Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
595/14.1TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANO NÃO PATRIMONIAL
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 03/14/2017
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.483, 564, 566 CC
Sumário: 1. - O STJ vem entendendo constituir dano biológico, a dever ser valorado como dano patrimonial futuro – e, como tal, objeto de indemnização (independentemente da possível repercussão em sede de danos não patrimoniais) –, a situação do lesado que, sem perda de retribuição laboral, fica, por efeito das lesões decorrentes de acidente de viação, portador de sequelas anatomo-funcionais que, embora compatíveis com o exercício da sua atividade profissional, implicam esforços suplementares.

2. - Tal défice permanente repercutir-se-á em diminuição da condição e capacidade física, da resistência, da capacidade de certos esforços e correspondente necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado, traduzindo-se numa empobrecida capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades humanas em geral e progressiva maior penosidade das laborais.

3. - Limitação que, com consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado, é apta a dificultar-lhe a concorrência, se necessário, no mercado laboral, ou passível de conduzir à sua reforma antecipada, com as inerentes quebras de rendimento no futuro.

4. - O valor indemnizatório por tal dano patrimonial futuro, sendo indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do CCiv..

5. - O quantum da indemnização por danos não patrimoniais deve ser significativo, visando propiciar adequada compensação quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, tendo em conta os padrões jurisprudenciais atualizados.

6. - A equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio.

7. - Perante decisões recorridas fundadas na equidade, é adequado um critério de revogação apenas das soluções que excedam manifestamente determinada margem de liberdade decisória, sendo então de verificar o padrão de equidade aplicado em concreto, pelo que, a situar-se a indemnização no quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, não se justificará a revogação.

8. - É adequado o montante indemnizatório atualizado de € 30.000,00 pelo dano biológico, traduzido numa IPP de 6 pontos, com possível agravamento futuro, limitando de forma significativa o uso de um dos membros inferiores do lesado, com 39 anos de idade ao tempo do acidente (ocorrido já em fevereiro de 2013), o que o obriga a esforços suplementares no exercício da sua profissão de guarda prisional, impedindo-lhe a realização de certas tarefas com maior exigência física, para além de constituir limite permanente na sua vida extraprofissional.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:



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I – Relatório

D (…), com os sinais dos autos,

intentou ([1]) ação declarativa condenatória, com a forma de processo comum, contra

M (…)–S. A.”, também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação da R. a:

«a) Pagar ao Autor o montante de indemnização a título de danos patrimoniais que se fixa em € 5.000,00;

b) Pagar ao Autor o montante de indemnização a título de danos não patrimoniais que se fixa em € 10.000,00;

c) A pagar ao Autor o montante de indemnização por perda de capacidade aquisitiva que se fixa em € 20.000,00;

d) A pagar ao Autor o montante de indemnização a título de danos patrimoniais futuros previsíveis e determináveis nos próximos 2 anos, o montante de € 5.000,00;

e) Deverá relegar-se para execução de sentença o custo com eventuais intervenções cirúrgicas e internamentos e inerentes exames, bem como os preços dos medicamentos, tratamentos fisiátricos a que se revelem necessários para curar as lesões do Autor (cfr. Art. 609.º, nº 2 C.P.C);

f) Tudo acrescido de juros legais, contados desde a data de citação até integral pagamento.».

Alegou, para tanto, em síntese, que, em consequência de acidente de viação de que foi responsável a condutora de veículo seguro na R., o A. sofreu diversos danos, que identifica e valoriza (os quantificados/indicados no petitório), danos esses que importa reparar integralmente, cabendo a responsabilidade para o efeito àquela R., por força de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel em vigor ao tempo do sinistro.

Citada a R., apresentou esta contestação, impugnando parcialmente os factos alegados quanto ao desenrolar do acidente e, bem assim, a extensão e quantificação dos danos invocados, concluindo pela improcedência da ação.

Em sede de audiência prévia, onde a R. declarou aceitar toda a factualidade atinente à dinâmica do acidente, foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e definida a temática da prova.

Procedeu-se a julgamento – em cuja audiência o A. requereu a ampliação do pedido, quanto à indemnização por perda de capacidade aquisitiva (al.ª c) do petitório) de € 20.000,00 para € 35.000,00, o que lhe foi admitido –, após o que foi proferida sentença (datada de 31/03/2016, julgando de facto e de direito) nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente por provada e em conformidade, condeno a ré M (…), S.A. a pagar ao autor:

1- A quantia a quantia de € 4.138,07 (…), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data da citação até integral pagamento;

2- Ao autor a quantia de € 45.000,00 (…), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data desta decisão até integral pagamento;

3 – Absolvo a R. do resto do pedido.» ([2]).

Da sentença veio a R., inconformada, interpor recurso – limitado à matéria de direito e, neste âmbito, apenas incidente sobre o quantum indemnizatório pelo dano biológico e pelo dano moral propriamente dito –, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões:

(…)

Contra-alegou o A./Apelado, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação do sentenciado.


***

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e com efeito suspensivo (por prestação de caução), após o que foi ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados.


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II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, o thema decidendum consiste em saber se devem, ou não, ser alterados os montantes arbitrados em sede indemnizatória, tendo em conta o que vem impugnado no âmbito recursório.


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III – Fundamentação

         A) Matéria de facto

É a seguinte a factualidade apurada ([3]) a atender:

«1. No dia 26 de Fevereiro de 2013, pelas 17.10 horas, quando circulava de mota com matrícula (...) NF de marca Suzuki - GSF 600, no sentido Coimbra – Figueira da Foz.

