Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
851/04.7TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
VONTADE
TRABALHADOR
JUSTA CAUSA
ILICITUDE
ÓNUS DA PROVA
INDEMNIZAÇÃO
TRABALHADOR
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/10/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 441º, NºS 1, 2 E 4, 443º, 444º E 446º DO NOVO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – O contrato de trabalho pode cessar, entre outras causas, por resolução com justa causa por iniciativa do trabalhador – artº 441º do C. do Trabalho.

II - O artº 444º, nº 1, do Código do Trabalho, apenas estabelece que “a ilicitude da resolução do contrato de trabalho, com base em justa causa, por iniciativa do trabalhador, pode ser declarada pelo tribunal em acção intentada pelo empregador”, com o que se prevê uma faculdade do empregador e não uma obrigação ou um ónus, com as consequências de, na prática, se ter como adquirida a dita justa causa.

III – O núcleo de factos que deram origem à resolução com justa causa é constitutivo do direito à indemnização pela resolução com justa causa, integrando a respectiva causa de pedir – artº 443º C. Trabalho.

IV –O nº 2 do artº 441º C. Trabalho apenas estabelece, a título exemplificativo, os comportamentos do empregador susceptíveis de integrarem a justa causa de resolução do contrato, por iniciativa do trabalhador, estando subjacente ao conceito de justa causa a impossibilidade definitiva da subsistência do contrato de trabalho, tal como é empregue no âmbito do despedimento promovido pelo empregador.

V – Na acção interposta pelo trabalhador para efectivar o seu direito a indemnização (por falta de concordância da entidade empregadora nesse sentido) cabe-lhe alegar os factos constitutivos do seu direito e, enquanto factos constitutivos, fazer prova dos mesmos (artºs 467º, nº 1, al. d) do CPC e 342º, nº 1, do C. Civ.).

VI – O artº 443º, nº 1, do C. T. refere-se à indemnização pelos danos havidos pelo credor lesado (o trabalhador), mas estabelece um mínimo sancionatório pelo qual o empregador sempre será responsável independentemente da existência ou da comprovação dos danos (15 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade).

VII – Neste preceito remete-se o julgador para uma graduação de uma verdadeira indemnização/sanção, a qual terá, portanto, de ser aferida de acordo com a gravidade de ilicitude e da culpa do lesante, bem como dos danos causados.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor intentou contra a ré acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo o reconhecimento da justa causa para a rescisão do contrato de trabalho e a condenação da ré, a pagar-lhe, nos termos que especificou, o montante global de € 78.731,05 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a citação.
Alegou, para tanto, que, ao serviço da ré em 1 de Outubro de 1978, exerceu até 17 de Fevereiro de 2004 funções de secretário de Direcção, auferindo € 1.159,70, acrescido de subsídio de férias e de Natal, subsídio de almoço na quantia diária de € 2,25 e o prémio anual de € 2.319,40. Tinha um gabinete próprio, com secretária e telefone com linha interna, recebendo ordens directas da gerência, não havendo nenhum trabalhador que fosse superior hierárquico do autor ou a quem tivesse de obedecer.
Que no dia 17 de Fevereiro de 2004 foi informado pelo gerente C... que a partir desse dia o seu trabalho passava a constar exclusivamente na colaboração directa com o sector comercial na recepção e tratamento das encomendas e contacto apenas com os clientes D... e mercado sueco; elaboração de fichas técnicas correspondentes aos modelos dos clientes D..., mercado sueco e E... e coadjuvação com o departamento de fichas técnicas quando houvesse necessidade disso, passando a receber ordens da respectiva responsável para esse efeito. No dia 17 de Fevereiro de 2004, o mesmo gerente ordenou ao autor que desocupasse o seu próprio gabinete e que passasse a ocupar o gabinete das fichas técnicas. O gabinete do autor foi então ocupado por uma trabalhadora recém admitida, para quem foram transferidas as funções que o A. desempenhava há 15 anos. O autor passou a ocupar o gabinete das fichas técnicas, na companhia de dois colegas, onde nem sequer tinha secretária, nem telefone próprio. O referido gerente ordenou-lhe que passava a ficar instalado numa banca de computador, no gabinete das fichas técnicas, virado de frente para a parede, sem uma gaveta onde pudesse colocar material de trabalho ou objectos pessoais.
Que no dia 17 de Março de 2004 comunicou à ré a cessação imediata do seu contrato com justa causa. O esvaziamento das funções foi desprestigiante e vexatório para o autor destinando-se a desqualificá-lo profissionalmente, declarando-o inapto para as funções que prestava h á 15 anos. A conduta da ré criou-lhe um estado de depressão nervosa, ficando afectado na sua saúde, tendo sido obrigado a sujeitar-se a tratamento médico.

