Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8/07.5TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: SOCIEDADES COMERCIAIS
CISÃO
RESPONSABILIDADE
NEGÓCIO JURIDICO
INTERPRETAÇÃO
Data do Acordão: 02/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 118, 121, 122 DO CSC, 236, 237, 238, 424, 577, 595 DO CC
Sumário: I – Na cisão simples de sociedade comercial, o regime da responsabilidade por dívidas da sociedade cindida é um regime especial por reporte ao estabelecido no CC, não exigindo a sua transmissão, vg., o consentimento do credor ou a intervenção da sociedade beneficiaria/ incorporante no negócio jurídico de que a dívida emergiu para a sociedade cindida, pelo que, mesmo sem estes pressupostos, operada a cisão, ambas as sociedades são solidariamente responsáveis perante o credor nos termos do artº 122º do CSC.

II - Segundo a teoria da impressão do destinatário, o alcance decisivo da declaração será aquele que em abstracto lhe atribuiria um declaratário razoável, medianamente inteligente, diligente e sagaz, colocado na posição concreta do declaratário real, em face dos termos da declaração, das circunstancias que este efectivamente conheceu aquando da sua emissão, bem como das circunstâncias concomitantes, anteriores e posteriores que com ela se relacionem, dos interesses em jogo e do seu mais razoável tratamento, da finalidade prosseguida pelo declarante, dos usos, da prática e da lei

III – Na interpretação da lei e dos negócios jurídicos, o elemento literal constitui o ponto de partida, o fundamento ou suporte basilar e o limite da interpretação, não podendo defender-se um entendimento que não tenha na letra um mínimo de apoio e correspondência verbal.

III – Assim, se num contrato de prestação de serviços se acordou que a remuneração variável pela aprovação do projecto passa a incidir sobre 10% da totalidade das ajudas/incentivos a atribuir não se pode defender, à mingua de outros elementos que inequivocamente o imponham, que a remuneração incidia sobre a totalidade de tais ajudas.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A (…) , Ldª, instaurou contra B (…) S.A. e C (…) , S.A., acção declarativa, de condenação, -com processo ordinário.

Alegou:

Celebrou com a primeira Ré um contrato de prestação de serviços, pelo qual se obrigou a elaborar um processo de candidatura relativo a um projecto de investimento, mediante o pagamento de valores acordados e ainda, pela aprovação, uma percentagem de 10% sobre o montante do subsídio a fundo perdido atribuído, além do respectivo IVA, tendo depois celebrado uma adenda a esse contrato, ficando a constar, além do mais, que a remuneração pela aprovação passa a incidir sobre 10% da totalidade das ajudas/incentivos a atribuir.

Tendo sido executados esses serviços e atribuídas as ajudas.

 A Ré não pagou integralmente as retribuições que foram acordadas, designadamente a variável.

 Ambas as Rés são responsáveis por tal pagamento, já que por um processo de cisão-fusão foi destacado parte do património da primeira Ré para a sociedade incorporante segunda Ré e a segunda sempre teve conhecimento dessa dívida.

Pediu a condenação solidária das Rés a:

a) pagarem-lhe o montante de € 49.202,12, relativa à factura nº 60004, de 24-01-2006;

b) pagar-lhe os juros de mora vencidos, calculados sobre a quantia de € 49.202,12, às taxas supletivas legais para os créditos de empresas comerciais, desde a data de vencimento da referida factura, 23-02-2006, os quais, até 29-12-2006, ascendem a € 3.981,97;

c) pagarem-lhe os juros de mora vincendos, calculados sobre a quantia de € 49.202,12, à taxa supletiva legal para os créditos de empresas comerciais que se for sucedendo no tempo, e que actualmente (data da instauração da acção) é de 9,83%, desde 30-12-2006, até efectivo e integral pagamento;

d) pagarem-lhe o montante de € 50.986,22, relativa à parte restante do preço e retribuição variável devida e calculada sobre o montante total de incentivos e ajudas atribuídos à primeira Ré, ainda em dívida, acrescida do IVA à taxa legal em vigor à data do pagamento (€ 26.912,42, no que se refere aos incentivos e ajudas a título de fundo não reembolsável , e € 24.073,18, no que se refere aos incentivos e ajudas a título de fundo reembolsável), acrescida de juros de mora, a partir da citação, calculados sobre a quantia de € 50.986,22, à taxa supletiva legal para os créditos de empresas comerciais que se for sucedendo no tempo, e que é actualmente (data da instauração da acção) é de 9,83%, até efectivo e integral pagamento (fls. 2 a 20).

Contestaram as rés.

B (…) alegou que é alheia ao negócio invocado pela Autora e que a referida remuneração variável de 10% passou a incidir, em conformidade com tal adenda, sobre 10% da totalidade das ajudas, pelo que não assiste razão àquela no cálculo da retribuição, além de ter impugnado a restante factualidade alegada, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido (fls. 50 a 52/53 e 54).   

    C (…) alegou que após a assinatura da adenda os seus representantes e os da Autora assentaram que a retribuição pelos serviços desta seria de € 34.961,39, tendo ela já pago a quantia de € 28.719,88, acrescida de IVA, pelo que apenas aceita dever o diferencial, no montante de € 6.241,51, sendo que a remuneração variável passou a ser, com a assinatura daquela adenda, 10% de 10% da totalidade das ajudas/incentivos a atribuir, pelo que tendo sido atribuído o subsídio de € 1.203.690,10, a remuneração daquela seria de € 12.036,90, tendo feito o acordo referido.

Em reconvenção e caso se considere que a sua obrigação é cumprir com o contrato e sua adenda, deverá a Autora devolver-lhe a quantia de € 16.682,98, resultante da diferença entre o que pagou e o que está obrigada a pagar.

 Concluindo pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido, e pela procedência da reconvenção, com a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de € 16.682,98 de capital, acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, a contar da notificação da contestação, até efectivo e integral pagamento (fls. 59 a 61/65 a 67). 

   Replicou a Autora rebatendo os argumentos apresentados pelas Rés e concluiu pela improcedência da excepção invocada e da reconvenção (fls. 73 a 75/76 a 78 e 82 a 84).

