Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
37/09.4TBSRT-I.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
DANOS
PERDA DE CHANCE
Data do Acordão: 12/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SERTÃ - TRIBUNAL JUDICIAL ( EXTINTO ) - SECÇÃO DE PROCESSOS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.227, 563 CC
Sumário: 1.- Os casos padrão da culpa in contrahendo correspondem ao seguinte: a) ruptura, infundamentada, das negociações preparatórias; b) não conclusão, injustificada, de um contrato cujas negociações se iniciaram; c) celebração de um contrato ferido de invalidade ou ineficácia; d) conclusão de um contrato válido e eficaz, em que surgiram das respectivas negociações danos a indemnizar, designadamente contratos “indesejados”, isto é, contrato não correspondente às legítimas expectativas, devido, por ex., ao fornecimento pela outra parte de informações erradas ou à omissão do devido esclarecimento; e) a responsabilidade por actos de terceiros.

2.- Não integra a figura da culpa in contrahendo, respeitante a A. e R., a situação em que, em leilão público, a A. licitou o estabelecimento comercial da R. insolvente como um todo (negócio de combustíveis, imóvel e móveis), em 30.10.2009, celebrou contrato-promessa quanto ao mesmo em 31.12.2009, e escriturou publicamente a aquisição em Março de 2010, mas recebeu o estabelecimento em 1.2.2010, e entre aquele 30.10.2009 e este 1.2.2010 se verificou desvalorização do dito estabelecimento, explorado por terceira sociedade, por diminuição de vendas de combustível e perda parcial de clientela.

3.- A figura da perda de chance não pode dispensar os pressupostos da responsabilidade civil e a sua prova, designadamente o nexo de causalidade, devendo ponderar-se se a omissão foi determinante para a perda de chance sendo esta real e séria e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo, provavelmente capaz de proporcionar a vantagem que o lesado prosseguia.

4.- Fica afastada tal figura se não se provar o facto ilícito; e se não se provar que entre a acção/omissão da R. houve nexo de causalidade, muito probabilístico, de se ter impedido/evitado a perda de chance, real e séria.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

 

1. L (…), Lda, com sede na Sertã intentou a presente acção declarativa, com a forma de processo ordinária, contra Massa Insolvente de A (…), Lda., com sede na Sertã, pedindo se considere que:

a) a autora, licitando no estabelecimento da insolvente, estava em condições de assumir o negócio e o estabelecimento da insolvente, imediatamente após o leilão;

b) a massa insolvente, tendo continuado o negócio da insolvente, visou, com isso, obter proveitos a favor da massa e, dirigindo esses proveitos para a massa, estava obrigada a preservar, tanto quanto possível, quer a Carteira de Clientes, quer o Volume de Negócios existente à data do leilão;

c) desde a data do leilão até à data em que a autora assumiu o estabelecimento e negócio da insolvente, em 1 de Fevereiro de 2010, a massa insolvente perdeu mais de 1/3 dos Clientes e do Volume de Negócios da Insolvente, tudo por referência à data do leilão;

d) esta perda de Carteira de Clientes e Volume de Negócios, atentas as especificidades do negócio em causa, importam perdas específicas e concretas para a autora, que esta computa em quantias não inferiores a 14.000 € mensais desde Outubro de 2009 a Fevereiro de 2010 e, desde então, em pelo menos 5.000 € mensais, durante pelo menos dois anos;

e) para além dos prejuízos resultantes da perda de carteira de clientes e volume de negócios, a autora teve, ainda, de suportar despesas e pagamentos que eram da responsabilidade da massa insolvente, num total de 4.774,91 €, dos quais pretende ser ressarcida;

f) a autora tem direito a ser ressarcida dos valores correspondentes às perdas referidas na alínea d) e valor por si suportado, referido na alínea e);

perfazendo o montante total e global de 226.774,91 €.

Alegou, em síntese, que se dedica, entre outras actividades, ao comércio de produtos combustíveis, sendo que, atenta tal actividade, participou no leilão dos activos da insolvente realizado no dia 30.10.2009. Que acabou por licitar no estabelecimento da insolvente, que comporta os bens móveis e imóveis e negócio desta, pelo valor de 1.250.000 €. Que o dito negócio foi continuado pela massa insolvente, o que se verificou desde a declaração da Insolvência, no início de 2009, até à data em que a ora A. tomou conta do estabelecimento e negócio da Insolvente, no dia 1 de Fevereiro de 2010. Que só foi permitido à A. tomar conta do estabelecimento e do negócio nesta data, sendo que só pôde outorgar a escritura de compra do imóvel no dia 29 de Março de 2010. Que, antes do leilão, procurou elementos relativos à insolvente e encomendou um estudo por forma a avaliar o negócio e, sobretudo, o potencial de negócio da insolvente, tendo chegado à conclusão de que o valor do estabelecimento, num todo, seria entre 1.275.000 e 1.300.000 €, sendo um valor entre 725.000 € e os 750.000 € para o património imobiliário, e um valor entre 350.000 e 375.000 € para o negócio da insolvente, sendo o remanescente para o total supra referido, para as existências móveis. Que a 1 de Fevereiro de 2010 o negócio da insolvente já não era o mesmo da data do leilão, por, entretanto, uma parte muito substancial da carteira de clientes da insolvente ter sido dissipada sem justificação, tendo-se perdido uma parte muito substancial do volume de negócios, isto porque, a gestão da insolvente não atendeu a aspectos essenciais e primordiais, quer quanto ao negócio em si mesmo, designadamente no que concerne à manutenção da carteira de clientes e relacionamento comercial com estes, quer, igualmente, porque permitiu a manutenção de um comercial que conhecia como ninguém toda a carteira de clientes, que se desvinculou da massa insolvente após o leilão, mediante, segundo consta, a promessa de uma indemnização a suportar pela Massa, levando consigo para terceira sociedade parte dos clientes que a Massa perdeu. Invocou, assim, alteração de pressupostos que estiveram na base de contratar, designadamente perda de carteira de clientes e de cerca de 1/3 do volume de negócios entre 30.10.2009 e 1.2.2010, bem como lucros cessantes daí decorrentes. Invocou, ainda, prejuízos decorrentes de pagamentos que se viu na contingência de fazer, relativos a obras, aferições e licenças, que eram da responsabilidade da Massa.  