Contestou a Ré alegando, no essencial, que o autor teve conhecimento das alterações em 15 de Dezembro de 2003, pelo que, quando em 17 de Março de 2004 invocou a justa causa, já haviam decorrido mais do que 30 dias; que em meados de 2003, por razões ligadas à necessidade de reestruturação do sector das fichas técnicas, ao A. foi solicitada a colaboração no sentido de passar a trabalhar com a funcionária G... que estava sozinha nesse sector, no qual se verificavam atrasos que estavam a comprometer a produção; que para além de colaborar no sector das fichas técnicas, o autor continuaria a fazer o acompanhamento dos clientes com maior volume de movimento; que por força dessa reestruturação dos serviços, era necessário que o autor desse formação à trabalhadora F... , a qual iria passar a fazer parte do trabalho de acompanhamento das encomendas de clientes que até aí era efectuado pelo autor; que o autor aceitou essa alteração, sendo que desde 17 de Dezembro de 2003 até 17/02/2004 esteve a dar formação à trabalhadora E...; que a partir de 17 de Fevereiro de 2004, o A. esteve a desempenhar as funções que lhe foram cometidas, isto é a colaborar no sector das fichas técnicas e a acompanhar as encomendas dos clientes de maior vulto; que tais funções passaram a ser desempenhadas numa sala onde estão instalados os computadores, cujos monitores são de maior dimensão, por se tratar de programas de desenho e têm junto um scaner, uma impressora e outros utensílios inerentes, sendo que, por essa razão o equipamento está montado numa banca de maior dimensão; que a sala tem ar condicionado e está equipada com telefone de braço extensível; que ao lado encontrava-se um gabinete de trabalho equipado com uma secretária igual àquela onde o autor trabalhava, equipamento que o podia utilizar sempre que necessitasse; que nunca foi dito ao A. que passava a trabalhar sob as ordens da trabalhadora G....
Concluiu pela improcedência da acção e deduziu reconvenção alegando que com a saída intempestiva do autor teve prejuízos de montante não inferior a € 15.000, montante no qual pediu a condenação do autor a pagar-lhe.

O autor apresentou resposta à contestação.
*
Efectuada a audiência de julgamento, veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes da resolução do contrato de trabalho por iniciativa do autor, a pagar ao autor a quantia de € 29.519,93, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a citação, até efectivo e integral pagamento. A reconvenção foi julgada improcedente e dela absolvido o autor do pedido.

Inconformada, a ré interpôs a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:
(………………………………)

O autor fez apresentação de contra-alegações, nas quais propugna pela improcedência da apelação.
Por sua vez, veio também apresentar recurso de apelação da sentença, no qual apresenta as seguintes conclusões:
(…………………………..)

Recebidos os recursos e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto no sentido de que assiste razão à ré recorrente, quanto à questão do não conhecimento concreto dos factos consubstanciadores da justa causa de resolução, razão pela qual foi do parecer que deve anular-se a douta sentença impugnada e serem os autos devolvidos ao tribunal de 1a instância para que, em função dos factos apurados, se aprecie os pedidos formulados pelo autor e pela ré.

A fls. 392, foi proferido o seguinte despacho do relator:
A questão colocada no recurso da apelante Silva & Irmãos, Lda pode basicamente resumir-se da seguinte forma: a de saber se, tal como concluiu a sentença da 1ª instância, importaria que a ré impugnasse, por via de acção própria ou por via de reconvenção, a ilicitude da resolução do contrato de trabalho para que os respectivos fundamentos pudessem ser apreciados na sua substância.
A sentença da 1ª instância concluiu que, na falta dessa iniciativa da ré, “a resolução deve ser considerada eficaz e oponível à ré” e daí que não tenha apreciado o mérito dos fundamentos da resolução e concluído pela procedência da acção dispensando essa avaliação.
Como se sabe, o nosso sistema de recursos consagra a regra da substituição (e não o da cassação) nos termos da qual “se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários” (artigo 715 nº 2 do C. P. Civil).
Assim, no caso dos autos, a procedência do recurso da ré importará que esta Relação deva conhecer do mérito dos fundamentos invocados para a resolução, uma vez que o processo reúne já todos os elementos de facto necessários.
O autor nas suas contra-alegações pronunciou-se circunstanciadamente sobre esses fundamentos e sobre a sua procedência.
O mesmo não fez a ré apelante, a qual omitiu nas suas alegações qualquer referência a esse objecto de fundo.
Importa assim dar cumprimento ao disposto no artigo 715 nº 3 do C. P. Civil, dando oportunidade às partes para se pronunciarem sobre a (i)licitude substantiva da resolução do contrato, por forma a evitar uma “decisão-surpresa”.
Por isso, ao abrigo do disposto em tal norma, convido as partes a alegarem o que tiverem por conveniente no que respeita aos fundamentos da resolução e no que toca à sua licitude ou ilicitude em função dos factos provados.

