Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
465/11.5TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: VIOLAÇÃO
VIOLÊNCIA
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA: BAIXO VOUGA (JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE AVEIRO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 164.º DO CP
Sumário: I - Relevante para o preenchimento do conceito de violência exigido no tipo de crime de violação do artigo 164.º é a idoneidade dos actos praticados sobre a vítima para cercear a sua liberdade sexual, sendo, consequentemente, decisivo que esses actos, pelo seu modo de execução, denotem ausência de consentimento daquela, em nexo causal com a violência sobre o corpo ou psiquismo da mesma, uma e outra aferidas segundo as condições pessoais e particulares da visada.

II - Comete o crime referido o arguido que, não obstante os pedidos insistentes da vítima para que parasse com as investidas de cariz sexual, conhecedor da sua «condição» - [assaz vulnerável em consequência de uma limitação psico-orgânica, traduzida num défice cognitivo global acentuado (com um QI total de classe muito inferior), portadora de deficiência mental, com uma capacidade muito limitada para actuar finalizadamente, pensar racionalmente e proceder de forma eficaz face ao meio envolvente] -, ignorando-os, se colocou em cima dela, «prendendo-a com o seu corpo», «não permitindo que a mesma se soltasse», puxando-lhe com força, para baixo, as calças e cuecas, assim conseguindo introduzir o pénis erecto na sua vagina, com ela praticando uma relação sexual de cópula completa, mantendo-a cerceada dentro do veículo, sem capacidade para resistir adequadamente, quer por via da superioridade física que apresentava sobre a vítima, quer em consequência da deficiência mental de que esta era portadora, quer ainda em função do isolamento do local [floresta].

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 342/13.5JACBR do Tribunal Judicial da Lousã, mediante acusação pública, foi o arguido A..., melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática, em autoria material, sob a forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo artigo 165.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, agravado nos termos do disposto no artigo 177.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma legal e de dois crimes de coacção agravada tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 154.º, n.ºs 1 e 2 e 155.º, n.º 1, als. a) e b), todos do Código Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual foi comunicada a alteração da qualificação jurídica, por acórdão do Tribunal Colectivo de 12.06.2014 [depositado na mesma data], deliberou o Colectivo [transcrição parcial do dispositivo]:

«Nos termos e com os fundamentos expostos, as juízes que compõem o Tribunal Colectivo, deliberam:

1. Absolver o arguido A... da prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência agravado, previsto e punido pelos artigos 165.º, n.º 2 e 177.º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal.

2. Absolver o arguido A... da prática de dois crimes de coacção agravada, na forma tentada, previstos e puníveis pelos arts. 22.º, 23.º, 154.º e 155.º, n.º 1, als. a) e b) todos do Código Penal.

3. Condenar o arguido A... pela prática de um crime de violação agravada na pena de cinco anos e seis meses de prisão efectiva, nos termos dos arts. 164.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. b) ambos do Código Penal.

4. Condenar o demandado A... a pagar à demandante B... indemnização no valor de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais.

(…)».

3. Inconformados com o assim decidido recorreram arguido [ A...] e assistente [ B...].

4. Por decisão sumária de 22.10.2014, uma vez reconhecida a falta de interesse em agir, foi o recurso interposto pela assistente rejeitado.

5. Rejeição, essa, contra a qual regiu a assistente/recorrente, o que fez nos termos do artigo 417.º, n.ºs 8 e 9 do C.P.P., invocando haver a relatora interpretado incorrectamente o disposto na alínea a), n.º 6, do citado artigo 417º.

6. Notificados os sujeitos processuais interessados nenhum deles se pronunciou relativamente à reclamação.

7. O recorrente A... extraiu da correspondente motivação as seguintes conclusões:

1. Do depoimento prestado pela Ofendida, constante no auto de declarações para memória futura (fls. 352 a 378) ressaltam contradições substanciais:

Fls 360: Juíza: ele tirou a tua roupa?

B...: Tirou as calças e a … as … cuecas.

Fls. 361: B...: depois meteu-se em … passou de um banco para o outro.

Fls 366: Sra Juíza: quando ele tirou a roupa foi à força?

B...: Tirou a roupa assim normal mas eu estive quieta, estive assim com as mãos.

Fls. 370 (a instâncias da Sra. Procuradora) B...: sim depois ele vai agarra e puxa calças.

Procuradora: Com força?

B...: Sim, um bocado com força.

2. Quanto aos depoimentos das testemunhas C..., D..., E..., F..., G... e H..., estas não tem qualquer conhecimento directo dos factos dos quais o Arguido vinha acusado …

3. Assim, o Arguido entende que não há elementos de prova que leve a que se dêem como provados os factos k., l., m., o., dd., pelo que merecem análise e avaliação os elementos probatórios supre referidos, devendo proceder-se, nos termos dos artigos 412º, n.ºs 3 e 4 e 430.º, CPP, à sua renovação, o que se requer.

4. É manifesta e exigida nos autos a aplicação do princípio in dubio pro reo, pois, avaliando-se a prova segundo as regras da experiência e atento o princípio da liberdade de apreciação da prova, revela-se uma dúvida no espírito do Tribunal a quo sobre a existência dos factos dados como provados e aqui postos em crise.

Sem prescindir,

5. Não existe qualquer facto concreto provado que permita extrair a conclusão de que o arguido tivesse praticado os factos os factos k., l., m., o., dd., pelo que tais factos, dados como provados, são mero juízo conclusivo.

6. Existe quanto a estes elementos o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P.

Sem prescindir,

7. O arguido, ora recorrente, entende ainda que a sua conduta, dada como provada, não se subsume no tipo legal de crime p.p. pelo artigo 163.º, n.º 1, do Código Penal, por não preenchimento do elemento objectivo e subjectivo do tipo.

8. A violência tem de considerar-se “ … idónea, segundo as circunstâncias do caso nos termos conhecidos da doutrina da adequação, a vencer a resistência efectiva ou esperada da vítima.”

9. Dos factos provados não é permitido concluir que a força que o argudido fez para tirar as cuecas e as calças, bem como a força que fez ao colocar-se em cima da ofendida visou impedi-la de qualquer resistência.

10. O arguido não agiu com dolo.

Sem prescindir,

11. Os factos praticados, a serem dados como provados, não são de tal forma graves que imponham pena superior ao mínimo legal, nem existe especial carácter intenso do dolo.

12. Pelo que, ao arguido deve ser fixada pena de prisão não superior a 3 anos de prisão, suspensa por igual período, sem necessidade de qualquer regime de prova, pois tal pena afigura-se suficiente para as exigências de prevenção geral e especial do caso em concreto.

13. Foram violadas as seguintes normas: art. 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, art. 14.º, n.º 1 e art.º 164.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1 al. b) do Código Penal, art. 53.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal.

ASSIM, SEM MENOSPREZO PELA DOUTA SENTENÇA DE QUE SE RECORRE E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VV. EXA.S, ESPERA-SE QUE SEJA DECRETADA A ABSOLVIÇÃO DO ARGUIDO, ORA RECORRENTE, A..., DADA A INSUFICIÊNCIA DA PROVA E ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÂO DA MESMA, ORA ALEGADAS, PROCEDENDO-SE À RENOVAÇÃO DA PROVA REQUERIDA, E, DECIDINDO DE HARMONIA COM AS ANTECEDENTES CONCLUSÕES, OU, SE ASSIM NÃO FOR ENTENDIDO, REDUZINDO A PENA APLICADA PARA 3 ANOS DE PRISÃO, SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO POR IGUAL PERÍODO, SEM REGIME DE PROVA, VV. EXA.S FARÃO JUSTIÇA!

8. Por despacho exarado em 22.07.2014 foram os recursos admitidos, fixado o respectivo regime de subida e efeito.

9. Aos recursos interpostos por arguido e assistente respondeu o Ministério Público [o que fez na mesma peça processual, sem que haja formulado conclusões], contrariando toda a argumentação expendida por cada um dos recorrentes, conforme resulta de fls. 796 a 816, concluindo no sentido de deverem os recursos ser julgados totalmente improcedentes e confirmado, na íntegra, o acórdão recorrido.

10. Na Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer junto a fls. 847 a 849 no qual, subscrevendo na íntegra a resposta apresentada pelo Ministério Público em 1.ª instância, se pronunciou no sentido de nenhum dos recursos merecer provimento, devendo ser mantida a decisão recorrida.

11. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do CPP, nenhum dos sujeitos processuais interessados reagiu.

12. Realizado o exame preliminar, ocasião em que foi indeferida a renovação da prova requerida pelo arguido/recorrente, e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto da reclamação apresentada pela assistente/recorrente:

a. Saber se a decisão sumária que, reconhecendo a falta de interesse em agir por parte da assistente, rejeitou o recurso fez uma incorrecta interpretação do artigo 417.º, n.º 6, alínea a), do CPP.

2. Delimitação do objecto do recurso interposto pelo arguido/recorrente A...:

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No caso concreto invoca o recorrente:

- Erro de julgamento;

- Os vícios do artigo 410.º do CPP;

- Violação do princípio in dubio pro reo;

- Errada subsunção dos factos ao direito;

- Violação dos artigos 53.º, n.º 1 e 71.º do C. Penal.

3. A decisão sob reclamação

Ficou a constar da decisão sumária [transcrição parcial]:

« (…)

De acordo com o n.º 3 do artigo 414º do CPP, o despacho de admissão do recurso não vincula o tribunal superior.

No caso em apreço, temos para nós que, por falta de interesse em agir – artigo 401.º, n.º 2 do CPP -, o recurso deverá ser rejeitado.

Com efeito, para além do requisito da legitimidade para recorrer, exige o legislador, ainda, um outro requisito, qual seja o «interesse em agir», condição, esta, que a lei não define, tendo sido deixada à jurisprudência a função, de casuisticamente, avaliar da sua existência.

A propósito escreve Germano Marques da Silva [Curso de Processo Penal», III, Verbo, pág. 326/327]: «No que se refere ao interesse em agir do assistente, a jurisprudência não está ainda inteiramente assente. O acórdão do STJ de 9 de Abril de 1997 decidiu que a sua legitimidade ou ilegitimidade para o recurso deve ser encontrada apreciando, caso a caso, se a sua posição é afectada pela natureza da condenação ou pela espécie da medida da pena aplicada ao arguido. A jurisprudência dominante vai no sentido de que o assistente não tem interesse no que respeita à espécie e quantidade da pena concretamente aplicada.

A intervenção do assistente no processo é a de colaborador da justiça e, por isso, que possa intervir no processo, oferecendo provas e participando na sua discussão, e até acusar independentemente do Ministério Público. A lei, porém, só permite que recorra das decisões que o afectem [art. 69.º, n.º 2, al. c], o que representa uma efectiva limitação, porventura ditada pela preocupação de evitar que o assistente, subvertendo a razão da sua intervenção de colaborador da justiça, use o processo para se desforçar.