A R. contestou, negando qualquer responsabilidade quanto aos factos que lhe são imputados pela A. e pugnando pela improcedência da acção.

A A. replicou, concluindo como na petição.

*

A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. a quantia de 43.277,94 €.

*

2. A R. interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

3. A A. recorreu, subordinadamente, tendo apresentado as conclusões que seguem:

(…)

4. A R. contra-alegou, concluindo que:

(…)

II - Factos Provados

 

1º - A Autora dedica-se, entre outras actividades, ao comércio de produtos combustíveis. (A)

2º - Por sentença proferida nos autos principais, transitada em julgado em 27-03-2009, foi a sociedade A (…), Lda. declarada insolvente. (B)

3º - No dia 30 de Outubro de 2009, pelas 15 horas, realizou-se o leilão dos bens apreendidos à ordem da Ré, melhor id. a fls. 52 a 65 do apenso E, cujo teor se dá aqui por reproduzido. (C)

4º - No dia 30 de Outubro de 2009, pelas 14 horas e 30 minutos, a Comissão de Credores da R., deliberou por unanimidade “a manutenção do estabelecimento e respectiva exploração nos termos actuais até efectiva transmissão e escritura pública de transmissão dos bens”. (D)

5º - Mais deliberou “por unanimidade que seria vendido preferencialmente o estabelecimento como um todo, incluindo todos os bens móveis e imóvel, como está anunciado, pelo valor base de 1.596.000,00 euros. Mais foi deliberado que a agência encarregue do leilão, antes da sua abertura, informasse todos os presentes de que a venda seria preferencialmente feita da totalidade do estabelecimento, incluindo a manutenção dos oito postos de trabalho”, dando-se por reproduzido o demais teor da acta de fls. 75 do apenso E, do que foram informados os presentes no leilão. (E)

6º - A A. participou no leilão e licitou a totalidade dos bens pelo valor de € 1.250.000,00. (F)

7º - Na sequência dessa licitação, foi outorgado, no dia 31 de Dezembro de 2009, por A. e R., um acordo denominado “contrato promessa de compra e venda” nos termos do qual:

- considerando que a agora A. apresentou a melhor proposta pela aquisição do estabelecimento comercial, incluindo-se aí todos os bens móveis e imóveis, a qual foi no valor total de € 1.250.000,00 - Cfr. alínea B) dos Considerandos.

- Considerando que foi decidido que esse montante é adstrito a quantia de € 100.000,00 para os bens móveis e € 1.150.000,00 para os imóveis propriedade da insolvente – Cfr. alínea C) dos Considerandos;

- Considerando que havia a previsão de que a outorga da escritura pública de compra e venda seria outorgada no decurso do ano de 2009 mas por razões de ordem processual tal só será possível no inicio do ano de 2010, previsivelmente durante o mês de Janeiro – Cfr. alínea E) dos considerandos.

- A R. prometeu vender e a ora A., então F (…) Ldª, prometeu comprar o estabelecimento comercial da insolvente com todos os seus bens móveis e imóvel, designadamente com o imóvel identificado na cláusula primeira desse contrato – Cfr. cláusula primeira do Doc. 2.

- A marcação das escrituras é da responsabilidade da segunda contraente desse contrato (a ora aqui A.) com a previsão de que será celebrada no decurso do mês de Janeiro de 2010 – Cfr. cláusula Terceira do Doc. 2, dando-se por reproduzido o demais teor de fls. 57 a 62. (G)

8º - Por escritura pública outorgada em 29 de Março de 2010, no Cartório Notarial da Sertã, a fls. 15 a 17 do livro 105-F, a R. declarou vender à A., que declarou comprar, pelo preço de € 1.150.000,00 o prédio urbano, sito na Y (...), freguesia e concelho da Sertã, inscrito na matriz sob o art. 4810, descrito na Conservatória do Registo Predial da Sertã sob o n.º 2467 e que a venda foi feita como um todo e inclui a patente “ X (...)” e os alvarás n.ºs 920/C, 2577/C e 4960, dando-se por reproduzido o demais teor de fls. 126 e ss. do apenso E. (H)