2.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença que:

a) Julgou totalmente improcedente a acção quanto à Ré C (…) SA, absolvendo esta dos pedidos deduzidos pela Autora;

b) Julgou parcialmente procedente da acção quanto à Ré B (…) SA, condenando esta a pagar à Autora a quantia de € 6.241,51 (seis mil, duzentos e quarenta e um euros e cinquenta e um cêntimo), acrecida de IVA à taxa legal em vigor, bem como de juros de mora, a contar de 11-01-2007, às taxas comerciais sucessivas indicadas (e outras depois  em vigor), até integral pagamento, absolvendo-a quanto ao mais peticionado;

c) Julgou a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo a Autora do pedido deduzido pela Ré B (…) SA; 

d) Condenou a Ré B (…) SA, e a Autora nas custas da acção, na proporção do vencimento, e aquela Ré/Reconvinte nas custas da reconvenção (art. 446º nºs 1 e 2 do CPC).

3.

Inconformada recorreu a autora:

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª            A causa de pedir, alegada pela apelante no que diz respeito à apelada C (…) concretizou-se nos factos que constam da matéria provada sob as alíneas aa) e c), ou seja que, conforme documento de fls. 22, foi lavrada e registada, em 07.06.2006, escritura pública de cisão-fusão, pela qual foi destacado parte do património da apelada ....., o qual foi transferido, através de fusão por incorporação, para a apelada C (…), sendo que o valor atribuído e real desse património, transferido para a apelada C (…), por força da cisão-fusão, é superior aos valores peticionados na presente acção.

2ª           Nos termos do disposto no artigo 122º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais, « (... ) As sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial; pode, todavia, convencionar-se que a responsabilidade é meramente conjunta. ».

3ª           A apelada C (…) beneficiou de entradas de património em valor superior aos valores peticionados nesta acção, e nenhuma das apeladas invocou, sequer, ter sido convencionada a responsabilidade conjunta, como a lei permite, o que constituiria matéria de excepção relativamente ao regime legal que determina a responsabilidade solidária da sociedade incorporante, a C (…), pelas dívidas da sociedade cindida, a B (…)t, anteriores ao registo da cisão-fusão.

4ª           Assim, com o devido respeito, é irrelevante que a sociedade incorporante, a C (…), fosse parte ou tivesse ou não conhecimento do contrato em causa nos autos e da dívida dele emergente, pois como decorre do regime jurídico do processo de cisão-fusão, com o fim de proteger os credores da sociedade cindida, a sociedade incorporante responde solidariamente pelas dívidas daquela até ao limite do benefício que obteve, ou seja, o valor do património que em si foi incorporado, sendo apenas esse valor que a apelante tinha de provar, e provou que era superior aos valores peticionados na acção.

5ª           Acresce que, do disposto no nº 3, do artigo 122º, do Código das Sociedades Comerciais, resulta que, para além das dívidas que tenham sido especificamente referidas no processo de cisão-fusão, ( sem prejuízo do disposto no nº 1, do artigo 122º, do referido diploma legal, que determina a responsabilidade solidária da sociedade cindida, a B (…) pelas dívidas transmitidas à sociedade incorporante, a C (…) ), a sociedade incorporante, C (…), é responsável solidária por dívidas das quais não lhe tenha sido dado conhecimento no processo de cisão-fusão, tendo direito de regresso sobre a sociedade cindida.

6ª           A douta sentença recorrida, ao decidir absolver integralmente a apelada C (…)do pedido pela apelante, violou o disposto no artigo 122º, nºs 2 e 3, do Código das Sociedades Comerciais, devendo, com o devido respeito, a correcta interpretação e aplicação de tal normativo legal, conduzir à condenação da apelada C (…) a pagar, de forma solidária, a totalidade das quantias e acessórios a cujo pagamento a apelada B (…) seja condenada a final, tendo em conta, também, o demais que consta do objecto do presente recurso.

7ª           Como se encontra provado nos autos, o « Contrato de Prestação de Serviços » assinado, em 20.03.2008, pela apelante e pela apelada B (…)--- de fls 23 a 26 dos autos --- previa, conforme a sua cláusula 2ª, alínea d), que, além da retribuição fixa prevista na alínea c), da mesma cláusula acrescia, pela aprovação do projecto de investimento PAMAF/AGRO, o preço e retribuição variável correspondente à quantia resultante da aplicação da percentagem de 10% sobre o montante de subsídio a Fundo Perdido atribuído à B (…) em resultado de tal aprovação, acrescido do respectivo IVA ---- Cfr. alíneas d) f), g) e h) da matéria provada.

8ª           Ou seja, tendo em conta que se provou que à apelada B (…) veio a ser aprovada a atribuição do montante de 962.952,15 euros, na forma de incentivo a fundo perdido --- Cfr. alínea p), da matéria provada ---, tal retribuição variável, acordada em 20.03.1998, no aludido contrato,  daria à apelante o direito a receber, a tal título de retribuição variável, a quantia de 96.295,21 euros.

9ª           Como consta da alínea i) da matéria provada, a apelante e a apelada B (…) em 21.11.2000, assinaram uma « Adenda ao Contrato de Prestação de Serviços » --- que consta a fls. 28 dos autos ---, na qual, no que respeita ao que se encontrava previsto na alínea d), da cláusula 2ª, do Contrato de Prestação de Serviços de 20.03.1998, subscreveram o seguinte: « Na Cláusula 2ª, alínea d), a remuneração pela aprovação do projecto passa a incidir sobre 10% da totalidade das ajudas/ incentivos a atribuir no âmbito do referido Programa »    

10ª          As apeladas defenderam, e assim se decidiu em primeira instância, que tal aditamento deveria ser interpretado e aplicado no sentido de a retribuição variável devida à apelante ser aquela que resultasse da aplicação da percentagem de 10% não sobre a totalidade dos incentivos/ subsídios atribuídos a fundo perdido ou reembolsável, que foram de 1.203.690,10 euros --- Cfr. alínea p) da matéria provada ---, mas apenas sobre 10% desse montante, ou seja, sobre 120.369,01 euros, ou seja, resultando de tal posição e decisão que a apelante apenas teria direito a receber, a título de retribuição variável, a quantia de 12.036,90 euros, acrescida do respectivo IVA.

11ª          A apelante, pelo contrário, defende que, sendo feita correcta interpretação e aplicação de tal aditamento, terá direito a receber, a título de retribuição variável, a quantia de 120.369,01 euros, ou seja, existindo uma diferença de valor, entre os montantes resultantes da aplicação de uma e outra interpretação, de mais de cento e cinco mil euros, consubstanciada em a retribuição ser dez  vezes mais, ou dez vezes menos, consoante a posição interpretativa que se acolha.

