Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
33/14.0GCCTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
PRESENÇA
TÉCNICO DO IRS
Data do Acordão: 10/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 495.º, N.º 2 DO, CPP
Sumário: I - Ouvir o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, questão levantada pelo recorrente, apenas faz sentido nos casos em que a aplicação da suspensão da pena de prisão é acompanhada pela DGRSP, nomeadamente, nos casos em que a suspensão fica sujeita a regime de prova.

II - Nos restantes casos, não existe qualquer obrigatoriedade da presença do técnico durante a audição do arguido é o que resulta do disposto no art. 495.º, n.ºs 1 e 2 do CPP.

Decisão Texto Integral:



           

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


A... , inconformado com o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão de sete (7) meses que lhe foi imposta vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:
1. Além da presença física obrigatória do condenado, também é bem obrigatória a presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de suspensão, ouvindo-os pessoalmente (cara a cara), nos termos do n° 2 do art.º 495º.
2. Aquela omissão constitui nulidade insanável, nos termos da al. c) do art.° 119°.
3. Consequentemente deverá ser declarada a sua invalidade, determinando-se, outrossim, a audição presencial do recorrente e do técnico da DGRS.
4. Foi violado o n° 2 do art.º 495° do CPPenal.
CONCEDENDO Provimento ao recurso, com a consequente anulação da decisão recorrida, farão Vossas Excelências, Prestigiosos Senhores Juízes Desembargadores,
Justiça.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, em separado, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da improcedência do recurso defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