As finalidades da punição, que hão-de traduzir-se na espécie e medida da pena, não visam dar satisfação ao ofendido pelo crime, pelo menos não é essa a sua finalidade imediata, e por isso que não possa considerar-se que a pena concretamente aplicada possa afectá-lo …».

Também Manuel Simas Santos e Leal – Henriques, in Noções de Processo Penal, pág. 484 a 489, sobre o «interesse em agir» referem mostrar-se o mesmo centralizado na «necessidade concreta de recorrer à intervenção judicial, à acção ao processo …», porque estão em causa interesses que legitimam o «recurso à arma judiciária».

A respeito da questão da legitimidade do assistente para recorrer da medida da pena imposta ao arguido, acrescentam os Autores que «… durante longo tempo as decisões judiciais se foram repartindo entre o sim e o não, até que, desencadeado recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, o plenário do STJ acabou por se decidir salomonicamente por um não e sim ao mesmo tempo, tirando um acórdão do seguinte teor:

«O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do M.ºP.º, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir».

O que vale por dizer que a legitimidade do assistente para discutir sozinho a pena aplicada ao réu não está desde logo e em absoluto afastada; o que é preciso é que se lhe junte um outro requisito, que é o do interesse em agir no caso concreto, isto é, a justificação pessoal para solicitar a intervenção dos tribunais na causa onde a pena foi aplicada …» [destaques nossos].

A mesma ideia resulta do acórdão do STJ de 18.10.2000 quando, relativamente ao requisito em causa, consigna: «consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelamento de um direito ameaçado que precisa de tutela e só por essa via se logra obtê-la», radicando, portanto, «na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo», configurando-se como uma «posição objectiva perante o processo, que é ajuizada a posteriori».

Ora, no presente caso, o recurso da assistente mostra-se circunscrito à medida da pena aplicada, em 1.ª instância, ao arguido, a qual – aduz - em função das finalidades que presidem às penas, pecaria por defeito, sem que, contudo, em momento algum, cuide de identificar «um concreto e próprio interesse em agir».

Por elucidativo no que a tal concerne, passa-se a transcrever parte do acórdão do STJ de 18.01.2012, proferido no âmbito do processo n.º 1740/10.1JAPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt/jstj, donde se respiga:

«Nos termos do artigo 401.º, n.º 1, alínea f) do CPP, o assistente pode recorrer das decisões contra ele proferidas, que são, para este efeito, «as decisões que o afectam», mesmo que o MºPº o não tenha feito – artigo 69º, nº 2, alínea c) do CPP.

O assistente, sendo imediata ou mediatamente atingido com o crime, adquire o estatuto processual em função de um interesse próprio, individual ou colectivo. Porém, a sua intervenção no processo penal, sendo embora legitimada pela ofensa ao interesse que pretende afirmar, contribui ao mesmo tempo para a realização do interesse público da boa administração da justiça, cabendo-lhe, na defesa do interesse próprio, o direito de submeter à apreciação do tribunal a sua perspectiva sobre a justeza da decisão, substituindo-se ao Ministério Público, se entender que não tomou a posição processual mais adequada, ou complementando a sua actividade, sempre no respeito pelo princípio e pela natureza do carácter público do processo penal.

A circunstância de haver ou não recurso do Ministério Público não condiciona as possibilidades de recurso do assistente. A única exigência da lei como pressuposto do recurso de uma decisão é que seja proferida contra o assistente, isto é, que tenha interesse em agir – n.º 2 do artigo 401º do CPP.

O interesse em agir do assistente, como pressuposto do recurso, significa a necessidade que tenha de usar este meio para reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para os interesses que defende, ou que frustre uma sua expectativa ou interesses legítimos, que significa que só pode recorrer de uma decisão que determine uma desvantagem; não poderá recorrer quem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na correcção da decisão.

A definição do concreto interesse em agir supõe, pois, que se identifique qual o interesse que a assistente pretende realizar no processo, e especificamente em cada fase do processo.

(…)

O assistente tem um interesse próprio e concreto na resposta punitiva que é paralelo ao interesse comunitário na realização da justiça, sendo nessa «coincidência (ainda que apenas relativa e tendencial)» entre o «interesse da comunidade na administração da justiça penal» e o «interesse concreto do assistente em que a justiça penal encontre uma resposta adequada para a ofensa que lhe foi causada» que deve ser encontrado «o fundamento para a possibilidade de recurso autónomo do assistente em matéria penal» (cf. Cláudia Cruz Santos, RPCC, 2008», p. 159 – 160).

Nesta matéria, perante divergências jurisprudenciais, o STJ (Assento de 30 de Outubro de 1997) fixou jurisprudência no sentido de o assistente não ter legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente a espécie e medida da pena, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.

Na interpretação do sentido da jurisprudência fixada, o assistente não fica impedido de recorrer, desacompanhado do MP, no que respeite à espécie e medida concreta da pena; impõe-se-lhe, no entanto, a obrigação ou o ónus processual de demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.

Exemplos de interesse em agir para este efeito têm sido fornecidos pela doutrina e jurisprudência (v.g. questionar-se a medida da pena para obviar à prescrição; decisão desfavorável quanto à matéria da culpa reflectindo-se no pedido cível formulado).

As finalidades da punição, que justificam a espécie e a medida da pena, não visam dar satisfação ao ofendido pelo crime; a determinação da concreta medida da pena não pode, por isso, considerar-se que possa afectar os interesses do assistente.

A medida concreta da pena do arguido de um crime satisfaz um interesse colectivo que compete ao MºPº prosseguir. Não existe um direito pessoal público do assistente a uma certa e concreta punição, como forma de reparação moral, de tal modo que fosse permitido ao assistente exigir determinada medida da pena para a satisfação desse interesse. A punição do arguido está dominada por um interesse público, não podendo competir ao assistente ser o intérprete do interesse colectivo, designadamente se se afastar da posição assumida a esse respeito pelo MºPº; relativamente ao núcleo do jus puniendi do Estado, o assistente não pode, pois, deixar de estar subordinado à posição do MºPº sobre a discussão da medida concreta da pena (cf. v.g. ac. STJ de 7 de Maio de 2009, proc. 579/09).

(…)

A verificação da existência de interesse em agir da assistente, sendo do âmbito de decisão do tribunal na apreciação sobre os pressupostos de recurso, exige, no entanto, que a recorrente enuncie, directa e precisamente, qual o interesse pessoal afectado e qual a vantagem ou a necessidade em utilizar a via do recurso na formulação da pretensão que manifesta.

Não tendo invocado qualquer interesse específico – um «concreto e próprio» interesse ou vantagem – na aplicação de uma pena mais elevada ao arguido, distinto das finalidades públicas da aplicação da pena, não apresenta ao tribunal base suficiente para poder determinar se a decisão, que foi de condenação, foi proferida «contra» a assistente, e se existe «interesse em agir» relevante que possa integrar o pressuposto de admissibilidade do recurso».

Em sentido idêntico pronunciou-se o acórdão do STJ de 07.05.2009 [proc. n.º 09P057], do qual se extracta: «Se a punição do arguido está dominada por um interesse público, não pode competir ao assistente ser ele o intérprete do interesse colectivo, designadamente se conflituar com a posição assumida a esse respeito pelo M.ºP.º. No que contende com o cerne do jus puniendi do Estado, o assistente não pode pois deixar de estar subordinado ao MºPº».

Ora, retomando o caso em apreço a recorrente não invoca qualquer concreto e próprio interesse na alteração da medida concreta da pena, que o MºPº, não interpondo recurso do acórdão condenatório, considerou ajustada na realização das finalidades da punição, ficando-se, antes, pela reafirmação dos princípios subjacentes à aplicação/determinação das penas, reservando-se, assim, tão só, o papel de «intérprete do interesse colectivo», circunstância que determina a rejeição do recurso por falta de demonstração de interesse em agir [cf. artigos 401.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, 414.º, n.º 2 – este último no inciso «quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer»] - e 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPP.

III.

Por todo o exposto, por falta de interesse em agir, rejeita-se o recurso da assistente B....

(…)».

4. O acórdão recorrido

Ficou a constar do acórdão recorrido [transcrição parcial]:

II. Fundamentação de Facto

2.1. Factos Provados

Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:

a) Desde data não concretamente apurada de 2008 e até ao dia 9 de Julho de 2013 o arguido viveu em comunhão de cama, mesa e habitação com D..., em (...), Góis.

b) Do agregado familiar faziam ainda parte três filhos de D..., entre os quais B..., nascida a 8 de Julho de 1994.

c) Era o arguido, com o seu rendimento do trabalho, que provia à satisfação das necessidades da família, porquanto a companheira D... estava desempregada e apenas um dos irmãos de B... tinha conseguido integrar o mercado de trabalho, sem qualquer contribuição relevante para as despesas do agregado.

d) Embora tenha já atingido a idade adulta, B... sofre de um défice cognitivo global acentuado (com um QI total de classe muito inferior), tendo sido seguida, ao longo de vários anos, em consultas de pedopsiquiatria no Hospital Pediátrico de Coimbra e tendo frequentado a Arcil (Associação para a Recuperação de Cidadãos Inadaptados da Lousã).

e) B... apresenta-se assim com uma deficiência mental ligeira, com capacidade muito limitada para actuar finalizadamente, pensar racionalmente e proceder de forma eficaz face ao meio envolvente.

f) Durante os cerca de seis anos em que viveram na mesma habitação B... considerava o arguido como se fosse seu pai, respeitando-o dessa forma e, por seu lado, o arguido tratava-a como filha e tinha pleno conhecimento da referida incapacidade desta.

g) No dia 1 de Julho de 2013 o arguido transportou B... no automóvel de matrícula (...) à Lousã, a fim de esta se dirigir à Instituição “Arcil” (Associação para a Recuperação de Cidadão Inadaptados da Lousã), sita nesta localidade, para uma entrevista de emprego.

h) No regresso a casa, a hora não concretamente apurada, mas após as 18:45, o arguido parou a viatura na Serra da Lousã, junto ao Miradouro da Sra. da Piedade, sito na EN 236, para urinar.

i) Nessa altura o arguido disse a B... que tinha vontade de a apalpar, tendo esta retorquido, com medo do que pudesse acontecer porque se encontrava sozinha em local isolado, para seguirem para casa, para junto da mãe.

j) Entraram então novamente no veículo, tendo o arguido reiniciado a marcha e enquanto conduzia, estando a B... sentada no banco do pendura, o arguido começou a apalpá-la nos seios, nas pernas e na zona da vagina, por cima da roupa, insistindo sempre a ofendida para que ele parasse e fossem para casa.

k) Cerca de 11 kms depois, ainda na Serra da Lousã, próximo do km 24 da EN 236, em local isolado de floresta, o arguido parou a viatura, agarrou B..., tirou-lhe a camisola, começou a lamber-lhe os seios e a meter a mão dentro das suas calças e cuecas, apalpando-a na zona vaginal, o que fez friccionando a vagina com os dedos.

