Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5202/12.4TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: CAUSA DE PEDIR
ÂMBITO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
BOA FÉ
CLÁUSULAS ABUSIVAS
Data do Acordão: 06/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 664º, 2ª PARTE, E 668º, Nº 1, D) DO CPC DE 1961, E 5º, Nº 1 DO NCPC; 3º, Nº 3 DO CPC DE 1961; 3º, Nº 3 DO NCPC). ARTºS 16º E 19º, AL. C) DA LCCG.
Sumário: I – O âmbito da causa de pedir - que é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada pela parte – determina-se através da interpretação do acto postulativo dessa mesma parte - v.g., da petição inicial – por aplicação dos critérios de interpretação dispostos na lei para os negócios jurídicos, aplicáveis, por extensão de regime, aos actos não negociais.

II - A violação, pelo tribunal, do dever de consulta – e do mesmo passo, do princípio do contraditório – resultante da apreciação de uma questão de conhecimento oficioso sem, porém, ter sido previamente dada às partes a possibilidade de sobre ela se pronunciarem, integra uma nulidade processual secundária ou inominada, que mesmo que deva considerar-se consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia, só releva mediante arguição da parte.

III - No plano das cláusulas contratuais gerais, a boa fé é chamada como instrumento operativo e meio auxiliar da própria fixação do conteúdo admissível das cláusulas contratuais gerais, pelo que o seu imediato ponto de incidência é a estipulação contratual, em si mesma, tendo em conta as suas potencialidades aplicativas em abstracto.

IV - A cláusula contratual que, no caso de denúncia antecipada do contrato, reconhece ao predisponente o direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado, tendo em conta o quadro contratual padronizado – portanto, independentemente do contrato concreto em que se insere – é nitidamente desproporcionada em relação aos danos a ressarcir, dado que, por definição, não atende à situação patrimonial do prestador do serviço, antes e depois da extinção do contrato, procurando colmatar a diferença, como actua uma simples obrigação de indemnizar, antes se limita a atribuir, ad nutum, um preço – e um maior preço - que não encontra qualquer justificação numa prestação de serviço.

V - Tal cláusula é, pois, proibida e, como tal, nula.

Decisão Texto Integral:            
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

O..., Lda., propôs, no 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, contra Condomínio do Edifício nº ..., acção declarativa de condenação com processo comum, sumário pelo valor, pedindo a condenação do último a pagar-lhe a quantia de € 10.413,04, acrescida de juros vencidos, à taxa legal, até 19 de Outubro de 2012, no valor de € 2.105,96, bem assim dos vincendos desde 20 de Outubro do mesmo ano até pagamento, calculados sobre o capital em divida - € 10.413,04.

Fundamentou esta pretensão no facto de, no exercício da sua actividade de conservação de elevadores, ter celebrado, no dia 19 de Junho de 2008, com o réu, dois contratos de conservação denominados ..., cada qual com início no dia 1 de Julho de 2008 e termo em 30 de Outubro de 2014, e embora continuasse a cumprir os contratos sem queixas, o réu, que sempre foi mau pagador – incumprimento que é atestado pelo acordo de pagamento celebrado com aquele - sem que nada o fizesse prever, por carta de 2 de Março de 2014 rescindiu o contrato dos autos, tendo deixado por pagar facturas atrasadas – designadamente anteriores a Junho de 2008 - pelo que, estando os contratos em vigor até 30 de Junho de 2014, facturou o remanescente dos períodos em curso, tendo o réu deixado por pagar 35 facturas, no valor somado de € 10.413,04.

O réu defendeu-se alegando que por a autora nunca ter prestado devidamente os serviços contratados se viu obrigado a rescindir o contrato, nada lhe devendo a título de rescisão, por o ter rescindido com justa causa, que o acordo de pagamento trata de uma dívida anterior à celebração dos contratos juntos aos autos, que do valor de € 2.423,80, referido nesse acordo, pagou € 1.615,92, pelo que se encontra em dívida o montante de € 807,88, que da factura total de € 3.456,00 pagou € 1.168,00, encontrando-se em dívida o montante de € 1.095,88, pelo que das facturas emitidas – que eram pagas através de débito directo na sua conta - reconhece dever a quantia de € 1.095,88, nada mais devendo à autora.

A autora reiterou, na resposta, que estão em dívida as facturas que juntou com a petição e que desses valores o réu nada pagou.

A sentença final da causa – com fundamento em que as facturas emitidas anteriormente à celebração do contrato em causa não são devidas pois a causa de pedir nesta acção cinge-se a dois contratos datados de Junho de 2008, pelo que apenas são devidos os valores posteriores à sua celebração, que lhe parecia evidente que existiu justa causa de resolução do contrato relativamente ao elevador SX6419, o mesmo não sucedendo com o elevador SX6420 – que os contratos celebrados entre as partes são contrato de adesão e que a cláusula – penal - que obriga que, no caso de denúncia antecipada a indemnização por danos corresponderá ao valor da totalidade das prestações em dívida até ao termo do prazo contratado é, por ser proibida, nula – condenou o demandado a pagar à autora a quantia de € 2.742,06, acrescida de juros de mora desde a data do vencimento das facturas até integral pagamento e absolveu-o do demais peticionado.

É esta sentença que a autora impugna no recurso ordinário de apelação – no qual pede a sua revogação e substituição por outra em que se condene – finalmente – o R. na totalidade do pedido – tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões:

...

Não foi oferecida resposta.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

2.1. O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de factos nestes termos:

1. Factos provados:

...

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito objectivo do recurso pode ser limitado, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou, expressa ou tacitamente, nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

A apelante, fundada na prestação de serviços de conservação de dois elevadores pediu a condenação do apelado a pagar-lhe o preço ou a remuneração convencionada como contrapartida da realização daquela prestação.

A sentença impugnada, porém, desamparou, largamente, uma tal pretensão, com fundamento em três ordens de razões: a causa de pedir invocada pela autora restringe-se aos contratos concluídos em 2008, pela que as facturas anteriores à celebração destes contratos não são devidas; o apelado resolveu licitamente, por justa causa, um dos contratos; os contratos concluídos entre as partes são contratos de adesão e a cláusula penal neles convencionada para o caso de incumprimento pelo apelado dos contratos – o valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado - é, por se mostrar desproporcionada, uma cláusula proibida e, como tal, nula.

 Este simples enunciado mostra a inexactidão da alegação da apelante quando afirma que o réu não convenceu o tribunal da justa causa alegada como fundamento da resolução dos contratos: realmente, o tribunal convenceu-se dessa justa causa – embora apenas relativamente a um dos contratos.

Como quer que seja, a apelante acha que se deve julgar provado o facto, julgado não provado com o nº 1, com este enunciado: aquando do envio da carta referida em K e por conta dos acordos celebrados encontravam-se por pagar 8 facturas. Razão: os contratos dos autos iniciaram-se em 1 de Julho de 2008, vieram substituir os anteriores, pelo não houve assim qualquer quebra na relação comercial estabelecida ao longo dos anos entre A. e R., pelo que os contrato dos autos e o acordo de fls. 26 constituem, todos, a causa de pedir nestes autos.