Ambas as partes corresponderam ao convite e, em distintas peças processuais, explicaram as suas razões quanto à (i)licitude da resolução declarada pelo autor.
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II- OS FACTOS:
Do despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
(……………………………………..)
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III. Direito
As conclusões das alegações dos recursos delimitam o seu objecto (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Temos, então, dois distintos recursos, decorrendo do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver, no âmbito das conclusões, se podem equacionar basicamente da seguinte forma:

A. Recurso de apelação da ré:
- a de saber se, tal como concluiu a sentença da 1ª instância, importaria que a ré impugnasse, por via de acção própria ou por via de reconvenção, a ilicitude da resolução do contrato de trabalho para que os respectivos fundamentos pudessem ser apreciados na sua substância;
- na resposta negativa a esta questão, saber através da análise do mérito dos fundamentos invocados para a resolução se esta foi lícita ou ilícita.
B. Recurso de apelação do autor:
- se o artº 443°, n° 1 do Código do Trabalho deve merecer interpretação de modo a permitir que os danos não patrimoniais possam ser autonomizados, desde que se justifiquem, e se nesse caso além da indemnização por antiguidade, o autor tem direito à indemnização que reclama de € 25.000,00, a título de dano não patrimonial.
- se se impõe, no cálculo da “indemnização por antiguidade”, a fixação de 45 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade.
- se se impõe, no cálculo da “indemnização por antiguidade” incluir na retribuição base devida ao recorrente o prémio anual correspondente a mais dois salários;

Apreciando, seguiremos a ordem dos recursos

1. Quanto ao recurso de apelação da ré:
1.1. A primeira questão a enfrentar neste recurso tem a ver com a posição expressa pela 1ª instância de acordo com a qual a apreciação da justa causa para a resolução do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, deve ser colocada pelo empregador, por via de acção ou reconvenção, sob pena de, na prática, se ter tal justa causa de considerar como adquirida (na expressão da sentença recorrida, “era ao empregador que competia impugnar a resolução e não ao trabalhador justificar a licitude da cessação do contrato de trabalho com justa causa”).
Com todo o respeito pelas razões expressas na mesma sentença (e que têm a ver, essencialmente, com algumas dúvidas levantadas no debate que se seguiu à publicação do novo Código do Trabalho, a propósito do conteúdo útil do artigo 444º do Código do Trabalho), não podemos acompanhar as conclusões daquela a este respeito.
Pode considerar-se, na verdade, como refere a mesma sentença que depois de o trabalhador proceder à resolução, ela se torna eficaz. Contudo, a eficácia aqui considerada deve reportar-se à cessação do vínculo laboral. Não já às vantagens que para o trabalhador advêm da sua qualificação como justa causa e que se prendem com o inerente direito a indemnização nos termos do artigo 443º do Código do Trabalho.
Neste caso, para o trabalhador efectivar o seu direito a indemnização e na falta de concordância concretizadora dos seus direitos por parte do empregador, aquele terá de exercer os seus direitos a tutela jurisdicional por via de acção, como, de resto, o autor teve de fazer com a presente acção.
Na acção cabe-lhe alegar os factos constitutivos do seu direito (467º nº1 al. d) do C. P. Civil) e, enquanto factos constitutivos, fazer prova dos mesmos (342º nº1 do Código Civil).
O núcleo de factos que deram origem à resolução com justa causa é constitutivo do direito à indemnização pela resolução com justa causa, integra a respectiva causa de pedir, como se retira do artigo 443º do Código do Trabalho.
Nenhuma norma no Código do Trabalho autoriza conclusão pela inversão do ónus de alegação e prova, na acção a intentar pelo trabalhador para concretizar aquele direito.
Muito menos do artigo 444º do referido Código se pode retirar conclusão sobre efeito cominatório decorrente da inércia do empregador em intentar acção para declaração da ilicitude da resolução, solução que foi a acolhida pela 1ª instância ao considerar provada uma justa causa de resolução, “salvo se a entidade patronal a impugnar nos termos e condições legais”.
O artº 444º nº 1 do Código do Trabalho, apenas estabelece que “a ilicitude da resolução do contrato pode ser declarada por tribunal em acção intentada pelo empregador”. Contempla-se uma faculdade do empregador e não uma obrigação ou um ónus com as consequências que se apontam na sentença recorrida, como resulta desde logo da própria formulação.
Neste caso, sabendo-se que o trabalhador, em caso de resolução ilícita, é responsável pela indemnização dos prejuízos causados ao empregador (artº 446° do Código do Trabalho) e sendo certo que o trabalhador pode optar por instaurar a acção em data próxima do termo do prazo de que dispõe para o efeito, inviabilizando eventualmente a afirmação dos direitos do empregador demandado por via de reconvenção (por força da prescrição – cfr. artº 381º nº1), o Código do Trabalho parece ter clarificado a possibilidade processual deste, ao dispor que ele pode intentar a acção judicial para declaração da ilicitude da resolução do contrato.
Tal possibilidade já resultaria do regime anterior. A única diferença relevante, em termos práticos, parece ser a de que, enquanto no artº 37º do DL nº 64-A/89, de 27-2, se aludia à declaração de inexistência de justa causa, hoje – pelo artigo 446º do Código do Trabalho – se alude ao direito a indemnização do empregador quando a justa causa não tenha sido provada. O que faz deslocar o ónus da prova da justa causa de resolução para o trabalhador, também nos casos em que a acção seja da iniciativa do empregador (v. Albino Mendes Baptista, Estudos sobre o Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2006, 2ª ed., pag. 51).
Por isso, tem razão a ré no seu recurso e, por isso, a justa causa de resolução deveria ter sido apreciada no seu mérito pela 1ª instância.
Ficando prejudicadas as demais questões formais levantadas no recurso que se prendiam com a posição expressa pela 1ª instância.