9º - A A. tomou conta do estabelecimento no dia 1 de Fevereiro de 2010. (I)

10º - A A (…), Lda. tinha por objecto a aquisição, transformação, transporte, distribuição, venda e quaisquer outras operações de natureza comercial ou industrial relativa a produtos petrolíferos ou derivados de petróleo, designadamente carburantes, óleos, lubrificantes e gás, bem como, acessoriamente, a gestão e exploração de postos de abastecimento de combustíveis e serviços com estes relacionados. (J)

11º - Após o leilão, D (…), comercial ao serviço da massa, comunicou ao Sr. Administrador da R. que pretendia desvincular-se da relação laboral que com esta mantinha. (K)

12º - O Sr. Administrador da R. solicitou a prorrogação do prazo de pagamento do referido em 28º e 29º. (L)

13º - A exploração do estabelecimento comercial da R. foi assegurada até à data referida em I) pela sociedade T (…), Lda., que assegurava o fornecimento e transporte de combustíveis e a logística necessária para o efeito, com excepção dos encargos com o pessoal, que era assegurado pela R., contra o pagamento à R. de uma contrapartida monetária. (N)

14º - No ano anterior à data referida em 2º, a A (…), Lda. teve um volume de negócios de 13.925.590,75 litros. (3º BI)

15º - Desde a data referida em 2º até à data referida em 3º, com excepção dos meses de Julho, Agosto e Outubro de 2009, as vendas nunca foram inferiores a 630.000 litros de combustível por mês, correspondendo entre os meses de Abril e Outubro de 2009 a uma venda total de 4.627.938,25 litros (4º BI)

16º - No mês do leilão, as vendas foram de 620.740,48 litros de combustível. (5º BI)

17º - Em Novembro de 2009, as vendas foram de 475.915,03 litros de combustível. (6º BI)

18º - Em Dezembro de 2009, as vendas foram de 396.075,05 litros de combustível. (7º BI)

19º - Em Janeiro de 2010, as vendas foram de 348.514,12 litros de combustível. (8º BI)

20º - Desde a data do leilão até à data referida em 9º, foi perdida pela ré, parte da carteira de clientes e o volume médio de negócios mensais do estabelecimento foi reduzido em 26,77%. (9º BI)

21º - O comercial id. em 11º era o único ao serviço da ré. (11º BI)

22º - Com a saída do comercial id. em 11º, parte dos clientes que a ré perdeu passaram para a sociedade para onde aquele foi trabalhar. (13º BI)

23º - A situação referida em 22º ocorreu, pelo menos, por força da relação de confiança daquele comercial com os referidos clientes. (14º BI)

24º - A ré não promoveu a substituição do comercial id. em 11º. (15º BI)

25º - Após o leilão, pelo menos a sociedade referida em 13º teve conhecimento de que a ré estava a perder parte da respectiva clientela. (16º BI)

26º - Desde o leilão, a autora estava disponível e em condições de assumir o estabelecimento. (18º BI)

27º - Entre Outubro de 2009 e Fevereiro de 2010, ocorreu um prejuízo acumulado cifrado em € 38.503,03. (19º BI)

28º - A A. pagou ao Ministério da Economia e Inovação o montante € 500,00 a título de taxas sobre licenciamentos cujo pagamento deveria ter sido efectuado no início do 2º semestre de 2009. (21º BI)

29º - A A. pagou os montantes de € 2.304,00 e € 1.970,91 a título de testes de estanquicidade e canalizações, cujo pagamento deveria ter sido efectuado no início do 2º semestre de 2009. (22º BI)

30º - Foi anunciado aos presentes, previamente ao leilão, que sobre o imóvel recaía um ónus de inalienabilidade pelo prazo de 15 anos a favor da Câmara Municipal da Sertã, cujo términus era o mês de Janeiro de 2010. (25º BI)

31º - A A. não manteve a exploração da oficina de reparação automóvel anteriormente explorada pela R. (26º BI)

*

Factos não provados:

i) Antes do leilão, a A. encomendou um estudo tendo em vista a avaliação do estabelecimento, tendo chegado à conclusão que o mesmo valia entre € 1.275.000,00 e € 1.300.000,00, sendo o património imobiliário entre € 725.000,00 e € 750.000,00, o negócio da insolvente valia entre € 350.000,00 e € 375.000,00 e o remanescente para as existências móveis. (1º BI).

(…)

iv) O comercial referido em 11º, aliciou e desviou clientes da ré para a sociedade onde foi trabalhar. (13º BI)

v) A situação referida em iv) ocorreu em virtude do conhecimento que aquele comercial tinha da carteira de clientes da ré, nomeadamente dos descontos e prazos de pagamento concedidos aos clientes. (14º BI)

vi) O referido em iv) era do conhecimento da ré. (16º BI)

vii) Não obstante o referido em vi), a ré nada fez. (17º BI)

viii) Em virtude do referido em 20º a A. sofrerá, ao longo dos próximos 3 ou 4 anos, prejuízos nunca inferiores a € 5.000,00 mensais, decorrentes dos acréscimos de custos com a recuperação de clientes, nomeadamente através de bónus comerciais e publicidade, de custos administrativos e custos com processos judiciais. (20º BI).