l) Ao mesmo tempo, B... dizia-lhe que não queria que nada acontecesse, pedindo-lhe que parasse.

m) Contudo, apesar do temor que estava a causar na ofendida e dos insistentes pedidos da mesma para que parasse com a sua conduta, o arguido passou para o banco do pendura e colocou-se em cima de B..., prendendo-a com o seu corpo e não permitindo que a mesma se soltasse.

n) Rebaixou as costas do banco e desceu as suas calças e cuecas.

o) Enquanto a ofendida continuava a insistir que parasse, o arguido puxou com força as calças e cuecas de B... para baixo e introduziu o pénis erecto na sua vagina, sem preservativo, com ela praticando uma relação sexual de cópula completa.

p) Nessas circunstâncias, o arguido friccionou várias vezes o pénis no interior da vagina da ofendida, ao mesmo tempo que a chamava de “chata”.

q) Quando estava prestes a ejacular, o arguido retirou o pénis do interior da vagina da ofendida, ejaculado para a sua própria mão e limpando-se de seguida a papel higiénico que o mesmo tinha numa gaveta que existe no meio dos bancos do veículo.

r) Concluído o acto, saiu do veículo pela porta do lado do pendura e atirou para o chão os três pedaços de papel higiénico com que se limpou (os quais vieram a ser recolhidos e sujeitos a exame pericial).

s) Quando regressou ao veículo o arguido entregou €.10,00 à ofendida e disse-lhe palavras não concretamente apuradas, para além de lhe ter pedido segredo sobre o sucedido, tendo abandonado o local em direcção à residência de ambos. Chegados a casa, o arguido reforçou a ordem que lhe tinha dado e voltou a dizer a B... palavras não concretamente apuradas, para além de mais uma vez lhe pedir segredo sobre o que acontecera.

t) A ofendida manteve-se em silêncio durante alguns dias porque tinha receio do arguido e da reacção da mãe quando soubesse do sucedido.

u) No entanto, a sua instabilidade emocional, com perturbações do sono e o receio de que o arguido voltasse a adoptar comportamentos semelhantes, levou a que relatasse os factos no dia 9 de Julho, na sequência do que D..., sua mãe, ordenou que o arguido se ausentasse da habitação, o que este fez.

v) Tal como havia sucedido anteriormente, em que o arguido, após a prática dos factos, tentou eximir-se de qualquer responsabilidade, dizendo à ofendida para nada contar do sucedido, também depois de se encontrar em prisão preventiva procedeu de forma idêntica, com vista a que esta alterasse o seu depoimento e negasse os factos acima descritos.

w) Com efeito, com esse propósito, o arguido decidiu telefonar, através dos números (...) e (...), do posto público do Estabelecimento Prisional Regional de Leiria, onde se encontrava, para o n.º (...), da residência da ofendida, nos seguintes dias:

- No dia 20 de Outubro de 2013, pelas 9:01 e pelas 17:09;

- No dia 21 de Outubro de 2013, pelas 17:21;

- No dia 23 de Outubro de 2013, pelas 8:58 e 17:35;

- No dia 28 de Outubro de 2013, pelas 9:07.

x) Em todas essas ocasiões e em especial no último dia, em que B... se deslocou ao Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra para prestar declarações para memória futura, como era do seu conhecimento, o arguido fez questão de falar com ela e insistiu para que a mesma negasse os factos, dizendo-lhe que se assim actuasse nada de mal lhe iria acontecer.

y) O arguido actuou nos termos supra descritos quanto aos actos de natureza sexual, valendo-se da sua superioridade física, do temor que estava a causar na ofendida, do facto de a manter cerceada dentro do veículo, sem capacidade física para sair debaixo de si e resistir ao acto, da debilidade mental de que esta padecia e da circunstância de se encontrar em local isolado, sem casas ou transeuntes.

z) Não ignorou igualmente o arguido a especial relação familiar que existia e a situação de dependência económica em que a ofendida vivia, que lhe geravam um especial sentimento de respeito e submissão perante o mesmo.

aa) O arguido praticou estes actos bem sabendo que a ofendida padecia de um atraso mental que a limitava na sua capacidade de resistir adequadamente à prática de actos desta natureza e que se encontrava limitada na sua capacidade, quer física, quer mental, para reagir determinadamente contra o acto sexual a que a estava a ser submetida.

bb) Com efeito, a referida condição psico-orgânica da ofendida compromete-lhe a inteligência e a vontade para perceber, em toda a sua extensão, a natureza e o alcance de actos de natureza sexual em que possa estar envolvida, o que a limita na sua capacidade de se autodeterminar sexualmente e de formar e exprimir a sua vontade no sentido da resistência ao acto sexual.

cc) Não obstante disso ter conhecimento, e apesar dos pedidos que foram sendo efectuados pela ofendida, o arguido, conjugando o supra referido com a força física, o temor causado e a situação de especial vulnerabilidade e dependência económica e familiar em que se encontrava a vítima, quis e conseguiu manter relações sexuais de cópula com a ofendida, com o intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos.

dd) O arguido actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como ilícito criminal.

Das condições pessoais do arguido

ee) A... nasceu na localidade de (...), no seio de uma família humilde de modestos recursos socioeconómicos, sendo o filho mais velho de uma fratria de sete. O pai trabalhava como empregado numa fábrica de resina e a mãe, para além das lides domésticas, dedicava-se a tarefas relacionadas com a agricultura.

ff) O processo de desenvolvimento do arguido decorreu, sempre naquela zona geográfica ( (...)), num ambiente familiar normativo sem registo de comportamentos desadequados.

Iniciou a escolaridade em idade própria, concluindo o 4.º ano. Por condicionalismos económicos terá abandonando os estudos e iniciado o seu percurso profissional.

gg) Com cerca de 12 anos começou a trabalhar como faxina no corte de lenhas para a empresa “Caetano Alves e Filhos Lda”, principal actividade que foi desenvolvendo, embora durante um período da sua vida (após constituir o seu próprio agregado familiar) se tenha deslocado para outras zonas do país (Montijo e Caldas da Rainha), à procura de melhores condições de vida, onde trabalhou na área da construção civil. Após regressar ao meio sócio residencial de origem voltou a trabalhar para a anterior entidade patronal, agora numa serração localizada na sua terra natal.

hh) Com 19 anos o arguido iniciou uma relação afectiva da qual nasceram dois filhos, actualmente com 26 e 27 anos. Viveu durante alguns anos em união de facto, após o nascimento dos filhos, o casal decidiu contrair matrimónio. No entanto, devido a vários problemas no decurso da conjugalidade, acabou por se divorciar.

ii) Alguns anos mais tarde inicia um novo relacionamento com a mãe da vítima nos presentes autos e funcionária da empresa onde ambos se encontravam a laborar. Aquele, pouco tempo após o início da relação, passou a integrar o agregado familiar daquela, constituído pelo casal os três filhos da companheira.

jj) O relacionamento entre os vários elementos do agregado, até ao surgimento do presente processo era considerado estável e equilibrado.

kk) Apesar de no passado haver conhecimento do consumo algo imoderado de bebidas alcoólicas, presentemente mostra-se abstinente.

ll) A... encontra-se no âmbito do presente processo judicial, desde 19.12.2013, sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.

mm) A execução desta medida de coacção, apesar de no início ter decorrido na residência de uma irmã, em (...), actualmente, tem vindo a decorrer na residência do agregado da sua filha, localizado numa pequena aldeia do concelho de (...). O relacionamento entre os vários coabitantes (arguido, filha, genro e neta de 3 anos de idade) é considerado estável e com sentimentos de entreajuda.

nn) No meio sócio-residencial onde se processou todo o seu desenvolvimento (Derreada Cimeira), A... é visto como um indivíduo portador de conduta recatada, sendo-lhe reconhecidas competências pessoais, sociais e profissionais e por essas razões foi com sentimentos de surpresa e admiração que a generalidade das pessoas do meio reagiu ao conhecimento dos factos que lhe são imputados. No entanto, apesar do posicionamento crítico dos concidadãos, não se verificaram sentimentos de animosidade ou rejeição.

oo) Por outro lado, na localidade ( (...)) onde o arguido coabitava com a vítima, dois irmãos e mãe, foi possível verificar um forte sentimento de censura do seu comportamento, bem como de rejeição à sua presença/regresso no meio.

pp) A sua companheira (mãe da vitima), mostra-se tolerante e receptiva, ponderando inclusive a possibilidade de voltar a residir com o arguido.

qq) O arguido é descrito como um bom trabalhador, revelador de sentido de responsabilidade, competente e empenhado, verificando-se inclusive, por parte do responsável pela empresa, disponibilidade em o readmitir.

rr) Economicamente, atendendo à sua actual situação de inactividade profissional, para além do apoio da filha e genro, o arguido subsiste através de algumas poupanças e também com o dinheiro proveniente do pagamento do seguro de um acidente em trabalho, encontrando-se asseguradas a satisfação das necessidades básicas.

ss) O arguido vivencia com expectativa e preocupação o desfecho desta situação jurídica. Embora mostre dificuldades em referir-se aos factos que estiveram na origem do presente processo e revele fraca interiorização do desvalor da sua conduta, exterioriza inconformismo por não concordar com os termos em que os mesmos lhe são imputados.

tt) No processo comum singular n.º 72/01.0GACDV do Tribunal Judicial do Cadaval, por sentença datada de 12.11.2002, transitada em julgado em 02.06.2004, o arguido foi condenado pela prática, em 22.01.2001, de um crime de maus tratos a cônjuge ou análogo, nos termos do art. 12.ºd O Código Penal, na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução por 28 meses, sujeita à condição de efectuar contribuição de €.500,00 a favor de instituição. Suspensão essa que veio a ser revogada, tendo o arguido prisão efectiva, sendo que por decisão de 03.07.2007, foi concedida a liberdade definitiva reportada a 02.05.2007.

uu) No processo comum singular n.º 192/01.1GAPMS do Tribunal Judicial de Porto de Mós, por sentença datada de 04.04.2003, transitada em julgado em 28.04.2003, o arguido foi condenado pela prática, em 26.01.2001, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 130 dias de multa à taxa diária de €.4,00, pena essa que foi declarada extinta pelo pagamento por despacho proferido em 12.02.2009.

vv) No processo comum singular n.º 66/11.8GAFVN do Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, por sentença datada de 14.077.2011, transitada em julgado em 29.09.2011, o arguido foi condenado pela prática, em 10.07.2011, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €.6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 meses. Ambas as penas foram declaradas extintas, respectivamente, por despachos de 09.12.2011 e 08.11.2011.

ww) Depois de descobertos os factos, o arguido declarou à progenitora da ofendida que pretendia fazer um acordo.

xx) O comportamento do arguido causou na ofendida revolta, vergonha, e humilhação, levando-a a sentir-se triste e desgostosa.

yy) A ofendida sentiu nojo do seu próprio corpo.

zz) A ofendida em consequência dos factos passou por períodos de depressão e angústia e sente profundo nervosismo e inquietação.

aaa) A ofendida passou várias noites sem dormir, com pesadelos por causa dos factos.

bbb) A ofendida vive actualmente na residência de estudantes em Góis, e vive em completo desassossego.

ccc) O sucedido foi comentado na área da residência da ofendida, o que também leva a ofendida a sentir vergonha.