12ª          A apelante,  entende, assim, ter a receber uma quantia, a título de retribuição variável, de 120.369,01 euros, quando pelo contrato anterior receberia 96.295,21 euros, sendo a explicação tal aumento resultante do facto de os projectos apresentados no âmbito do Programa PAMAF apenas poderem obter incentivos/ subsídios a fundo perdido --- Cfr. artigo 4º, nº 1, do Regulamento de Aplicação --- Reg. CEE nºs 886/90 e 867/90 --- anexo à Portaria nº 31/95, de 12 de Janeiro ---, enquanto os projectos apresentados no âmbito do Programa AGRO, beneficiariam de incentivos/ subsídios não só a fundo perdido, como a fundo reembolsável --- Cfr. artigo 8º, nº 3, alínea b), da Portaria nº 533-C/2000, de 1 de Agosto ---, prevendo, pois, o aditamento celebrado a consideração do total de subsídios/ incentivos aprovados.

 13ª         Não se pode olvidar, na decisão do sentido a atribuir à declaração inserta no referido Aditamento, que, conforme está provado nos autos, os incentivos/ subsídios atribuídos à apelada B (…) ascenderam a mais de um milhão e duzentos mil euros, dos quais quase um mihão de euros a fundo perdido.

 14ª         Acresce que, como se encontra provado nos autos --- Cfr. alíneas s), t), u), v) e x), da matéria provada --- a apelada B (…), já em 2002, pagou à apelante a quantia de 28.719,88 euros, acrescida do IVA, no que respeita à retribuição variável devida, nunca tendo invocado que tinha pago qualquer quantia em excesso, em contradição com o que agora pretende que resulte da adenda celebrada, tendo pago voluntariamente mais do que o dobro do que agora alega ser devido como retribuição variável.

15ª          E, tendo a apelada B (…), em Janeiro de 2006, recebido a factura 60004 da apelante, pela qual esta pedia o pagamento de mais 40.662,91 euros, acrescido do respectivo IVA, por conta da retribuição variável devida, não reclamou da mesma, nem a devolveu, nada dizendo, também, quando foi interpelada pela apelante, em Março de 2006 para efectuar o pagamento de tal factura, o mesmo ocorrendo após as interpelações escritas de Outubro de 2006, só em 19.12.2006, quase um ano após ter recebido a factura em causa, tendo vindo a apelada B (…)dizer que a factura não era devida e não reflectia as condições acordadas.

             

16ª          Atendendo ao teor do acordado na alínea d), da cláusula 2ª, do Contrato de Prestação de Serviços, celebrado em Março de 2008, bem como ao valor  de retribuição variável que da respectiva aplicação, sem quaisquer dúvidas interpretativas, resultaria, bem como do demais contexto alegado, nomeadamente ter a apelada B (…) pago valores que agora entende não serem devidos e não ter reclamado da factura emitida durante quase um ano, entende a apelante que a interpretação a dar ao texto referente a tal alínea e cláusula que consta do Aditamento de Novembro de 2000, não poderá, com o devido respeito, ser a que foi acolhida na douta sentença recorrida.

17ª          Desde logo, o teor literal do aditamento, ao contrário do referido na douta sentença recorrida, levanta fundadas dúvidas, pois, diz-se no texto do aditamento que a retribuição variável passa a incidir  sobre 10% da totalidade das ajudas/ incentivos a atribuir, entendendo a apelante que, o que resulta do texto em causa, consubstancia-se em as partes terem alterado, apenas, o referencial sobre o qual seriam aplicados os 10%, ou seja, incluindo a totalidade das ajudas/ incentivos a atribuir, e não apenas o Subsídio a Fundo Perdido.

18ª          A utilização do vocábulo « incidir », é certo, resultou numa redacção e sentido equívoco, mas, por outro lado, também não faz qualquer sentido que, querendo as partes reduzir em um décimo a retribuição acordada, não tenham simplesmente fixado « a retribuição passa a ser de um por cento ( 1% ) da totalidade das ajudas / incentivos ».

             

 19ª         Em suma, no referido aditamento, literalmente, não se diz que a percentagem de 10% prevista no contrato inicial passa a incidir sobre 10% totalidade das ajudas e incentivos, mas apenas que a retribuição em si passa a incindir sobre 10% da totalidade das ajudas e incentivos, ou seja, com a interpretação admissível de:  passa a ser de 10% da totalidade das ajudas/ incentivos.

             

20ª          Tendo em conta que o demais que consta do aditamento se refere à alteração do Programa PAMAF para o Programa Agro --- tendo este segundo Programa, ao contrário do primeiro, como resulta da legislação aplicável, a possibilidade de atribuição de subsídios não só a fundo perdido, como a fundo reembolsável --- no aditamento celebrado, no que respeita à atribuição, a intenção das partes foi prever que a retribuição teria em conta a totalidade das ajudas / incentivos, fossem a título reembosável ou a título não reeembolsável, mantendo, por outro lado, inalterada a forma de cálculo da retribuição variável, que continuaria a corresponder a 10% das ajudas/ incentivos.

21ª          A interpretação e aplicação do aludido texto do Aditamento que é defendida pela apelante, não se encontra, com o devido respeito, na situação prevista no artigo 238, do Código Civil, ou seja, o sentido alegado pela apelante terá sempre um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

             

22ª          Entende, ainda, a apelante, com o devido respeito, que, atento o disposto no artigo 236º, do Código Civil, não é possível chegar, pelos critérios em tal norma insertos, a uma interpretação objectiva do sentido da declaração que consta do Aditamento, ou seja, existe uma situação de dúvida sobre o sentido da declaração, até porque a declarante apelante não poderia razoavelmente --- atendendo ao contrato anteriormente celebrado e ao restante texto do Aditamento --- contar com a interpretação que, apenas em sede judicial, vieram as apeladas, alegar,

23ª          acrescendo que, como bem referem Pires de Lima e Antunes Varela, em comentário a tal preceito legal --- Código Civil Anotado, IV edição ---, a normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.