Como se vê, a modificação da decisão da decisão da questão de facto não se fundamenta em qualquer error in iudicando, por erro na aferição das provas ou por erro sobre o objecto dessas provas – mas num error in iudicando – de direito - quanto à delimitação da causa de pedir invocada pela apelante.

Maneira que, em face do conteúdo da alegação da apelante e da decisão impugnada, as questões controversas que importa resolver são as de saber se:

a) O apelante invocou uma ou mais causas de pedir susceptíveis de fundamentar a totalidade do pedido que formulou;

b) Os contratos concluídos entre a apelante e o apelado são qualificáveis como contratos de adesão;

c) A cláusula penal disposta, a favor da apelante, nesses mesmos contratos é, por se mostrar desproporcionada, uma cláusula proibida e, como tal, nula.

A resolução destas questões vincula, naturalmente, à exposição da função da causa de pedir, às características das cláusulas contratuais gerais e aos pressupostos de nulidade da cláusula penal convencionada por recurso a cláusulas daquela espécie.

3.2. Função da causa de pedir.

O pedido formulado pela parte tem de ser fundamentado, quer dizer, tem de assentar numa causa de pedir. A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada pelo autor, ou seja, é composta pelos factos constitutivos da situação jurídica invocada por aquela parte. Nos processos em que vigora a disponibilidade objectiva, a causa de pedir fixa os limites da cognição do tribunal (artºs 664, 2ª parte, e 668, nº 1, d) do CPC de 1961, e 5 nº 1 do nCPC);

Os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos brutos, mas factos institucionais, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica. No entanto, esses factos valem independentemente da qualificação fornecida pela parte, dado que ela não é vinculativa para o tribunal (artº 664, 1ª parte, do CPC de 1961, e 5 nº 3 do nCPC).

A causa de pedir desempenha, pois, desde logo uma função de fundamentação do pedido: o autor fundamenta o pedido numa certa causa de pedir, que fornece o porquê do pedido. O autor pede a condenação do réu a pagar-lhe a quantia X, porque lhe emprestou essa quantia ou porque ela corresponde ao preço de uma coisa que ele comprou – ou porque ela corresponde ao preço ou à remuneração de um serviço que lhe foi prestado.

O autor está, assim, vinculado a um ónus de substanciação, i.e., ao ónus de alegar, de forma substanciada, os factos que integram a causa de pedir[1]: a função de fundamentação que é realizada pela causa petendi é, assim, indispensável.

À determinação da exacta causa de pedir invocada pela parte obtém-se através da interpretação do acto postulativo dessa mesma parte - v.g., da petição inicial – por aplicação dos critérios de interpretação dispostos na lei para os negócios jurídicos, aplicáveis, por extensão de regime, aos actos não negociais (artºs 236 e 295 do Código Civil).

Assim, tendo presente que o acto da parte tem por destinatário o tribunal e a contraparte, o acto da parte deve ser interpretado de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário – o tribunal e/ou a contraparte – possa deduzir do comportamento da parte (artº 236 nº 1 do Código Civil). Em caso de dúvida séria sobre o sentido da declaração, o tribunal está vinculado ao dever de procurar esclarecimento junto da parte (artº 266 nº 2 do CPC de 1961 e 7 nº 2, do nCPC).

Na espécie do recurso a fonte do direito de crédito alegado pela apelante, os actos de que, no seu entender, um tal direito procede, são, decerto, os contratos que concluiu com o apelado em 19 de Junho de 2008 e foi nesses contratos que se baseou para fundamentar parte do seu pedido. Causa de pedir que sem preocupação de particular rigor é subsumível a dois contratos atípicos de troca para a prestação de serviço, a que são aplicáveis, na ausência de regulação especial, devidamente reconformadas, as disposições sobre o contrato de mandato (artºs 1156 do Código Civil).

Mas a par desses dois contratos a apelante invocou um outro acto de que, no seu ver, emerge, parte do direito de crédito alegado: o acordo de pagamento por débito directo da dívida vencida, que concluiu com o apelado – oferecido como documento nº 3, incluso a fls. 26 – relativo ao contrato SX6420 do elevador instalado na Rua ..., datado do Novembro de 2009 – que menciona como dívida vencida a quantia de € 2.423,80, a pagar em 18 prestações mensais de € 134,46, com início em 15 de Dezembro de 2009 e termo em 15 de Maio de 2011.

A causa petendi desenhada pela autora na petição inicial não se restringe, portanto, aos contratos concluídos em Junho de 2008, antes compreende um outro negócio jurídico: o denominado acordo de pagamento que – sem preocupação de especial rigor – se pode reconduzir a um contrato de transacção (artºs 1248 e 1250 do Código Civil).

E foi esse, aliás, também o sentido que, claramente, a apelada deu ao articulado de petição inicial, como linear e inequivocamente decorre da alegação de que aquele acordo se referia a uma dívida anterior aos contratos juntos e que do valor de € 2.423,80, objecto desse mesmo acordo, já tinha pago € 1.615,92, pelo se encontrava em dívida o montante de € 807,88. A defesa deduzida pelo apelado mostra, sem a mínima dúvida, de um aspecto, que interpretou a petição inicial no sentido de que a par da causa de pedir representada pelos dois contratos celebrados em 2008, a apelante havia invocado uma outra – o acordo de pagamento – e de, outro, que aceita a veracidade dos factos integrantes dessa causa petendi, sem prejuízo da oposição, ao direito de crédito, que dela emerge, da excepção peremptória do pagamento, ainda que parcial.

E sendo isto exacto, então é clara a incorrecção da sentença impugnada ao concluir que a causa de pedir apresentada pela recorrente se resumia aos contratos concluídos em Junho de 2008.

Como também não se julga correcto que se declare não provado um facto – a falta de pagamento de dadas facturas – não por qualquer motivo relacionado com a prova – ou com a falta dessa prova – mas com um fundamento na circunstância de aqueles valores não poderem ser objecto da acção, porque não se reportam aos contratos que aqui está em causa nem tal se encontra alegado na petição inicial. Realmente, uma realidade é o facto do não pagamento de um débito – puro problema de facto, dado que se reporta a um acontecimento social, juridicamente relevante – outra bem diversa, a inadmissibilidade da condenação do devedor na realização da prestação pecuniária correspondente, imposta – como consequência do princípio da disponibilidade objectiva – pela vinculação temática dos poderes de cognição do tribunal à causa de pedir invocada pela parte. Todos os factos controvertidos devem ser apreciados pelo tribunal, sem que, mesmo entre eles, possa ser estabelecida qualquer relação de prejudicialidade que dispense a pronúncia sobre outros (artº 607 nº 4, 1ª parte, do nCPC).