2.2. Factos Não Provados

Da prova produzida em audiência de julgamento não resultou provado que:

1) Após o sucedido em i), o arguido pediu à ofendida segredo sobre a conversa que acabara de ter com ela, porque senão lhe estragaria a vida, dizendo mesmo que lhe dava dinheiro para que ela se calasse, sendo que B... apenas insistia que queria ir para casa.

2) Aquando do descrito em o), o arguido perguntou-lhe «então mas não fizeste já com o teu namorado?», ao que esta respondeu que sim, mas que era seu namorado, tendo o arguido retorquido «e eu sou o teu padrasto!».

3) Nas circunstâncias referidas em p) o arguido falava com voz ameaçadora e semblante agressivo.

4) Nas circunstâncias referidas em s), o arguido disse à ofendida no local «olha que é a tua vida que está em risco» e já em casa disse «não te esqueças daquilo que eu disse é a tua vida que está em risco».

5) O arguido actuou como descrito no dia 1 de Julho quando terminou o acto sexual e chegou a casa e nos dias 10, 20, 21, 23 e 28, sempre falando em tom sério e intimidatório, com o firme propósito de constranger a visada a ceder aos seus propósitos, devido ao temor de ver concretizado o mal anunciado, no primeiro caso para não relatar os factos ocorridos nesse dia e nos demais, porque já os tinha relatado, para negar os mesmos.

6) Actuou, em ambas as situações, com o propósito de se eximir de qualquer responsabilidade, desde logo criminal, atemorizando a ofendida, bem sabendo que a sua conduta era idónea a alcançar tal resultado e que com isso limitava a sua liberdade de determinação pessoal e a sua autonomia. Não obstante, o arguido não conseguiu alcançar plenamente estes objectivos, pois a ofendida, apesar do receio, não cedeu a tais desígnios.

7) Com os telefonemas do arguido, a ofendida temeu pela própria vida.

8) O arguido actuou com premeditação.

9) A ofendida não conseguia olhar-se ao espelho.

10) A ofendida chegou a verbalizar o desejo de não continuar a viver.

11) A conduta do arguido provocou um retrocesso no estado psíquico da ofendida.

12) A ofendida viu-se forçada a evitar ficar sozinha em casa com o arguido e evita frequentar lugares pouco movimentados.

O demais alegado constitui matéria de negação, conclusiva ou irrelevante para a decisão da causa ou constitui matéria de direito.

2.3. Motivação de Facto

O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, analisando-a global e criticamente, segundo as regras da experiência comum e segundo a livre convicção do julgador, nos termos do art. 127.º do Código de Processo Penal. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observar as regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação critérios objectivos genericamente susceptíveis de motivação e controlo (AC. TC n.º 1165/96, de 19.11, BMJ, 461, 93).

A convicção deve ser racional, objectivável e motivável.

O arguido não prestou declarações e exerceu o seu direito ao silêncio, nos termos do art. 61.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Penal.

Assim, o Tribunal valorou os depoimentos das testemunhas C... (pessoa/amiga a quem a ofendida em primeiro lugar contou o sucedido), D... (mãe da ofendida e companheira do arguido à data dos factos), E... (técnica que acompanhou o agregado), F... (inspectora da PJ), G... (técnico social que acompanhou a menor) e H... (companheiro da tia da menor), em conjugação com a prova documental dos autos, concretamente: o relato de diligência externa de fls. 41 e ss., sendo que a fls. 43 a 51 está fotografado o veículo onde ocorreram os factos e a fls. 52 a 60 estão fotografias do carro da PJ no local onde alegadamente se deram os factos e do papel higiénico encontrado no chão junto ao local, bem como do miradouro da Nossa Senhora da Piedade; o relatório de exame ao telemóvel do arguido de fls. 75 a 85; a impressão do Google Earth de fls. 138; o assento de nascimento da ofendida B... de fls. 283 a 285; o relatório social de acompanhamento da jovem B... de fls. 333 a 339; a informação da PT sobre o registo das comunicações recebidas em casa da ofendida e da mãe de fls. 442 e 443; o certificado do registo criminal de fls. 638 a 644 e o relatório social do arguido de fls. 656 a 660. Foram ainda valoradas as declarações para memória futura da vítima B..., conforme auto de fls. 304 e transcrição de fls. 352 a 378, as quais foram valoradas ao abrigo do disposto nos arts. 271.º e 127.º do Código de Processo Penal.

Como prova pericial, foram considerados o relatório de perícia de natureza sexual em direito penal de fls. 159 a 161, o relatório pericial de criminalística biológica de fls. 318 a 320 e o relatório de perícia médico-legal psiquiátrico e avaliação psicológica de fls. 396 a 402.

O tribunal considerou os factos referidos em a) a c) e f) provados com base nos depoimentos de C..., D..., E..., G... e H....

Essencialmente atendeu-se ao depoimento de D..., por ser a mãe da ofendida e companheira da vítima, ainda que a mesma nem sempre tenha apresentado um discurso coerente, mas que nesta parte descreveu o relacionamento existente entre os membros do agregado familiar, cuja composição também explicou, bem como o período temporal que viveu com o arguido, e a dependência económica existente. Acresce que este depoimento foi depois corroborado pelos depoimentos isentos e credíveis das outras testemunhas, que também conheciam o agregado, em função da relação de amizade ( C...), das funções de técnicos que acompanharam o agregado ( E... e I...) e de parentesco (companheiro da tia da ofendida). Nesta parte, havendo coincidência entre todos estes depoimentos, o tribunal deu os factos como provados.

Relevaram-se ainda as declarações para memória futura da ofendida que identificou o arguido como padrasto.

Os factos dados como provados em d) e e) resultaram do relatório da perícia médico legal – avaliação psicológica – de fls. 400 a 402, avaliado nos termos do disposto no art. 163.º do Código de Processo Penal, sendo que relativamente ao acompanhamento na ARCIL resultou da prova testemunhal produzida, nomeadamente dos depoimentos de C..., D..., E... e G..., bem como do relatório social de fls. 333 a 339, estes avaliados segundo as regras da lógica e da experiência comuns.

Os factos referidos em g) a u) e 1) a 4) foram dados como provados e não provados, tendo por base, essencialmente, as declarações para memória futura da ofendida, uma vez que o arguido se remeteu ao silêncio e porque aquelas declarações nos mereceram credibilidade, tal como se explicará infra, pois foram corroboradas pelos demais meios de prova juntos aos autos.

Como na generalidade das situações similares à vertente nos autos, não existem, para além dos próprios intervenientes, testemunhos directos dos factos alegadamente ocorridos, pelo que a apreciação das declarações da vítima e do arguido (quando as haja) deve merecer um especial rigor e cuidado e, sempre que possível, devem ser concatenadas com outros meios de prova, ainda que indirectos, que permitam aferir da credibilidade de cada um dos depoentes.

E neste conspecto, as declarações da ofendida foram relacionadas com os demais meios de prova produzidos, nomeadamente os depoimentos de C... e D..., com o relato de diligência externa, as fotografias do local e da viatura, o exame do telemóvel do arguido e o relatório pericial de criminalística biológica de fls. 318 a 320.

O enquadramento espácio-temporal dos factos decorre das declarações da ofendida, bem como do relato de diligência externa, das fotografias do local e da viatura e do relatório pericial de criminalística biológica de fls. 318 a 320, de onde resulta que nos pedaços de papel higiénico recolhidos sob os n.ºs 1 e 2, há uma mancha com presença de um perfil genético individual masculino coincidente com o perfil do arguido, e que nos pedaços de papel higiénico n.ºs 1 e 3 há uma mancha com presença de um perfil genético de mistura feminino e masculino, compatível com os perfis da ofendida e do arguido. Acresce que a ofendida confirmou ter demorado cerca de 10 dias a contar à amiga C... e que os factos se passaram a uma segunda-feira, tal como resultou dos depoimentos da dita amiga e de D..., bem como porque a queixa foi apresentada em 11.07.2013. Ora, conjugando todos os citados meios de prova à luz das regras da lógica e da experiência comuns, conclui-se com segurança que os factos ocorreram a 01.07.2013 (segunda-feira) no local indicado pela ofendida e arguido (conforme explicou a inspectora da PJ F...) e onde foram recolhidos os três pedaços de papel higiénico.

Quanto à forma como se desenrolaram os factos, o tribunal atendeu exclusivamente às declarações da ofendida, que depôs de forma coerente, clara e espontânea (as respostas não são respostas forçadas de sim e não…, mas antes a própria explicou pelas suas próprias palavras o sucedido), ao que acresce que o relato que a ofendida fez em declarações para memória futura é coincidente com a descrição dos factos que fez aquando da queixa (conforme auto de ocorrência de fls. 5 e ss.), havendo uma dilação temporal entre uma e outra situação de três meses. Atendeu-se ainda aos depoimentos de C..., D..., E... e G..., que de forma unânime, disseram que a ofendida, atendendo ao seu deficit cognitivo e atraso no desenvolvimento, não tinha capacidade para inventar tal história.

Note-se que foi dado como não provado que o arguido dissesse à ofendida «olha que é a tua vida que está em risco» (ou expressão semelhante), pois o que resultou das declarações de C... e D..., é que a ofendida relatou que o arguido disse que a vida dele é que estava em risco. Por outro lado, lidas as declarações para memória futura, verifica-se que a ofendida diz repetidas vezes a expressão “era a minha vida que estava em risco” (vide fls. 363 – duas vezes, 364 – duas vezes, 367). Todavia, atendendo ao depoimento das referidas testemunhas que afirmaram, ambas, peremptoriamente, que a ofendida disse que o arguido dizia que era a vida dele que estava em risco e, uma vez que, nas declarações para memória futura, a ofendida usa sempre a mesma expressão, não é possível concluir com segurança qual das expressões foi proferida pelo arguido, se era a vida dele ou a vida dela que estava em risco. De relevar ainda que a ofendida diz que nunca foi ameaçada (fls. 363/364). Desta forma, e na ausência de prova segura sobre tal circunstancialismo, o tribunal deu tal facto como não provado.

No mais, os factos dados como provados resultam tal qual das declarações para memória futura, ainda que os factos não tenham sido narrados de forma totalmente sequencial (o que é normal), mas que lidas de forma integral, permitem ao tribunal dar como provados os factos no exacto sentido do apurado. A ofendida relata-os dessa forma, ainda que depois, com esclarecimentos, concretize determinados detalhes ocorridos em momentos anteriores.