 

24ª          Existindo, com o devido respeito, nos presentes autos, dúvida sobre o sentido da declaração expressa no Aditamento, e tratando-se de negócio oneroso, deverá prevalecer o sentido que conduza ao maior equilíbrio das prestações, conforme previsto no artigo 237º, do Código Civil, sendo certo que, a própria douta sentença recorrida, apesar de considerar que o teor literal expresso não oferece dúvidas, fundamenta a sua decisão acolhendo a interpretação das apeladas como aquela que conduziria ao maior equilíbrio das prestações, o que a apelante não aceita, pois:

25ª          está provado nos autos que a apelante cumpriu todas as suas obrigações contratuais, pontual e irrepreensivelmente, sem qualquer reclamação da apelada --- Cfr. alíneas j), k) e l) --- sendo a candidatura da apelada B (…) aprovada, não só porque  « cumpria os requisitos e pressupostos exigidos pela regulamentação aplicável e pelas entidades competentes, como porque a Autora efectuou o acompanhamento do projecto, prestando todos os esclarecimentos adicionais solicitados, e defendeu junto das entidades gestoras do programa a viabilidade económico-financeira do projecto de investimento » --- Cfr. alíenas m) e n), da matéria provada.

26ª          Provado está, ainda, que em resultado do serviço prestado pela apelante, foi aprovada a atribuição à apelada B (…) das avultadas quantias indicadas na alínea p) da matéria provada, que lhe foi comunicada em Dezembro de 2001, conforme alínea ab) da matéria provada.

27ª          Por outro lado, a apelante, mesmo que a candidatura ao Programa PAMAF, depois integrada no Programa AGRO, não fosse aprovada, receberia sempre, como recebeu, da apelada a quantia de dois milhões de escudos, ou seja 9.975,96 euros, que era a retribuição fixa prevista na alínea c), da cláusula 2ª, do Contrato celebrado em Março de 2008.

28ª          Isto ao contrário do que se refere na douta sentença recorrida, onde se diz que a apelante receberia sempre, a título de retribuição fixa a quantia de 46.388,21 euros, pois esse valor corresponde à totalidade de retribuições fixas acordadas no contrato, mas incluindo nele a elaboração dos Estudos de Diagnóstico previstos nas alíneas a) e b), da citada cláusula 2ª, relativos ao Programa Sindepedip e respectivas candidaturas, não estando prevista qualquer retribuição variável pela aprovação de tais candidaturas, e sendo o montante dos mesmos de quatro milhões e trezentos mil escudos e de quatro milhões de escudos, respectivamente.

             

 29ª         A interpretação segundo a qual, com a obtenção do êxito da candidatura, nos avultados montantes que se provaram, em virtude do serviço prestado pela apelante, esta receberia 12.036,90 euros a título de retribuição variável pelo sucesso da candidatura, ou seja, pouco mais de dois mil euros do que a retribuição fixa acordada independentemente de tal aprovação ocorrer, não é, pois, com o devido respeito, a interpretação que conduz a um maior equilíbrio das prestações.

30ª          Pelo contrário, a interpretação da qual resulta ser o montante da retribuição variável a receber pela apelante, o correspondente a 10% da totalidade das ajudas/ incentivos atribuídos, ou seja, 120.369,01 euros, considera a apelante, com o devido respeito, ser aquele que conduz ao efectivo equilíbrio das prestações, mantendo, sensivelmente, o nível de retribuição variável acordado na celebração do contrato inicial.

31ª          Assim, a douta sentença recorrida, ao absolver parcialmente a apelada B (…), do pedido, violou o disposto nos artigos 1154º, 1156º e 1158º, nº 1, do Código Civil, bem como o disposto nos artigos 236º, 237º e 238º, do mesmo diploma legal, cuja correcta interpretação e aplicação conduz à condenação solidária de ambas as apeladas na totalidade do pedido pela apelante. 

4.

 Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

Responsabilização da ré C (…).

Responsabilização da ré B (…) pela adequada interpretação da cláusula 2ª, alínea d) do contrato de prestação de serviços, a saber: retribuição variável a incidir sobre 10% do montante total de subsídio a Fundo Perdido atribuído aquela ré e não sobre 10% deste subsídio.

5.

Os factos dados como provados e a considerar são os seguintes:

a) A Autora dedica-se, agora e ao tempo das relações comerciais com a Ré B (…), à actividade comercial de prestação de serviços de consultoria para os negócios e gestão, elaborando, designadamente, estudos e projectos de investimento e candidatura, destinados a serem apresentados junto de entidades públicas, no âmbito de programas nacionais e comunitários de ajuda às cooperativas e empresas.         
aa) O valor atribuído e real das entradas de património destacado da primeira Ré e transferidas para a segunda Ré, por força da cisão-fusão referida em c) infra, é superior aos valores peticionados na presente acção.
b) A Ré B (…) alterou a sua denominação da anterior “(…) por escritura pública de alteração parcial do contrato de sociedade, apresentada em 24-05-2006, sob o número de apresentação 28-06/20060524, para inscrição registral na Conservatória do Registo Comercial de Rio Maior, que foi lavrada e publicada em 24-07-2006 (conforme documento constante de fls. 21 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

c) Em consequência de um processo de cisão-fusão, ocorrido no ano de 2005, foi destacado parte do património da Ré B (…), na altura ainda denominada (….) sendo tal parte de património transferido para a sociedade incorporante que foi a Ré C (…), por escritura pública de cisão-fusão e alteração do contrato de sociedade, apresentada em 27-12-2005, sob o número de apresentação 27-02/051227, para inscrição registral na Conservatória do Registo Comercial de Rio Maior, que foi lavrada e publicada em 07-06-2006 (conforme documento constante de fls. 22 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

d) No desenvolvimento daquela sua referida actividade mercantil, a Autora celebrou com a primeira Ré, na altura denominada “(…), a solicitação desta, em 20 de Março de 1998, e apondo ambas as suas assinaturas no mesmo, um acordo que denominaram de “Contrato de Prestação de Serviços” (cuja cópia se mostra junta de fls. 23 a 26 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

e) A Autora obrigou-se, pelo referido contrato, a elaborar para a primeira Ré um processo de candidatura relativo a um projecto de investimento a realizar no sector da produção e comercialização de bebidas, o qual era consubstanciado:

- na execução de um Diagnóstico de Investimento que fundamentava o investimento a desenvolver no âmbito de candidatura à Medida 3.1. - Diagnósticos e Auditorias Empresariais, Acção B, inserida no Regime de Apoio à Avaliação Empresarial, no âmbito do Sistemas de Incentivos a Estratégias de Empresas Industriais (SINDEPEDIP), ao abrigo do Despacho Normativo n° 546/94, de 29-07;