1.2. Não tendo sido apreciada a justa causa pela 1ª instância, terá este tribunal da Relação de o fazer, em substituição.
Na verdade, como se disse no despacho do relator acima reproduzido, o nosso sistema de recursos consagra a regra da substituição (e não o da cassação) nos termos da qual “se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários” (artigo 715 nº 2 do C. P. Civil).
Esta Relação poderá conhecer do mérito dos fundamentos invocados para a resolução, uma vez que o processo reúne já todos os elementos de facto necessários, na medida em que os mesmos foram alegados circunstanciadamente e a respectiva factualidade sujeita a produção de prova com a subsequente decisão de facto.
Vejamos então se ocorreu ou não justa causa para a resolução do contrato de trabalho declarada pelo autor.
O contrato de trabalho pode cessar, entre outras causas, por resolução com justa causa, por iniciativa do trabalhador (441º do Código do Trabalho).
O regime geral da cessação do contrato de trabalho configura duas situações de desvinculação, por iniciativa do trabalhador, ocorrendo justa causa, respeitando ambas a situações anormais e particularmente graves em que deixa de ser exigível que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo. A primeira reporta-se a fundamentos subjectivos por terem na sua base um comportamento culposo do empregador, dando lugar a indemnização (441º nº 2 e 443º do Código do Trabalho). A segunda reporta-se a fundamentos objectivos por não terem na sua base um comportamento culposo do empregador.
Embora o nº 2 do artigo 441º do Código do Trabalho apenas estabeleça a título exemplificativo os comportamentos do empregador susceptíveis de integrar a justa causa de resolução, o autor, na petição inicial, situou-os na sua alínea b), ou seja, na violação culposa das garantias legais ou convencionais do mesmo, bem como na sua alínea f), nesta porque terá ocorrido ofensa à sua dignidade. Trata-se aqui duma chamada justa causa subjectiva.
Em qualquer das apontadas situações está subjacente ao conceito de justa causa, que o artigo 441º não define, mas que a doutrina e a jurisprudência têm considerado, a impossibilidade definitiva da subsistência do contrato de trabalho, tal como é empregue no âmbito do despedimento promovido pela empregador (v., por todos, Albino Mendes Baptista, Estudos sobre o Código do Trabalho, 2ª edição, pag. 25 e segs.).
Por outro lado, nos termos do n.º 4 do artigo 441º, a justa causa será apreciada pelo tribunal em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 396º do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações: ou seja, deverá o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
Todavia, como se refere na obra citada antes, na apreciação da impossibilidade de manutenção da relação laboral, não pode esquecer-se que enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias para responder a situação de incumprimento do trabalhador, este não tem modos (extrajudiciais) de reacção alternativos para censurar incumprimento do empregador – daí que devam haver diferentes patamares de exigência, num e noutro caso, para o esforço de conservação da relação laboral.
Tal como explicitou na carta que remeteu à ré a comunicar a resolução do contrato foram os seguintes os fundamentos invocados pelo autor e que resultaram parcialmente provados: admitido ao serviço da ré em 1 de Outubro de 1978, até 17 de Março de 2004 o autor exerceu a função de Secretário de Direcção. Desde 15 anos antes dessa data (17 de Fevereiro de 2004) desempenhou as funções descritas no ponto 5. da matéria de facto acima reproduzida. Durante vários anos, cujo número que não foi possível concretizar, a ré proporcionou ao autor um gabinete espaçoso e luminoso, exclusivamente utilizado por ele, com secretária, computador e telefone com linha interna. Desde que foi admitido até 17/02/04, recebeu ordens directas da gerência e dos adjuntos administrativos, a quem devia obediência, não existindo qualquer trabalhador da ré que fosse seu superior hierárquico ou a quem este tivesse