Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
586/14.2TBFIG-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
PRAZO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 03/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 235, 236, 238, 243, 246 CIRE
Sumário: 1. De acordo com o disposto no artº 236 nº 1 do CIRE o decurso do prazo de 10 dias a contar da citação não faz precludir o direito do insolvente apresentar o seu pedido de exoneração do passivo. Tal só se verifica se já tiver sido realizada a assembleia de credores com a apreciação do relatório apresentado pelo administrador.

2. Quando o pedido é formulado pelo insolvente mais de 10 dias após a citação, o juiz decide livremente sobre a admissão ou rejeição do pedido apresentado no período intermédio, de acordo com o disposto na parte final do artº 236 nº 2 do CIRE. O juízo livre a formular pelo juiz, poderá ir além dos critérios estabelecidos pelo legislador no artº 238 do CIRE para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo, mas já não poderá ficar aquém de tais critérios, sob pena de se estar a favorecer o insolvente que apresente o pedido para além do prazo de 10 dias que a lei estabelece.

3. Nesta sua decisão, o juiz terá de ponderar a situação à luz da finalidade do instituto da exoneração do passivo restante e na avaliação do equilíbrio entre os interesses do insolvente e dos credores, bem como na ponderação capacidade do devedor para cumprir os deveres que para ele resultam da sua boa execução e previstos no artº 239 do CIRE, podendo ainda levar em linha de conta a posição tomada pelo Administrador da Insolvência e pelos credores.

4. O pedido de exoneração do passivo deve ser liminarmente indeferido se o devedor, com culpa grave, não cumpre os deveres de informação e colaboração com o administrador da insolvência e para com o tribunal, não juntando elementos que reiteradamente lhe são solicitados, sem apresentar qualquer justificação para a sua omissão, verificando-se a previsão do artº 238 nº 1 al. g) do CIRE.

Decisão Texto Integral:
I. Relatório

Vem o insolvente A (…) requerer que lhe seja concedida a exoneração do passivo restante, nos termos dos artº 235 ss. do CIRE, invocando, para tanto, que estão preenchidos os requisitos de que depende a exoneração e declarando que se obriga a cumprir todas as condições de que a exoneração depende.

A administradora da insolvência deu parecer desfavorável, invocando que o devedor não lhe prestou a colaboração legalmente exigível.

Também o credor B (…), S.A. se pronunciou desfavoravelmente, sem contudo justificar a sua posição.

Foi proferida decisão a rejeitar o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo devedor. A decisão é fundamentada no facto do pedido ter sido apresentado já depois dos 10 dias posteriores à citação, ainda que antes da realização da Assembleia de Credores, havendo por isso que fazer um juízo sobre a vontade e capacidade do devedor para cumprir as exigências legais, tendo sido considerado não ser possível fazer um juízo de prognose favorável acerca de tal situação, atento o comportamento assumido pelo insolvente no decurso do processo, por violação grosseira dos deveres de informação e colaboração, devendo sempre o pedido ser indeferido nos termos da al. g) do nº 1 do artº 238 do CIRE.

Não se conformando com tal decisão vem o Insolvente, interpor recurso de apelação da mesma, requerendo a sua revogação e substituição por outra que decrete a exoneração do passivo, apresentando as seguintes conclusões:

1.O presente recurso vem interposto de sentença que indeferiu o pedido de exoneração do passivo restante, apresentado pelo Insolvente.

2. A douta sentença recorrida fundamenta o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante no facto do recorrente ter formulado o pedido tardiamente e do Juiz ter de apreciar o mesmo livremente, sendo que o comportamento assumido pelo recorrente não permite formar um juízo de prognose favorável acerca da sua vontade e capacidade em cumprir as exigências legais do instituto.

3. Desde logo, importa referir que resulta do Preâmbulo do CIRE “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da exoneração do passivo restante”.

4. Na senda da diversa jurisprudência decorre que, não basta a apresentação tardia à insolvência, com o consequente prejuízo dos credores pelo avolumar dos juros de mora, é antes necessário um prejuízo seu mais relevante, cujos factos e circunstâncias demonstrativas desse terão de ser alegados e provados pelos próprios credores e administrador de insolvência.