Consabidamente, o nosso direito probatório material orienta-se pela chamada doutrina da construção da proposição jurídica ou teoria das normas – de harmonia com a qual a repartição desse ónus decorre das relações das normas entre si – e que, numa formulação simplificada, pode enunciar-se deste modo: cada parte está onerada com a prova dos factos subsumíveis à regra jurídica que lhe atribuiu um efeito favorável (artº 342 nºs 1 e 2 do Código Civil). O princípio geral em matéria do ónus da prova apela, nitidamente, à natureza funcional dos factos perante o direito do autor.

Assim, ao autor cabe a prova, não de todos os factos que interessem à existência actual do direito alegado – mas somente dos factos constitutivos dele; a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito, incumbe à parte contrária, aquele contra quem a invocação do direito é feita (artº 342 nºs 1 e 2 do Código Civil).

Portanto, ao autor cabe a prova dos factos constitutivos do seu direito – dos momentos constitutivos do facto jurídico, simples ou complexo, que represente o título ou causa desse direito. Assim – como é o caso – numa acção fundada no não cumprimento de uma obrigação ex-contractu, ao autor apenas compete fazer a prova da conclusão do contrato e a inclusão do seu direito de crédito entre as prestações devidas pelo demandado; ao réu não compete provar que tais factos não são verdadeiros, mas já lhe compete a prova, v.g. dos factos extintivos do direito do autor – dos momentos constitutivos dos correspondentes títulos ou causas extintivas, como, por exemplo, o cumprimento.

Numa questão de facto de que dependa o julgamento, a lei dá sempre a uma das afirmações alternativas que a compõem o carácter privilegiado de ser tomada como base da decisão em dois casos: se for provada em si ou então em caso de dúvida insanável ou irredutível; a afirmação contrária só será tomada em conta se for provada. Assim, numa acção de condenação, na questão de facto paguei – não pagou, a primeira afirmação só é tomada em conta se for provada; a segunda é tomada em conta se for provada e ainda no caso de dúvida irredutível.

De maneira que se o autor se propõe valer declarar e valer um direito ao preço, e se o demandado lhe opõe que já o pagou, a aplicação daquele princípio resolve-se nestas regras: ao último impõe-se o ónus de provar os elementos estruturais – constitutivos – daquele facto extintivo; o primeiro está apenas adstrito a um simples ónus da contraprova, de tornar incerto o facto alegado pelo réu.

Em tal caso, o demandante não tem de criar no espírito do juiz uma convicção positiva, de persuadir o juiz de que o facto em causa – o pagamento – não é verdadeiro: é suficiente deixar no ânimo do juiz um estado de dúvida ou incerteza, uma convicção negativa sobre a realidade daquele facto (artº 346 do Código Civil). E isto é assim, dado que a dúvida sobre a existência do facto do pagamento – facto extintivo favorável ao réu - resolve-se contra ele visto que é a parte onerada com a prova.

Realmente se o demandado alega que cumpriu – que já pagou o preço ou remuneração – então compete-lhe a prova desse facto extintivo, ficando o autor vinculado a um simples ónus da contraprova, de tornar incerto o facto peremptório alegado pelo réu. Nesta hipótese, o autor não tem de provar que o facto do pagamento não é verdadeiro, bastando tornar duvidoso ou incerto o facto do pagamento. O que se compreende, uma vez que a dúvida sobre a existência do cumprimento – facto extintivo favorável ao demandado – resolve-se contra este, parte onerada com a respectiva prova.

Neste contexto, é, nitidamente, o apelado que está adstrito ao ónus de provar que realizou a prestação pecuniária relativa à parte do preço ou remuneração que é reclamada pela recorrida, dado que se trata, inequivocamente, de um facto extintivo do direito àquela prestação (artº 342 nº 1 do Código Civil). Em caso de non liquet, a dúvida sobre a realidade daquele facto resolve-se contra o apelado (artºs 414 do nCPC e 346, in fine, do Código Civil).

Na espécie sujeita, a apelante alegou – e demonstrou - o acto constitutivo de que emerge o seu direito de crédito – os apontados contratos - e o apelado opôs-lhe a excepção peremptória do cumprimento parcial: o pagamento da quantia de € 4.784,92. Simplesmente, o apelado não demonstrou a realidade deste facto – demonstração que lhe seria extraordinariamente fácil, dada a alegação de que o pagamento das facturas era feito por débito directo na sua conta, pelo que seria bastante a exibição dos movimentos dessa espécie daquela conta. E como a exactidão do julgamento como não provado do facto do pagamento se não controverte no recurso, há que decidir contra o apelado, onerada com essa prova.

Do que decorre, no caso, como corolário que não pode ser recusado, a condenação do apelado das quantias alegadas pela apelante, em débito, quer por força do indicado acordo de pagamento, quer por virtude da prestação dos serviços em execução dos contratos concluídos em Junho de 2008.

Em contrapartida, temos por certo que à apelante não assiste o direito de exigir ao apelado as quantias que reclama a título de sanção contratual, relativas ao remanescente dos períodos em curso – Março de 2011 a Junho de 2014 – no momento em que o apelado lhe comunicou a rescisão dos contratos de prestação de serviço concluídos em 2008.

3.3. Características das cláusulas contratuais gerais e aos pressupostos de nulidade da cláusula penal convencionada por recurso a cláusulas daquela espécie.

De entre as múltiplas convenções contidas nos contratos concluídos em 2008, a sentença apelada, seleccionou, para os factos que julgou provados, o conteúdo da cláusula 5.5.2., disposta nas condições gerais, epigrafada de mora e incumprimento imputáveis ao cliente, que faculta à apelante, no caso de mora no pagamento, por mais de 30 dias, de qualquer dívida, a resolução do contrato, e a exigência de uma indemnização por danos, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado. Selecção que se deveu, decerto, a lapso, dado que, no caso, era patente a inaplicabilidade daquela cláusula, visto que os contratos não foram resolvidos pela apelante – mas pelo apelado.

O que explica que a cláusula que, com fundamento no seu desequilíbrio ou desproporcionalidade, a sentença impugnada teve por nula, tenha sido, afinal, a cláusula inserta nas condições gerais, com o nº 5.7.4., com este teor: uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços contratados, é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da O..., em caso de denúncia antecipada do presente contrato pelo Cliente, a O... terá direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada, no valor das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado.

A recorrente nota na sua alegação, com inteira razão, que a apreciação da validade daquela cláusula foi feita oficiosamente - já que tal questão não foi suscitada pelo apelado – sem que lhe tenha sido facultado, sobre o tema, o exercício do contraditório.

Entre os princípios instrumentais do processo civil, i.e., aqueles que procuram optimizar os resultados do processo, conta-se, seguramente, o princípio da cooperação intersubjectiva, de harmonia com o qual, as partes e o tribunal devem colaborar entre si na resolução do conflito de interesses subjacente ao processo (artº 266 nº 1 do CPC de 1961 = 7 nº 1 do nCPC).