2. Na EN 111 que liga Coimbra à Figueira da Foz, ao passar no cruzamento de São Silvestre, um veículo ligeiro com matrícula (...) -QS, de marca FIAT Punto, conduzido pela Sr.ª (…), segurada da Ré, que se apresentava pela sua direita e circulava no sentido da Urbanização Quinta da Varela para a EN 111.

3. No local existiam semáforos.

4. Estavam intermitentes.

5. Existia para quem circulava da Urbanização Quinta da Varela para a EN 111um sinal STOP.

6. O veículo ligeiro com matrícula (...) -QS, de marca FIAT Punto, conduzido pela Sr.ª (…) atravessou-se, vindo o Autor a colidir com a parte fronto-lateral esquerda do automóvel.

7. O veículo não respeitou a obrigação de parar imposta pelo sinal STOP, entrando na estrada sem tomar as devidas precauções.

8. Provocando, assim, o violento embate, sem permitir ao Autor qualquer desvio para evitar o sinistro.

9. No momento do embate, o Autor estava a usar capacete de proteção.

10. Em consequência da colisão, o Autor foi assistido no Serviço de Urgência (SU) dos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde foi observado. (Cfr. Doc. n.º 2, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais).

11. Realizou radiografias do crânio, pescoço e tórax.

12. Teve alta no próprio dia com indicação para efetuar repouso e analgesia em SOS.

13. Em virtude da alta, o A. viu-se obrigado a apresentar-se ao serviço logo no dia seguinte ao sinistro, não obstante as dores que sentia tanto no joelho como nas mãos.

14.Após ter sido contactado pela Ré, o Autor comparece na Casa de Saúde de Santa Filomena (SANFIL), no dia 06/03/2013.

15. A partir desse momento, o Autor iniciou consultas de ortopedia na referida clínica.

16. O A. foi contactado, novamente, para comparecer numa segunda consulta na SANFIL, no dia 27/03/2013.

17. Realizou uma Ressonância Magnética (RM) ao joelho esquerdo, na qual terá sido detectada lesão do menisco interno e do ligamento cruzado interior.

18. Motivo pela qual foi tratada cirurgicamente em 15/04/2013. (Cfr. Doc n.º 3, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais)

19. Tendo de se manter internado até 18/04/2013, data em que teve alta para o domicílio com o membro inferior esquerdo imobilizado.

20. O Autor prosseguiu a recuperação no seu domicílio, inicialmente acamado com total ajuda de terceiros, nomeadamente da esposa que o ajudou em todas as atividades da vida diária, desde a alimentação à higiene pessoal.

21. Durante o pós-operatório o Autor manteve os cuidados de penso, seguimento e consulta de ortopedia na SANFIL, por iniciativa própria,

22. Onde lhe foram retirados os pontos, mas com continuação da imobilização sensivelmente por 15 dias após a cirurgia, data em que começou a deambular com a ajuda de duas canadianas.

23. Assim, permaneceu durante um mês e meio a auxiliar a sua marcha, passando posteriormente, e durante quinze dias a caminhar com uma só canadiana à direita.

24. No dia 03/05/2013 voltou a ter consulta na SANFIL, onde foi prescrito tratamento de fisioterapia.

25. Iniciou tratamentos diários de fisioterapia, no Centro de Diagnóstico e Tratamento Integrado de Sta. Filomena (CDTI – SANFIL), em conjuntos de 20 sessões sucessivas, desde Maio de 2013 até Outubro de 2013, num total de 80 sessões, ao fim das quais, sentiu melhorias no caminhar. (Cfr. Doc. n.º4, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais)

26. Porém, as dores persistiam, facto que deu conhecimento ao técnico responsável.

27. Após os referidos tratamentos o Autor não voltou a ser contactado pela SANFIL para nova consulta de acompanhamento.

28. O Autor foi contactado, pela primeira vez, no dia 24/06/2013, para comparecer numa junta médica pela ADSE,

29. Tendo sido deliberado, por unanimidade, a impossibilidade de regressar ao serviço. (Cfr. Doc. n.º 5, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais).

30. No dia 16/09/2013, a baixa médica foi novamente prolongada, com a mesma justificação e em nova junta médica da ADSE. (Cfr. Doc. n.º 6, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais)

31. Somente no dia 21/10/2013 o A. teve alta médica pela junta médica da ADSE, com efeitos a partir do dia 23/10/2013. (Cfr. Doc. n.º 7, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais)

32. Porém, condicionada a serviços moderados adaptados a situação clínica evitando esforços físicos e períodos prolongados de marcha, durante 180 dias.

33. Recorreu a título particular ao Dr.º (…), uma vez que, não obstante as melhorias no caminhar, continuava a sentir dores e limitações motoras.

34. Por indicação clínica realizou uma RM ao joelho esquerdo em 25/10/2013, no Centro de Imagiologia Médica – IMACENTRO. (Cfr. Doc. n.º 8, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais)

35. Tendo pago para o efeito € 30,00. (Cfr. Doc. n.º 9, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais)

36. Ora, o exame acima indicado revelava algumas alterações resultantes do sinistro no membro inferior esquerdo.

37. Daí que o Autor tenha requerido, de igual modo, e por sua iniciativa, uma perícia médico-legal no INML, I.P., para avaliação de dano corporal, realizado no dia 06/01/2014. (Cfr. Doc. n.º 10, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais)

38. Com um valor total de € 510,00, suportado integralmente pelo A. (Cfr. Doc. n.º11, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais)

39. As limitações que o Autor sofreu decorrentes do sinistro, implicam dificuldade de caminhar em pisos assimétricos e descer escadas.

40. Tem perda de força na perna esquerda em virtude das dores que sente no joelho esquerdo quando se encontra de pé, até em pequenos períodos de tempo.