Quanto ao facto de ter havido uma primeira paragem – local onde o arguido vai urinar – e uma segunda paragem onde ocorrem os factos, resulta das declarações da vítima (num primeiro momento até tira fotografias…) e num segundo momento nem sai do carro (dizendo depois…parou o carro…), de onde se conclui pela existência dos dois momentos. Daqui não se provou, que no primeiro momento tenha ocorrido a conversa dada como não provada em 1), uma vez que a arguida não a relatou nas declarações para memória futura.

No que respeita ao facto provado em k), a ofendida no relato inicial não refere que o arguido a apalpou. Contudo, mais à frente (fls. 365/366) a ofendida já relata tal facto, e como tal foi o mesmo dado como provado.

Já relativamente aos factos provados em m) e o), e à força utilizada pelo arguido, bem como à inabilidade da vítima de se libertar e impedir os factos, o tribunal atendeu às declarações da própria ofendida, em conjugação com o relatório de avaliação psicológica, os depoimentos de C..., D..., E..., G... e F..., bem como às fotografias da inspecção ao local. Note-se que a ofendida possui uma capacidade muito limitada para actuar finalizadamente, pensar racionalmente e proceder de forma eficaz face ao meio envolvente, e para mais, aquando dos factos encontrava-se num local ermo, sem povoações próximas e sem transeuntes, situado na serra da Lousã, a que acresce a força exercida pelo arguido e o seu posicionamento, bem como à sua posição de padrasto. Do seu discurso, nas declarações para memória futura, decorre de forma evidente, a sua limitação, pois a mesma limita-se a afirmar que não estava à espera do que aconteceu e que ficou assustada, que ficou branca e pálida, quieta e agarrada ao banco, que nem pensou em fugir, mas que houve essa possibilidade, só que tinha medo de ficar ali na serra sem ninguém passar. Ora, conjugando todos os referidos meios de prova à luz das regras da lógica e da experiência comuns, temos de concluir no exacto sentido em que os factos foram dados como provados.

O facto dado como não provado em 2), decorre da circunstância de a ofendida não ter relatado a conversa nesses exactos termos (não refere que o arguido tenha dito e eu sou teu padrasto), ao que acresce que atendendo ao momento em que a conversa é referida nas declarações para memória futura, não nos permite saber, com segurança, em que momento é que a mesma ocorreu, e como tal foi tal facto dado como não provado.

Os demais factos provados até u) resultaram das declarações da ofendida e o facto dado como não provado em 3) decorre da ausência de qualquer prova do mesmo, pois a ofendida relata que o arguido a chamou de chata, mas não confirmou que o fizesse com semblante agressivo e voz ameaçadora.

Quanto aos factos dados como provados em v) a x), o tribunal valorou as declarações da ofendida, em conjugação com o depoimento de D..., a informação da PT de fls. 442 e 443, bem como auto de declarações para memoria futura e respectiva data conforme fls. 304 dos autos. O documento e o depoimento de D... confirmam a existência dos telefonemas, e a ofendida relatou o teor das conversações no que não foram infirmadas por qualquer outro meio de prova.

No que concerne à (in)capacidade da ofendida para entender e avaliar a natureza das consequências e o alcance de actos de natureza sexual e para se autodeterminar sexualmente, formar e exprimir a sua vontade no sentido da resistência ao acto sexual, o tribunal valorou conjuntamente o relatório de perícia psiquiátrica de fls. 397 a 399, bem como as declarações da própria ofendida, às luz das regras da lógica e da experiência comuns.

O relatório de perícia psiquiátrica enquadra-se no âmbito da prova pericial, por regra subtraída à livre apreciação do julgador (art. 163.º, n.º 1 do Código de Processo Penal); porém, sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência (n.º 2 do citado preceito). «A presunção que o art. 163.º, n.º 1 consagra não é uma verdadeira presunção, no sentido de ilação, o que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido; o que a lei verdadeiramente dispõe é que salvo com fundamento numa crítica material da mesma natureza, isto é, científica, técnica ou artística, o relatório pericial se impõe ao julgador. Não é necessária uma contraprova, basta a valoração diversa dos argumentos invocados pelos peritos e que são fundamento do juízo pericial» (vide Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 1999, vol. II, pág. 178).

Na jurisprudência acolheram-se estas soluções, de que são exemplos, entre muitos outros, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: acórdão de 01.10.2008, relatado por Raul Borges, no proc. 08P203; acórdão de 15.10.2008, relatado por Pires da Graça, no proc. 08P2864; e acórdãos de 11.07.2007, relatado por Armindo Monteiro, no proc. 07P1416; de 11.01.2011, relatado por Armindo Monteiro, no proc. 549/08.7PVLSB.S1, todos publicados in www.dgsi.pt e nos quais são citadas muitas outras decisões dos Tribunais Superiores.

No acórdão de 11.07.2007, supra identificado, escreve-se que «O art. 163.º do CPP fixa o valor da prova pericial, estabelecendo uma presunção juris tantum de validade do parecer técnico do perito, que obriga o julgador, ou seja, a conclusão a que chegar o perito só pode ser desprezada se o julgador, para poder rebatê-la, dispuser também de argumentos científicos (n.º 2 do art. 163.º do CPP). A prova pericial é valorada pelo julgador a três níveis: quanto à sua validade (respeitante à sua regularidade formal), quanto à matéria de facto em que se baseia a conclusão e quanto à própria conclusão. No que respeita à matéria de facto em que se baseia a conclusão pericial, é lícito ao julgador divergir dela, sem que haja necessidade de fundamentação científica, dado que não foi posto em causa o juízo de carácter técnico-científico expendido pelos peritos, aos quais escapa o poder de fixação daquela matéria. Quando os peritos não conseguirem alcançar um parecer livre de dúvidas, quando nas conclusões do relatório pericial se conclui por um juízo de mera probabilidade ou opinativo, incumbe ao tribunal tomar posição, julgar e remover, se for caso disso, a dúvida, fixando os necessários factos.»

E escreveu-se no Ac. de 11.01.2011 também identificado que «O juízo de valor científico resultante de perícia integra prova vinculada; a esse juízo de valor científico, nos termos do art. 163.º, n.º 2, do CPP, o juiz só pode dissentir opondo um juízo, contrário ou divergente, igualmente científico; o juiz tem que jogar, então, no mesmo plano e no mesmo campo do perito. Terá que deixar claro as razões do porquê do seu afastamento do perito, sem que lhe seja conforme à lei argumentar com razões de ciência pessoal, como conhecedor enciclopédico, que não é.».

Ora, na situação em apreço se é certo que o tribunal valorou o relatório pericial e o juízo pericial que do mesmo decorre na sua grande maioria, a verdade é que o mesmo não foi atendido na parte em que consta que o atraso mental de que a ofendida padece a impede «totalmente de exprimir a sua vontade no sentido da resistência ao acto sexual».

E passamos a explicar porquê.

Das declarações para memória futura da menor resulta que a mesma disse que:

- «…eu dizia que queria-me ir embora» – fls. 359

- Na sequência da questão ele disse que tinha uma vontade de quê? «de me apalpar toda, de fazer coisas comigo e eu disse que não, que queria ir ter com a minha mãe, que a minha mãe andava…»– fls. 359

- «…eu …fiquei pálida, branca, quase que ia-me dando uma coisa, muito branca, muito pálida, depois ele começou-me a apalpar, a meter a mão a apalpar e tudo o mais e eu dizia que não queria, que não queria.» - fls. 360

- «depois começou a dizer para eu estar…para tirar a roupa, eu disse que não, que não e meti assim as mãos …» - fls. 360

- À questão tu disseste-lhe várias vezes para ele parar, que querias ir para casa? Respondeu «sim» e ele nada? «nada» - fls. 365

- A Juiz perguntou ele também alguma vez falou lá no teu namorado; disse-te alguma coisa…?, ao que respondeu «perguntou se eu tinha feito com o meu namorado …e eu respondi que sim» - fls. 366 - quando conta como relatou os factos à amiga diz «disse…que ele tinha-me coisado, violado …» - fls. 373

Assim, a ofendida padecia de um atraso mental que a limitava na sua capacidade de resistir adequadamente à prática de actos de natureza sexual e encontrava-se limitada na sua capacidade, quer física, quer mental para reagir determinadamente contra o acto sexual, ao que acresce que a sua condição psico-orgânica compromete a inteligência e a vontade para perceber, em toda a sua extensão, a natureza e o alcance de actos de natureza sexual em que possa estar envolvida, mas o certo é que a ofendida não estava totalmente incapacitada de se autodeterminar sexualmente e de formar e exprimir a sua vontade no sentido da resistência ao acto sexual. A ofendida estava apenas limitada nessa sua capacidade de se autodeterminar sexualmente e de formar e exprimir a sua vontade no sentido da resistência ao acto sexual.

Com efeito, como resulta das declarações da própria ela percebe o sentido dos actos de natureza sexual (ainda que não os perceba na sua plenitude/na íntegra) e de se exprimir no sentido de que não quer que os mesmos aconteçam. A própria ofendida já tinha tido relações sexuais com o seu namorado e recusou-se a tê-las com o arguido seu padrasto. Ou seja, o atraso mental de que a ofendida padece desde a infância de forma permanente, limita-a na sua capacidade de formar e exprimir a sua resistência ao acto, mas não a impede totalmente de formar e exprimir resistência, pois das suas declarações supra transcritas resulta de forma patente que não deu o seu consentimento e opôs resistência à cópula.

Resultou também dos depoimentos das testemunhas C..., F..., E... e I... que a ofendida numa situação como esta, não seria capaz de resistir como resiste uma pessoa que não tenha o mesmo atraso mental. É óbvio que tal atraso tolda as suas capacidades e a limita, e isso mesmo também decorre das suas declarações e do relato, pois nem tão pouco pensou em fugir.

Por tudo isto, o tribunal apenas deu como provado que a condição da ofendida, o atraso mental de que padece, apenas a limita na sua capacidade de se autodeterminar sexualmente e de formar e exprimir a sua vontade no sentido da resistência ao acto sexual, no que se diverge do relatório pericial. Pois a não ser assim, seria contraditório que ela estivesse incapacitada de formar e exprimir a sua resistência ao acto, mas que dissesse por repetidas vezes que não queria, que queria ir embora e depois fosse dizer à amiga “violou-me!” (no mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ, relatado por Soreto de Barros, em 22.02.2006, no proc. 05P4399, in www.dgsi.pt).

O dolo do arguido, que não é directamente apreensível pelos sentidos, resultou dos factos objectivos analisados à luz das regras da lógica e da experiência comuns, considerando ainda a evidente capacidade do arguido perceber a sua conduta e de se conformar de acordo com o Direito e as normas penais. Acresce que de acordo com as regras da lógica e da normalidade da vida, o arguido conhecia a ofendida há vários anos – pois viviam juntos, sendo o arguido o companheiro da mãe da ofendida – e conhecia o seu deficit cognitivo e as limitações que daí lhe advinham, conjugado ainda com o ascendente que exercia (era o padrasto), o local ermo onde se encontrava, a posição em que se encontravam e a força que usou, a que acresce a surpresa que a sua conduta causou à ofendida, o que tudo determinou que a ofendida ainda que tenha dito que não queria, não mais do que isso conseguiu fazer para resistir à sua conduta.