- na execução de um Diagnóstico Ambiental que fundamentava o investimento a desenvolver no âmbito de candidatura à Medida 3.1 Diagnósticos e Auditorias Empresariais, Acção D, inserida no Regime de Apoio à Avaliação Empresarial, no âmbito do Sistema de Incentivos a Estratégias de Empresas Industriais (SINDEPEDIP) ao abrigo do Despacho Normativo n° 546/94, de 29-07;

- na elaboração do Projecto de Investimento e respectivo dossier de candidatura à Medida 5 - Acção 5.1. - Transformação e Comercialização de Produtos Agrícolas e Silvicolas (Regulamentos CEE 866/90 e 867/90 - Portaria 31/95, de 12-01 ), inserida no PAMAF - Programa de Apoio à Modernização Agrícola e Florestal, ao abrigo do artigo 2°, n° 4, do DL n° 150/94, de 25-05, tudo conforme melhor resulta da cláusula 1ª do supra referido “Contrato”.

f) Foram acordados os preços de 4.300.000$00 pela elaboração do Estudo de Diagnóstico de Investimento e respectiva candidatura à Medida 3.1 - Acção B (SINDEPEDIP); de 3.000.000$00 pela elaboração do Estudo de Diagnóstico Ambiental e respectiva candidatura à Medida 3.1 - Acção D (SINDEPEDIP) e ainda de 2.000.000$00 pela elaboração da candidatura à medida de investimento Medida 5 do PAMAF, conforme melhor resulta da cláusula 2ª, alíneas a), b) e c) do supra referido “Contrato”.

g) Acrescendo, ainda, pela aprovação do projecto de investimento, Medida 5 do PAMAF, o preço e retribuição variável correspondente à quantia resultante da aplicação da percentagem de 10% sobre o montante do Subsídio a Fundo Perdido atribuído à primeira Ré, em resultado de tal aprovação, conforme melhor resulta da cláusula 2ª, alíneas d), do supra referido “Contrato”.

h) Acrescendo sempre a todos os referidos valores o Imposto sobre o Valor Acrescentado, à taxa legal em vigor à data da facturação.

i) A Autora celebrou ainda com a primeira Ré, na altura denominada (…) após negociação entre ambas, em 21 de Novembro de 2000, e apondo ambas as suas assinaturas no mesmo, uma “Adenda ao Contrato de Prestação de Serviços”, alterando e esclarecendo a redacção da Cláusula 1ª e da alínea d) da Cláusula 2ª do supra aludido contrato, celebrado em 20-03-1998, nos seguintes termos:

“Na Cláusula 1ª, onde se referenciava a Medida 5 - Acção 5.1, passa a valer a elaboração do Projecto de Investimento e do respectivo Dossier de Candidatura ao Regime de Apoio Especifico, enquadrável na Medida 2 - Transformação e Comercialização de Produtos Agrícolas (Portaria n° 533-C/2000, de 01 de Agosto), no âmbito do Programa AGRO (Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural) - (DL 163-A/2000, de 27 Julho; Reg. 1269/1999 ,de 17 de Maio)“, e

“Na Cláusula 2ª, alínea d), a remuneração pela aprovação do projecto passa a incidir sobre 10% da totalidade das ajudas/incentivos a atribuir, no âmbito do referido Programa” (tudo conforme resulta do teor do documento constante de fls. 28 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
j) A Autora executou, como contratado e sem qualquer reclamação da primeira Ré, o Estudo de Diagnóstico à Medida 3.1. - Acção B (SINDEPEDIP), tendo essa Ré efectuado o pagamento da respectiva retribuição fixa contratada, ou seja, 4.300.000$00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, que foi objecto das facturas n°s 433 e 454 da Autora, datadas de 31-07-1998 e 30-11-1998, respectivamente, nos montantes de 2.580.000$00 e de 1.720.000$00, respectivamente, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, as quais foram integralmente pagas pela primeira Ré.
k) A Autora elaborou, também como contratado e sem qualquer reclamação da primeira Ré, o Estudo de Diagnóstico Ambiental e respectivo dossier de candidatura à Medida 3.1. - Acção D (SINDEPEDIP), tendo essa Ré efectuado o pagamento da respectiva retribuição fixa contratada, ou seja, 3.000.000$00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, que foi objecto das facturas n°s 431 e 455 da Autora, datadas de 30-06-1998 e 30-11-1998, respectivamente, nos montantes de 1.800.000$00 e de 1.200.000$00, respectivamente, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, as quais foram integralmente pagas pela primeira Ré.

l) A Autora elaborou, também como contratado e sem qualquer reclamação da primeira Ré, o projecto de investimento e respectivo dossier de candidatura à Medida 5, do PAMAF, depois enquadrado na Medida 2 - Transformação e Comercialização de Produtos Agrícolas, do Programa AGRO, conforme previsto na adenda ao contrato referida, tendo a primeira Ré efectuado o pagamento da respectiva retribuição fixa contratada, ou seja, 2.000.000$00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, que foi objecto da factura n° 443 da Autora, datada de 30-09-1998, no montante de 2.000.000$00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, que a primeira Ré pagou integralmente.
m) A referida candidatura da primeira Ré à medida 5, do PAMAF, depois enquadrada na Medida 2 - Transformação e Comercialização de Produtos Agrícolas, do Programa AGRO, que recebeu no IFADAP o número 200051.003734.4, foi aprovada, após decurso dos procedimentos administrativos necessários, em 21-11-2001.
n) Não só porque a candidatura elaborada pela Autora cumpria os requisitos e pressupostos exigidos pela regulamentação aplicável e pelas entidades competentes, como porque a Autora efectuou o acompanhamento do projecto, prestando todos os esclarecimentos adicionais solicitados, e defendeu junto das entidades gestoras do programa a viabilidade económico-financeira do projecto de investimento.
o) A primeira Ré celebrou com o Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP), logo após a comunicação da referida aprovação, efectuada em Dezembro de 2001, o contrato relativo ao incentivo financeiro atribuído e obtido com a referida aprovação da candidatura.
p) Ou seja, foi aprovada a atribuição à primeira Ré do montante de 193.054.573$00, ou seja, € 962.952,15, na forma de incentivo a fundo não reembolsável (“a fundo perdido”), e do montante de 48.263.643$00, ou seja, € 240.738,03, na forma de incentivo a fundo reembolsável à taxa de juro zero, somando a totalidade dos incentivos aprovados e atribuídos o montante de € 1.203.690,10.
q) Conforme acordado entre a Autora e a primeira Ré, os montantes devidos por força do estipulado na alínea d) da cláusula 2ª do contrato dos autos, seriam pagos no escritório da Autora à medida que fossem utilizados os montantes aprovados, e na proporção das suas utilizações, tendo, porém, que ficar integralmente pagos no prazo de dois anos a contar da comunicação da aprovação, mesmo que a Ré não utilizasse os montantes aprovados até ao termo desse prazo, conforme previsto na cláusula 3ª, alínea c), do dito contrato.