5. O que não se verificou no caso sub judice.

6. A douta sentença recorrida esqueceu, salvo o devido respeitos, que a qualquer momento pode qualquer credor, administrador de insolvência ou fiduciário requerer a cessação antecipada do procedimento de exoneração, de acordo com o art. 243º do CIRE, ou ser decretada a revogação da exoneração, ao abrigo do art. 246º do CIRE.

7. Pois, nunca o ora recorrente sonegou quaisquer bens, pelo contrário, resulta provado que este procedeu à junção aos autos das declarações de IRS, relativas ao período temporal decorrido entre 2010 e 2013 e cópia da descrição predial de todos os seus bens imóveis (facto provado n.º 13).

8. Acresce que, no que respeita aos restantes elementos que tinham sido pedidos - a apresentação de documento que explicite a atividade a que se tem dedicado nos últimos três anos, o que entende serem as causas da insolvência – este documento foi junto a 6 de Maio de 2014, fazendo parte integrante do pedido de exoneração do passivo restante (facto provado n.º 6).

9. Partindo dos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25-06-2013, proferido no processo n.º 3365/12.8TJLSB.L1-7, de 12.12.2013, proferido no processo n.º 1025/12.9TBALQ-D.L1-6 e de 23.05.2013, proferido no processo n.º 3159/12.0TBBRR-I.L1-2, para preencher o conceito de dever de informação e colaboração, e considerando que nunca o recorrente prestou falsas informações ou omitiu a existência de património, não se pode concluir que este tenha violado o dever de informação e colaboração de forma a ser indeferido o pedido de exoneração do passivo restante, nem tampouco se pode concluir ou depreender da atitude do recorrente qualquer desejo de ocultar alguma informação.

10. Assim sendo, dúvidas não restam, e salvo o devido respeito por douta opinião contrária, que a presente sentença violou ou deu errada interpretação à norma ínsita no artigo 238º do CIRE.

11. Pelo que, a douta sentença é nula, nulidade essa que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas suas conclusões - artº 635 nº 3 e nº 4 e artº 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine:

 - do indevido indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

III. Fundamentos de Facto

Por não ter sido impugnada a matéria de facto e não havendo qualquer alteração a fazer, remete-se para a decisão da 1ª instância sobre a mesma, nos termos do artº 663 nº 6 do C.P.C., que se reproduz:

1. O requerido dedicava-se à prestação de serviços de mecânica geral, compra e venda de materiais diretamente ligada a área.

2. Era sócio e gerente da sociedade C (…)Lda., que foi declarada insolvente no processo n.º 59/12.8TBFIG, que correu termos no 1.º Juízo do extinto Tribunal Judicial da Figueira da Foz.

3. Nessa qualidade, contraiu empréstimos para obter liquidez financeira para fazer face aos compromissos da referida sociedade, e assumiu algumas das respetivas dívidas.

4. A insolvência foi requerida pelo B (…), S.A.

5. Citado, o requerido não deduziu oposição, tendo a respetiva insolvência sido declarada por sentença de 10 de abril de 2014.

6. O insolvente requereu que lhe fosse concedida a exoneração do passivo restante por requerimento apresentado a 6 de maio de 2014.

7. Com vista ao apuramento da sua situação económica e do circunstancialismo que rodeou a insolvência, a administradora da insolvência enviou ao requerente uma carta registada com avisto de receção para a morada fixada na sentença, solicitando, além demais, a apresentação de documento que explicite a atividade a que se tem dedicado nos últimos três anos, o que entende serem as causas da insolvência, os documentos da sua contabilidade (declarações de IRS) e a relação de bens detidos.

8. A carta veio devolvida devido à insuficiência da morada.

9. Por não ter obtido qualquer contacto por parte do insolvente, a administradora entrou em contacto com o seu mandatário, a quem solicitou que diligenciou junto do insolvente pela apresentação de tais elementos.

10. Até à realização da assembleia de apreciação do relatório, que teve lugar a 29 de maio de 2014, apenas foi apresentada pelo insolvente a lista de ações pendentes.