É este o despacho recorrido:
Por sentença transitada em julgado em 17.3.14, foi o arguido A... condenado nos presentes autos pela prática, em 10.2.14, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, na condição de o arguido se submeter ao tratamento ao álcool, designadamente frequentar consultas de alcoologia e entregar no período de suspensão a quantia de 250 euros aos Bombeiros Voluntários de Castelo Branco (fls. 20 v., 21).
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Do Certificado de Registo Criminal atualizado (fls. 198 e ss.) e certidões juntas (fls. 139 e ss.; 169 e ss., 180 e ss.) resulta que o arguido:
- foi condenado no Proc. 173/14.5 GCCTB, desta instância local (J2), pela prática, em 14.7.14, de um crime de violação de imposições, proibições e interdições (por violação da proibição de conduzir que lhe foi imposta nestes autos), na pena de 5 meses de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade, por sentença proferida em 15.7.14, transitada em julgado em 30.9.14;
- foi condenado no Proc. 477/14.7 TACTB, desta instância local (J2), pela prática, em 21 .7.14, de um crime de falsificação de documento (pela declaração de extravio da carta de condução que tinha sido mandada apreender nestes autos), na pena de 150 dias de multa, por sentença de 12.6.15, transitada em julgado em 13.7.15;
- foi condenado no Proc. 386/14.0 TACTB, desta instância local (Ji), pela prática de um crime de desobediência (pela não entrega da carta de condução nos presentes autos, no prazo legal), na pena de 3 meses de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, por sentença de 20.10.14, transitada em julgado em 19.11.14.
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O arguido foi demonstrando nos autos a frequência de consultas de alcoologia (fls. 81, 89, 115, 152) mas não procedeu ao pagamento da quantia devida aos Bombeiros Voluntários.
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O arguido foi ouvido em declarações, afirmando ter-se esquecido de pagar a quantia devida aos Bombeiros, sendo que também tinha pouco dinheiro disponível, por prestar poucas horas de trabalho em virtude do trabalho a favor da comunidade que cumpriu noutro processo; admitindo ter praticado os factos pelos quais veio a ser condenado nos processos supra referidos porque precisava de conduzir para ir trabalhar, já que de sua casa ao local de trabalho distava cerca de uma hora a pé, não dispondo de transportes públicos.
Afirmou que atualmente aufere cerca de € 600,00/mês, como madeireiro, vivendo sozinho, em casa própria dos seus pais.
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O Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela revogação da suspensão.
A defesa do arguido pugnou pela não revogação da suspensão, argumentando que aquele não tinha rendimentos que permitissem pagar a quantia devida aos Bombeiros.
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Além das condenações supra referidas, o arguido sofreu mais duas condenações, pelo crime de condução em estado de embriaguez, por factos praticados antes da condenação sofrida nestes autos.
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Cumpre apreciar e decidir.
Compulsados os autos, verificamos que o arguido praticou, durante o período de suspensão, factos que integram a prática de crimes distintos do crime pelo qual foi condenado nos presentes autos mas com estreita conexão com o mesmo, tendo sido condenado por não ter procedido à entrega da carta, por ter declarado o extravio da carta de condução a fim de obter novo título e, ainda, por ter conduzido durante o período em que estava inibido de o fazer.
Dispõe o artigo 50, nº 1, Código Penal: “(O) tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."
A suspensão da execução da pena de prisão ocorre sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o tribunal possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, havendo a expectativa fundada de que a simples ameaça da pena será suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização em liberdade do arguido.
As finalidades que estão na base da suspensão são, portanto, essencialmente preventivas e de ressocialização.
A propósito da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, dispõe o artigo 56º, nº 1, a), b) Código Penal que “(A) suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado (...) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; (...) cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas" Nos termos do nº 2 do mesmo preceito: "a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (...)”
A revogação não é, por isso, automática, sendo antes a ultima ratio, e dependendo da ponderação acerca da realização das finalidades da punição.
Como se salienta no Ac. TRC 12.5.10, Proc. 1803/05.5PTAVR.C1, disponível em www.dcisi.pt, "revogação da suspensão da pena como decorrência do cometimento de novo crime no período da suspensão deixou de ser um acto meramente formal, implicando agora uma apreciação judicial das circunstâncias em que ocorreu o cometimento do novo crime para, em função das conclusões assim obtidas, se decidir da vantagem ou inconveniente da revogação, juízo que será necessariamente conformado pelas finalidades consagradas no art. 50°, nº 1, em função, pois, das necessidades de protecção do bem jurídico subjacente à norma violada pelo condenado e das necessidades de reintegração do agente na sociedade.”
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No caso dos autos, decorrido o período de suspensão, constata-se que o arguido cometeu, nesse período, três crimes de natureza diversa mas estreitamente conexionados com o crime e os factos em causa nestes autos, sendo condenado em pena de multa e penas de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
O arguido, aqui condenado, revelou uma personalidade refratária relativamente ao dever-ser jurídico-penal, desconforme com o respeito devido aos bens jurídicos e à imperatividade das decisões judiciais, alheando-se das consequências do seu incumprimento, revelando ponderação na decisão de cometimento dos ilícitos, já que nunca entregou a carta de condução, que teve que ser apreendida, emitiu falsa declaração de extravio para obter nova carta e, na senda deste comportamento, conduziu durante o período de proibição.
O arguido revelou-se incapaz de assimilar a advertência solene que foi contida na condenação em pena de prisão suspensa - proferida oralmente e na sua presença - já que, mantendo a sua liberdade, reassumiu comportamentos desviantes, não se conformando com a necessidade de cumprir a pena acessória que lhe foi imposta nestes autos, adotando diversos comportamentos ilícitos para o evitar.
De facto, o argumento aventado pelo arguido de que precisava de conduzir para se deslocar para o trabalho poderia ser, eventualmente, equacionado, se o mesmo tivesse sido surpreendido “apenas” a conduzir durante o período da proibição, em atitude irrefletida e tendente à satisfação dessa invocada necessidade de deslocação.
Não colhe, no entanto, tal argumentação quando o arguido, além de conduzir quando estava proibido de o fazer, não entregou a carta de condução nos autos como lhe foi ordenado e ainda declarou falsamente, junto do IMT, o extravio da carta de condução.