de obedecer. Na relação hierárquica da empresa, tratava-se de um função de topo, existindo apenas, acima do autor, a gerência da ré, representada por dois gerentes e os dois adjuntos administrativos. No dia 17/02/04, foi informado pelo gerente C... de que, a partir desse dia, o seu trabalho passava a constar exclusivamente do seguinte: colaboração directa com o sector comercial na recepção e tratamento das encomendas e contacto com os clientes D..., H... , I... , J... e mercado Sueco; elaboração de fichas técnicas correspondentes aos modelos dos clientes D..., mercado sueco e E...e coadjuvação com o departamento de fichas técnicas quando houvesse necessidade disso. No dia 17 de Fevereiro de 2004, o mesmo gerente ordenou ao autor que desocupasse o gabinete que ocupava e passasse a ocupar o gabinete das fichas técnicas. O gabinete até então destinado ao A., foi ocupado pela trabalhadora recém admitida E..., para quem foram transferidas as funções supra descritas no ponto 5. a), b), c) e d), da matéria de facto, que o autor desempenhava. A essa trabalhadora foi também destinada a secretária e telefone até então exclusivamente utilizados pelo autor. A partir de 17/02/04, por ordem do gerente C..., o autor passou a ocupar o gabinete das fichas técnicas, na companhia da colega G... e no qual existe uma secretária utilizada, por vezes, pelo vendedor L... . O autor passou a ficar instalado nesse gabinete numa bancada de computadores, virado de frente para a parede e que não dispunha de gavetas. Ao lado do gabinete das fichas técnicas (onde passou a ficar instalado) encontrava-se um gabinete vazio, com secretária e telefone. O autor passou, a partir de 17/02/04, a depender funcionalmente da trabalhadora da Ré G..., chefe do departamento de fichas técnicas. Passou a partilhar o telefone com a colegaG.... O gerente da Ré, M..., confirmou ao A. que as suas funções passavam a ser as supra descritas.
O autor acaba por situar, nas suas alegações complementares, a fls. 416, a questão da alegada violação culposa das garantias legais ou convencionais do mesmo na mudança ilegal da categoria, com violação do disposto no artigo 313º do Código do Trabalho.
É, sem dúvida, aqui que nos devemos situar na apreciação da justa causa, já que a justa causa fundamentada na alínea f) do nº2 do artº 341º desse Código, como antes tinha defendido, não ocorre perante os factos provados. Esta norma exige que a ofensa à dignidade do trabalhador seja punível por lei, o que nos reconduz à consideração de um ilícito criminal (a não ser assim, a ofensa sempre seria subsumível à alínea a)), o qual não se reconhece, no nosso caso, por não estar caracterizado o dolo na eventual conduta ofensiva.
O art° 313° nº1 do Código do Trabalho (sob a epígrafe “mudança de categoria”) dispõe que “o trabalhador só pode ser colocado em categoria inferior àquela para que foi contratado ou a que foi promovido quando tal mudança, imposta por necessidades prementes da empresa ou por estrita necessidade do trabalhador, seja por este aceite e autorizada pela Inspecção-Geral do Trabalho”.
Trata-se de um desenvolvimento do previsto no artigo 122º al. e), no que toca às garantias do trabalhador, o qual dispõe que é proibido ao empregador baixar a categoria do trabalhador, salvo nos casos previstos no mesmo Código do Trabalho.
As funções exercidas pelo autor, de acordo com o que ficou provado, integravam um feixe especializado de funções (no sentido que não são funções que adequadamente possam ser realizadas por trabalhador indiferenciado e sem intensa formação específica). A execução do contrato durante 15 anos, nas mesmas funções, mostram a estabilização funcional da natureza da sua prestação laboral, pelo que se pode dali retirar que as mesmas caracterizavam uma “categoria-função”, entendendo estas “como as funções a que no essencial o trabalhador se obrigou a prestar, por contrato de trabalho ou pelas alterações decorrentes da sua dinâmica” (v. Menezes Cordeiro, Manual do Direito do Trabalho, pag. 665 e segs.)