O tribunal está, portanto, vinculado a um dever de colaboração com as partes, dever que se desdobra, entre outros, no dever de consulta: o tribunal tem o dever de consultar as partes sempre que pretenda conhecer de matéria de facto ou de direito sobre a qual aquelas não tenham tido a possibilidade de se pronunciarem (artº 3 nº 3 do CPC de 1961=3 nº 3 do nCPC). É o que sucede, por exemplo, quando o tribunal enquadra juridicamente a situação de forma diferente daquela que é perspectivada pelas partes ou aprecia uma excepção peremptória oficiosamente cognoscível. Este dever – que se mantém durante toda a tramitação da causa - tem uma finalidade evidente: evitar as chamadas decisões-surpresa, i.e., as decisões sobre matéria de conhecimento oficioso sem a sua prévia discussão pelas partes.

Uma decisão dessa natureza afecta um valor particularmente relevante da decisão judicial - o da previsibilidade: a decisão do tribunal deve corresponder aquilo que é alegado e discutido durante o processo, não devendo as partes ser – desagradavelmente – surpreendidas com uma decisão que, embora baseada numa matéria de conhecimento oficioso, aprecia uma questão que nenhuma das partes alegou ou discutiu.

Seja como for, é exacto que, no caso, a sentença final da causa conheceu de uma questão – a nulidade de uma cláusula contratual – que nenhuma das partes alegou ou discutiu, e, portanto, sem lhes ter dado a possibilidade de se pronunciarem sobre tal questão.

A violação daquele dever de consulta – e do mesmo passo, do princípio estruturante do contraditório – é decerto uma nulidade processual, dado que se resolve na omissão de um acto imposto (artºs 201 nº 1, do CPC de 1961, e 195 nº 1 do nCPC).

É discutível se esta nulidade processual deve ser arguida a se – no tribunal em que alegadamente foi cometida - pela parte interessada, ou antes é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia, dado que, sem a prévia audição das partes, o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão (artº 615 nº 1 d) do nCPC).[2] Em qualquer dos casos, não se trata de nulidade oficiosamente cognoscível, mesmo enquanto nulidade da sentença, dado que a nulidade da decisão também só releva mediante arguição da parte (artº 615 nº 4 do nCPC).

Ora, no caso, a verdade é que a apelante, não arguiu uma tal nulidade, seja enquanto nulidade inominada – caso em que deveria ter reclamado contra ela logo e ainda na instância recorrida – seja como nulidade de sentença.

De resto, se é compreensível que a apelante se declare surpreendida com o conhecimento oficioso da questão da invalidade da cláusula, não pode decerto ter por inesperada a conclusão da sua nulidade, com fundamento na sua desproporcionalidade. É que, essa mesma cláusula tem sido, com aquele preciso fundamento, julgado nula, de forma repetida pelos tribunais superiores, como o demonstram, por exemplo, os acórdãos desta Relação de 28 de Outubro de 2014 e de 17 de Abril de 2012, da Relação de Lisboa de 5 de Fevereiro de 2015, e da Relação do Porto de 8 de Abril de 2014[3].

Jurisprudência cuja correcção é isenta de qualquer reparo.

É indiscutível que a apontada cláusula tem a feição de cláusula penal (artº 810 do Código Civil). Cláusula que contrasta vivamente com a disposta para o caso de o facto patológico do incumprimento ser imputável à apelante, hipótese em que aquela apenas responderá à concorrência do valor de 3 meses de facturação O... do presente contrato, como máximo da indemnização a pagar ao cliente (cláusula 5.6.).

A cláusula penal, em sentido amplo ou lato, consiste na convenção por que o devedor promete ao seu credor uma prestação para o caso de não cumprir, ou de não cumprir perfeitamente, a obrigação[4].

A doutrina tradicional construía a cláusula penal como um instituto unitário e com uma dupla função: de fixar antecipadamente a indemnização; de incentivar ou compelir o devedor ao cumprimento.

A doutrina e jurisprudência mais recentes quebraram a unidade do conceito, separando as cláusulas penais em indemnizatórias e compulsórias: nas primeiras, a convenção das partes tem por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso; nas segundas, aquele acordo tem por escopo compelir o devedor ao cumprimento ou sancionar o não cumprimento[5]. Portanto, ao lado da pena convencional tradicional ou da cláusula penal estrita, às partes é lícito estabelecer uma pura e simples liquidação antecipada da indemnização a que, eventualmente, em face de uma patologia contratualmente identificada, haja lugar (artº 810 nº 1 do Código Civil).

Uma longa experiência torna patente que as partes, quando convencionam uma cláusula penal, não estão a pensar na hipótese de vir a sofrê-la, fiadas em que, em qualquer caso, cumprirão o contrato. Isto explica que aceitem subscrever cláusulas penais exorbitantes ou excessivas que, no momento em que são chamadas a actuar, colocam delicados problemas de justiça[6].

Neste plano, assumem, evidentemente, particular relevância os mecanismos de controlo jurisdicional das cláusulas penais, de que constitui claro exemplo, a reductio ad aequitatem, disposta na lei civil geral (artº 812 do Código Civil).

Todavia, as apertadas cautelas com a que lei rodeia a redução equitativa das cláusulas penais restringem naturalmente o âmbito da sua tutela. Esta pode, porém, ser alargada através do esquema referente às cláusulas contratuais gerais (artº 19 c) da LCCG).

À semelhança do que sucede com a reductio ad aequitatem, a nulidade cominada na LCCG, tem um alcance geral, reprimindo todos os excessos e abusos decorrentes do exercício da liberdade contratual no plano da fixação contratual dos direitos do credor e, portanto, a proibição relativa apontada compreende a cláusula penal puramente coercitiva; ainda que esta conclusão se tenha por discutível, seguro é, porém, que se dirige à cláusula de fixação antecipada da indemnização.

Os contratos de prestação de serviço objecto da causa são claramente compatíveis com a convenção de cláusulas penais. Resta, porém, saber que consequências podem as partes associar, neste tipo de contratos, ao seu não cumprimento.

Deve admitir-se como lícita a exigência de pagamento dos preços ou das remunerações vencidas e não pagas acrescidas de juros de mora. Em contrapartida deve entender-se, de um modo geral, que não é legítima a cobrança de preços ou remunerações vincendas.

No tocante especificamente às cláusulas penais, designadamente à cláusula que prevê uma indemnização correspondente a uma parte das remunerações vincendas, deve, por princípio, admitir-se a sua validade. O problema, porém, não admite uma resposta universal, ne varietur, antes exige uma ponderação casuística: a importância equivalente, por exemplo, a 20% das retribuições vincendas, a título de indemnização, poderá revelar-se excessiva, sobretudo quando a extinção do contrato ocorra numa fase inicial dele.

