Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5881/11.0TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
Data do Acordão: 10/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTº 64º DO C. EXPROPRIAÇÕES.
Sumário: I – A ampliação do pedido em processo de expropriação, nos casos em que a mesma configure o desenvolvimento do pedido inicial, pode ser levada a efeito até ao encerramento da discussão, momento que neste processo especial é o da apresentação das alegações a que alude o art.º 64º do C. das Expropriações.

II - Não comportando o processo de expropriação o articulado de réplica, o momento adequado para os expropriados ampliarem o pedido que não configure desenvolvimento do inicialmente deduzido será o da interposição do recurso do acórdão da decisão arbitral, momento esse que sendo prévio à instrução possibilitará o exercício de todos os direitos inerentes à sua formulação, nomeadamente o exercício do contraditório e da prova.

III - Não tendo o pedido em causa sido deduzido nesse momento, não podia o mesmo ter sido formulado com as alegações referidas no art.º 64º do C. das Expropriações.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A…, S.A., requereu a expropriação por utilidade pública, contra M… e marido V…, pedindo a integração, livre de quaisquer ónus ou encargos no Património do Estado, da parcela nº 1 – terreno com a área de 22.679m2, a confrontar de …, da propriedade dos aqui Expropriados, com vista à construção do Lanço IC 36 – Leiria Sul (IC2)/Leiria Nascente (COL).
A utilidade pública da presente expropriação foi declarada por despacho publicado no Diário da República, II Série, nº 122, de 25 de Junho de 2010, tendo a aqui Expropriante, na qualidade de subconcessionária da subconcessão do Litoral Oeste, sido autorizada a tomar posse administrativa da mencionada parcela, com vista ao rápido início dos trabalhos, louvando-se a urgência da expropriação no interesse público de que a obra projectada fosse executada o mais rapidamente possível (cfr. a fls.6-9 dos autos).
Foi efectuada a vistoria «ad perpetuam rei memoriam» relativamente à parcela em causa, cujo relatório consta de fls. 29-45 dos autos, tendo os Expropriados apresentado reclamação do mesmo, ao qual o perito respondeu em relatório complementar.
Procedeu-se à arbitragem, tendo sido atribuída à parcela de terreno a expropriar o valor de € 1.488.491,63, conforme consta do relatório de fls. 97-124 dos autos, quantia aquela que a entidade Expropriante depositou à ordem deste Tribunal.
Foi proferido despacho a adjudicar a sobredita parcela de terreno ao Património do Estado.
Notificados da decisão arbitral, os Expropriados vieram a interpor recurso da decisão arbitral nos termos e para os efeitos do art.º 52º da Lei nº 168/99, de 18 de Setembro a incidir, designadamente, “sobre o valor que naquela foi fixado (por diminuto) pela expropriação da parcela objecto da acção expropriativa, ainda, pela não consideração da perda de outras potencialidades do prédio no qual aquela se destaca”.
Além de outros fundamentos alegaram no que respeita aos juros de mora pela remessa tardia do processo expropriativo a este Tribunal, que “os valores depositados a título de juros encontram-se incorrectamente calculados, atendendo à taxa de juro aplicável in casu (4%) e ao número de dias de atraso imputáveis à entidade expropriante (164 dias), pois o valor devido a esse título estima-se em 26.752,07€”, encontrando-se, por isso, “em falta o depósito de 2.483,71€ ”.
Concluíram, a final, que “deve ser atribuída, pela presente expropriação da parcela em causa, uma indemnização que, para ser justa, se deve situar em valor nunca inferior a 3.553.565,50€ (três milhões, quinhentos e cinquenta e três mil quinhentos e sessenta e cinco euros e cinquenta cêntimos), por ser este o montante mínimo dos prejuízos que resultam para o “prédio mãe” em consequência da presente expropriação, tendo em conta a legislação aplicável, as condições de que beneficia e caracterizam o prédio e a parcela em expropriação e os preços de mercado na zona de terrenos em condições semelhantes”.