Ora, não pode deixar de se concluir que as funções que o trabalhador em causa passou a desempenhar por determinação da ré não tinham assumidamente relação com o seu anterior estatuto funcional, como decorre de todo o circunstancialismo provado. Foram-lhe retiradas as funções de elaboração de estrutura geral de preços, de elaboração e execução de tabelas de preços para os diversos mercados, de elaboração de preços individualizados para clientes determinados pela direcção comercial, de planificação da produção e parte das funções de “colaboração directa com o sector comercial na recepção e tratamento das encomendas e contacto com clientes de exportação”. Foram-lhe atribuídas diferente funções no que toca à elaboração de fichas técnicas.
Esse estatuto funcional foi também alterado, de acordo com os factos provados, no que toca ao seu posicionamento da estrutura organizativa e hierárquica da ré. Antes (como “Secretário de Direcção”) recebia ordens directas da gerência e dos adjuntos administrativos, a quem devia obediência, não existindo qualquer trabalhador da ré que fosse seu superior hierárquico ou a quem este tivesse de obedecer e, na relação hierárquica da empresa, o seu estatuto era “de topo”. Depois passou a depender funcionalmente da trabalhadora da ré G..., chefe do departamento de fichas técnicas…
A mudança de “categoria função” evidencia-se quando se observa que o posto de trabalho até então ocupado pelo autor não foi extinto, mas antes o mesmo foi nele substituído por outra trabalhadora recém admitida, para quem foram transferidas as funções que o autor antes desempenhava, tendo esta ocupado mesmo o gabinete até então destinado ao autor.
O estatuto funcional do autor, a sua “categoria-função”, diminuiu, claramente.
Poderia a ré fazê-lo?
Apenas o poderia, conforme prescreve o artº 313º nº1, no caso da mudança ser imposta por necessidades prementes da empresa e a mudança fosse aceite pelo trabalhador e autorizada pela Inspecção-Geral do Trabalho.
Ora, quanto às necessidades prementes da empresa apenas se provou que “em Dezembro de 2003, havia necessidade de proceder à reestruturação do sector das fichas técnicas - sector no qual o autor já tinha, em tempos, colaborado” (ponto de facto 9.). Não se demonstra que essa necessidade seja premente em relação à concreta afectação definitiva do autor a tais tarefas. Sobretudo porque se provou que anteriormente o autor apenas tinha elaborado fichas técnicas à mão e, actualmente, e desde há alguns anos, as fichas técnicas fazem-se exclusivamente em computador, através de programa informático específico, pelo que para passar a fazer fichas técnicas, o autor tinha de aprender à semelhança de qualquer outro empregado que se iniciasse nessa matéria.
Pelo que não se demonstraram as tais “necessidades prementes” e muito menos a aceitação do autor ou a autorização da Inspecção-Geral do Trabalho.
Ou seja, a motivação no interesse orgânico da empresa para a alteração de funções não é a justificação que se pode aceitar, perante os factos, nem os demais requisitos estão verificados.
A modificação substancial da posição do trabalhador revela-se, assim, como o resultado obtido, com diminuição efectiva da categoria-função.
Ou seja, esta conduta viola o disposto no artigo 122º al. e) do Código do Trabalho. E associado a esse processo, pode dizer-se até que se manifestou uma conduta lateral da ré que afectou a dignidade do autor e o respeito que lhe era devido, violando a ré o dever previsto no artigo 120º al. a) do Código do Trabalho.
Não tem, assim, a ré razão quando defende a licitude da sua conduta.
Assim, tendo em conta que importa concluir que comportamento da ré é culposo, importa também retirar da situação que o mesmo pela sua gravidade torna imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho. Não era exigível ao autor que mantivesse a relação laboral, sujeitando-se a um ambiente bem menos favorável e de grave falta de confiança entre as partes no que toca ao posicionamento do autor na empresa.
Pelo que podemos concluir que ao autor assistia justa causa para a resolução imediata do contrato.