As condições pessoais do arguido resultaram do relatório social de fls. 656 a 661 e os antecedentes criminais decorrem do certificado do registo criminal de fls. 638 a 644.

Os factos dados como provados em ww) a ccc) resultaram da conjugação dos depoimentos de C..., E..., G... e H..., os quais acompanharam a ofendida antes e depois dos factos – ainda que em momentos e locais diferentes – mas que de um modo geral depuseram de forma coincidente quanto ao estado actual da ofendida, da forma como se sentiu, não só antes de contar o sucedido a C..., como depois, o que se valorou à luz das regras da lógica e da normalidade da vida, de onde resulta, de forma evidente, que a ofendida sofreu com os factos.

No que respeita aos factos dados como não provados em 5) e 6), o tribunal não viu produzida prova suficientemente segura dos mesmos, atendendo ao que se expôs supra sobre a incerteza de qual a expressão efectivamente proferida pelo arguido aquando dos factos (e com vista a que ofendida guardasse segredo). Acresce que das expressões proferidas pelo arguido ao telefone e tal como resulta provado, o tribunal não conclui que o arguido tenha prenunciado um qualquer mal futuro, que causasse medo ou receio à ofendida (disse apenas que nada de mal lhe aconteceria…, mas não disse que se falasse algo de mal aconteceria, que seria lógico se se tivesse provado a outra expressão – de que a vida estava em risco – mas que não se provou). Consequentemente, o tribunal deu os factos descritos em 5) e 6) como não provados.

3. Apreciação

a. Da reclamação

Na reclamação apresentada contra a decisão sumária que, reconhecendo a falta de interesse em agir da assistente, rejeitou o recurso por si interposto, retoma a recorrente a argumentação expendida no requerimento recursório, concluindo: «(…) continua a Assistente Reclamante a entender que a sua posição como vítima directa do arguido lhe confere o necessário interesse para recorrer e se justifica legalmente como Assistente que é».

Antes, porém, com vista a demonstrar o bem fundado da sua pretensão, rectius a incorrecta interpretação da relatora, repristina, no essencial, os fundamentos que precisamente conduziram à rejeição do recurso, a saber:

- A desadequação da medida da pena tendo em conta o bem jurídico violado, a moldura penal correspondente ao crime em referência, os factos dados por assentes no acórdão e a respectiva apreciação crítica – aos quais dá a sua anuência;

- O carácter repugnante do crime de violação;

- A revolta e humilhação que a conduta do arguido lhe determinou,

sem que, contudo, aqui como ali, cuide de se demarcar – através da demonstração de um concreto e próprio interesse em agir - daquilo que constituem os fins da punição, isto é das finalidades públicas da aplicação da pena, revelando dificuldade em perceber não «competir ao assistente ser o intérprete do interesse colectivo», cabendo, antes, ao Ministério Público prosseguir o «sancionamento penal dos delinquentes» em nome do interesse colectivo.

Com o devido respeito, a assistente/reclamante incorre em equívoco quando não destrinça o interesse público subjacente à punição de um eventual concreto e próprio interesse ou, dito de outra forma, quando procurando concretizar o seu interesse mais não faz do que evidenciar o do Estado, confundindo, ainda, a «legitimidade» para recorrer com o «interesse em agir», tratando-os que se fossem – e não são – «pressupostos» coincidentes.

A decisão sob reclamação, ao contrário do que defende, não afecta o acesso ao direito e aos tribunais, concretamente o direito ao recurso pelo simples motivo que a questão da falta de interesse em agir se coloca a montante do dito direito, por um lado, do mesmo passo que não constitui violação de nenhuma das invocadas normas do CPP, designadamente dos seus artigos 399.º, 401º, n.º 1, al. b) e n.º 2.

Não lhe assiste, pois, razão enquanto reclamante, o que conduz ao indeferimento da reclamação, com a consequente confirmação, nos precisos termos em que o foi, da decisão de rejeição do recurso.

b. Do recurso do arguido

b.a.

Insurge-se o recorrente contra o acervo factual provado, aduzindo para tanto não haver «elementos de prova que leve a que se dêem como provados os factos k., l., m., o. e dd.», merecendo estes, – prossegue - «análise e avaliação dos elementos probatórios supra referidos, devendo proceder-se (…) à renovação da prova», renovação, essa, indeferida por ocasião do exame preliminar.

Tendo sido documentadas, através de gravação, as declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento – aqui se incluindo, naturalmente, as declarações para memória futura – pode, efectivamente, este tribunal conhecer de facto [artigos 363.º e 428.º do CPP], posto que se mostrem cumpridos os ónus previstos no artigo 412.º do CPP.

Nos termos do n.º 3 do citado preceito, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar:

a. Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e, eventualmente

c. As provas que devem ser renovadas [sublinhados nossos], prescrevendo, por seu turno, o n.º 4 [artigo 412.º do CPP] que «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação».

O nível de exigência do recurso em sede de matéria de facto, reforçado com a Reforma de 2007, tem de ser lido à luz do entendimento, sistematicamente, afirmado pelos tribunais superiores, de que os recursos constituem remédios jurídicos destinados a corrigir erros de julgamento, não configurando, como tal, o recurso da matéria de facto para a Relação um novo julgamento em que este tribunal aprecia toda a prova produzida na 1.ª instância como se o julgamento ali realizado não existisse [cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 15.12.2005, de 09.03.2006 e de 04.01.2007, proferidos respectivamente nos procs. n.º 05P2951, n.º 06P461 e n.º 4093/06 – 3.ª].

A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida … que considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença, sendo que A exigência legal de especificação das “concretas provas” só se queda satisfeita com a indicação do conteúdo específico do meio de prova [cf. acórdão do TRC de 22.10.2008, proferido no proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1].

Significa, pois, que «… o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso da matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (…), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida» – [cf. acórdão do STJ de 24.10.2002 (proc. n.º 2124/2)] (destaque nosso).

No caso em apreciação, constituindo uma evidência não haver o recorrente cumprido, em sede de conclusões, os ónus que sobre si recaíam, limitando-se a indicar em «bloco» os factos integrados, no acórdão recorrido, sob as alíneas k., l., m., o. e dd., resulta, igualmente, irrefutável a omissão da especificação das «concretas provas» que imporiam decisão diversa da recorrida, restringindo-se, neste campo, à asserção de encerrar o depoimento da ofendida contradições «substanciais», ao que acresceria não terem as testemunhas, identificadas no ponto 2., conhecimento directo dos factos.

Cenário que não melhora na correspondente motivação, universo onde nunca cuida de relacionar a «concreta prova» com o «concreto ponto de facto» de modo a demonstrar o «erro do julgamento».

Ora, a não observância nem nas conclusões nem na correspondente motivação, na dimensão legalmente exigível, dos ónus de impugnação, inviabiliza o convite ao aperfeiçoamento, pois tal conduziria à distorção/violação do equilíbrio processual, na medida em que se traduziria na faculdade de o sujeito processual «incumpridor» vir a apresentar um novo recurso, sabido como é que a motivação constitui o limite do aperfeiçoamento [cf. v.g. os acórdãos do TC n.ºs 259/2002, DR, II. S., de 13.12 e 140/2004, DR, II S, de 17.04, bem como, entre outros, os acórdãos do STJ de 17.02.2005 (proc. n.º 05P058), de 09.03.2006 (proc. n.º 06P461), de 28.06.2006 (proc. n.º 06P1940) e de 04.01.2007 (proc. n.º 4093/06.3.ª)].

Impõe-se, pois, perante o quadro de inobservância traçado, concluir por se mostrar prejudicada a sindicância da matéria de facto na modalidade alargada, isto é para além do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, sendo, na sobredita vertente, o recurso rejeitado.

b.b.

Ainda em sede de matéria de facto, não obstante o que se acaba de decidir, fica-nos a respectiva sindicância por via dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP e, bem assim, da alegada violação do princípio in dubio pro reo.

A propósito dos referidos vícios escreve Germano Marques da Silva: «… tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso portanto a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, salientando-se (…) que as regras da experiência comum “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece» - [cf. “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 2000, Vol. III, págs. 338/339].

Trata-se, por conseguinte «… de vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão» - [cf. acórdão do STJ de 07.12.2005, CJ, ASTJ, T. III, 2005, pág. 224].

No que a tal respeita, elucidativos da incorrecta configuração do convocado vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, surgem os pontos 5. e 6., dos quais resulta concluir o recorrente pela sua verificação por – diz – não existir «qualquer facto concreto provado que permita extrair a conclusão de que o arguido tivesse praticado os factos k., l., m., o. e dd., pelo que tais factos, dados como provados, são mero juízo conclusivo».

Com o devido respeito, não poderia ser maior a confusão!

A idêntica solução chegará o recorrente se atentar no recorte do vício em questão, que só pode ser afirmado quando resulta uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é quando for de concluir que com os factos considerados provados não é possível atingir a concreta decisão de direito proferida, havendo, assim, que colmatar ou preencher tal falha ou omissão, realidade distinta do «erro de julgamento».

Porém, tratando-se de matéria de conhecimento oficioso, sempre se acrescenta que, perscrutado o acórdão recorrido, nenhuma omissão ao nível dos factos provados comprometedora da decisão de direito se detecta, nem a mesma como se viu surge identificada por parte do recorrente.

Por outro lado - ainda que apenas em sede de motivação - invoca o recorrente enfermar a «decisão» de erro notório na apreciação da prova, deixando, uma vez mais, transparecer o equívoco em que incorre na destrinça entre o dito vício e o «erro de julgamento».

Com efeito, referindo, embora, haverem os pontos k., l., m., o. e dd. resultado provados em violação das regras da experiência comum, não só não concretiza em que medida assim teria sido, como acaba por concluir por não concordar com a apreciação que o Tribunal a quo fez das declarações da ofendida e das testemunhas ouvidas.

Nesta matéria, muito singelamente, diremos que, com recurso ao texto da decisão recorrida, não se detecta qualquer juízo arbitrário, ilógico, contraditório e/ou violador das regras da experiência, do normal acontecer das coisas da vida, revelando-se, antes, a decisão ancorada numa análise e apreciação crítica da prova devidamente sustentada – não resultando, ao invés do que o recorrente pretende fazer crer, insuficiente fundamentação – que transparece criteriosa, insusceptível de ser posta em crise por uma postura de alguma retracção inicial – e não contradições, muito menos «substanciais» – por parte da ofendida, retracção, essa, a que seguramente não será alheia a deficiência mental que apresenta, com défice cognitivo global acentuado e a sua (muito) limitada capacidade para actuar finalizadamente, pensar racionalmente e proceder de forma eficaz face ao meio envolvente – [cf. os pontos d. e e. dos factos provados, os quais não mereceram a contestação do recorrente e a seguinte passagem da análise crítica da prova: «No mais, os factos dados como provados resultam tal qual das declarações para memória futura, ainda que os factos não tenham sido narrados de forma totalmente sequencial (o que é normal), mas que lidas de forma integral, permitem ao tribunal dar como provados os factos no exacto sentido do apurado. A ofendida relata-os dessa forma, ainda que depois, com esclarecimentos, concretize determinados detalhes ocorridos em momentos anteriores»].