r) A primeira Ré sempre esteve em condições de solicitar, receber e utilizar os supra indicados montantes atribuídos, dependendo tal de simples acto de vontade sua.

s) A primeira Ré pagou à Autora o montante de € 28.719,88, acrescida do IVA à taxa legal em vigor, que foi objecto da factura da Autora nº 20036, de 19-04-2002.
t) Em Janeiro de 2006, a Autora decidiu emitir e enviar à primeira Ré a sua factura n° 60004, no montante de € 40.662,91, acrescido do IVA à taxa legal em vigor, no total de € 49.202,12 (cuja cópia se mostra junta a fls. 30 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), que a primeira Ré recebeu na volta do correio.
u) Em 07-03-2006, a Autora remeteu à primeira Ré o fax cuja cópia se mostra junta (a fls. 32 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), onde lhe solicitava que procedesse ao pagamento da factura referida em t).
v) Em 24-10-2006, a Autora voltou a exigir à primeira Ré, por escrito, o pagamento da sobredita factura (conforme documentos cuja cópia se mostra junta a fls. 33 a 36 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

x) Em 19-12-2006, a Autora recebeu uma carta da primiera Ré, datada de 18-12-2006, capeando a devolução da mencionada factura, dizendo esta Ré que “Na sequência das nossas reuniões anteriores, vimos devolver a vossa factura n° 60004, de 24-01-2006, no valor de € 49.202,12, uma vez que a mesma não é devida e não reflecte as condições acordadas” (conforme documento cuja cópia se mostra junta a fls. 37 a 40 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

z) A Ré deve à Autora, pelo menos, a quantia de € 6.241,51.

ab) A primeira Ré recebeu a comunicação da aprovação dos montantes dos incentivos e ajudas atribuídos em Dezembro de 2001.

ac) Assinando ainda nesse mês o respectivo contrato com o IPADAP.

ad) A Autora solicitou à primeira Ré o pagamento da factura referida em t) também telefonicamente.

6.

Apreciando.

6.1.

Primeira questão.

6.1.1.

A cisão é uma forma de transformação de sociedades comerciais que pode implicar a extinção e criação das mesmas.

Assim, tal figura pode assumir as modalidades de cisão simples, cisão-dissolução e cisão-fusão – artº 118º, als. a), b) e c), respectivamente, do CSC.

Na cisão simples só parte dos bens de uma sociedade  são transmitidos para nova ou novas (cisão simples plural) sociedade(s) e a  sociedade cindida subsiste.

Na cisão-dissolução todo o património da sociedade cindida é dividido -  o que implica a sua dissolução -, e cada uma das partes é adstringido á constituição de novas sociedades.

Na cisão-fusão destacam-se duas ou mais partes do património da sociedade, ou divide-se este todo – o que implica outrossim a sua dissolução -, para as fundir com sociedades já existentes ou com partes do património de outras sociedades, separadas nos mesmos termos, que tenham um idêntico fim.

A cisão de sociedades, como é natural atenta a natureza e a finalidade da operação, não exclui a transmissão das posições contratuais e, designadamente, dos créditos e das dívidas da sociedade cindida.

Mais.

Estabelece critérios especiais no que às regras gerais do CC a tais figuras concernentes, seja, artº424º, e sgs. (cessão da posição contratual), 577º, e sgs. (cessão de créditos), e 595º, e sgs. (transmissão singular de dívidas)

Assim, em relação ao regime da transmissão singular das dívidas da sociedade cindida para as novas sociedades.

Pois que tal transmissão "não importa novação", nem objectiva, nem subjectiva - artº121º, CSC.

O que «significa que a atribuição de dívidas à nova sociedade acrescenta um devedor, não exclui o primitivo devedor» - Ac. do STJ de19.02.2004, dgsi.pt, p. 04B018.

Nesta senda estatui o artº 122º do CSC, sob a epígrafe, “responsabilidade por dividas”:

1- A sociedade cindida responde solidariamente pelas dívidas que, por força da cisão, tenham sido atribuídas à sociedade incorporante ou à nova sociedade.

2- As sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial...

3- A sociedade que, por motivo da solidariedade prescrita nos números anteriores, pague dívidas que não lhe hajam sido atribuídas, tem direito de regresso contra a devedora principal.

Da interpretação deste preceito emergem várias conclusões.

Primeira.

 Tanto a sociedade cindida como a beneficiárias das entradas – incorporantes – são solidariamente responsáveis pelas dívidas resultantes da cisão – nº1.

Aquelas pelas existentes à data da mesma - nº1.

Estas pelas existentes à data da sua inscrição no registo comercial - nº2.

Segunda.

No caso de cisão plural as novas sociedades  respondem solidariamente entre elas pelas referidas dívidas, até ao valor das entradas de que beneficiaram –nº2.

Terceira.

A assunção da dívida pode ser assumida por acordo das sociedades outorgantes ou sem o consentimento –nºs 1 e 3.

Neste caso a sociedade pagante da dívida tem direito de regresso contra a devedora principal  - nº3.

Verifica-se assim que para a cisão simples, o regime da solidariedade entre a sociedade cindida e a nova, em harmonia com a repartição de património que corresponde à cisão, emerge, desde logo, do disposto no nº1, estatuindo o nº2 para o caso de haver mais do que uma sociedade incorporante.

Quadrando o regime deste último segmento mais á cisão-dissolução, ou à cisão simples plural, do que à cisão simples singular.

Em qualquer caso, o que se pretende, e consegue, é conservar, para os credores da sociedade cindida, a garantia geral do crédito.

Pois que o perigo para a satisfação dos direitos dos credores dimana com acuidade da dissolução da sociedade cindida  ou, até, da repartição e dispersão do seu património em  outras e/ou novas sociedades.