11. No âmbito da assembleia, o Tribunal determinou que o insolvente fosse notificado para em 10 dias juntar os elementos solicitados pela administradora, bem como o seu certificado de registo criminal e os documentos comprovativos dos rendimentos e despesas suportadas mensalmente.

12. O insolvente não juntou os aludidos documentos no prazo que lhe foi concedido.

13. Posteriormente, juntou aos autos as declarações de IRS de 2010 e 2013 e cópia da descrição predial dos prédios de que é proprietário.

14. O passivo do insolvente, provisoriamente calculado, ascende ao valor global de € 447.288,36, dos quais € 341.747,92 respeitam a créditos concedidos pelo Banco Comercial Português, S.A. ao requerente, por si e na qualidade de avalista da dita sociedade, e o remanescente a créditos do Instituto da Segurança Social e da Autoridade Tributária.

IV. Razões de Direito

- do indevido indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

O artº 235 do CIRE prevê que, se o devedor for pessoa singular, lhe possa ser concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento.

Uma vez que mediante a figura da exoneração do passivo restante, o devedor vê extintas as suas dívidas não satisfeitas ao fim de 5 anos, libertando-se assim do encargo de as pagar no futuro, importa conciliar esta realidade com o direito que os credores têm, a ver os seus créditos ressarcidos, sendo certo que o funcionamento de tal regime vai determinar em muitos casos a perda de grande parte dos mesmos, senão a totalidade. Nesta medida, é razoável que a lei estabeleça requisitos para a sua aplicação, de forma a evitar que este benefício seja concedido de uma forma discricionária ou arbitrária.

O artº 238 com a epígrafe “indeferimento liminar” contempla as situações em que tal pedido deve ser indeferido à partida, prevendo o seu nº 1, nas suas várias alíneas, os casos em que o pedido de exoneração do passivo é liminarmente indeferido.

A efectiva obtenção do benefício da exoneração do passivo supõe que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos vinculado ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante tal período de tempo o devedor vai ceder o seu rendimento disponível que será afecto ao pagamento dos credores. No final, tendo o devedor cumprido os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.

O benefício da exoneração do passivo vai assim depender do cumprimento dos deveres pelo devedor e de uma conduta leal e correcta que o mesmo tem de adoptar e que lhe vai permitir a sua reintegração na vida económica, tendo como objectivo dar uma nova oportunidade ao insolvente para que possa começar de novo.

De acordo com o disposto no artº 236 nº 1 do CIRE: “O pedido de exoneração do passivo é feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência ou no prazo de 10 dias posteriores à citação, e será sempre rejeitado se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório; o juiz decide livremente sobre a admissão ou rejeição do pedido apresentado no período intermédio.”

Resulta desta norma, que o decurso do prazo de 10 dias não faz precludir o direito do insolvente apresentar o seu pedido, tal só se verifica se já tiver sido realizada a assembleia de credores com a apreciação do relatório apresentado pelo administrador, decorrendo da norma mencionada que, o que o legislador pretende, é que o pedido possa ser apreciado na assembleia de credores- vd. nestes sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/01/2012, in. www.dgsi.pt

Contudo, quando o pedido é formulado pelo insolvente mais de 10 dias após a citação, o juiz decide livremente sobre a admissão ou rejeição do pedido apresentado no período intermédio, de acordo com o disposto na parte final do artº 236 nº 2 do CIRE.

Põe-se então a questão de saber o que significa “o juiz decidir livremente” sobre a admissão ou rejeição do pedido de exoneração do passivo restante apresentado em tal período intermédio, e quais os critérios que devem ser ponderados em tal decisão, sendo certo que  o decidir livremente não tem, naturalmente, a sua equivalência em decidir arbitrariamente, tendo a decisão sempre de ser fundamentada.

Diz-nos Assunção Cristas, in. Exoneração do Passivo Restante- O Novo Direito da Insolvência, pág. 168 que: “O juiz decidirá com base na sua convicção pessoal sobre a vantagem ou desvantagem em permitir àquele devedor submeter-se a este procedimento provavelmente com recurso a um juízo de prognose: na base da sua decisão pesará a convicção que venha ou não a formar acerca da vontade e capacidade do devedor para cumprir as exigências legais o que permitirá um bom aproveitamento deste mecanismo.”