41. Sempre que o nível de esforço aumenta, coloca os joelhos no chão ou há mudanças de tempo, o Autor sente um agravamento das dores do joelho esquerdo.

42. As lesões relacionadas com o sinistro no membro inferior esquerdo causaram mobilidades do joelho conservadas com instabilidade ântero-posterior (teste de Lachman positivo).

43. Amiotrofia da coxa de 1 cm (determinada 15 cm acima da interlinha auricular); amiotrofia da perna de 3 cm (determinada 10 cm abaixo da interlinha auricular).

44. Cicatriz acastanhada na metade lateral do terço distal da face anterior da coxa com 0,5 cm de diâmetro; cicatriz nacarada rosada, longitudinal, mediana, no joelho medindo 9 cm de comprimento por 0,5 cm de largura; cicatriz acastanhada na metade medial do terço proximal da face anterior da coxa, com 5 mm de diâmetro.

45. O autor sofreu dores resultantes dos ferimentos sofridos e dos tratamentos que estes implicaram. O quantum doloris foi fixado no grau 4/7.

46. O défice funcional permanente da Integridade Físico-Psíquica foi fixável em 6 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro.

47. A nível profissional, as sequelas descritas são compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual do autor mas implicam esforços suplementares.

48. As repercussões permanentes nas atividades desportivas e de lazer fixam-se no grau 3/7.

49. O dano estético é fixável no grau 1/7.

50. Esteve 239 dias incapacitado profissionalmente.

51. O Autor aufere em média € 323,93 de trabalho extraordinário, pelo horário noturno realizado e € 58,42 de suplemento de segurança prisional.

52. À data do acidente o autor auferia a remuneração base de € 999,28€.

53. O Autor não auferiu os montante abaixo indicados referente ao período de ausência ao serviço de 15 de abril de 2013 a a 22 de outubro de 2013:

Vencimento - € 345,17

Subsídio de Refeição … € 576,45

Trabalho Extraordinário de Abril a Outubro (€ 323,93 x 7 meses) - € 2267,51

Suplemento Segurança Prisional nos meses de Abril a Outubro (€ 58,42 x 7 meses) - € 408,94.

54. As faltas por doença descontam na antiguidade para efeitos de tempo de serviço na carreira quando ultrapassam 30 dias seguidos ou interpolados em cada ano civil.

55. Durante o período de recuperação, realizou-se o Plano anual de tiro, o qual o Autor não pode apresentar-se.

56. Nem pode ser sujeito a avaliação ordinária de desempenho profissional, mas tão-somente a ponderação curricular.

57. O Autor ficou impedido de jogar futebol todas as semanas com os amigos.

58. Por outro lado, também a nível profissional, enquanto guarda prisional, está impedido de fazer diligências no exterior e vigilâncias nos pisos superiores.

59. Nem pode intervir em situações de maior tensão, por exemplo, entre rixas de reclusos.

60. É requisito obrigatório da sua profissão a aptidão e robustez física.

61. Também não pode, concretizar muitas brincadeiras com os filhos porque não tem a mesma destreza física.

62. O Autor sente-se frustrado, triste, desanimado, tanto a nível pessoal como profissional.

63. De igual forma, não pode conviver com os amigos num simples jogo de futebol, como era habitual.

64. O Autor nasceu em 06/04/1973.

65. É Guarda Prisional, profissão que ainda mantém no Estabelecimento Prisional de Leiria (jovens), embora com adaptações no posto de trabalho.

66. Para reparação dos danos direta e necessariamente causados ao A. pelo sobredito acidente, a R. entregou-lhe, e este recebeu e embolsou, fazendo suas, as quantias pecuniárias que se passam a discriminar:

• Despesas de tratamento - Euro 39,00

• Objetos pessoais danificados - Euro 1.370,71

• Despesas médicas e de transporte - Euro 471,25

• Despesas de transporte - Euro 207,90

• Despesas de transporte - Euro 207,90

• Despesas de transporte - Euro 158,40

• Despesas de transporte - Euro 168,30

TOTAL: Euro 2.623,46

67. Através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º (...) /1, a R. assumiu a responsabilidade emergente da circulação rodoviária do veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca FIAT, modelo PUNTO, matrícula (...) -QS.».

E foi julgado não provado – também de forma incontroversa – o seguinte:

«- O mais alegado em 9º, o mais alegado em 10,º o mais alegado em 11º, o alegado em 18º e 19º, o alegado em 21º, o mais alegado em 25º e 26º, o alegado em 45º, o mais alegado em 46º, o alegado em 49º, o mais alegado em 50º e 51º, o mais alegado em 52º, o mais alegado em 61º-A, o alegado em 64º, o mais alegado em 66º, o alegado em 67º e 68º, o mais alegado em 69º, o alegado em 84º e o alegado em 87º, 88º e 89º da petição inicial.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa (…).».


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B) Substância jurídica do recurso

1. - Da indemnização pelo dano biológico

Na sentença em crise arbitrou-se indeminização pelo dano biológico, perspetivado in casu como um autónomo dano não patrimonial, na quantia de € 35.000,00 ([4]).

A R./Apelante, inconformada, argumenta, ex adverso, que tal dano se deve reconduzir à categoria de dano patrimonial, pois que na al.ª J) das suas conclusões refere que “… afigura-se adequada a atribuição da indemnização a título de dano patrimonial futuro, na vertente de dano biológico, no valor nunca superior a Euro 20.000,00” (sic, com itálico aditado).

Assim, a incidência do dano biológico, como dano físico-psíquico, sobre a capacidade de trabalho ou de ganho do A. (e sobre as demais tarefas da sua vida diária), levaria a que devesse ser confinado ao âmbito de dano patrimonial, em vez de não patrimonial ([5]).