Em contrapartida, deve recusar-se terminantemente a admissibilidade de cláusulas penais que permitem ao credor cumular a extinção do contrato com o recebimento da totalidade ou da quase totalidade das prestações ou preços vincendos, ou seja, ganhar mais ou quase o mesmo com o incumprimento do que com o normal cumprimento da contraparte. Está nessas condições, por exemplo, a cláusula em que se prevê, como indemnização, o pagamento de todas ou de quase todas as retribuições ou preços vincendos. Entende-se que tal conjunção não é possível: suprimido o contrato, não faz sentido pedir o pagamento de prestações vincendas, como se essa extinção não tivesse tido lugar: se o prestador do serviço fica desvinculado, por força da supressão do contrato, do seu dever de prestar não há razão material que funde o seu direito a receber as remunerações ou preços subsequentes a essa resolução, dado que a extinção é incompatível com a cláusula penal de recepção das remunerações ou preços vincendos.

Lê-se, a dado passo da sentença e das alegações do recorrente, que os contratos celebrados entre as partes – os concluídos em Junho de 2008 – são contratos de adesão.

Esta designação – de resto, muito comum - é tecnicamente insatisfatória ou imprópria visto que inculca um problema de conteúdo e não de modo de celebração. Mais adequado seria, portanto, a expressão contrato por adesão. Mas esta também não corresponde à fórmula da lei portuguesa: cláusulas contratuais gerais.

Cláusulas contratuais gerais são um conjunto de proposições pré-elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou a aceitar (artº 1 nº 1 da LCCG).

Esta noção básica - que não constitui uma definição mas antes a delimitação ou demarcação do âmbito de aplicação daquele diploma legal – mostra que as cláusulas contratuais gerais se caracterizam pela generalidade e pela rigidez: generalidade, dado que se destinam a ser propostas a destinatários indeterminados ou a ser subscritas por proponentes indeterminados; rigidez - porque são elaboradas sem prévia negociação individual, sendo recebidas em bloco por quem as subscreve ou aceite, e, portanto, os intervenientes não têm a faculdade de modelar ou modificar o seu conteúdo, introduzindo-lhes alterações.

Se faltar a generalidade, a cláusula contratual geral resolve-se numa simples proposta negocial que não admite contraproposta; faltando a rigidez, o caso é de comum exercício da liberdade negocial.

A primeira daquelas características das cláusulas contratuais gerais permite distingui-las do contrato pré-formulado. Diz-se pré-formulado o contrato que uma das partes proponha a outra sem admitir contra proposta ou negociações. O contrato pré-formulado aproxima-se das cláusulas contratuais gerais pela rigidez, mas afasta-se delas pela ausência de generalidade. Dado que coloca problemas muito semelhantes aos das cláusulas contratuais, a lei determina a aplicação aos contratos concluídos por esse modo o regime das primeiras (artº 1 nº 2 da LCCG).

As cláusulas contratuais gerais excluem a liberdade de estipulação - mas não a liberdade de celebração. Elas incluem-se, por isso, no momento da conclusão, nos contratos singulares ou individualizados, desde que tenham sido aceites. Não tendo havido aceitação, não se verifica a sua precipitação no contrato singular considerado (artº 4 da LCCG). Desde que se exige sempre o acordo de vontades, os contratos singulares nos quais se utilizem cláusulas contratuais gerais devem continuar a ser valorados à luz das regras gerais de perfeição das declarações negociais. Institutos como o do erro, da falta de consciência da declaração ou da incapacidade acidental são-lhes, portanto, inteiramente aplicáveis (artºs 246, 247 e 251 do Código Civil).

As cláusulas contratuais gerais constituem um modo específico de formação dos contratos. Contudo, o poder que o seu recurso coloca nas mãos de quem as utiliza é considerável, podendo revelar-se danosas para os particulares e, em especial, para o consumidor. Pela sua feição e generalidade, algumas dessas cláusulas são intrinsecamente injustas ou inconvenientes e, por isso, a lei admite, dadas certas condições, o seu bloqueamento. A ordem jurídica não podia, na verdade, ficar indiferente aos riscos e abusos que as cláusulas gerais encerram, atendendo à situação de precariedade e de vulnerabilidade em que colocam frequentemente os contraentes aderentes. Essa tutela desenvolve-se, não apenas na fase da formação do contrato, mas igualmente ao nível do conteúdo do negócio concluído na base de cláusulas contratuais gerais.

O plano do controlo do conteúdo dos contratos celebrados por recurso a cláusulas contratuais gerais desenvolve-se em dois níveis: num princípio geral de controlo – centrado no mandamento da boa fé – e num extenso catálogo – verdadeiramente uma lista negra - de cláusulas proibidas concretas (artºs 15, 16 e 17 a 22 da LCCG). O sistema é, portanto, o seguinte: a articulação entre o princípio geral da boa fé e uma enunciação – que se deve ter por meramente exemplificativa[7] – de proibições concretas dessa intencionalidade normativa geral.

O princípio geral de controlo assenta na boa fé, ao qual se acrescenta, como directiva concretizadora, a ponderação dos valores fundamentais do direito em face da situação considerada, designadamente a confiança suscitada pelas partes, e os objectivos negociais pretendidos (artº 16 da LCCG)[8].

O problema específico das cláusulas contratuais gerais reside na circunstância de reclamarem a fixação de limites à autonomia privada na conformação do seu conteúdo, restritivos da válida constituição de direitos ou de outras posições jurídicas a favor do utilizador. Abstraindo do controlo na fase de formação contratual, a tutela do aderente é realizada no plano do conteúdo das cláusulas contratuais gerais e - não no domínio do seu exercício.

Na verdade, a incompatibilidade com a boa fé não resulta, no campo das cláusulas contratuais gerais, das circunstâncias especiais da relação em que a cláusula é invocada, mas directamente da natureza e do conteúdo dessa mesma cláusula.

Sendo as cláusulas pré-formuladas, em abstracto, com vista à sua inserção numa generalidade de contratos a celebrar no futuro, os limites do seu conteúdo não pressupõem uma relação especial de que resultem, antes de fazem previamente sentir, condicionando, em geral, a sua válida constituição. De outro aspecto, tratando-se de uma aplicação uniforme das cláusulas a uma multiplicidade de contratos, dando corpo, na sua configuração mais saliente, a um fenómeno de massificação negocial, impõe-se, como mais ajustado, uma perspectiva niveladora, de consideração preferencial dos traços comuns e padronizados.

Os interesses a ponderar, para a fixação dos limites gerais da validade das cláusulas contratuais gerais, são os interesses típicos dos aderentes por elas normalmente afectados – não os interesses particulares dos sujeitos concretamente envolvidos numa dada relação.

A boa fé tem, portanto, neste domínio uma dimensão aplicativa específica: em vez de actuar - como norma basicamente comportamental – no interior de uma relação já constituída, modelando integrativa e restritivamente os procedimentos que as partes devem adoptar na fase da sua execução, neste plano, a boa fé incide directamente sobre as estipulações que se propõem determinar o conteúdo contratual. No domínio das cláusulas contratuais gerais, a boa fé traça, em abstracto, independentemente da conduta do utilizador, limites objectivos que ele tem imperativamente que observar como condição de eficácia das cláusulas por si introduzidas no contrato.