A este respeito pronunciou-se também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/12/2009, in. www.dgsi.pt que nos diz: “O critério que deve presidir a tal decisão há-de dizer respeito à vontade e à concreta capacidade do devedor para cumprir as exigências legais do instituto em causa, lançando mão dos dados substanciais que o processo revele e da posição assumida pelos credores e pelo administrador da insolvência na assembleia. (…) o que não poderá deixar de passar pela análise das demais alíns. do n.º 1 do ar.º 238.º”

Em primeiro lugar, considera-se que o juízo livre a formular pelo juiz, poderá ir além dos critérios estabelecidos pelo legislador no artº 238 do CIRE para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo, mas já não poderá ficar aquém de tais critérios, sob pena de se estar a favorecer o insolvente que apresente o pedido para além do prazo de 10 dias que a lei estabelece. Ou seja, o legislador impõe critérios de indeferimento liminar pelo juiz, mais apertados quando o pedido de exoneração do pedido é apresentado dentro do prazo de 10 dias após a citação, permitindo uma avaliação mais alargada pelo juiz quando o pedido é apresentado além desse prazo.

Afigura-se então que, nesta sua decisão, o juiz terá de ponderar a situação à luz da finalidade do instituto da exoneração do passivo restante e na avaliação do equilíbrio entre os interesses do insolvente e dos credores, bem como na ponderação capacidade do devedor para cumprir os deveres que para ele resultam da sua boa execução e previstos no artº 239 do CIRE, podendo ainda levar em linha de conta a posição tomada pelo Administrador da Insolvência e pelos credores.

No caso, entendeu a decisão recorrida que o comportamento do insolvente no decurso do processo não permite formar um juízo de prognose favorável acerca da sua vontade e capacidade, em cumprir as exigências legais do instituto, maxime os deveres de informação e colaboração previstos no artº 239 nº 4 al. a), c) e d) do CIRE, considerando ainda que o mesmo violou os deveres de informação e colaboração que lhe são impostos pelo artº 83 nº 1 al. a) e c) do CIRE, pelo menos com negligência grave, o que sempre conduziria ao indeferimento liminar do pedido de exoneração do pedido formulado, nos termos do artº 238 nº 1 al. g) do CIRE.

Vejamos então se os factos provados permitem a conclusão expressa na decisão recorrida, começando por avaliar o preenchimento dos requisitos do artº 238 nº 1 al. g) no qual a decisão também se fundamenta.

De acordo com o estabelecido nesta norma, o pedido de exoneração do passivo é liminarmente indeferido se: “o devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.”

O artº 83 do CIRE dispõe sobre o dever de apresentação e colaboração, consagrando no seu nº 1 as obrigações do devedor, da seguinte forma:

“a) Fornecer todas as informações relevantes para o processo que lhe sejam solicitadas pelo administrador da insolvência, pela assembleia de credores, pela comissão de credores ou pelo tribunal;

b) Apresentar-se pessoalmente no tribunal, sempre que a presença seja determinada pelo juiz ou pelo administrador da insolvência, salva a ocorrência de legítimo impedimento ou expressa permissão de se fazer acompanhar por mandatário;

c) Prestar a colaboração que lhe for pedida pelo administrador da insolvência para efeitos do desempenho das suas funções.”

Percebe-se a razão de ser destas exigências no âmbito do instituto da exoneração do passivo. É que, apresentando-se a exoneração do passivo como um instituto penalizador para os credores, exige-se ao insolvente que dele pretende beneficiar um comportamento conforme à boa fé. A conduta do devedor insolvente é indiciadora da sua rectidão e é pressuposto da possibilidade de beneficiar da exoneração do passivo e das vantagens que tal instituto proporciona.

Os factos provados nos pontos 7 a 13 revelam uma conduta do devedor, de falta de cumprimento dos deveres de informação e de colaboração para com o administrador da insolvência e para com o tribunal.

Interpelado o devedor quer pelo administrador da insolvência, quer mais tarde pelo tribunal, o mesmo não presta as informações que lhe são solicitadas e não junta os elementos pedidos no prazo que lhe é estabelecido, apenas apresentando, uma parte desses elementos mais tarde e continuando outros em falta.