(…)

*

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Enquadramento jurídico da relação controvertida.

- Responsabilidade civil da R. e direito da A. ao recebimento de uma indemnização.

2. A matéria de facto impugnada é a referente aos enumerados factos não provados i), iv) a viii).

(…)

Por conseguinte, elimina-se o ponto i) dos factos não provados (que ficará em letra minúscula), acrescentando-se à matéria provada um novo facto (com o nº 32 que ficará a negrito), nos seguintes termos:

32º. Antes do leilão, a A., com a ajuda do seu TOC, calculou o valor do estabelecimento, tendo-o avaliado em cerca de 1.300.000 €.  

(…)

Por conseguinte, elimina-se o ponto viii) dos factos não provados (que ficará em letra minúscula), acrescentando-se à matéria provada um novo facto (com o nº 33 que ficará a negrito), nos seguintes termos:

33º. Em virtude do referido em 20º a A. terá no futuro um acréscimo de custos com a recuperação de clientes, não quantificado, dependente da estratégia comercial que seguir.

3. Relativamente ao enquadramento jurídico do caso em apreço - pedido da A. do pagamento de uma indemnização por força de uma desvalorização sofrida pelo estabelecimento da insolvente, que ela licitou em leilão e apenas tomou conta dele 3 meses depois -, entendeu a sentença recorrida que se estava perante responsabilidade pré-contratual, por violação de deveres de informação, de cuidado e diligência. Não acompanhamos tal conclusão.

Preceitua o art. 227º do Código Civil que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

A doutrina e, no seu seguimento a jurisprudência, tem elaborado o funcionamento e aplicabilidade do instituto da responsabilidade in contrahendo no seguinte quadro: a) ruptura, infundamentada, das negociações preparatórias; b) não conclusão, injustificada, de um contrato cujas negociações se iniciaram; c) celebração de um contrato ferido de invalidade ou ineficácia - em que, por ex., o erro foi induzido pela actuação dolosa ou culposa da outra parte, tomando-se por hipótese um dever pré-contratual de informar ser violado, por acção ou por omissão, quando uma das partes induz a outra em erro susceptível de ser invocado como fundamento de anulação do contrato.....Verificada alguma destas situações em que o erro foi induzido pela actuação dolosa ou culposa da outra parte, a responsabilidade civil pré-contratual é compatível com qualquer uma das duas pretensões colocadas ao dispor do errante, enquanto titular do direito potestativo de anulação: ou cumular o pedido de indemnização com a anulação do contrato ou limitar-se à indemnização, mantendo o contrato em vigor (cfr. C. Ferreira de Almeida, Contratos – Conceito, Fontes, Formação, 5ª Ed., 2014, págs. 201/202); d) conclusão de um contrato válido e eficaz, em que surgiram das respectivas negociações danos a indemnizar, designadamente contratos “indesejados”, isto é, contrato não correspondente às legítimas expectativas, devido, por ex., ao fornecimento pela outra parte de informações erradas ou à omissão do devido esclarecimento; e) a responsabilidade por actos de terceiros (vide Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Edição, nota 1. ao apontado artigo, pág. 215, Almeida Costa, Responsabilidade Civil pela Ruptura de Negociações, Rev. Leg. e Jurisp., Ano 116º, pags. 101 e segs. e D. Obrigações, 6ª Ed., pág. 248, Menezes Cordeiro, Tratado de D. Civil, Parte Geral, Vol. II, 4ª Ed., 2014, págs. 220/223, C. Ferreira de Almeida, ob. cit., págs. 197/207, e o Acórdão do STJ de 6.11.2012, Proc.4068/06.8TBCSC, em www.dgsi.pt).

No nosso caso nenhuma das hipóteses se põe. As 1ª, 2ª e 5ª são óbvias.

A 3ª também não se põe. Por aplicação do art. 164º, nº 1, do CIRE, optou-se pela venda do estabelecimento em leilão, como admitido no processo executivo. A A. licitou e ganhou o leilão.

Mas a A. não pediu anulação da venda, e indemnização, por existência de algum vício objectivo ou erro sobre a coisa transmitida, nos termos dos arts. 908º, nº 1, do CPC (à data aplicável) e 905º, 906º, 908º e 909º do CC. Nem invocou, também, erro sobre a base do negócio, ao abrigo do art. 252º do CC, ou pediu resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, nos termos do art. 437º do CC, apesar de no art. 55º da p.i. ter afirmado que havia alteração dos pressupostos que estiveram na base de contratar. Nem pediu indemnização, por responsabilidade pré-contratual, por ter sido induzida em dolo ou erro a adquirir o estabelecimento comercial da recorrida por esta ou pela encarregada do leilão.   