O conjunto da sua atuação revela, sim, que a ameaça de prisão não foi para si suficientemente dissuasora.
Já no que respeita ao não pagamento da quantia devida aos Bombeiros Voluntários, apesar das declarações do arguido e da sua condição económica modesta, não podemos deixar de considerar grosseiro o incumprimento de tal dever, porquanto a quantia em causa (€ 250,00) se mostra perfeitamente adequada à sua condição económica, mormente considerando o prazo de um ano de que dispunha para pagar, ao que acresce a circunstância de o arguido ter avançado o “esquecimento” de tal obrigação como justificação, antes mesmo de dizer que “o dinheiro também não era muito”.
De positivo na execução da pena aplicada ao arguido ressalta a sua frequência de consultas de alcoologia e a abstinência que logrou alcançar.
Apesar da relevância deste facto, o certo é que a pena aplicada nestes autos não foi, claramente, capaz de alcançar as finalidades visadas, já que não inibiu o arguido da prática de novos crimes que põem em causa as finalidades preventivas gerais e especiais do caso.
A abstinência de consumo de álcool e a inserção laboral do arguido, ainda que inequivocamente positivas, não podem assumir excessivo significado enquanto tais manifestações de reinserção não se consubstanciem em conduta objetivamente normativa.
A pena de prisão suspensa, designadamente com regime de prova ou sujeição a deveres/regras de conduta, ainda que vise, como as demais penas, em primeira linha, a ressocialização do condenado, não se destina a perpetuar as oportunidades de o agente se reinserir em liberdade.
Face às considerações supra expostas, não podemos deixar de concluir pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art. 56º, nº 1, a) e b), CP, não sendo aplicável - já que, ao contrário do que parece resultar do requerimento apresentado pela defesa não está apenas em causa o não cumprimento do dever de pagamento da quantia de € 250,00 aos Bombeiros Voluntários - na parte referente à prática de crimes no decurso da suspensão, o disposto no art. 55º, CP, sendo que se mostra, aliás, integralmente decorrido o prazo de suspensão da pena.
Em suma, em face da conduta posterior do arguido, da sua personalidade revelada nos factos e da notória necessidade de reforçar a proteção do bem jurídico violado e de reintegrar, deste ponto de vista, o arguido na sociedade, mostra-se infirmado o juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, inibam o arguido da prática de novos crimes.
Por todo o exposto, nos termos do disposto no art. 56.º n.º1 alínea a) e b) e nº 2, CP, revogo a suspensão da execução da pena de 7 (sete) meses de prisão em que o arguido A... foi condenado por sentença proferida nestes autos e determino o cumprimento efetivo daquela pena de prisão.
Notifique.
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Cumpre decidir:
O arguido, A... , e pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, foi nos presentes autos condenado na pena de sete (7) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano na condição de o arguido se submeter ao tratamento ao álcool, designadamente frequentar consultas de alcoologia e entregar no período de suspensão a quantia de 250 euros aos Bombeiros Voluntários de Castelo Branco (fls. 20 v., 21).
Do Certificado de Registo Criminal atualizado (fls. 198 e ss.) e certidões juntas (fls. 139 e ss.; 169 e ss., 180 e ss.) resulta que o arguido:
- foi condenado no Proc. 173/14.5 GCCTB, desta instância local (J2), pela prática, em 14.7.14, de um crime de violação de imposições, proibições e interdições (por violação da proibição de conduzir que lhe foi imposta nestes autos), na pena de 5 meses de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade, por sentença proferida em 15.7.14, transitada em julgado em 30.9.14;
- foi condenado no Proc. 477/14.7 TACTB, desta instância local (J2), pela prática, em 21 .7.14, de um crime de falsificação de documento (pela declaração de extravio da carta de condução que tinha sido mandada apreender nestes autos), na pena de 150 dias de multa, por sentença de 12.6.15, transitada em julgado em 13.7.15;
- foi condenado no Proc. 386/14.0 TACTB, desta instância local (J!), pela prática de um crime de desobediência (pela não entrega da carta de condução nos presentes autos, no prazo legal), na pena de 3 meses de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, por sentença de 20.10.14, transitada em julgado em 19.11.14.
            Foi ouvido o arguido em declarações e, após, proferido despacho que revogou a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido por falta de cumprimento da condição imposta.
            O arguido interpõe recurso do referido despacho invocando a nulidade insanável, nos termos do disposto no artº 119º, al c) do CPP, por falta de audição do técnico da DGRSP, na presença do condenado, nos termos do disposto no artº 495º, nº 2 do CPPenal, audição essa que deveria ter ocorrido em momento prévio á decisão de revogação da suspensão da pena de prisão.
            Antes de mais temos que salientar que o disposto no artº 495º, nº 2 do CPP, tem que ser apreciado, conjuntamente, com o disposto no nº 1 do mesmo normativo.
Assim, dispõe o nº 1 deste normativo:
Quaisquer autoridades e serviços aos quais seja pedido apoio ao condenado no cumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostas (….)
            E o nº 2:
            O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Mº Pº e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.
            A questão levantada pelo recorrente apenas faz sentido – falta de audição do arguido na presença do técnico – nos casos em que a aplicação da suspensão da pena de prisão é acompanhada pela DGRSP, nomeadamente, nos casos em que a suspensão fica sujeita a regime de prova.
            Nos restantes casos, não existe qualquer obrigatoriedade da presença do técnico durante a audição do arguido é o que resulta do disposto no artº 495 nº 1 e 2 do CPP.
            Aliás não tem qualquer sentido a presença de um técnico na audição de um arguido que não teve qualquer acompanhamento e, como tal não conhece o arguido, não sabe qual a sua situação.
            Ora, no caso vertente, o arguido não foi sujeito a qualquer acompanhamento, não foi elaborado qualquer plano de readaptação social, nem foi aplicado regime de prova, pelo que nunca foi acompanhado por qualquer técnico.
            Assim sendo, não estava o Tribunal obrigado a chamar qualquer técnico para ser ouvido na presença do arguido. Para ser ouvido sobre o quê?
            Para além do mais o Tribunal ouviu o arguido, na presença de defensor, nada tendo sido na altura, arguido pela defesa.
           
Pelo exposto, acordam os Juizes desta Relação em manter o despacho recorrido, julgando improcedente o recurso.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artº 513 do CPP e artº 8º nº 5 e tabela III do RCP)                                  
                                                                                 
Coimbra, 19 de Outubro de 2016
                                                                                             
(Alice Santos - relatora)

(Abílio Ramalho - adjunto)