Cabe, pois, agora responder à questão que se impõe começar por resolver: a de saber se, no caso, o dano biológico sofrido deve ser indemnizado como repercutindo-se em sede de dano patrimonial ou, diversamente, de dano não patrimonial, ou mesmo em ambos os domínios.

Para depois verificar se o quantum indemnizatório atribuído autonomamente nesta sede é de manter, ou não.

Convém não perder de vista que, atenta a demarcação dos danos para efeitos indemnizatórios, a sentença valorou neste âmbito o nível de IPP sofrido – de 6 pontos, mas sendo de admitir a existência de dano/agravamento futuro –, a idade do A. ao tempo do acidente (tinha 39 anos), a esperança média de vida (de 77,2 anos para o sexo masculino), as limitações que as sequelas de que o lesado é portador implicam para o seu dia-a-dia (designadamente, em termos de prática desportiva, mas também em todas as demais tarefas da sua vida pessoal que lhe exijam esforços físicos com utilização do membro lesado), tal como para a sua atividade profissional (de guarda profissional, que se viu muito limitado no exercício físico de tais funções, com impedimento de fazer diligências no exterior e vigilâncias nos pisos superiores, não podendo intervir em situações de maior tensão, como no caso de rixas de reclusos), posto que manifesta dificuldade em caminhar em situações tão simples como pisos assimétricos e descida de escadas, tendo perda de força na perna esquerda, ante as dores no joelho esquerdo quando de pé, mesmo em pequenos períodos de tempo, dores essas que se agravam sempre que o nível de esforço aumenta, coloca os joelhos no chão ou ocorrem mudanças nas condições do tempo, sem esquecer que aquela IPP não provocou perda de rendimentos do trabalho, nem impossibilidade de continuação do exercício da profissão habitual, mas maior penosidade na sua execução, por exigência de esforços suplementares para a prática das mesmas funções laborais, sempre ponderando que o “A. sofreu e irá sofrer até ao resto dos seus dias um dano biológico permanente” (cfr. fundamentação de direito da sentença, a fls. 234 v.º e seg.)

Perspetivou-se, pois, o período de vida ativa do lesado e mesmo, para além disso, todo o tempo previsível da sua vida futura, com permanente/definitiva afetação da sua potencialidade física, sujeita a previsível/expectável agravamento natural resultante da idade.

Ora, o Supremo Tribunal de Justiça (doravante, STJ) tem vindo a entender, de forma claramente dominante, que este tipo de dano biológico deve ser valorado como dano patrimonial futuro e, como tal, objeto de indemnização.

Assim, já em Ac. de 12/09/2006, relatado pelo Cons. Moreira Camilo ([6]), a questão era abordada pela seguinte forma:

«2. Ficou provado que a recorrente, em consequência do acidente, ficou com uma Incapacidade Permanente (parcial) Geral de 5% (Facto 191).

Nada faz prever que a incapacidade que lhe foi atribuída venha a ter repercussão no seu efectivo ganho.

A recorrente tem, e certamente continuará a ter, os mesmos rendimentos do seu trabalho (de acordo com a função que exerce ou venha a exercer), sem haver, portanto, qualquer redução decorrente das sequelas do acidente.

Contudo, a incapacidade permanente que a afecta repercutir-se-á, residualmente, em diminuição da condição e capacidade física, da resistência, da capacidade de certos esforços e correspondente necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado, em suma, numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades humanas em geral e maior penosidade das laborais (neste sentido, cfr., entre outros, acórdãos deste STJ de 05.02.1987, in BMJ 364º-819, de 08.07.2003, proferido na Revista nº 1928/03, desta Secção, in Sumários de Acórdãos do STJ, Gabinete dos Juízes Assessores, Julho/Setembro, 2003, pág. 47, e de 14.10.2003, proferido na Revista nº 1929/03, desta Secção, de que foi relator o aqui relator, in Sumários ..., Outubro, 2003, pág. 51).

É, pois, esta incapacidade física para a execução de tarefas do círculo da vida não especificamente associado à actividade profissional que integra o dano a indemnizar.

Trata-se, sem dúvida, de um dano de natureza patrimonial que, reflectindo-se, embora em grau indeterminável, na actividade laboral, na medida em que se manifesta pelas sobreditas limitações, revela aptidão para, designadamente, poder retardar ou impedir progressões profissionais ou conduzir a reforma antecipada, tudo com as inerentes quebras de rendimento no futuro.

3. Concordamos com a recorrente quando diz que estamos perante uma incapacidade funcional que constitui um dano patrimonial passível de indemnização específica, a ser enquadrado na categoria de dano patrimonial futuro.».

No mesmo sentido – sem preocupações de exaustividade –, os seguintes arestos:

- Ac. STJ, de 23/04/2009, Proc. 292/04.6TBVNC.S1 (Cons. Salvador da Costa), em www.dgsi.pt:

«2. A indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa.

3. A mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional, isto é, sem se traduzir em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, patrimonial, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado.» (sumário do Ac.);

- Ac. STJ, de 14/09/2010, Proc. 797/05.1TBSTS.P1 (Cons. Ferreira de Almeida), em www.dgsi.pt:

«IV. Na tarefa de quantificação da indemnização por danos patrimoniais futuros (IPP), de carácter previsível, impõe a lei a utilização da teoria da diferença e da equidade como critérios indemnizatórios.

V. O dano patrimonial futuro mais típico traduz-se, no caso de uma advinda incapacidade permanente parcial (IPP), na perda ou diminuição da capacidade de trabalho ou na perda ou diminuição da capacidade de ganho, sem prejuízo da sua autónoma valoração como dano de natureza não patrimonial.