Peticionaram, também, que “sobre o quantum da indemnização que vier a ser arbitrada em [seu] favor sejam calculados juros à taxa legal a contar do DUP, designadamente dos que decorrem da disposição do artigo 70º do CE”.
A Expropriante respondeu, fazendo apelo aos critérios constantes do relatório de arbitragem, concluindo que “os valores e cálculos apresentados pelos recorrentes não traduzem, nem a situação real e efectiva da parcela expropriada, nem os valores correntes de mercado”.
Procedeu-se de seguida à avaliação da parcela a expropriar pelos Senhores
Peritos nomeados, três pelo Tribunal, um pelos Expropriados e um pela Expropriante, onde se concluiu que «deverá ser atribuída a indemnização total de (…) 1.995.989,39€», reportado «à data da DUP, carecendo de actualização nos termos do disposto no artigo 24º do CE».
Na sequência da notificação efectuada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 64º do C. Exp., os Expropriados recorrentes alegaram, reafirmando tudo o que já haviam dito na interposição do recurso.
Alegaram ainda que “a entidade expropriante, no decurso da fase administrativa do processo expropriativo, não cumpriu os prazos legalmente estabelecidos para a prática dos actos que àquela estão incumbidos”, em concreto “o prazo legal para requerer ao Tribunal da Relação a nomeação de árbitros após a resposta dos expropriados de que não aceitavam o valor da expropriação ou do seu silêncio, bem como o prazo para comunicação aos expropriados dos Srs. Árbitros nomeados, fixando-se a mora num total de 157 dias”, devendo, então, ser fixada aos Expropriados “indemnização pela mora no cumprimento dos prazos estabelecidos na lei em fase administrativa, tendo em consideração o número de dias de atraso, a taxa de 4% e o valor a arbitrar por esse douto Tribunal a título de justa indemnização pela expropriação”.
A Expropriante apresentou as suas alegações, referindo que pelos Senhores Peritos “foi encontrado um valor de indemnização de 1.995.989,39€, valor que, dada a justeza da classificação do terreno, a correcção dos cálculos efectuados e a unanimidade dos Srs. Peritos, (…) inteiramente aceita”, assim rejeitando o valor que os Expropriados propugnam e anotando, ainda, que “os juros de mora pelo atraso na remessa do processo a Tribunal foram, face ao douto despacho de fls., correctamente calculados e oportunamente depositados, não parecendo que, nesta fase, esta matéria possa voltar a ser apreciada”.
Veio a ser proferida decisão com o seguinte teor:
Pelo exposto, e nos termos nas disposições legais citadas, julgo parcialmente procedente o recurso interposto pelos Expropriados e, em consequência:
a) fixo em €1.993.235,39 (um milhão e novecentos e noventa e três mil euros e duzentos e trinta e cinco euros e trinta e nove cêntimos) a indemnização devida pela expropriante A…, S.A. aos expropriados M… e marido V…, pela expropriação da parcela nº 1 – terreno a destacar da parte rústica do prédio misto sito no lugar do …, quantia a actualizar desde o dia 25.06.2010 até à data do trânsito da presente decisão, de acordo com os índices de preço do consumidor; e
b) condeno a expropriante A…, S.A. a pagar aos expropriados M… e marido V… o montante de € 31.018 (trinta e um mil e dezoito euros), a título de juros mora calculados à taxa de 4% por 142 dias de atraso no andamento do procedimento expropriativo.
Inconformada com a decisão na parte em que a condenou a pagar uma quantia pelo atraso no andamento do processo, a Expropriante interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
...
Os Expropriados apresentaram resposta, defendendo a confirmação da decisão.
1. Da nulidade da sentença
A Recorrente invoca como fundamento deste recurso a nulidade da decisão na parte em que a condenou a pagar a indemnização aos Expropriados pelo atraso do processo expropriativo, defendendo que foi apreciada uma questão de que não podia tomar conhecimento, violando, por isso, o art.º 668º, nº 1, d) do C. P. Civil.