Ficando, assim, prejudicada a questão de saber se, não tendo ocorrido justa causa, a resolução conferiria à ré o direito a ser indemnizada, por falta de aviso prévio, tal como peticionou na reconvenção (importa notar que, ao contrário do que a ré afirma no recurso, a reconvenção não foi indeferida pela sentença recorrida – no sentido de não ser admissível –, mas tão só julgada improcedente).

Pelo que terá de improceder o recurso de apelação da ré, embora com fundamentos diversos daqueles que foram enunciados na sentença da 1ª instância.


2. Quanto ao recurso de apelação do autor:
2.1. A primeira questão levantado no recurso do autor, como se disse, é a de saber se o artº 443°, n° 1 do Código do Trabalho deve merecer uma interpretação restritiva ou “correctiva”, de modo a permitir que os danos não patrimoniais possam ser autonomizados da mera “indemnização por antiguidade”.
No caso de resolução com justa causa do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, o artigo 443º, nº1 do Código do Trabalho estabelece que aquele tem direito “a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade”.
Como já se disse, a 1ª instância incluiu no montante arbitrado para a indemnização, pela resolução do contrato, os danos de natureza não patrimonial, considerando que, conforme aquele preceito legal, a indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos deve ser fixada entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
A posição expressa no recurso é defendida por Albino Mendes Baptista, in A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, pág. 540 e Estudos Sobre o Código do Trabalho, 2ª edição, da mesma editora. Este autor sustenta que a regra na indemnização das situações de incumprimento contratual deve ser aberta em conformidade com o artigo 562º do Código Civil e 363º do Código do Trabalho (todos os danos são indemnizáveis). E que ocorrem, se bem percebemos e no caso do artigo 443 nº1, divergências significativas entre a norma e o fim para que foi ordenada, se aplicada sem restrições. Sobretudo se em confronto com o regime previsto para o despedimento ilícito promovido pelo empregador, nos artigos 436º e 439º, no qual se admite a indemnização por todos os danos, para além das outras consequências previstas. Parece impressioná-lo, sobretudo, a limitação da reparação dos danos não patrimoniais, os quais, segundo as suas palavras são “insusceptíveis de sujeição a um espartilho legislativo”.
A verdade é que é difícil aceitar a interpretação restritiva proposta, tendo em conta os limites interpretativos fixados no art.º 9º, n.º 2 do Código Civil. Ela estaria em manifesta oposição com o texto da norma.
Não encontramos explicitado na Constituição nenhum princípio da justa indemnização, em matéria de responsabilidade contratual, que imponha uma interpretação conforme à Constituição, como aquele autor defende sem maior explicação. São vários os casos em que a lei estabelece quadros limitativos da indemnização (e da responsabilidade) em matéria de responsabilidade contratual e extracontratual, sem que, com isso, se questione a sua correcção por via interpretativa – assinale-se até que, quanto aos danos não patrimoniais, a lei impõe mesmo algum “espartilho” ao limitar os danos indemnizáveis aos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (496º nº1 do Código Civil).
Nem nos parece seguro invocar a este respeito o princípio constitucional da igualdade (artº 13º da CRP) no confronto entre as situações de resolução e despedimento. Existe talvez algum fundamento racional para distinguir a indemnização nos casos de despedimento ilícito por iniciativa do empregador e da resolução com justa causa pelo trabalhador. O legislador para prosseguir objectivos de garantir a estabilidade do emprego pode pretender sancionar mais gravemente a parte lesante no primeiro dos casos e menos no segundo (não estimulando as cessações dos contratos por iniciativa do trabalhador – se é certo em que nas situações de justa causa não lhes é exigível manterem o vínculo laboral, também é certo que, conservando-o, poderão recorrer a tribunal para reintegrarem os direitos ofendidos no quadro de execução do contrato, o que não sucede tantas vezes como seria desejável…). A clareza da letra da lei parece mostrar que o legislador quis limitar o montante indemnizatório nos exactos termos em que, neste caso, o fez. Como acima se disse, num quadro em que fixou mais do que uma regra de indemnização, uma sanção contratual ope legis, semelhante à cláusula penal convencional referida no artigo 810º do Código Civil.
Ou mesmo no confronto entre dois trabalhadores que tenham declarado a resolução com justa causa, mas em que um deles não tenha sofrido danos não patrimoniais e o outro os tenha sofrido. A latitude da margem para a fixação da indemnização sempre permite diferenciar as situações para não as tornar desiguais.
Por isso, não vemos motivos para, com a segurança e a prudência que sempre se deve exigir ao intérprete da lei, fazer a interpretação restritiva (ou correctiva) proposta pelo autor recorrente.
E por essa razão, improcederá nesta parte o recurso do autor.