E a 4ª hipótese, igualmente, não é de colocar. Efectivamente, não vem provado que a A. e R. tenham negociado previamente ao leilão e ao contrato em causa e, por isso, que o mesmo tivesse como pressuposto certa quantidade de litros de combustível vendidos ou determinada carteira de clientes. Não tendo existido entre A. e R. qualquer fase de negociação ou conversação com vista à aquisição do estabelecimento comercial desta última – “negócio de combustíveis”, imóvel e móveis – não pode a litragem de combustível vendido ou a carteira de clientes terem sido tomados em conta para a licitação pela A. em leilão publico do dito estabelecimento, designadamente quanto a tal componente “negócio de combustíveis”. Nem a A. alegou tal materialidade na p.i.

Ela é que parece ter criado expectativas quanto aos resultados esperados, pois, como resulta com toda a clareza dos arts. 30º a 34º, 40º, 42º e 43º da p.i., foi ela própria que fez as suas contas com base na margem de desconto que os revendedores obtém das gasolineiras, bem como eventual prémio em determinadas condições, e nesse seguimento contou com um determinado volume de negócios. Aliás, foi a A. sozinha que calculou o valor total do estabelecimento (facto 32.).

Não se mostra, assim, que tenha havido fornecimento pela R. de informações erradas ou omissão do devido esclarecimento. Estamos, assim, fora do quadro da responsabilidade extra-contratual.  

4.1. Enquadremos então o litígio.

Os factos pertinentes são os 5. a 9. e 30.: o estabelecimento comercial da R. era para ser vendido e foi vendido como um todo; a A. licitou a totalidade dos bens e ganhou o leilão público, em 30.10.2009; na sequência dessa licitação foi outorgado, no dia 31.12.2009, por A. e R., um contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual a R. prometeu vender e a ora A. prometeu comprar o estabelecimento comercial da insolvente, com todos os seus bens móveis e imóvel, e onde se previa a outorga da escritura pública de compra e venda durante o mês de Janeiro de 2010, dada a existência de um ónus de inalienabilidade sobre o imóvel, cujo termo era em Janeiro de 2010; a escritura pública foi outorgada em 29.3.2010; a A. tomou conta do estabelecimento no dia 1.2.2010. 

Ora, a A. comprou exactamente o estabelecimento comercial que licitou – móveis, imóvel e negócio de combustíveis. Mas quanto a este último componente, a A. veio alegar na p.i. que a 1.2.2010, quando tomou conta do estabelecimento, 3 meses depois da sua licitação em leilão, o negócio da insolvente já não era o mesmo da data do leilão, por, entretanto, uma parte muito substancial da carteira de clientes da insolvente ter sido dissipada sem justificação, tendo-se perdido 1/3 do volume de vendas de combustível, designadamente por um comercial que conhecia como ninguém toda a carteira de clientes se ter desvinculado da massa insolvente após o leilão, levando consigo para terceira sociedade parte dos clientes que a R. perdeu. Essa alegação é a verdadeira causa de pedir da A.

Como é sabido, os pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou não, correspondem aos seguintes pontos: facto; ilicitude; culpa; dano; e nexo causal entre o facto ilícito e o dano.

O prisma jurídico da A., para reclamar a indemnização pretendida, é o de que houve dano e que houve nexo causal entre o facto ilícito e o dano, ou pelo menos houve perda de chance, como figura autónoma do dano.

Importa analisar tal argumentação, não podendo, prima facie, olvidarmo-nos de verificar se há ilícito, como avançado pressuposto legal da eventual responsabilidade civil. Vamos decompor a nossa apreciação nessas 4 partes.

1ª - Diz a A. que ficou privada de tomar posse do estabelecimento comercial durante 3 meses, entre 30.9.2010, data do leilão, e 1.2.2010, quando tomou conta do mesmo. Repare-se que a A. licitou na data indicada, prometeu comprar o estabelecimento em 31.12.2013, e escriturou a aquisição em 29.3.2010. Até esta última data, a de formalização do negócio definitivo, não havia nenhuma obrigação legal da R. em entregar o estabelecimento à A., pois tal obrigação só nascia com a compra e venda definitiva (art. 879º, b), do CC). Assim, antes desta data o estabelecimento só podia ser entregue à A. no âmbito de acordo entre as partes, por ex., ou logo a seguir à licitação ou após a feitura do contrato-promessa. Acordo que todavia não se mostra ter existido. Não há, portanto qualquer ilicitude, a coberto do art. 798º do CC.

E não se diga que o facto da comissão de credores da R. ter deliberado, imediatamente antes do leilão, a manutenção do estabelecimento e respectiva exploração nos termos actuais até efectiva transmissão e escritura pública de transmissão dos bens (ponto provado 4.) era impedimento, pois tal deliberação não foi objecto de comparticipação da A., e portanto não a vinculava. Se a A. aceitou tal deliberação, não se pode queixar da entrega do estabelecimento 3 meses depois, tanto mais que até recebeu o estabelecimento em 1.2.2010, antes da data da outorga da escritura de aquisição do estabelecimento. Se a A. não aceitava tal deliberação, porque a ela não estava vinculada, só tinha que fazer uma coisa, era pedir para lhe fosse entregue tal estabelecimento para o começar a explorar. Contudo, não se evidencia factualmente que o tivesse feito, nem a A. alega tal nos seus articulados. Nesta hipótese, sim, perante um pedido da A. e recusa injustificada da R. se poderia ponderar eventual acto ilícito da R.             