Tão pouco contraria este nosso juízo a circunstância das testemunhas não haverem presenciado os factos, realidade que de novo nada tem sempre que em causa estão crimes de idêntica natureza, praticados em privado, fora do olhar de terceiros, motivo que conduz à relevância que assumem, em situações similares, as declarações da vítima.

Conclui-se, assim, pela não verificação de qualquer dos invocados vícios.

b.c.

Falece, igualmente, de fundamento a alegada violação do princípio in dubio pro reo, o qual só ocorre quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido – pela prova em que assenta a convicção – [cf. acórdão do STJ de 15.12.2011 (proc. n.º 17/09.0TELSB.L1.S1].

Retomando o caso concreto, não se detectando na fundamentação dúvida razoável na formulação do juízo factual, a qual manifestamente não se colocou ao Colectivo - não vendo este tribunal que assim devesse ter sido –, decorrendo, antes, residir o mesmo na ponderação da prova produzida e analisada em audiência de julgamento, sem atropelos dos princípios matriciais respeitantes à prova, só resta concluir por não ter ocorrido ofensa do pro reo – [cf. v.g. os acórdãos do STJ de 15.10.2003 (proc. n.º 1882/03 – 3.ª), de 06.12.2006 (proc. n.º 06P3520) e de 15.02.2007 (proc. n.º 3174/06 – 5.ª)].

Em síntese conclusiva: Prejudicada - pela inobservância, na dimensão legalmente exigível, dos ónus de «impugnação» [artigo 412.º, n.º 3 do CPP] - que se mostra a apreciação, na vertente alargada, da matéria de facto; não resultando do texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, lacuna comprometedora da decisão de direito, apreciação arbitrária, recurso a juízos contraditórios, ilógicos, violadores do normal acontecer das coisas da vida; não se detectando da fundamentação [análise e apreciação crítica da prova, devidamente sustentada em prova pessoal e documental] que o Colectivo haja mergulhado num juízo de incerteza, indiciador de uma dúvida razoável – e só esta releva - sobre o acervo factual e, consequentemente, que nesse quadro tenha decidido contra o arguido - nem se vendo, no caso, que restasse espaço para a mesma, pela qual não somos, igualmente, assolados - não se assistindo à valoração de prova proibida, tem-se por definitivamente fixada – tal como consignada vem no acórdão recorrido - a matéria de facto.

b.d.

Dissente, ainda, o recorrente da subsunção dos factos ao crime de violação pelo qual sofreu condenação [artigo 163.º, n.º 1 do C. Penal], isto – aduz - em consequência do não preenchimento quer do respectivo elemento objectivo quer subjectivo do tipo.

Concretizando os fundamentos que conduziriam ao afastamento do crime, diz:

«A violência tem de considerar-se “… idónea, segundo as circunstâncias do caso nos termos conhecidos da doutrina da adequação, a vencer a resistência efectiva ou esperada da vítima»; «Dos factos provados não é permitido concluir que a força que o arguido fez para tirar as cuecas e as calças, bem como a força que fez ao colocar-se em cima da ofendida visou impedi-la de qualquer resistência» e «O arguido não agiu como dolo» - [cf. os pontos 7., 8., 9. e 10. das conclusões].

Vejamos, então, o que com relevância resulta do acervo factual assente, destacando-se:

- No dia 01.07.2013, o arguido seguia com a ofendida numa viatura automóvel, quando parou junto ao Miradouro da Sra. da Piedade, na Serra da Lousã, para urinar, momento em que disse à ofendida que tinha vontade de a apalpar, tendo esta retorquido, com medo do que pudesse acontecer porque se encontrava sozinha em local isolado, para seguirem para casa, para junto da mãe.

- Arguido e ofendida entraram novamente no veículo, e o arguido reiniciou a marcha, sendo que enquanto conduzia, estando a ofendida sentada no banco do pendura, o arguido começou a apalpá-la nos seios, nas pernas e na zona da vagina, por cima da roupa, insistindo sempre a ofendida para que parasse e fossem para casa, até que cerca de 11 Kms depois, ainda na Serra da Lousã, em local isolado de floresta, o arguido parou a viatura, agarrou B..., tirou-lhe a camisola, começou a lamber-lhe os seios e a meter a mão dentro das suas calças e cuecas, apalpando-a na zona vaginal, o que fez friccionando a vagina com os dedos. Ao mesmo tempo, B... dizia-lhe que não queria que nada acontecesse, pedindo-lhe que parasse.

- Apesar do temor que estava a causar na ofendida e dos insistentes pedidos da mesma para que parasse com a sua conduta, o arguido passou para o banco do pendura e colocou-se em cima de B..., prendendo-a com o seu corpo e não permitindo que a mesma se soltasse, rebaixou as costas do banco e desceu as suas calças e cuecas.

- Enquanto a ofendida continuava a insistir para que parasse, o arguido puxou com força as calças e cuecas de B... para baixo e introduziu o pénis erecto na sua vagina, sem preservativo, com ela praticando uma relação sexual de cópula completa, tendo o arguido friccionado várias vezes o pénis no interior da vagina da ofendida, ao mesmo tempo que a chamava de “chata”.

- Quando estava prestes a ejacular, o arguido retirou o pénis do interior da vagina da ofendida, ejaculou para a sua própria mão e limpou-se de seguida a papel higiénico que o mesmo tinha numa gaveta que existe no meio dos bancos do veículo.

- Quando regressou ao veículo o arguido entregou € 10,00 à ofendida e disse-lhe palavras não concretamente apuradas, para além de lhe ter pedido segredo sobre o sucedido, tendo abandonado o local em direcção à residência de ambos. Chegados a casa, o arguido reforçou a ordem que lhe tinha dado e voltou a dizer à B... palavras não concretamente apuradas, para além de mais uma vez lhe pedir segredo sobre o que acontecera.

- O arguido actuou valendo-se da sua superioridade física, do temor que estava a causar na ofendida, do facto de a manter cerceada dentro do veículo, sem capacidade física para sair de baixo de si e resistir ao acto, da debilidade mental de que esta padecia e da circunstância de se encontrar em local isolado, sem casas ou transeuntes.

- Não ignorou igualmente o arguido a especial relação familiar que existia e a situação de dependência económica em que a ofendida vivia, que lhe geravam um especial sentimento de respeito e submissão perante o mesmo.

- O arguido praticou estes actos bem sabendo que a ofendida padecia de um atraso mental que a limitava na sua capacidade de resistir adequadamente à prática de actos desta natureza e que se encontrava limitada na sua capacidade, quer física, quer mental para reagir determinadamente contra o acto sexual a que estava a ser submetida.

- Com efeito, a referida condição psico-orgânica da ofendida compromete-lhe a inteligência e a vontade para perceber, em toda a sua extensão, a natureza e o alcançe de actos de natureza sexual em que possa estar envolvida, o que a limita na sua capacidade de se autodeterminar sexualmente e de formar e exprimir a sua vontade no sentido da resistência ao acto sexual.

- Não obstante disso ter conhecimento, e apesar dos pedidos que foram sendo efectuados pela ofendida, o arguido, conjugando o supra referido com a força física, o temor causado e a situação de especial vulnerabilidade e dependência económica e familiar em que se encontrava a vítima, quis e conseguiu manter relações sexuais de cópula com a ofendida, com o intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos.

- O arguido actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como ilícito criminal.

Perante tais factos debruçemo-nos sobre o direito na exacta dimensão em que motiva a reacção do recorrente.

Nos termos do n.º 1 do artigo 164.º do C. Penal:

«Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:

a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral (…) é punido com pena de prisão de três a dez anos», pena, essa, que sofre agravação, presentes, que sejam, as circunstâncias previstas no artigo 177.º do mesmo diploma.

Visa a incriminação proteger a liberdade sexual de outra pessoa, traduzindo-se o tipo objectivo no constrangimento da vítima a sofrer ou a praticar os actos sexuais de especial relevo descritos na norma, entre os quais a cópula, actos, esses, que tem de ser levados a efeito por meio de violência, ameaça grave ou acto que coloque a vítima em estado de inconsciência ou na impossibilidade de resistir, sendo, por conseguinte, um crime de execução vinculada.

O conceito de violência não tem sido unânime, designadamente por parte da doutrina, reflectindo, igualmente, a jurisprudência diferentes sensibilidades na sua abordagem.

Para Figueiredo Dias «… não basta nunca à integração do tipo objectivo de ilícito (…) que o agente tenha constrangido a vítima a sofrer ou a praticar (…) acto de violação, ou seja que o acto tenha tido lugar sem ou contra a vontade da vítima, pelo que actos sexuais «súbitos e inesperados praticados sem ou contra a vontade da vítima, mas aos quais não preexistiu a utilização de um daqueles meios de coacção, não integram o tipo (…)», acrescentando, ainda, que a violência, como meio típico de coacção, se traduz no emprego da força física (com vis absoluta ou como vis compulsiva), destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada – [cf. Comentário Conimbricense do Código Penal, T. I, pág. 453/454].

Em sentido não exactamente concordante pronuncia-se Sénio Alves para o qual, não distinguindo o legislador, também a violência moral determinante da cópula deve ser considerada no preenchimento do tipo objectivo do crime de violação, pensamento que concretiza do seguinte modo: «É que a violência moral (consistente v.g., no perigo de um mal maior para a vítima ou a sua família) pode determinar a cópula e, a não ser que se reconduzissem factos deste tipo à noção de “ameaça grave” (com as dificuldades inerentes à determinação do que é “grave” e à respectiva prova), ela ficaria impune (…)» - [cf. Crimes Sexuais, Notas e Comentários aos artigos 163.º a 179.º do Código Penal, Almedina, Coimbra, 1995, pág. 32 e ss.].

Traduzindo esta última posição, vide o acórdão do STJ de 23.02.2011 [proc. n.º 70/10.3PPLSB]: «A violação é um grave atentado à liberdade sexual de outra pessoa, por isso a amplitude da moldura penal (…) reflecte a perspectiva do legislador quanto à importância daquele bem jurídico atingido.

O descritivo típico não abdica do uso de violência, ameaça grave, colocação em estado de inconsciência ou impossibilidade de resistir, que levem, constranjam outra pessoa a sofrer cópula consigo (…).

A violência é, tanto a física, como a psíquica (…)».

Já Mouraz Lopes, na sua obra “Os Crimes Contra a Liberdade e a Autodeterminação Sexual no Código Penal”, a pág. 35 escreve: «O entendimento amplo do conceito de violência, para efeitos de concretização do crime permite, desde logo, que nos casos em que haja, porventura algum «consentimento» da vítima no desenrolar do acto, tão só e apenas para evitar o mal maior de ser brutalizada com agressões físicas, sejam, mesmo assim, considerados como situações de violação».