2.2. A segunda questão levantado no recurso do autor é a de saber se o valor da indemnização em que a ré foi condenada está ou não ajustado, ou se, antes, se impõe, no cálculo da “indemnização por antiguidade”, a fixação de 45 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade.
A sentença da 1ª instância considerou que os factos justificavam fixar a indemnização apenas em 30 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade (abrangendo já indemnização pelos danos de natureza não patrimonial).
O autor entende que, perante os factos que ficaram provados, deveria ter­-se em conta que contava 52 anos á data da resolução, que está inserido no interior, sem oferta no mercado de trabalho, prevendo-se uma situação compulsiva de desemprego até à idade da reforma, numa antiguidade de mais de 25 anos, à qual foi posta termo de uma forma cruel, quase desumana, pelo que sempre seria adequada a fixação de 45 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade.
Importa, todavia, notar que nos autos não está provada a idade do autor, nem a realidade da interioridade em que alegadamente estará inserido.
A lei, no nosso entender, fixa neste caso mais do que uma regra de indemnização, uma sanção contratual ope legis, semelhante à cláusula penal convencional referida no artigo 810º do Código Civil. O artigo 443º nº1 do Código do Trabalho refere-se à indemnização pelos danos havidos pelo credor lesado (o trabalhador), mas estabelece um mínimo sancionatório pelo qual o empregador sempre será responsável independentemente da existência ou da comprovação dos danos (15 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade). E fixa um tecto máximo para além do qual o trabalhador lesado não pode exigir indemnização pelo dano excedente.
Ao contrário do artigo 439º nº1 do mesmo Código, para o caso da indemnização por despedimento ilícito promovido pelo empregador, não explicita critérios para a fixação da indemnização/sanção. Nem se pode dizer que esse critério seja apenas a medida dos danos patrimoniais ou não patrimoniais efectivamente sofridos, tal como resultaria da simplicidade do disposto no artigo 562º do Código Civil. No caso do artigo 439 nº1, a chamada “indemnização” tem características de pena contratual, pelo que a ponderação para a sua fixação tem que associar ingredientes de maior ou menor censura do acto ilícito.
A lei remete o julgador para uma graduação de uma verdadeira indemnização/sanção, a qual terá, portanto, de ser aferida de acordo com a gravidade da ilicitude e da culpa do lesante, bem como dos danos causados.
A sentença da 1ª instância valorou, na fixação da indemnização, o seguinte:
- as características laborais do autor (sempre foi um trabalhador brioso ao serviço da Ré, zeloso no cumprimento dos seus deveres, exigente para consigo e para com os seus subordinados, respeitado por todos os trabalhadores, competente na sua acção, tendo granjeado prestígio dentro da ré);
- o número de anos de serviço (admitido em 1 de Outubro de 1978);
- o fundamento da resolução;
- as suas consequências em termos de saúde (em consequência dos factos que levaram à resolução, ficou deprimido e com perturbações ao nível do sono, tendo sido obrigado a consultar o médico e a sujeitar-se a tratamentos médicos, situação que ainda hoje se mantém).
Entendemos que esse quadro, considerando todo o quadro de anormalidade contratual que justificou a resolução, bem como a ponderação em equidade dos danos - no quadro previsto no artigo 566º nº 2 do Código Civil - patrimoniais e não patrimoniais, sendo estes os que se relacionam com a natural perda da estabilidade da fonte de proventos salariais e os que se traduziram para o autor na quebra na saúde, justifica uma indemnização ajustada ao máximo legal, sendo adequada a fixação de 45 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade.
Procederá, assim, nesta parte o recurso do autor.

2.3. Por último, o autor levanta no recurso a questão da incorrecção do cálculo da retribuição base considerada na sentença em recurso.
Defendeu que deverá ser incluída na retribuição base devida ao recorrente o prémio anual correspondente a mais dois salários por se tratar do correspectivo do exercício da actividade desempenhada pelo recorrente com uma natureza periódica constante e previamente fixada, devendo então entender-se que o recorrente auferia a retribuição base de € 1.352,98.
Provou-se (ponto 3. da matéria de facto) que o autor auferia a remuneração mensal ilíquida de € 1.159,70, acrescida de prémio anual de € 2.319,40, pago em prestações semestrais (no Natal e nas Férias) de € 1.159,70, cada.
O artigo 443º, nº1 do Código do Trabalho estabelece que a indemnização é fixada entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
O artigo 250 nº 2 al. a) diz-nos que retribuição base “é aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido”.
Ora, o período normal do trabalho que se mostra definido para o vencimento da retribuição é o mês (v. artº 269º nº1 do Código do Trabalho). A ele correspondia a retribuição de € 1.159,70. É essa, portanto, a retribuição-base, sendo os demais prémios suplementos retributivos que não integram esse conceito (v. designadamente Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª edição, pag. 467 e segs.).
Pelo que nesta parte não tem o autor razão.

Concluindo, em função do exposto terá o autor direito à indemnização de € 44.279,88 [(€ 1.739,55 /= 45 dias de retribuição-base/ x 25 anos) + (€ 1.739,55 : 365x166)], valor esse que substituirá o apurado em 1ª instância.

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III- DECISÃO
Termos em que se delibera:
1. negar provimento ao recurso de apelação da ré, confirmando parcialmente a sentença da 1ª instância, ainda que com diferentes fundamentos;
2. julgar parcialmente procedente o recurso de apelação do autor, alterando parcialmente a decisão da 1ª instância, condenando a ré, em substituição daquela decisão, a pagar ao autor a quantia de € 44.279,88 (quarenta e quatro mil duzentos e setenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a citação (4 de Agosto de 2004), até efectivo e integral pagamento.

Custas nos recursos a cargo da ré.