Quem predispõe condições gerais de contratos, reivindica para si, em exclusivo, no que respeita à conformação do conteúdo do contrato, a liberdade contratual; está, por isso, obrigado, segundo a boa fé, já na redacção das cláusulas, a considerar devidamente os interesses dos seus futuros parceiros contratuais; se fizer valer apenas os seus interesses abusa daquela liberdade.

Autonomizando-se, por completo, das condições concretas de inserção das cláusulas no contrato e das que, na fase executiva, rodeiam a sua invocação, o princípio da boa fé impõe, pela simples consideração objectiva da natureza intrínseca das cláusulas contratuais gerais, uma obrigação de atendimento, na formulação dos termos contratuais, dos interesses da contraparte, oferecendo-se, em simultâneo, como critério de valoração da sua observância: o dever de conter a prossecução das vantagens próprias nos limites do razoável, não resulta das especiais circunstâncias do contrato – mas, pura e simplesmente, de ter sido concluído por remissão para cláusulas contratuais gerais.

O vínculo da boa fé às cláusulas contratuais gerais justifica-se, portanto, pelas peculiaridades deste modo de contratar. Por força dele, os interesses dos aderentes ficam à mercê do utilizador pelo que, segundo a boa fé, deve tê-los minimamente em conta ao estipular termos negociais: o controlo do conteúdo é, justamente, a apreciação do modo como esse imperativo foi acatado, da forma como foram observados especiais limites de conformação decorrentes de uma especial situação de risco e de potencial danosidade para interesses dignos de tutela.

Assente a premissa de que a boa fé se opõe a uma conformação desmesuradamente desequilibrada dos termos das cláusulas contratuais gerais, há, necessariamente, que proceder à ponderação de interesses. Só que esta ponderação é levada a cabo de forma puramente objectiva, colocando em confronto a cláusula pré-disposta com um modelo normativo de uma justa composição de interesses, que dá a exacta medida da extensão e do significado do desvio.

Assim, o que se julga – numa perspectiva generalizadora, tendo em conta os interesses tipicamente envolvidos – é da razoabilidade, em termos objectivos, de estipulações que, em favorecimento de uma parte, se afastam do que corresponderia a uma equilibrada repartição de direitos e deveres. Assim, há que decidir, em primeiro lugar, se há razões plausíveis, do ponto de vista do interesses do utilizador, que justifiquem os termos clausulados; de seguida, há que apreciar o eventual impacto negativo desses termos na esfera da contraparte: os limites da tolerância ou do razoável são ultrapassados quando a disposição é de molde a causar, sem justificação atendível, prejuízos graves e desproporcionados ao aderente.

Esta ponderação e justificação relativa de vantagens e prejuízos, está, de resto, bem expressa, por exemplo, na al. g) do artº 19 da LCCG que, estabelecida para uma hipótese particular – o pacto de competência – reflecte, afinal, um critério de alcance geral.

Se as cláusulas contratuais gerais, a partir da adesão, se constituem como componentes do conteúdo de um contrato, nem por isso perdem inteiramente o seu significado próprio de regras destinadas a um emprego reiterado, com intuitos uniformizadores: na apreciação da sua validade devem, por essa razão, ser tratadas conforme o seu alcance generalizador. Transcendendo o quadro concreto de uma dada relação é neste horizonte alargado que devem ser contempladas e valoradas.

A valoração das cláusulas, a aferição da sua desarmonia com o princípio da boa fé e do seu carácter proibido deve ser endógena – i.e., é nas próprias cláusulas, nos riscos tipicamente conexos às suas características essenciais que se deve procurar a chave explicativa para a necessidade de protecção do aderente – e não exógena, quer dizer, a partir da prática exercida pelo seu utilizador numa ocasião específica.

A boa fé, enquanto instrumento e critério de controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais, que dá corpo a autênticas normais gerais de proibição de conteúdos, não regula o modo de exercício do direito, e genericamente, a conduta relacional do utilizador – antes é chamada como instrumento operativo e meio auxiliar da própria fixação do conteúdo admissível de cláusulas contratuais gerais, ou seja, directamente, como norma de limitação da liberdade contratual – e não do exercício dos direitos que dela resultam. O imediato ponto de incidência da boa fé – repete-se - é a estipulação contratual, em si mesma, tendo em conta as suas potencialidades aplicativas em abstracto – e não o uso que, no caso concreto, dela tenha efectivamente sido feito pelo utilizador: a conduta regulada pela boa fé, neste plano, é a própria formulação das cláusulas contratuais gerais.

É esta razão que explica que, por exemplo, uma cláusula formulada em termos demasiado amplos, excedendo os limites legais, é nula, ainda que o utilizador faça dela um uso limitado, que caberia dentro do admissível. O que conta, na repartição dos riscos, são os danos potenciados, não os prejuízos concretamente realizados. Assim, uma cláusula com um conteúdo excessivamente indeterminado, facultando aproveitamentos arbitrários, é proibida, sendo irrelevante que, no caso em espécie, tal se não verifique.

Realmente, se se deve atender apenas à conformação objectiva do conteúdo da cláusula então é meramente consequencial a irrelevância, neste plano, a conduta contratual concreta do utilizador.

Todas as contas feitas, pode, portanto, assentar-se nisto: a boa fé é chamada, no plano das cláusulas contratuais gerais, como instrumento operativo e meio auxiliar da própria fixação do conteúdo admissível das cláusulas contratuais gerais. O seu imediato ponto de incidência é a estipulação contratual, em si mesma, tendo em conta as suas potencialidades aplicativas em abstracto – e não o uso que, no caso concreto, dela tenha efectivamente sido feito pelo utilizador: a conduta regulada pela boa fé, neste plano, é a própria formulação das cláusulas contratuais gerais, impondo limites de validade a respeitar, em função da tutela dos interesses dos aderentes[9].

Note-se que a tutela disponibilizada à contraparte do predisponente ou utilizador pelas cláusulas contratuais gerais não exige que todo o contrato tenha sido concluído com base em cláusulas de uma tal espécie. O facto de elementos de uma cláusula ou de uma cláusula isolada terem sido objecto de negociação individualizada, não exclui aquela tutela, no tocante às demais cláusulas do contrato, se se apurar que se trata de cláusulas contratuais gerais (artº 3, nº 2 § 2º da Directiva 93/13/CEE do Conselho). É o que, patentemente, inculca, o regime das cláusulas prevalentes, de harmonia com o qual, as cláusulas especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer contratuais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes (artº 7 da LCCG). Do que decorre que a rigidez – no sentido da inalterabilidade, de mera possibilidade de aceitação ou recusa das cláusulas em bloco - característica das cláusulas contratuais, se deva ter por meramente tendencial, embora com elevada probabilidade fáctica[10].