VI. Há que distinguir entre incapacidade fisiológica ou funcional, por um lado, vulgarmente designada por «deficiência» (vulgo «handicap») e a incapacidade para o trabalho ou incapacidade laboral por outro. Isto apesar de uma e outra serem igualmente dignas de valorização e consequente indemnização, não obstante a chamada teoria da diferença se ajustar mais facilmente às situações em que a lesão sofrida haja sido causa de uma efectiva privação da capacidade de ganho.

VII. Na incapacidade funcional ou fisiológica, a repercussão negativa da respectiva IPP (danos patrimoniais futuros) centra-se (sobretudo) na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente, e igualmente previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução regular das tarefas normais a seu cargo - agravamento da penosidade (de carácter fisiológico).

VIII. O lesado tem direito a ser indemnizado por IPP resultante de acidente de viação – prove-se ou não que, em consequência dessa incapacidade, haja resultado diminuição dos seus proventos do trabalho. Trata-se de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 - integridade psicossomática plena -, que não particularmente qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos.» (sumário do Ac.);

- Ac. STJ, de 07/06/2011, Proc. 160/2002.P1.S1 (Cons. Granja da Fonseca), em www.dgsi.pt:

«I - O dano futuro previsível mais típico prende-se com os casos de perda ou diminuição da capacidade de trabalho e da perda ou diminuição da capacidade de ganho, perda esta caracterizada como efeito danoso, de natureza temporária ou definitiva, que resulta para o ofendido do facto de ter sofrido uma dada lesão, impeditiva da sua obtenção normal de determinados proventos certos (…) como paga do seu trabalho.

II - Porém, a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e ainda que dela não resulte perda de vencimento, reveste a natureza de um dano patrimonial, já que a força do trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos, é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão.

III - Assim, para ser atribuída indemnização pelo dano patrimonial futuro (IPP) não é necessário que a incapacidade determine perda ou diminuição de rendimentos.

IV - Essa incapacidade reflecte-se na impossibilidade de uma vida normal, com reflexos em toda a capacidade, podendo configurar-se como uma incapacidade permanente que deve ser indemnizada.

V - Basta a alegação dessa incapacidade para, uma vez demonstrada, servir de fundamento ao pedido de indemnização pelo dano patrimonial futuro, cujo valor, por ser indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do preceituado no art. 566.º, n.º 3, do CC..» (sumário do Ac.);

- Ac. STJ, de 07/06/2011, Proc. 3042/06.9TBPNF.P1.S1 (Cons. Lopes do Rego), em www.dgsi.pt:

«1.Ao arbitrar-se indemnização pelo dano patrimonial futuro deve ter-se em consideração, não apenas a parcela de rendimentos salariais directa e imediatamente perdidos em função do nível de incapacidade laboral do lesado, calculados através das tabelas financeiras correntemente utilizadas, mas também o dano biológico sofrido por lesado ainda jovem, (consubstanciado em IGP de 29,5%, sujeita a evolução desfavorável, convergindo para o valor de 39,5%), com relevantes limitações funcionais, redutoras das possibilidades de progressão ou reconversão profissional futura, implicando um esforço acrescido no exercício da actividade e gerando uma irremediável perda de oportunidades na evolução previsível da respectiva carreira profissional, alicerçada em curriculum profissional sólido e capacidades pessoais já amplamente reveladas.» (sumário do Ac.) ([7]);

- Ac. STJ, de 21/03/2013, Proc. 565/10.9TBPVL.S1 (Cons. Salazar Casanova), em www.dgsi.pt:

«I - O dano biológico, dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (danos-consequência) designadamente aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho.

II - Constitui dano patrimonial a perda de capacidade de trabalho permanente geral de 15 pontos que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão a justificar, nos termos do art. 564.º, n.º 2 do CC, indemnização correspondente ao acrescido custo do trabalho que o lesado doravante tem de suportar para desempenhar as suas funções laborais.

III - Este dano é distinto do dano não patrimonial (art. 496.º do CC) que se reconduz à dor, ao desgosto, ao sofrimento de uma pessoa que se sente diminuída fisicamente para toda a vida.» (sumário do Ac.);

- Ac. STJ, de 11/04/2013, Proc. 201/07.0TBBGC.P1.S1 (Cons. António Piçarra), em www.dgsi.pt:

«I - O lesado que fica a padecer de IPP – sendo a força de trabalho um bem patrimonial que propicia rendimentos – tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que a lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis.

II - A incapacidade permanente constitui, de per si, um dano patrimonial, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral (presente ou previsivelmente futuro), quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais (actuais ou previsivelmente futuros).

(…)

IV - Enquanto a indemnização ressarcitória, típica do dano patrimonial, colmata uma lacuna de conteúdo económico existente no património do lesado, a reparação que ocorre relativamente ao dano não patrimonial encontra o património do lesado intacto, mas aumenta-o para que, com tal aumento, este possa encontrar uma compensação para a dor e restabelecer o equilíbrio na esfera incomensurável da felicidade humana.» (sumário do Ac.);

- Ac. STJ, de 02/12/2013, Proc. 1110/07.9TVLSB.L1.S1 (Cons. Garcia Calejo), em www.dgsi.pt:

«III - O dano biológico é um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, afectando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa, sexual, social e sentimental. É um dano que determina perda das faculdades físicas e até intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a idade do ofendido. Em termos profissionais conduz este dano o lesado a uma posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho, exigindo-lhe um maior esforço para o desenvolvimento da sua laboração.