Não se divisa, por conseguinte, qualquer acto ilícito da R., seja à sombra do referido art. 798º, seja eventualmente do art. 483º do CC, pelo que fica afastada a responsabilidade civil da R. 

2ª - Além disso, também não se verifica o dano.

Se a quebra de vendas de combustível e a perda de clientes, entre a data do leilão e a posse do estabelecimento pela A., gerou uma perda de receitas de 38.503,03 € (factos provados 17. a 20. e 27.) esse prejuízo não se reflectiu no património da A. e nem da R. apelada, mas antes no património da sociedade terceira que explorava tal estabelecimento, mediante uma contrapartida monetária que pagava à R. (facto 13.). Essa, sim, é que suportou a perda de receitas, e não a A.

3ª - Ademais, não se verifica, também, qualquer nexo de causalidade entre o suposto ilícito e o alegado dano.    

Por um lado, porque não se pode imputar culposamente à R. a diminuição das vendas de combustível nesses 3 meses. Efectivamente a diminuição da venda das quantidades de combustível pode ser devida a várias razões. Subida do preço, menores consumos, alteração das condições de pagamento dos clientes para umas mais severas, fim ou diminuição de descontos aos clientes, passagem destes para a concorrência, alteração negativa das capacidades financeiras dos compradores, etc. Ora, nenhuma destas vem comprovada na factualidade apurada, podendo muito bem ter acontecido que tal diminuição de vendas ocorreu, no período aludido de 3 meses, por factores exógenos, por ter coincidido com a crise económica geral que se instalou no nosso país e que levou a inúmeros apertos financeiros de várias empresas no nosso país, e mesmo centenas e centenas de insolvências, designadamente no sector de transportes.

Por outro lado, a outra razão invocada pela A. igualmente não se comprovou. Na verdade, não se apurou que a perda de clientes tivesse sido causada culposamente pela R., pois não se provou, desde logo, que o comercial da R. aliciou e desviou clientes desta para a sociedade para onde foi trabalhar (facto não provado iv) e os v) a viii) dele dependentes). O que se provou tão-só foi que após a realização do leilão se verificou uma desvinculação do único comercial ao serviço da R., tendo parte dos clientes da mesma passado para a sociedade para onde aquele foi trabalhar, pelo menos, por força da relação de confiança daquele comercial com os referidos clientes, e que a R. não promoveu a substituição do comercial (factos 21. a 24.). Aliás, é de referir, que nem sequer vem provado em que data concreta tal comercial se desvinculou e começou a trabalhar noutra sociedade concorrente da R., em relação ao indicado período de 3 meses em que a A. não teve o estabelecimento (a crer na prova testemunhal produzida, nomeadamente no próprio comercial, este ter-se-á desvinculado em 10.12.2009 e começado a trabalhar na sociedade concorrente em 5/6.1.2010, o que reduz o período de uma suposta nefasta influência do comercial da R. nos negócios desta para cerca de 3 semanas e não 3 meses, como afirma a A., e reduz o período em que a R. esteve sem comercial, em bom rigor a sociedade terceira que explorava o estabelecimento, para 1 mês e 3 semanas, e não nos aludidos 3 meses).

Em terceiro lugar, importa relembrar que o ónus de prova da factualidade integradora do dano e do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano cabe ao lesado (art. 342º, nº 1, 562º e 563º do CC), prova que a A. não fez. Com efeito, não provou que tivesse dano próprio directo algum, nem que à R. fosse imputável qualquer nexo causal entre a sua actuação/omissão e a produção do dano. Isto é, cabia-lhe a si provar que se tivesse tomado conta do estabelecimento logo após o leilão e até 1.2.2010, data em que tomou conta efectiva do mesmo, com a sua gerência não teria havido diminuição das vendas de combustível, pelo menos nas quantidades correspondentes à perda de receitas objectivamente verificada de 38.503,03 €, e que teria conseguido impedir a saída do comercial da R. de maneira a evitar a perda de clientes, ou teria, com a saída deste, conseguido substitui-lo adequadamente, contratando um novo comercial que manteria a clientela. Prova que não logrou, pois nem sequer alegou tal factualidade.

Em suma, não se tendo provado a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, não se vê razão para à sombra da responsabilidade civil condenar a R. a pagar a indemnização pretendida pela A. ou arbitrada, em parte, na sentença recorrida (de 38.503,03 €), a título de dano emergente ou perdas específicas como lhe chama a A. na d) do seu petitório.

4ª - Finalmente, adiantamos já, não vemos motivo para arbitrar indemnização a coberto da chamada perda de chance como a recorrente pretende.    