Serve isto para fazer notar que, para o caso é, indiferente que algumas cláusulas dos contratos que servem de causa petendi tenham sido objecto de negociação. Desde que a cláusula discutida o não tenha sido, fica sujeita aos padrões de controlo disponibilizados pelas cláusulas contratuais. De resto, a apelante reconhece – no ponto 60 da sua alegação - ainda que não abertamente, que realmente àquela cláusula tem a natureza de cláusula contratual geral, dado que nele – no contrato – se perscrutam condições gerais, constantes de um impresso, que traduz a disciplina contratual minuciosamente concebida, em bloco e em série e que foi elaborada, de antemão, pela proponente (a A.), destinando-se a uma generalidade de destinatários, tendendo no essencial, a não ser objecto de modificação essencial e que, por conseguinte, podem não ter sido (presumivelmente), objecto de uma negociação individual, “cláusula a cláusula”.

Em qualquer caso, a dúvida sobre se a cláusula discutida foi ou não objecto de negociação – e, correspondentemente, se é ou não uma cláusula contratual geral – deveria ser resolvida contra a apelante, por ser a parte onerada com a prova (artº 1, nº 3 da LCCG, artº 3 nº 2, § 3º da Directiva 93/13/CE do Conselho, 346, in fine, do Código Civil e 414 do nCPC)[11].

A primeira grande categoria de cláusulas proibidas relevantes diz respeito aos contratos de adesão, bilateral e subjectivamente mercantis – rectius, aos contratos celebrados entre empresários (artºs 17 a 19 da LCCG). Estas proibições aplicam-se igualmente nas relações com consumidores finais (artº 17 da LCCG).

As cláusulas proibidas repartem-se em duas classes ou tipos: as cláusulas absolutamente proibidas e as cláusulas relativamente proibidas (artºs 18 e 21 e 19 e 22, respectivamente, da LCG).

As cláusulas absolutamente proibidas, previstas no artº 18 da LCCG podem separar-se, de harmonia com a sua natureza ou finalidades subjacentes, em três grupos essenciais: cláusulas relativas à exclusão ou limitação de responsabilidade; cláusulas relativas ao cumprimento de obrigações contratuais e cláusulas de finalidade heterogénea. As cláusulas absolutamente proibidas, enumeradas no artº 21 da LCG podem obedecem a duas categorias: cláusulas relativas aos direitos e deveres contratuais e cláusulas relativas às garantias do consumidor.

Incluem-se no grupo das cláusulas absolutamente proibidas, relativas à exclusão ou limitação de responsabilidade, nomeadamente, as que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave; entre as cláusulas absolutamente proibidas, relativas a garantias do consumidor, contam-se as que alterem as regras respeitantes à distribuição do risco (artºs 18 c) e 21 f) da LCCG).

As cláusulas relativamente proibidas, elencadas no artº 19 da LCCG, podem, por sua vez, ordenar-se funcionalmente em três grupos fundamentais: cláusulas relativas a prazos; cláusulas relativas à formação e efeitos contratuais e cláusulas relativas à atribuição de poderes jurídicos.

O grupo das cláusulas relativas à formação e efeitos do contrato compreende, nomeadamente, as que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir (artº 19 c) da LCCG).

Todavia, dado o carácter meramente relativo da proibição, a valoração necessária à concretização da proibição, ainda que surja a propósito de contratos singulares, não deve ser efectuada de forma casuística – mas abstracta. O juízo valorativo é realizado em face das próprias cláusulas em si, consideradas no seu conjunto - e não a partir dos negócios concretos – e de acordo com os padrões considerados. Assim, por exemplo, em face de um formulário de contrato de seguro deve ponderar-se se a cláusula é abusiva, tendo em conta este tipo de contrato e não aquele contrato concreto[12].

Dito doutro modo: a concretização da proibição deve operar, tendo como referente, não o contrato ou contratos singulares, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o concretizam, no interior do todo do regulamento contratual genericamente predisposto[13]. É este, patentemente, o sentido da referência legal ao quadro negocial padronizado (artº 19, corpo, da LCCG).

Nestas condições, para que se conclua pelo carácter proibido da cláusula, há que contrapor o interesse que por ela é assegurado ao predisponente ao interesse do aderente tipicamente afectado por ela: se a composição dos interesses resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o tipo contratual em causa, não obedecer a uma regra de concordância prática, dada pelo princípio regulativo da proporcionalidade, antes evidenciando, em detrimento da contraparte do utilizador, um desequilíbrio desrazoável, deve assentar-se na violação do escopo da norma de proibição.

A cláusula objecto da controvérsia – que é indiscutivelmente uma cláusula penal - regula os direitos do prestador do serviço, no caso de denúncia antecipada do contrato, reconhecendo-lhe o direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado. Já se sublinhou a licitude da estipulação de cláusulas penais para o caso de incumprimento do contrato de prestação de serviço objecto da causa. Todavia, tais cláusulas não podem conduzir a impossibilidades jurídicas como sucede quando se pretende, em face da extinção do contrato, exigir o imediato cumprimento do mesmo contrato, extinto por denúncia ou por qualquer outra causa. O problema não se resolve, evidentemente, com uma remodelação vocabular: chamar indemnização ao cumprimento.

Na sua actuação, aquela cláusula excluiu a extinção do contrato, decorrente da sua denúncia. Não faz sentido exigir o pagamento de preços correspondentes à prestação de um serviço que não mais pode ter lugar. Extinto o contrato é possível computar indemnizações – mas não a própria prestação contratual vincenda. Ora, o pagamento dos preços vincendos só no próprio suprimido podia ter a sua fonte. Este não foi, pois, extinto, antes subsistiria ainda que com outro conteúdo.

Através da cláusula discutida, o prestador do serviço não se limita sequer a obter um efeito absolutamente simétrico àquele que obteria com o simples cumprimento do contrato. Obtém até mais, dado que perceberia de forma concentrada, de uma só vez, todos os preços vincendos – que, no caso de execução do contrato, receberia de forma fragmentada e diferida, sem ter suportar os custos que, inevitavelmente, decorreriam da realização da sua prestação. Do ponto de vista da contraparte, aquela cláusula força-o a esforço económico de todo homótropo àquele que despenderia com o cumprimento do contrato, sem que lhe seja prestado qualquer serviço.

Esta cláusula, tendo em conta o quadro contratual padronizado – portanto, independentemente do contrato concreto em que se insere – é nitidamente desproporcionada em relação aos danos a ressarcir. De facto, por definição, ela não atende à situação patrimonial do prestador do serviços, antes e depois da extinção do contrato, procurando colmatar a diferença, como actua uma simples obrigação de indemnizar, antes se limita a atribuir, ad nutum, um preço – e um maior preço - que não encontra qualquer justificação numa prestação de serviço (artºs 562, 564 nº 1 e 566 nº 2 do Código Civil). A cláusula será tanto mais desproporcionada quanto mais cedo, na execução do contrato, se verificar a extinção dele.