IV - O dano biológico é indemnizável per si, independentemente de se verificarem, ou não, as consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado.» (sumário do Ac.);

- Ac. STJ, de 18/12/2013, Proc. 3186/08.2TBVCT.G1.S1 (Cons. Fonseca Ramos), em www.dgsi.pt:

«IV - No caso dos autos, do ponto de vista da actividade profissional da Autora, docente profissional, com 40 anos ao tempo do acidente, auferindo o vencimento mensal base de € 1748,16, pese embora a incapacidade permanente geral de 11 pontos que a afecta, incapacidade compatível com as actividades habituais, mas implicando esforços suplementares, o facto das sequelas não implicarem a perda de rendimentos laborais, importa que sejam consideradas como dano patrimonial futuro, dano biológico, já que a afectação da sua potencialidade física e psicológica determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará.

V - O que está em causa é, pois, o dano biológico na perspectiva de dano patrimonial, que implica que se atenda às repercussões que a lesão causa à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais.» (sumário do Ac.) ([8]);

- Ac. STJ, de 20/11/2014, Proc. 5572/05.0TVLSB.L1.S1 (Cons. Maria dos Prazeres Beleza), em www.dgsi.pt:

«– Como se disse já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (www.dgsi.pt, 1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 103/2002.L1.S1), “É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).»acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978) – e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. Nº 428/07.5TBFAF.G1-S1) A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”» ([9]).

Concorda-se, assim, com esta jurisprudência, aliás esmagadora, do STJ, pelo que é nesta perspetiva que deve ser encarada a indemnização deste dano.

Estamos, pois, neste particular, perante um dano patrimonial, contrariamente ao entendimento do Tribunal recorrido e como defende a R./Apelante, dano esse que, como entendido na sentença, pela sua dimensão e consequências, deve ser demarcado, para efeitos indemnizatórios, dos demais danos ali mencionados.

Donde a procedência, em sede qualificativa deste dano, das conclusões daquela Apelante, importando, de seguida, aferir da correção do montante indemnizatório arbitrado, sendo certo que se manterá o apelo à equidade para efeitos de quantificação indemnizatória.

Desde logo, deve dizer-se – citando o aludido Ac. STJ, de 20/11/2014, Proc. 5572/05.0TVLSB.L1.S1 – que, “Como repetidamente tem observado o Supremo Tribunal de Justiça, o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, (…) destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele (cfr., por todos, o acórdão de 7 de Julho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 205/07.3GTLRA.C1)”.

A 1.ª instância, recorrendo à equidade – em cujo âmbito ponderou a pertinente factualidade provada –, fixou o dito montante indemnizatório de € 35.000,00, enquanto a R./Apelante pugna pela sua redução para não mais de € 20.000,00.

Neste âmbito, é verdade que o défice funcional se prolongará por toda a vida do lesado (para além da idade da reforma, não significando esta que se deixe de trabalhar depois dessa idade), sendo que este contava, ao tempo do acidente, 39 anos de idade – apenas –, como referido na sentença.

Tal défice, reportado a uma incapacidade de não mais de 06 pontos (numa escala até aos 100), não deixa de ser significativamente relevante e condicionador da vida diária do A./Apelado, mormente no seu exigente trabalho de guarda prisional, em cujo âmbito há tarefas que deixou de poder executar, mas que também se tornou mais penoso, seja, obviamente, nas demais tarefas diárias da sua vida pessoal, tal como até nos seus tempos de lazer (caminhar, praticar desporto, etc.), posto que, como é consabido, a vida da pessoa não se esgota na sua atividade profissional.

Assim sendo, tendo em conta que a indemnização agora a fixar já se encontra atualizada ([10]) – e é apreciável o tempo entretanto decorrido, aqui tido como fator de ponderação, posto que o acidente teve lugar em 26/02/2013 –, vista a idade do lesado e os reflexos da incapacidade na sua vida, profissional e não só – a maior penosidade a que está exposto vai prolongar-se por toda a sua restante vida ativa, previsivelmente por várias décadas, atenta a sua ainda relativa juventude, com repercussões muito significativas no seu exercício profissional, atenta a sua profissão habitual, condicionando as suas possibilidades de progressão na carreira e até podendo, ante o previsível agravamento/dano futuro, levar a uma reforma precoce, em funções consabidamente de risco e com indiscutíveis exigências ao nível físico –, e adotando a bitola da equidade ([11]), não sendo possível proceder a um cálculo aritmético do dano ([12]), por não se verificar uma perda concreta de rendimentos nesta precisa vertente, parece-nos adequado e conforme aos padrões indemnizatórios jurisprudências presentes, o montante, inferior ao arbitrado pela 1.ª instância, de € 30.000,00já objeto, como dito, de atualização.

Procedem, pois, parcialmente as conclusões em contrário da Apelante, com a consequente alteração da decisão recorrida.

1.2. - Da indemnização por danos não patrimoniais

Refere a Apelante que, fixada a reparação por danos morais, novamente com recurso necessário à equidade, em € 10.000,00, não se deveria ter ido além dos € 7.500,00, considerando o valor atribuído manifestamente excessivo.

Ora, vista a amplitude de tais danos morais sofridos, tal como elencados na sentença e resultantes da factualidade provada, dir-se-á que, mais uma vez, tem de operar aqui – especialmente aqui – o juízo de equidade, de molde a encontrar a justa solução do caso, ressarcindo devidamente o lesado.

E deve começar por dizer-se que o valor atribuído corresponde ao originariamente peticionado a este título (neste segmento indemnizatório foi concedida a reparação pelo montante peticionado).

E o que pretende agora a Recorrente? Que se retire € 2.500,00 a esse valor reparatório à vítima.