A propósito da configuração da violência, por nos revermos na análise, realça-se o acórdão do STJ de 17.03.2004 [proc. n.º 439/04 – 3.ª], donde se extracta: «Meio típico da comissão do crime de violação, previsto no art. 164º, nº 1, do C. Penal é, antes de tudo, a violência, mas esta não vai ao ponto em que a força integrante daquela, deva considerar-se de “pesada ou grave, mas será em todo o caso indispensável que ela se considere idónea, segundo as circunstâncias do caso, nos termos conhecidos da doutrina da adequação, a vencer a resistência esperada da vítima”. Sob certas circunstâncias concretas, nomeadamente em função da debilidade física ou psíquica, do carácter temeroso ou assustadiço da vítima, pode bastar, v.g., uma bofetada, o fechá-la contra a sua vontade num quarto ou mesmo num automóvel, o transportá-la de um lugar para o outro: é aqui decisiva, em princípio, a perspectiva da vítima», prosseguindo «Uma resistência efectiva não se torna indispensável, bastando que devesse contar-se com ela e o uso da violência se destine a vênce-la; (…) Assim, o juízo de violência capta-se e apoia-se em função das condições pessoais e concretas em que a vítima é colocada, não se exigindo uma resistência pertinaz, uma oposição ilimitada, até às últimas consequências, da vítima (…): o simples convencimento da vítima da inutilidade de oferecer ou não prolongar por mais tempo a resistência é suficiente para integrar o conceito de violência, e esta é tanto a física como a psíquica. (…) Relevante é a idoneidade dos actos praticados sobre a vítima para cercear a sua livre autodeterminação sexual, e decisivo é que o acto sexual de relevo, pelo seu modo de execução, denote ausência de consentimento da vítima, em nexo causal com a violência sobre o corpo ou psiquismo da vítima, uma e outra aferidas segundo as condições pessoais e particulares daquela» [destaques nossos].

E aqui chegados, retornando ao caso concreto, pergunta-se: Perante os factos apurados, qual é a dúvida do recorrente? Que reserva lhe merece a subsunção que dos factos foi feita ao direito?

Séria, nenhuma!

Pois se o arguido, não obstante os pedidos insistentes por parte da vítima para que parasse com as investidas de cariz sexual, conhecedor da sua «condição» [assaz vulnerável em consequência de uma limitação psico-orgânica, traduzida num défice cognitivo global acentuado (com um QI total de classe muito inferior), portadora de deficiência mental, com uma capacidade muito limitada para actuar finalizadamente, pensar racionalmente e proceder de forma eficaz face ao meio envolvente], ignorando-os, se colocou em cima dela «prendendo-a com o seu corpo», «não permitindo que a mesma se soltasse», puxando-lhe com força, para baixo, as calças e cuecas, assim conseguindo introduzir o pénis erecto na sua vagina, com ela praticando uma relação sexual de cópula completa, o que fez, mantendo-a cerceada dentro do veículo, sem capacidade para resistir adequadamente, já por via da superioridade física que apresentava sobre a vítima, já em consequência da deficiência mental de que esta era portadora, já em função do isolamento do local [floresta], sem desprezar o temor que lhe provocava, qualquer dúvida sobre a violência de que a ofendida foi objecto e, bem assim, de que por seu intermédio, visou e conseguiu impedi-la de uma adequada resistência, constrangendo-a a suportar a relação de cópula, não passa de sofisma, como não passa a negação do dolo, que mais não constitui do que isso mesmo: o estado de negação em que o recorrente persiste!

Por conseguinte, no caso e atentas as circunstâncias, ocorreu violência, física mas também psíquica – ambas favorecidas pela deficiência mental da vítima e pelo local - palco dos acontecimentos -, capaz de atemorizar qualquer um e sobremaneira uma pessoa portadora do assinalado défice –, idónea, segundo as circunstâncias, nos termos da doutrina da adequação, a constrangê-la [sendo «que o constrangimento corresponde a um ter de suportar uma determinada actuação, contra a vontade e sem possibilidade do exercício de uma reacção com recurso aos meios normais de defesa contra tal» - cf. acórdão STJ de 25.11.1992, disponível em www.dgsi.pt] a suportar o acto de cópula.

Por outro lado, à luz do acervo factual apurado não merece reserva a verificação da circunstância agravativa da alínea b), do n.º 1, do artigo 177.º, do C. Penal, quer por via da natureza da relação que ligava arguido e vítima, quer em função da dependência económica da ofendida - tal como do seu agregado familiar - daquele, pois que era o mesmo quem, com o rendimento do seu trabalho, provia ao seu sustento.

Concluindo, não se assiste à violação dos artigos 164.º, n.º 1, 177.º, n.º 1, alínea b) e/ou 14.º, n.º 1 do C. Penal, apresentando-se, também, nesta parte desprovido de fundamento o recurso.

b.e.

Por fim, rebela-se o recorrente contra a medida concreta da pena encontrada pelo Colectivo - 5 anos e 6 meses de prisão – argumentando, para tanto, que os «factos praticados (…), não são de tal forma graves que imponham pena superior ao mínimo legal, nem existe especial carácter intenso de dolo», motivo pelo qual deveria a pena de prisão não exceder os 3 anos e, ainda assim, suspensa na sua execução por igual período «sem necessidade de qualquer regime de prova», pois que constituiria aquela resposta suficiente às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir – [cf. pontos 11. e 12. das conclusões].

Como disposições violadas indica os artigos 53.º, n.º 1 e 71.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

A propósito ficou a constar do acórdão recorrido:

«A determinação da medida da pena começa sempre pelo art. 18.º, n.º 2 da Constituição e pelo art. 40.º do Código Penal.

Como refere Anabela Rodrigues (in R.P.C.C., ano 12, n.º 2, pág. 147 e ss), o art. 40.º do Código Penal, após a revisão de 1995, condensa em três proposições fundamentais um programa político-criminal – a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena, de onde resulta que: «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas» (…).

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa, elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o art. 18.º, n.º 2, da CRP, consagra (cfr. Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, pág. 65 e ss.).

Dentro de uma moldura cujo limite máximo coincide com a medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é considerado pela culpa – e cujo limite mínimo corresponde às irrenunciáveis exigências de defesa do ordenamento jurídico, encontrar-se-á o espaço possível de resposta as necessidades de reintegração social do agente (cfr. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 224 e ss.).

Assim, em primeiro lugar, a medida da pena há-de ser aferida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos violados. Teremos que encontrar, como ponto de referência, o limiar mínimo abaixo do qual já não será comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a tutela de tais bens jurídicos, respondendo às expectativas da comunidade na reposição contrafáctica da norma jurídica violada (Figueiredo Dias, in As Consequências …, pág. 241). Este ponto será o limite mínimo da moldura penal.

Por outro lado, a culpa do arguido fornecer-nos-á o limite absolutamente inultrapassável na medida da pena, mesmo atendendo a considerações de carácter preventivo.

Finalmente, considerando o ponto fundamental das necessidades de tutela de bens jurídicos e o limite inultrapassável fixado pela culpa do arguido, há que encontrar a medida da pena que melhor responde às necessidades da prevenção especial de socialização.

Os factores que permitirão decidir, face às considerações acima expostas, qual a medida da pena adequada ao caso concreto do arguido, constam do art. 71.º, n.º 2 do Código Penal. Importa ter em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra o arguido.

Assim, o tribunal atendeu aos seguintes factores:

- Ao grau de ilicitude que é mediano, atendendo ao facto de se ter tratado de uma única situação, mas considerando também que a ofendida padecia e padece de atraso mental.

- Ao dolo do arguido, que assumiu a forma de dolo directo, demonstrativo de uma maior desconsideração pelo Direito instituído.

- Ao facto de o arguido, depois dos factos, ter proposto à mãe da ofendida, um acordo.

- Ao facto de o arguido, depois dos factos, ter telefonado várias vezes para a casa da ofendida e ter-lhe dito para negar os factos, que nada de mal lhe aconteceria.

- Ao facto de o arguido revelar fraca interiorização do desvalor da sua conduta.

- Ao facto de o arguido, à data dos factos trabalhar e ser descrito como um bom trabalhador, revelador de sentido de responsabilidade, competente e empenhado, verificando-se inclusive, por parte do responsável pela empresa, disponibilidade em o readmitir.

- As necessidades de prevenção especial, são de revelar, considerando que o arguido não revelou qualquer arrependimento pelos factos praticados, ao que acresce que o mesmo tem já antecedentes criminais – ainda que por crimes de diferente natureza – e cumpriu pena de prisão efectiva pela prática de um crime de maus tratos.

- As exigências de prevenção geral são muito elevadas.

Nestes termos, atendendo a todas as circunstâncias do caso considera-se adequada a aplicação de uma pena de cinco anos e seis meses de prisão pela prática do crime de violação agravada».

Inicia-se, relembrando que, como vem referido no acórdão do STJ de 29.05.2008, disponível em www.dgsi.pt/jstj, citando Figueiredo Dias «pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como à forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência ou a sua desproporção da quantificação efectuada» [sublinhado nosso].

A apreciação, acima reproduzida, encontra-se alicerçada nas normas que regem na matéria, revelando-se consentânea com os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade e, bem assim, com os fins das penas, nas vertentes da prevenção geral e especial, não ultrapassando, de forma alguma, a pena de cinco anos e seis meses de prisão – no seio de uma moldura abstracta cujo limite mínimo e máximo se situa, respectivamente, nos 4 anos e 13 anos e 8 meses de prisão – a culpa, reflectida nos factos, não sendo demais recordar que o dolo, no caso, se manifestou na sua forma mais intensa, ou seja o dolo directo e, bem assim, que a asserção de que «os factos não são de tal forma graves …», não encontra aos olhos deste tribunal o mínimo fundamento.

A falta de razão do recorrente é nesta sede de tal forma patente que dispensa qualquer outra consideração, revelando-se mesmo, aqui, o recurso manifestamente improcedente.

Não se mostram, pois, violados os preceitos legais convocados.

Por falecer o pressuposto formal da suspensão da execução da pena, traduzido na condenação do arguido em pena de prisão até 5 [cinco] anos [cf. artigo 50.º do C. Penal], prejudicada fica a ponderação da dita pena de substituição.

III. Decisão

Termos em que acordam os juízes que integram este tribunal:

a. No indeferimento da reclamação apresentada pela assistente/recorrente B..., em rejeitar o recurso por si interposto;

b. Condenar a reclamante em 3 [três] Ucs de taxa de justiça;

c. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido A...;

d. Condenar o recorrente em 4 [quatro] Ucs de taxa de justiça.

Comunique o teor do acórdão à 1.ª instância com referência ao traslado.

Coimbra, 17 de Dezembro de 2014

(Maria José Nogueira)

(Isabel Valongo)