A razão invocada na própria cláusula, como fundamento da sua estipulação – a natureza, o âmbito dos serviços prestados pela apelante como elemento conformante da sua estrutura empresarial – não procede. E não colhe, por duas razões: desde logo, por não estar demonstrada. Depois, porque não é razoável admitir que a organização de meios, materiais e humanos, exigida pela prossecução, pela apelante, do seu objecto social, esteja dependente, em cada momento concreto, do número de contratos de conservação em execução, e ainda menos, que aqueles recursos fiquem desaproveitados, dado que, para além da actividade de conservação de elevadores, a apelante exerce ainda a de fornecimento e montagem dessas estruturas mecânicas. Em qualquer caso, o facto de a apelante ter custos – absolutamente – fixos de exploração, não pode, só por si, legitimar indemnizações computadas em abstracto com base em cláusulas penais susceptíveis de gerar assimetrias excessivas entre as partes, em caso de não cumprimento das obrigações emergentes do contrato.

A apontada cláusula deve, pois, – em linha com uma jurisprudência reiterada – ter-se por proibida e, correspondentemente, por nula (artº 19 c) da LCCG).

Neste segmento, a impugnação deve, pois, improceder.

Síntese conclusiva:

a) O âmbito da causa de pedir - que é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada pela parte – determina-se através da interpretação do acto postulativo dessa mesma parte - v.g., da petição inicial – por aplicação dos critérios de interpretação dispostos na lei para os negócios jurídicos, aplicáveis, por extensão de regime, aos actos não negociais;

b) A violação, pelo tribunal, do dever de consulta – e do mesmo passo, do princípio do contraditório – resultante da apreciação de uma questão de conhecimento oficioso sem, porém, ter sido previamente dada às partes a possibilidade de sobre ela se pronunciarem, integra uma nulidade processual secundária ou inominada, que mesmo que deva considerar-se consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia, só releva mediante arguição da parte;

c) No plano das cláusulas contratuais gerais, a boa fé é chamada como instrumento operativo e meio auxiliar da própria fixação do conteúdo admissível das cláusulas contratuais gerais, pelo que o seu imediato ponto de incidência é a estipulação contratual, em si mesma, tendo em conta as suas potencialidades aplicativas em abstracto;

d) A cláusula contratual que, no caso de denúncia antecipada do contrato, reconhece ao predisponente o direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado, tendo em conta o quadro contratual padronizado – portanto, independentemente do contrato concreto em que se insere – é nitidamente desproporcionada em relação aos danos a ressarcir, dado que, por definição, não atende à situação patrimonial do prestador do serviço, antes e depois da extinção do contrato, procurando colmatar a diferença, como actua uma simples obrigação de indemnizar, antes se limita a atribuir, ad nutum, um preço – e um maior preço - que não encontra qualquer justificação numa prestação de serviço.

e) Tal cláusula é, pois, proibida, e, como tal, nula.

A apelante e o apelado sucumbem, reciprocamente, no recurso. Deverão, por esse motivo, satisfazer, na medida dessa sucumbência, as custas dele (artº 527 nºs 1 e 2 do nCPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, revoga-se, em parte, a sentença impugnada e, em consequência, condena-se o apelado, Condomínio do Edifício nº ..., a pagar à apelante, O..., Lda., todas as quantias documentadas nas facturas, listadas a fls. 8 e 9 da petição inicial, acrescidas de juros de mora, contados desde a data do seu vencimento, até pagamento, com excepção das quantias relativas à sanção contratual, documentadas nas facturas nºs ... e dos respectivos juros.

Custas pela apelante e pelo apelado, na proporção da sucumbência recíproca.

                                                                                                          15.06.02

                                                                                                          Henrique Antunes

                                                                                                          Isabel Silva

                                                                                                          Alexandre Reis

***


[1] Acs. do STJ de 31.3.93, BMJ nº 425, pág. 534 e de 20.1.94, BMJ nº 433, pág. 595. A par da facticidade, da inteligibilidade, da concretização, da veracidade, da compatibilidade, da juridicidade e da licitude, a concretização constitui uma característica da causa de pedir. Nestas condições, a exigência da indicação da causa de pedir não pode considera-se cumprida pela junção de documento de que conste o facto em que se resolve: Ac. da RC de 19.5.98, BMJ nº 477, pág. 578, Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 69, e Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 119; contra José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, Coimbra Editora, 2000, pág. 123.
[2] Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC: Decisão surpresa, mensagem de 10.05.14.
[3] Todos disponíveis em www.dgsi.pt. No mesmo sentido – e no mesmo local – os Acs. da RL de 30.06.11, 01.03.12 e de 27.05.14, da RE de 20.12.14 e, por último, do STJ de 09.12.14.
[4] Vaz Serra, Pena Convencional, BMJ nº 67, págs. 185 a 243.
[5] António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 602 e Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Cláusulas Acessórias ao Contrato, Cláusulas de Exclusão e de Limitação do Dever de Indemnizar e Cláusulas Penais, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 73 a 78; Acs. do STJ de 18.11.97, BMJ nº 471, pág. 380 e 09.02.99, CJ, STJ, VII, I, pág. 97. Mais rigorosamente, distingue-se, designadamente, a cláusula penal de fixação antecipada da indemnização – que visa liquidar, antecipadamente, de modo ne varietur o dano futuro – a cláusula penal puramente compulsória – convencionada como um plus, como algo que acresce à execução específica da prestação ou á indemnização pelo não cumprimento – e a cláusula penal em sentido estrito – que visa compelir o devedor ao cumprimento através da cominação de outra prestação, que o credor terá a faculdade de exigir, em vez da primeira, a título sancionatório, caso o devedor se recuse a cumprir e que substituirá a indemnização. Apenas a primeira espécie coincide com a definida na lei (artº 810 nº 1 do Código Civil). A qualificação de uma concreta cláusula penal, assenta na intencionalidade das partes ao convencioná-la, do interesse prático que com ela visam acautelar, enfim, da finalidade prosseguida pelas partes.
[6] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 532 e 533.
[7] Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais, cit., pág. 256 e Ac. da RP de 21.10.93, BMJ nº 430, pág. 510.
[8] Oliveira Ascensão, Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e Boa-Fé, in: ROA, 60, 2000, págs. 573 a 595 e Luís Mascarenhas, A Boa Fé no Direito Comercial – Natureza e Algumas Incidências da “Cláusula Geral”, in: AAVV “Temas de Direito Comercial”, Almedina, Coimbra, 1986, págs. 177 a 205.
[9] Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema do Contrato, As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Almedina, Coimbra, (Reimpressão), 2003, págs. 562 e 563.
[10] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 148; Ac. do STJ de 10.04.14, www.dgsi.pt.
[11] Ac. da RC de 20.03.12, e do STJ de 24.03.11., www.dgsi.pt.
[12] António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 437.
[13] Almeno de Sá, Cláusulas, cit., pág. 259 e, v.g., Acs. da RL de 10.04.08, www.dgsi.pt e da RP de 21.11.93, CJ, V, pág. 225