Tal salvaguarda é, desde logo, prosseguida com a manutenção da responsabilidade do património daquela sociedade, antes da cisão.

E com a adstrinção  do património da(s) sociedade(s) incorporantes ou novas sociedades.

Tudo no regime reforçado e garantístico da solidariedade passiva.

E sem necessidade de satisfação ou preenchimento dos requisitos de que a lei faça depender a transmissão singular de cada direito ou obrigação, como seja, vg. o assentimento do credor – cfr. Ac. do STJ  supra citado e Acs. da Relação de Lisboa de 18.01.1984 e de  06.02.2001, in dgsi.pt, ps. 0003438 e 0021291.

6.1.2.

No caso vertente o Sr. Juiz a quo fundou a sua posição no seguinte discurso argumentativo: «…não se vislumbra, desde logo, como pode a Ré C (…) SA, ser responsabilizada pelas obrigações que daquele contrato de prestação de serviços resultaram para a Ré B (…) SA, já que nele não interveio como parte outorgante e nenhuma outra intervenção teve no mesmo. Ademais, não alega a Autora ter ocorrido cessão da posição contratual de uma para a outra das sociedades ou que se tenha verificado a transmissão ou assunção de qualquer dívida para a ou pela Ré C (…), SA, nos termos legais (cfr. arts. 424º e 595º do C. Civil).  

   O facto de ter ocorrido, em consequência de processo de cisão-fusão, uma transferência de parte do património da Ré B (…) SA, para a Ré C (…) SA, cujo valor que lhe foi atribuído e real é superior aos valores peticionados na presente acção (factos aa) e c) supra), não conduz, necessariamente, à assunção de qualquer responsabilidade pelo pagamento desta pretensa dívida, sendo que nem se provou que esta tivesse conhecimento, na altura dessa operação, dos contratos dos autos e das quantias em dívida…».

Mas, como se viu, e salvo o devido respeito, não colhe esta argumentação.

Efectivamente, e como se referiu, in casu a lei não exige a verificação de todos os requisitos inerentes às figuras da cessão da posição contratual, cessão de créditos e, muito menos, da transmissão de dívidas.

Efectivamente e face ao regime especial da cisão, rectius o estatuído nos artºs 121º e 122º do CSC, a responsabilização da co-ré C (…) emerge directa, imediata e inelutavelmente, do disposto imperativamente na lei – artº 122º nº1 e 2 do CSC.

Queda, assim, irrelevante que ela não tenha intervindo na outorga do contrato de prestação de serviços firmado entre a primeira ré e a autora.

E emergindo, com força vinculativa inultrapassável, o consignado em tal regime especial, pois que se provaram factos bastantes para o efeito – cfr. als. aa) a f) dos factos assentes.

Decorrentemente, procede esta vertente do recurso.

6.2.

Segunda questão.

Tudo gira em torno da interpretação  a dar à adenda ao contrato de prestação de serviços celebrado no que concerne à base de incidência da retribuição variável.

6.2.1.

Tal como acontece com a aplicação da lei, também a aplicação de uma clausula contratual passa e até exige a sua  melhor interpretação.

A interpretação tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis, o sentido prevalente ou decisivo.

Nos termos do artº 236º do CC:

«1- A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

2-Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida».

Este artigo estabelece dois critérios para a interpretação do negócio jurídico.

Em primeiro lugar prevalecerá a vontade real do declarante, sempre que esta seja conhecida do declaratário – nº2

Não conhecendo o declaratário - nem devendo razoavelmente conhecer - a vontade real do declarante, a declaração vale com o sentido (objectivo) que um declaratário normal – isto é, medianamente arguto, sagaz e diligente -, colocado na situação do declaratário real, puder deduzir do comportamento do declarante – nº1.

A teoria da impressão do destinatário, que este segmento consagra, sintetiza-se do seguinte modo: o alcance decisivo da declaração será aquele que em abstracto lhe atribuiria um declaratário razoável, medianamente inteligente, diligente e sagaz, colocado na posição concreta do declaratário real, em face dos termos da declaração, das circunstancias que este efectivamente conheceu aquando da sua emissão, bem como das circunstâncias concomitantes, anteriores e posteriores que com ela se relacionem, dos interesses em jogo e do seu mais razoável tratamento, da finalidade prosseguida pelo declarante, dos usos, da prática e da lei – cfr. Antunes Varela, RLJ, 116º, 189; J.Calvão da Silva, Estudos de Direito Comercial, 1996, 102 e segs. e 217 e Ac. do STJ de 11.11.1997, SASTJ, 15º/16º, 242.

Assim, não sendo conhecida pelo declaratário a vontade real do declarante esta teoria concede, pelo menos em tese, primazia, ao ponto de vista do destinatário, a partir do qual a declaração deve ser focada .

Assentando a mesma em três grandes linhas que a fundamentam:

- defesa do interesse do declaratário, inspirada pela tutela das expectativas e da confiança legítima;

-segurança do comércio jurídico;

-imposição ao declarante de um ónus de clareza -  cfr. Paulo Mota Pinto in Declaração Tácita, 1995, 208; Acs. do STJ de 28.10.1997, e de 18.05.1999, BMJ, 470º, 597 e CJ/STJ, 2º, 92.

Por outro lado, certo é que, tal como outrossim acontece com a lei, a interpretação não deve cingir-se á letra do negócio, devendo atentar-se ainda nos restantes elementos da hermenêutica jurídica, designadamente o lógico e teleológico.

Porém, o elemento literal constitui o ponto de partida, o fundamento ou suporte basilar e o limite da interpretação, não podendo defender-se um entendimento que não tenha na letra um mínimo de correspondência verbal.

Assim, à letra da lei – e do contrato - cabe, desde logo, uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras do texto legal - ou contratual – cfr. Batista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p.182.

Devendo considerar-se que o sentido decisivo coincide com a vontade real sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto– cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, 1º, 4ª ed. p.58 e segs.

Tanto assim que nos termos do artº 238º do CC:

«1-Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso».

Finalmente há que atentar que, nos termos do artº 237º do CC: «em casos de dúvida sobre o sentido da declaração…prevalece, nos negócios…onerosos, o que conduzir ao maior

equilíbrio das prestações».

6.2.2.

No caso vertente.

As partes acordaram numa remuneração fixa e numa remuneração variável.