Tem sido defendido que a perda de chance consubstancia a perda da possibilidade de obter um resultado favorável, ou de evitar um resultado desfavorável. Assim será por ex., em casos de oportunidade de vitória em concursos desportivos, em concursos públicos ou privados, perda da possibilidade de ganhar uma acção em processos judiciais, em casos de responsabilidade médica, com perda da possibilidade de cura ou mesmo sobrevivência. São estes os casos típicos em que tal figura tem sido chamada à colação. Em todas estas situações típicas encontramo-nos perante um processo aleatório, e exactamente por isso ficamos impossibilitados de conseguir estabelecer um nexo causal entre o facto ilícito e o resultado útil desejado que não se produziu, Contudo, nestes casos, a impossibilidade de demonstração da causalidade não elimina a suspeita de que esta se poderá ter efectivamente verificado no mundo real. Essa suspeita explica em grande medida o aparecimento da teoria da perda da chance com base na ideia de que às vezes fere o sentimento de justiça que a vítima de uma conduta culposa por parte de um terceiro fique sem qualquer indemnização, por um dano que quiçá não teria sofrido se aquele acto ilícito nunca tivesse sido cometido. Em suma, quando, de acordo com a normalidade das regras do ónus da prova, não se consiga estabelecer o nexo causal entre o facto ilícito e um dano, mas se constata que, não fora a ocorrência do primeiro, o segundo teria uma probabilidade maior de não se produzir, a teoria da perda da chance permite considerar que o comportamento censurável do agente privou a vítima de determinadas possibilidades de não sofrer aquele prejuízo, e que por isso essa perda poderá ser indemnizada. Assim pode entender-se que, para que possa ser admitida dentro dos quadros da nossa responsabilidade civil, tal figura terá de ser considerada como uma nova espécie de dano reparável, desde que sejam, obviamente, preenchidos todos os pressupostos necessários ao nascimento de uma obrigação de indemnizar. Ponto é que o demandante consiga provar não um verdadeiro dano mas sim a consistência da sua chance séria e real de obter um resultado favorável ou evitar um resultado desfavorável, como um verdadeiro dano em si. E respeitar-se-ia também o nexo causal. Este é afirmado, não entre o facto e o resultado último que a vítima esperava alcançar, mas entre o primeiro e a perda de possibilidade de se obter o segundo. Esta causalidade terá então que ser provada por parte da vítima, com base na tradicional teoria da causalidade adequada presente no art. 563º do CC. Não se verificaria, assim, qualquer aplicação menos ortodoxa do nexo causal, mas apenas uma extensão do conceito de dano reparável, com o aparecimento do dano de perda de chance, que resultado de um acto ilícito e culposo, e verificado que esteja o nexo causal entre este a as chances perdidas, teria que ser obrigatoriamente indemnizado (vide Nuno Santos Rocha, A «Perda de Chance» Como Uma Nova Espécie de Dano, págs. 19/31 e 91/98, que acompanhámos).

Meneses Cordeiro (ob. cit., págs. 287/289) levanta reservas a esta teoria, postulando que ela será admissível apenas como aferidora de causalidade ou, tão-só, quando as partes tenham erigido a chance a bem jurídico protegido pelo contrato. De qualquer maneira, sublinha, a perda da chance não pode dispensar os pressupostos da responsabilidade civil e a sua prova. E se não se provar coisa nenhuma, ficando apenas em aberto a hipótese de tudo ser sempre possível – e, portanto, a de haver sempre alguma chance -, não vemos que subsista a necessária causalidade. Concordamos.

Na jurisprudência também parece ser essa a posição adoptada. Veja-se, quanto a este aspecto, o recente Ac. do STJ, de 1.7.2014, Proc.824/06.5TBLSB, citado pela R., onde se refere que “nem esta figura deve ser aplicada, subsidiariamente, quando se não provou a existência de nexo de causalidade adequada entre a conduta lesiva por acção ou omissão e o dano sofrido, já que existe sempre uma álea, seja quando se divisa uma vantagem que se quer alcançar, ou um risco de não conseguir o resultado desejado”. Mais, acrescentando que “A perda de chance se deve colocar mais no campo da causalidade e não do dano, devendo ponderar-se se a omissão foi determinante para a perda de chance sendo esta real, séria e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo, provavelmente capaz de proporcionar a vantagem que o lesado prosseguia”.

Ora, como mais atrás assinalámos, a A. não provou o ilícito. Nem provou que entre a acção/omissão da R. havia nexo de causalidade, muito probabilístico, de se ter impedido/evitado a perda de chance, real e séria, de não haver desvalorização do estabelecimento comercial no aludido período de 3 meses. Soe dizer-se, que se a A. tivesse tomado conta do estabelecimento logo após o leilão e até 1.2.2010, data em que tomou conta efectiva do mesmo, com a sua gerência não teria havido diminuição das vendas de combustível, pelo menos nas quantidades correspondentes à perda de receitas objectivamente verificada de 38.503,03 €, e que teria conseguido impedir a saída do comercial da R. de maneira a evitar a perda de clientes, ou teria, com a saída deste, conseguido substitui-lo adequadamente, contratando um novo comercial que manteria a clientela.     

