravosa (a pena subsidiária de prisão).

As razões que justificam e fundamentam a substituição de uma pena curta de prisão por uma pena de multa, com maior acuidade se fazem sentir quando se chega ao extremo de impor ao condenado uma pena de prisão quando este tinha sido condenado apenas numa pena de multa.

Se quando se aplicou a pena de multa se pretendeu evitar qualquer pena de prisão, essas razões mantêm-se. Daí a faculdade dada ao condenado de fazer cessar a todo o tempo, a pena de prisão, que é apenas subsidiária, pagando a respectiva multa, que no fundo é a pena principal.

Ora, na situação dos autos, passa-se exactamente o contrário. Foi aplicada como pena principal uma pena de prisão. Mas dado tratar-se de uma pena curta de prisão, será sempre de evitar a execução desta, a não ser que razões ponderosas, de necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, o exijam[8].

Daí a opção legislativa da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano – art. 43º, nº 1, do CP -, por pena de multa.

Mas, claro, esta opção e esta substituição da pena de prisão, tem que ter um limite.

Este limite foi definido no próprio texto do artigo 43º, nº 2, ao dizer que o condenado cumpre a pena de prisão inicialmente aplicada se não pagar a multa.

Apesar da primeira opção legislativa ser o não cumprimento da pena de prisão pelo condenado, não é, no entanto, de todo afastada: esta possibilidade renasce em caso de não pagamento da multa.

E compreende-se que assim seja: a aposta, a oportunidade dada ao condenado de se reinserir, de se comportar conforme o direito, de justificar que efectivamente seria um erro cumprir uma pena de prisão, não passa de uma miragem do julgador, de pura fantasia, uma frustração. Quando é certo que o condenado tem ao seu alcance várias possibilidades para obstar à execução da pena de prisão aplicada, já supra discriminadas.

E a irracionalidade e inoportunidade do cumprimento de uma pena de prisão subsidiária a uma pena principal de multa não paga, não se colocam neste caso, em que a pena principal aplicada é mesmo a de prisão.

Por outro lado, se em vez de uma substituição da pena de prisão por uma pena de multa tivesse sido suspensa a execução da própria pena de prisão e se por qualquer motivo esta viesse a ser revogada, é impensável afirmar que, porventura no início do cumprimento ou a meio deste, vir pretender que a execução se suspenda porque entretanto o condenado cumpriu a eventual condição para a suspensão e cujo eventual não cumprimento determinou a revogação da suspensão!

São estes, no essencial, os fundamentos que nos levam a não admitir a aplicação do disposto no artigo 49º, nº 2, do CP ao presente caso.

O que significa que não deveria ter sido admitido o pagamento da multa no tempo e nos termos em que o foi, suspendendo a execução da pena de prisão que entretanto se iniciara na sequência do despacho supra transcrito, já transitado em julgado.

Com já se anotou, o condenado tinha ao seu alcance vários meios para obstar à execução da pena de prisão, incluindo o recurso do despacho que a ordenou. Usou o expediente que, em nosso entender, não é legalmente admissível, na fase em que o faz.

Como se decidiu em ac. do TRLx de 15.3.2007, proferido no processo nº 1564/07-5, consultável em www.dgsi.pt/jtrl, “ a partir do momento em que o tribunal…ordena a execução da prisão directamente imposta, a multa de substituição desaparece, pura e simplesmente. Deixa aquela multa de existir. Não há em simultâneo duas penas - prisão e multa - que o arguido possa cumprir, em alternativa, segundo a sua livre opção””.


IV

1. Os fundamentos supra aduzidos e que correspondem, quase na íntegra, aos já expendidos no supra referido ac. do TRP de 26.1.2011, mantêm-se nos exactos termos e são de aplicar aos presentes autos, pois não existem razões sérias para os alterar ou modificar.

2. Requer também o recorrente Ministério Público que se “impute para pagamento das custas liquidadas a fls. 226 o montante depositado pelo arguido para pagamento da multa e se ordene a devolução do montante remanescente (art. 114.° do CCJ).

Esta não é matéria do despacho recorrido, logo é a mesma insusceptível de apreciação por este Tribunal, como questão nova, que deve ser apreciada, em primeira mão, na primeira instância, nomeadamente na sequência do decidido por este Tribunal de Recurso quanto à concreta questão do cumprimento da pena de prisão pelo arguido.


V

Decisão

Por todo o exposto, decide-se:

            Conceder provimento ao recurso do Ministério Público e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido em que se autoriza ou é entendido que o pagamento da multa pode ocorrer a todo o tempo e, consequentemente, determina-se que pelo tribunal recorrido sejam emitidos novos mandados de detenção para o arguido A... cumprir a pena dos 100 (cem) dias de prisão, descontando-se, todavia, o tempo que o arguido esteve detido com a execução dos primeiros mandados de detenção.

            Não apreciar a questão da imputação, para pagamento das custas liquidadas a fls. 226, o montante depositado pelo arguido para pagamento da multa e devolução do montante remanescente.


           
Sem custas.

Coimbra,

_______________________________________

            (Luís Teixeira)

            ______________________________________

            (Calvário Antunes)


[1] Num caso, a pena de multa é substitutiva de uma pena de prisão, no outro a pena de multa é aplicada como pena principal.
[2] Reproduz-se aqui tal posição, uma vez que não se transcreveu a parte do acórdão em que a mesma estava inserida.
[3] Podendo ver-se mais desenvolvimentos desta posição e estudo da questão em Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, fls. 368 e seguintes e RLJ Ano 125º, fls. 163 a 165 e 201 a 206.

[4] Resultante da conjugação do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, 47º, 48º e 49, do CP e 489º a 491º, do CPP.

[5] Neste aspecto, não vamos tão longe como decidido no ac. da Relação de Lisboa de 6.10.2009, supra citado, em que afirma não ser possível o recurso ao pagamento coercivo da pena de multa substitutiva da pena de prisão, passando-se logo, na falta de pagamento voluntario, ao cumprimento da pena de prisão aplicada.

Diz-se no acórdão:

“ Relativamente à pena de prisão substituída por multa não está previsto o pagamento coercivo da pena de multa substitutiva art.º 43 n.º1 do Código Penal; na situação de pena de multa a obtenção deste pagamento coercivo está previsto art.º 49º n.º1 do Código Penal”.

Entendemos que não pode fazer-se uma interpretação tão restritiva do disposto no artigo 43º, nº 2, do CP.

O preceito apenas diz “ se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença”.

Ora, a multa pode ser paga voluntariamente no prazo legal de 15 dias, pode ser paga em prestações, nos termos e no prazo do artigo nºs 3 e 4 do CP, pode ser substituída por dias de trabalho, nos termos do artigo 48º, do CP e 490º, nº 1, do CPP e pode ser paga coercivamente, se forem conhecidos bens ao condenado, através da execução para o efeito.

São quatro formas diferentes mas todas legais e admissíveis de pagamento da multa.

Logo, não pode, de modo algum, restringir-se ao pagamento voluntário, a referência do artigo 43º, nº 2, do CP.

[6] Ou da sua substituição por dias de trabalho e ainda quando não foi alegado o disposto no artigo 49º, nº 3, do CP.

[7] Foi esta uma das alterações operadas com a revisão de 1995, ao CP e que se mantém, conforme já anotado.

[8] Que correspondem às situações do designado efeito sharp-short-shock – única forma de convencer o agente da gravidade do crime praticado e mesmo de estabilizar as expectativas comunitárias na manutenção da validade da norma infringida – V Figueiredo Dias, RLJ, Ano 125º, fls. 164.