Do ponto de vista subjectivo, se tais factos são insuficientes para dizer que o Recorrente agiu com dolo, pretendendo ocultar informação ao não fornecer elementos ao administrador da insolvência e ao tribunal, já permitem concluir que agiu pelo menos com culpa grave, pois o mesmo não pode deixar de saber que está a ser interpelado no âmbito de um processo judicial de insolvência, no qual está obrigado a prestar a colaboração que lhe é pedida, bem como a relevância da mesma para a apreciação da situação, ainda mais, no caso, uma situação por si pretendida em prejuízo dos credores.

A natureza de tais factos revela que o comportamento do Recorrente, se não foi intencional, foi, pelo menos, grosseiramente negligente, agindo com leviandade grave e censurável e não adoptando na sua conduta a diligência de um bom pai de família- critério que serve de base à apreciação da culpa, nos termos do disposto no artº 487 nº 2 do C.Civil, revelando um grave desrespeito não só para com o administrador e com o tribunal, mas também para com os credores.

A culpa grave do insolvente e a formulação de um juízo de censura não pode deixar de ser afirmada, pois que os mais elementares deveres de probidade, cooperação, honestidade e boa fé lhe impunham outro comportamento de colaboração e de informação para com o administrador da insolvência e para com o tribunal, tendo o mesmo, com o seu comportado e com culpa grave, violado os deveres que lhe são impostos pelo artº 83 nº 1 al. a) e c) do CIRE.

Nestes termos, não merece censura a sentença recorrida quando considera que sempre há lugar ao indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo, por verificação da previsão da al. g) do nº 1 do artº 238 do CIRE.

Impondo-se o indeferimento liminar com base na norma mencionada, fica prejudicada a apreciação da decisão recorrida na parte em que considerou preenchidas as al. a), c) e d) do artº 239 nº 4 do CIRE para fundamentar um juízo de prognose desfavorável acerca da vontade e capacidade do insolvente para cumprir as exigências legais do instituto, como pressuposto para o indeferimento liminar do pedido, atento o estabelecido no artº 608 nº 2 do C.P.C.

V. Sumário:

1. De acordo com o disposto no artº 236 nº 1 do CIRE o decurso do prazo de 10 dias a contar da citação não faz precludir o direito do insolvente apresentar o seu pedido de exoneração do passivo. Tal só se verifica se já tiver sido realizada a assembleia de credores com a apreciação do relatório apresentado pelo administrador.

2. Quando o pedido é formulado pelo insolvente mais de 10 dias após a citação, o juiz decide livremente sobre a admissão ou rejeição do pedido apresentado no período intermédio, de acordo com o disposto na parte final do artº 236 nº 2 do CIRE. O juízo livre a formular pelo juiz, poderá ir além dos critérios estabelecidos pelo legislador no artº 238 do CIRE para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo, mas já não poderá ficar aquém de tais critérios, sob pena de se estar a favorecer o insolvente que apresente o pedido para além do prazo de 10 dias que a lei estabelece.

3. Nesta sua decisão, o juiz terá de ponderar a situação à luz da finalidade do instituto da exoneração do passivo restante e na avaliação do equilíbrio entre os interesses do insolvente e dos credores, bem como na ponderação capacidade do devedor para cumprir os deveres que para ele resultam da sua boa execução e previstos no artº 239 do CIRE, podendo ainda levar em linha de conta a posição tomada pelo Administrador da Insolvência e pelos credores.

4. O pedido de exoneração do passivo deve ser liminarmente indeferido se o devedor, com culpa grave, não cumpre os deveres de informação e colaboração com o administrador da insolvência e para com o tribunal, não juntando elementos que reiteradamente lhe são solicitados, sem apresentar qualquer justificação para a sua omissão, verificando-se a previsão do artº 238 nº 1 al. g) do CIRE.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se o recurso interposto improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela massa insolvente- artº 303 e 304 do CIRE.

Notifique.

                                                           *

                                               Coimbra, 10 de Março de 2015

           

                       

                                                Maria Inês Moura (relatora)

                                        Luís Cravo (1º adjunto)

                                        Carvalho Martins (2º adjunto)