Ora, concorda-se, quanto à equidade, que pode emergir uma dimensão subjetiva inerente a cada julgador, potenciadora de soluções divergentes para casos similares, razão pela qual a aplicação, em concreto, da equidade obriga a especial ponderação, de molde a, numa perspetiva objetivista do juízo equitativo, evitar soluções que, afetando a certeza e segurança do direito, sejam portadoras de injustiça.

Neste âmbito, parece que os tribunais superiores devem adotar um critério prudencial que apenas considere como censurável e suscetível de revogação uma solução que, de forma manifesta e intolerável, exceda certa margem de liberdade decisória que permite considerar como ainda ajustado e razoável um montante indemnizatório situado dentro de determinados limites.

Haverá, pois, de sindicar-se o critério de equidade concretamente aplicado, pelo que, a situar-se a indemnização fixada no quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, designadamente à luz da prática jurisprudencial mais recente do STJ e atendendo às diferenças nas circunstâncias pessoais das vítimas, não será caso de revogar a decisão recorrida ([13]).

A esta luz, portanto, e atenta a dimensão do dano sofrido agora a ser objeto de valoração – como referido na sentença, o A. sofreu dores resultantes dos ferimentos e dos tratamentos, num quantum doloris já de grau 4/7, ficou com diversas cicatrizes (na coxa, uma com 0,5 cm de diâmetro e outra com 5 mm de diâmetro, e no joelho, com 9 cm de comprimento por 0,5 cm de largura), com correspondente dano estético no grau 1/7, não pode concretizar certas brincadeiras com os filhos por falta de destreza física, nem jogar futebol como era habitual antes, tudo isso o levando a sentir-se frustrado, triste, desanimado, nos planos pessoal e profissional (apurando-se repercussões permanentes nas atividades desportivas e de lazer em grau 3/7), sendo atendível o sofrimento suportado até à alta clínica e resultante das intervenções a que foi sujeito –, não se vê que o juízo de equidade utilizado pela 1.ª instância mereça censura, antes se conformando com a justiça do caso, pelo que não ocorre, que se veja, motivo para alteração da decisão no sentido pretendido, tanto mais que o montante indemnizatório já se mostra atualizado, pelo que os juros de mora só são devidos a contar da decisão condenatória.

Improcedem, pois, as conclusões em contrário da Apelante, com a consequente confirmação, nesta parte, da decisão recorrida.

Em suma, apenas se altera a indemnização pelo dano biológico – aqui visto como dano patrimonial futuro –, que se reduz ao montante de € 30.000,00, mantendo-se, pois, no mais a decisão em crise.

                                               ***

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - O STJ vem entendendo constituir dano biológico, a dever ser valorado como dano patrimonial futuro – e, como tal, objeto de indemnização (independentemente da possível repercussão em sede de danos não patrimoniais) –, a situação do lesado que, sem perda de retribuição laboral, fica, por efeito das lesões decorrentes de acidente de viação, portador de sequelas anatomo-funcionais que, embora compatíveis com o exercício da sua atividade profissional, implicam esforços suplementares.

2. - Tal défice permanente repercutir-se-á em diminuição da condição e capacidade física, da resistência, da capacidade de certos esforços e correspondente necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado, traduzindo-se numa empobrecida capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades humanas em geral e progressiva maior penosidade das laborais.

3. - Limitação que, com consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado, é apta a dificultar-lhe a concorrência, se necessário, no mercado laboral, ou passível de conduzir à sua reforma antecipada, com as inerentes quebras de rendimento no futuro.

4. - O valor indemnizatório por tal dano patrimonial futuro, sendo indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do CCiv..

5. - O quantum da indemnização por danos não patrimoniais deve ser significativo, visando propiciar adequada compensação quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, tendo em conta os padrões jurisprudenciais atualizados.

6. - A equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio.

7. - Perante decisões recorridas fundadas na equidade, é adequado um critério de revogação apenas das soluções que excedam manifestamente determinada margem de liberdade decisória, sendo então de verificar o padrão de equidade aplicado em concreto, pelo que, a situar-se a indemnização no quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, não se justificará a revogação.

8. - É adequado o montante indemnizatório atualizado de € 30.000,00 pelo dano biológico, traduzido numa IPP de 6 pontos, com possível agravamento futuro, limitando de forma significativa o uso de um dos membros inferiores do lesado, com 39 anos de idade ao tempo do acidente (ocorrido já em fevereiro de 2013), o que o obriga a esforços suplementares no exercício da sua profissão de guarda prisional, impedindo-lhe a realização de certas tarefas com maior exigência física, para além de constituir limite permanente na sua vida extraprofissional.

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar apenas parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, decidem:
a) Alterar a decisão recorrida quanto ao montante parcelar indemnizatório pelo dano biológico, que, visto como dano patrimonial futuro, se reduz para a quantia, já atualizada, de € 30.000,00 (trinta mil euros), a que acrescem juros de mora, à taxa supletiva legal aplicável às dívidas de natureza civil, desde a data da decisão recursória e até integral pagamento;
b) Mantendo no mais a sentença apelada (montantes de € 4.138,07, e seus juros fixados, e de € 10.000,00, e respetivos juros moratórios, estes como mencionado em a) supra).

Custas da apelação e na 1.ª instância por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.

 
Coimbra, 14/03/2017

Escrito e revisto pelo relator.

Elaborado em computador.

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro ( com declaração de voto anexa)

Declaração de voto.

Tenho entendido e entendo, sem implicação prática e sem por em causa a decisão concreta, que subscrevo, que a incapacidade permanente parcial dá lugar a indemnização por dano não patrimonial específico, no âmbito do “dano biológico”, quando aquela não impede o lesado de continuar a sua atividade habitual e não ocorre perda de rendimentos.