Quanto a esta na versão inicial do contrato, em 1998, anuiram numa retribuição variável correspondente à quantia resultante da aplicação da percentagem de «10% sobre o montante do Subsídio a Fundo Perdido atribuído» à primeira Ré - Cláusula 2ª, alínea d).

Posteriormente, em 2000, e numa adenda a tal contrato anuiram na alteração desta clausula estabelecendo que «Na Cláusula 2ª, alínea d) a remuneração pela aprovação do projecto passa a incidir sobre 10% da totalidade das ajudas/incentivos a atribuir, no âmbito do referido programa». (sublinhado nosso).

O Sr. Juiz deu prevalencia a esta última redacção, com os seguintes fundamentos:

«Essa alteração ao contrato, porque efectuada com o acordo das pares, é legalmente admissível, no âmbito da liberdade contratual (cfr. arts. 405º nº 1 e 406º nº 1 do C. Civil).

   Assim, passou a vigorar entre as partes essa nova cláusula contratual, como forma de cálculo da retribuição variável, não tendo resultado provado o alegado pela Autora relativamente a tal questão, concretamente quanto à interpretação dessa cláusula, no sentido de que tal retribuição corresponderia a 10% da totalidade das ajudas, fossem elas a fundo perdido ou reembolsáveis (cfr. resposta dada aos quesitos 1º, 9º e 10º da BI e respectiva fundamentação – fls. 284).

sendo também essa a interpretação que se afigura conduzir a um “maior equilibrio das prestações”, já que se trata de negócio oneroso (cfr. art. 237º do C. Civil).

   Mal se compreenderia que a Autora por todo o trabalho que executou auferisse apenas (!) o montante de € 46.388,21 e depois só pelo facto de o projecto de investimento vir a ser aprovado e o subsídio atribuído iria receber o significativo valor de € 120.369,01 (montantes esses acrescidos de IVA).».

É de manter este entendimento.

Em primeiro lugar, porque, bem vistas as coisas, esta questão ficou já definitivamente decidida na 1ª instância.

Efectivamente a versão da autora foi levada à BI – artºs 1º e 9º.

Ora tal versão, e como se diz na sentença e dimana da decisão sobre a matéria de facto, não foi dada como provada, dizendo-se na resposta a tais artigos que apenas se provou o que consta nas alíneas g), i) e p) dos factos assentes.

E ainda que o não se ter dado como provado não seja a mesma coisa nem tenha, summo rigore, os mesmos efeitos do que o ter-se dado como não provado, tal só significa que, perante a prova produzida, o Sr. Juiz a quo não se convenceu da versão da demandante.

E sendo que entre tal prova se conta, designadamente, o teor dos documentos – rectius o contrato – juntos e os depoimentos das testemunhas, deveria a autora, desde logo, impugnar a decisão sobre a matéria de facto nesta parte que lhe foi desfavorável.

Não o tendo feito e considerando, vg., a importância que em tal decisão foi dada ao documento consubstanciador da adenda ao contrato para não se dar como provada a matéria dos artºs 1º e 9º, conformou-se ela com a interpretação conferida a tal documento, pelo que tal questão ficou assente.

Em segundo lugar porque a letra da alteração da cláusula não dá margem para a interpretação contrária: «a remuneração…passa a incidir sobre 10% da totalidade das ajudas/ incentivos a atribuir, no âmbito do referido programa».

E sendo certo que esta restrição tem alguma lógica e faz sentido, na medida em que se alargou a base de incidência da percentagem da comissão: antes considerava-se só os subsídios a fundo perdido, depois abarcaram-se a totalidade das ajudas/incentivos a atribuir.

 Assim, aquela restrição, pelo menos em alguma medida, seria compensada por este alargamento.

Nem se provaram factos consubstanciadores de circunstâncias concomitantes, anteriores e posteriores que infirmem tal interpretação.

Na verdade e apesar de se ter provado que a ré B (…) pagou à autora em 2002 o montante de € 28.719,88, tal nada prova no sentido pela autora propugnado.

 É que esta prova é feita na sequencia da alegação da ré B (…) de que o referido valor foi anuido como sendo parte do quantitativo global de 34.961,39 euros acordados pelas partes, já após a mencionada adenda, para pagamento dos serviços – naturalmente da sua totalidade –prestados pela autora à ré.

E apesar de esta versão se não ter provado e apenas se  tendo apurado o pagamento do valor de € 28.719,88,  certo é que ficou sem se saber a que título – remuneração fixa e/ou variavel –  foi paga.

Nem, outrossim, se tendo apurado factos atinentes aos interesses em jogo e do seu mais razoável tratamento, dos usos, da prática e da lei, que imponham, necessariamente, a interpretação defendida pela autora.

Aliás, é suposto – na economia das negociações do contrato – ser a remuneração fixa anuída suficiente para operar ou consecutir a justa contrapartida dos serviços prestados pela autora.

 Pelo que revelando-se a remuneração variável mais como um prémio ou compensação, ela, se alguma dúvida persistir, tem de ser perspectivada – e sem prejuízo da liberdade das partes nesta matéria - com contenção e comedimento, sob pena de um quase locupletamento indevido.

6.3.

Sumariando.

I – Na cisão simples de sociedade comercial, o regime da responsabilidade por dívidas da sociedade cindida é um regime especial por reporte ao estabelecido no CC, não exigindo a sua transmissão, vg., o consentimento do credor ou a intervenção da sociedade beneficiaria/ incorporante  no negócio jurídico de que a dívida emergiu para a sociedade cindida, pelo que, mesmo sem estes pressupostos, operada a cisão, ambas as sociedades são solidariamente responsáveis perante o credor nos termos do artº 122º do CSC.

II – Na interpretação da lei e dos negócios jurídicos, o elemento literal constitui o ponto de partida, o fundamento ou suporte basilar e o limite da interpretação, não podendo defender-se um entendimento que não tenha na letra um mínimo de apoio e correspondência verbal.

III – Assim, se num contrato de prestação de serviços se acordou que a remuneração variável pela aprovação do projecto passa a incidir sobre 10% da totalidade das ajudas/incentivos a atribuir não se pode defender, à mingua de outros elementos que inequivocamente o imponham, que a remuneração incidia sobre a totalidade de tais ajudas.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente condenar ambas as rés, solidariamente, na quantia apurada na 1ª instância.

No mais se mantendo a sentença.

Custas pelas as rés e pela autora conforme fixado em primeira instância.