4.2. Agora, em recurso, vem também a A. peticionar que se devem considerar, ainda, a título de lucros cessantes, pelo menos o valor das rendas recebidas pela recorrida desde a data do leilão até à entrega do estabelecimento à A., num total de três meses (12.000 € x 3 meses), ainda que o montante, a este título, haja se ser remetido para sede de liquidação de sentença. Os referidos 12.000 € são a quantia mensal que a A. invoca que a R. terá recebido, durante 3 meses, como contrapartida da exploração do estabelecimento por terceira sociedade entre a data do leilão e a data em que ela A. tomou conta do estabelecimento. Ora, essa matéria não vem alegada na p.i., nem sequer vem formulado o pedido correspondente - veja-se a citada d).

Trata-se, por isso, de matéria nova, insusceptível de apreciação em recurso. Ora já foi dito e redito, infindavelmente, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, que os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la, como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão, proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último. Não cabe, pois, aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la (salvo a possibilidade de conhecimento oficioso de determinadas questões, o que não é o caso dos autos - vide L. Freitas, CPC Anotado., Vol. 3º, 2ª Ed., nota 5. ao art. 676º, pág. 7/8, e jurisprudência aí mencionada). Tratando-se, por isso, de uma questão nova, não pode, agora, ser conhecida em fase de recurso.

4.3. Já quanto aos danos futuros – vide a mesma d) do pedido – a decisão recorrida não atribuiu qualquer indemnização em virtude de não se ter provado prejuízo algum, conforme facto não provado viii). Como se viu, mais atrás, alterou-se tal facto não provado para provado nos termos constantes do facto 33. Porém, como dissemos, não se tendo provado a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, também aqui, nesta parte, não pode ser arbitrada qualquer quantia.

4.4. Resta, por último, verificar a correcção da condenação arbitrada no montante de 4.774,91 €.

Ora, nesta parte, constata-se dos factos provados (28. e 29.) que a R. não cumpriu com as obrigações que sobre si impendiam, pois é absolutamente certo que os montantes referidos eram devidos no período em que a A. ainda não havia sequer licitado o estabelecimento, antes, até essa data, início do 2º semestre de 2009, a recorrida continuava a ser dona do seu estabelecimento comercial e ainda em actividade.

Assim sendo, no que tange a tais montantes, os mesmos devem ser ressarcidos a título de danos emergentes, porquanto correspondem a montantes que a R. deveria ter pago, designadamente para prosseguir a actividade do seu estabelecimento comercial e que acabaram por ser pagos pela A.

Nos termos expostos, acaba por proceder, parcialmente, o recurso da R. e improcede o recurso da A.

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Os casos padrão da culpa in contrahendo correspondem ao seguinte: a) ruptura, infundamentada, das negociações preparatórias; b) não conclusão, injustificada, de um contrato cujas negociações se iniciaram; c) celebração de um contrato ferido de invalidade ou ineficácia; d) conclusão de um contrato válido e eficaz, em que surgiram das respectivas negociações danos a indemnizar, designadamente contratos “indesejados”, isto é, contrato não correspondente às legítimas expectativas, devido, por ex., ao fornecimento pela outra parte de informações erradas ou à omissão do devido esclarecimento; e) a responsabilidade por actos de terceiros;

ii) Não integra a figura da culpa in contrahendo, respeitante a A. e R., a situação em que, em leilão público, a A. licitou o estabelecimento comercial da R. insolvente como um todo (negócio de combustíveis, imóvel e móveis), em 30.10.2009, celebrou contrato-promessa quanto ao mesmo em 31.12.2009, e escriturou publicamente a aquisição em Março de 2010, mas recebeu o estabelecimento em 1.2.2010, e entre aquele 30.10.2009 e este 1.2.2010 se verificou desvalorização do dito estabelecimento, explorado por terceira sociedade, por diminuição de vendas de combustível e perda parcial de clientela;

iii) A figura da perda de chance não pode dispensar os pressupostos da responsabilidade civil e a sua prova, designadamente o nexo de causalidade, devendo ponderar-se se a omissão foi determinante para a perda de chance sendo esta real e séria e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo, provavelmente capaz de proporcionar a vantagem que o lesado prosseguia;

iv) Fica afastada tal figura se não se provar o facto ilícito; e se não se provar que entre a acção/omissão da R. houve nexo de causalidade, muito probabilístico, de se ter impedido/evitado a perda de chance, real e séria;

v) Neste último aspecto, no caso em apreço, a A. teria de provar que não haveria desvalorização do estabelecimento comercial no aludido período de 3 meses, porque se tivesse tomado conta do estabelecimento logo após o leilão e até 1.2.2010, data em que tomou conta efectiva do mesmo, com a sua gerência não teria havido diminuição das vendas de combustível, pelo menos nas quantidades correspondentes à perda de receitas objectivamente verificada de 38.503,03 €, e que teria conseguido impedir a saída do comercial da R. de maneira a evitar a perda de clientes, ou teria, com a saída deste, conseguido substitui-lo adequadamente, contratando um novo comercial que manteria a clientela.           

 

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso da R. procedente, parcialmente, assim se revogando parcialmente a sentença recorrida, e improcedente o recurso da A., e, em consequência condena-se a R. a pagar à A. a quantia de 4.774,91 €.

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Custas a cargo da A. e da R. na proporção dos respectivos vencimento/decaimento. 

*                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

  Coimbra, 9.12.2014

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Maria João Areias