( Fernando Monteiro)


([1]) Em 13/05/2014 (cfr. fls. 24 dos autos em suporte de papel).
([2]) Cfr. fls. 238 v.º, dos autos em suporte de papel.
([3]) Fixada na sentença e não impugnada.
([4]) Se dúvidas houvesse quanto à operada qualificação deste dano, elas ficariam dissipadas perante o dispositivo da sentença apelada, onde consta, no respetivo ponto 2-, a condenação no montante indemnizatório de € 45.000,00, “a título de indemnização por danos não patrimoniais”, assim englobando/categorizando as quantias de € 35.000,00 de compensação pelo dano biológico e de € 10.000,00 por danos morais (incluindo quantum doloris, dano estético, sofrimentos, tristeza, frustração e desânimo).
([5]) Todavia, sem que se coloquem – perante a sentença ou a apelação – questões de valoração simultânea do dano biológico como dano patrimonial e não patrimonial.
([6]) Proc. 06A2145, disponível em www.dgsi.pt.
([7]) No mesmo sentido, do mesmo Relator, o Ac. STJ, de 11/12/2012, Proc. 40/08.1TBMMV.C1.S1, também em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «São de considerar como danos diferentes o que decorre da perda de rendimentos salariais, associado ao grau de incapacidade laboral fixado no processo de acidente de trabalho e compensado pela atribuição de certo capital de remição, e o dano biológico decorrente das sequelas incapacitantes do lesado que – embora não determinem perda de rendimento laboral – envolvem restrições acentuadas à capacidade do sinistrado, implicando esforços acrescidos, quer para a realização das tarefas profissionais, quer para as actividades da vida pessoal e corrente.».

([8]) No mesmo sentido, do mesmo Relator, o Ac. STJ, de 19/05/2009, Proc. 298/06.0TBSJM.S1, também em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «I) - Se a actividade profissional da Autora, pese embora a incapacidade permanente que a afecta em consequência das lesões provocadas pelo acidente de viação de que foi vítima, não implicou a perda de rendimentos laborais, porquanto ao tempo do sinistro estava aposentada da sua profissão de funcionária pública, o que há a considerar como dano patrimonial futuro é o dano biológico, já que a afectação da sua potencialidade física determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará. II) - Havendo dano biológico importa atender às repercussões que as lesões causaram à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, ou sociais. III) - A incapacidade parcial permanente, afectando ou não, a actividade laboral, representa, em si mesmo, um dano patrimonial futuro, nunca podendo reduzir-se à categoria de meros danos não patrimoniais.».

([9]) No mesmo sentido, da mesma Relatora, o Ac. STJ, de 20/10/2011, Proc. 428/07.5TBFAF.G1.S1, também em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «1. Para efeitos de indemnização, devem ter-se em conta os danos futuros, desde que previsíveis (nº 2 do artigo 564º do Código Civil), sejam danos emergentes, sejam lucros cessantes (nº 1 do mesmo preceito); e o respectivo cálculo deve ter como critério primeiro a equidade, nos casos em que, como tipicamente sucede com os danos futuros, não é possível averiguar o seu “valor exacto” (nº 3 do artigo 566º do mesmo Código). 2. Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental. 3. Uma incapacidade permanente geral, compatível com o exercício da actividade profissional habitual mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos dos artigos 562º e segs., do Código Civil, maxime dos artigos 564º e 566º;».
([10]) Atualização operada na sentença nesta vertente, tendo em consideração o critério indicado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência (do STJ), de 09/05/2002, Proc. 01A1508 (Cons. Garcia Marques), disponível em www.dgsi.pt, que procedeu à seguinte linha de uniformização: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
([11]) Nas palavras do Ac. STJ, de 04/04/2002, Proc. 02B205 (Cons. Neves Ribeiro), in www.dgsi.pt, “A equidade que atravessa todo o juízo valorativo para o calculo possível de um dano que corresponde, afinal, à situação virtual da diferença entre o antes e o depois da verificação do evento (artigo 562.º) – a equidade, dizíamos – e para que assuma verdadeiramente essa natureza de justiça do caso, na conhecida definição aristotélica, tem de funcionar nos dois sentidos, como é disso afloramento o que diz o artigo 494.º, do Código Civil. Deve tratar-se igual o que é igual; e diferente o que é diferente!”. E como também já explicitado na jurisprudência, citando doutrina autorizada, «“a equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. E funciona em casos muito restritos, algumas vezes para colmatar as incertezas do material probatório; noutras para corrigir as arestas de uma pura subsunção legal, quando encarada em abstracto… A equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da jurisdicidade… A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto… não equivale ao arbítrio; é mesmo a sua negação… é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio. Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se somente encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal” (Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2.ª ed., págs. 103/105)» – cfr. Ac. Rel. Lisboa, de 29/06/2006, Proc. 4860/2006-6 (Rel. Carlos Valverde), in www.dgsi.pt.
([12]) Cujo valor indemnizatório, sendo indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do CCiv..
([13]) Cfr., neste sentido, o Ac. TRE, de 22/10/2015, Proc. 378/10.8TBGLG.E1 (Rel. Mário Mendes Serrano), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “Os tribunais superiores devem apreciar as decisões de 1ª instância sobre a fixação de montantes indemnizatórios com apelo à equidade segundo uma perspectiva de intervenção que assente na aferição da calibragem do critério de equidade concretamente aplicado. Daqui decorre que quando a indemnização fixada se situar ainda dentro do quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, não assiste ao tribunal ad quem razão para revogar a decisão da 1ª instância: só o deverá fazer quando haja uma concretização flagrantemente desajustada ou arbitrária do juízo de equidade pelo tribunal a quo.”.