Dispõe o art.º 668º, n. 1, d), do C. P. Civil:
É nula a sentença quando o juiz …deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Por sua vez o art.º 660º, nº 2, do C. P. Civil, determina que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excep­tuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
No caso que nos ocupa a sentença pronunciou-se sobre um pedido formulado pelos Expropriados nas alegações que precederam a elaboração da decisão recorrida, cumprindo apurar se esse pedido é processualmente admissível na fase em que foi deduzido.
A Recorrente defende que o pedido em causa deveria ter sido deduzido no articulado em que os Expropriados interpuseram recurso da decisão arbitral, estando impedidos de o deduzir posteriormente por força do caso julgado que decorre da não impugnação daquela decisão nesse particular.
É unânime na doutrina e na jurisprudência que, sendo a decisão dos árbi­tros no processo de expropriação, por utilidade pública, uma verdadeira decisão judicial, é a mesma susceptível de formar caso julgado sobre o valor da indemniza­ção devida ao expropriado, se não for por este adequada e tempestivamente impug­nada.
No presente caso a decisão arbitral não se pronunciou pela indemnização a que os Expropriados teriam direito em consequência dos atrasos do processo, tanto mais que tal pedido ainda não havia sido formulado. Deste modo, não é possível, dizer que quer a Expropriante, quer os Expropriados tenham concordado com a sua não atribuição, pelo que não se formou caso julgado sobre esse valor.
No entanto há que apreciar se aquele pedido poderia ter sido formulado no momento em que o foi.
Estamos perante uma ampliação do pedido inicialmente formulado.
Sendo o processo de expropriação um processo especial e não dispondo o respectivo regime legal específico sobre as regras de ampliação do pedido, temos que nos socorrer do que a este respeito consta do art.º 463º, nº 1, do C. P. Civil, o qual dispõe:
Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário.
Por sua vez o art.º 273º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil permite a ampliação do pedido nos seguintes termos:
1 – Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor.
2 – O pedido pode também ser alterado ou ampliado na réplica; pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
A ampliação do pedido ocorre quando se alegam os novos factos integrante de outro direito que se pretende fazer valer conjuntamente com o inicialmente formulado.
Tem sido entendido que a ampliação do pedido em processo de expropriação, nos casos em que a mesma configure o desenvolvimento do pedido inicial, pode ser levada a efeito até ao encerramento da discussão, momento que neste processo especial é o da apresentação das alegações a que alude o art.º 64º do C. das Expropriações Ver, entre outros, os segs. Acórdãos em www.dgsi.pt:
T. R. P.:
Relatado por Henrique Araújo de 12.11.2012;
Relatado por Teles de Menezes, de 24.4.2003;
T. R. L., relatado por Vaz Gomes, de 20.9.2007. e
T. R. G., relatado por Ana Cristina Duarte, de 22.2.2011..
Ora, o pedido de indemnização deduzido pelos Expropriados nas alegações que antecedem a sentença não constitui o desenvolvimento do pedido inicial, uma vez que a sua causa de pedir é substancialmente diversa. Enquanto que o pedido de quantificação no valor que pretendem ser o da justa indemnização radica na declaração de utilidade pública de um bem da sua propriedade, o pedido indemnizatório agora em apreço radica no atraso do processo de expropriação imputável à entidade expropriante.
Assim, não sendo o desenvolvimento do pedido inicial este pedido só poderia ser deduzido na réplica, caso o processo a comportasse.
Não comportando o processo de expropriação o articulado de réplica, o momento adequado para os expropriados ampliarem o pedido que não configure desenvolvimento do inicialmente deduzido será o da interposição do recurso do acórdão da decisão arbitral, momento esse que sendo prévio à instrução possibilitará o exercício de todos os direitos inerentes à sua formulação, nomeadamente o exercício do contraditório e da prova.
Não tendo o pedido em causa sido deduzido nesse momento, não podia o mesmo ter sido formulado com as alegações referidas no art.º 64º do C. das Expropriações, pelo que a sentença conheceu de uma questão que lhe estava vedada, verificando-se por isso um excesso de pronúncia nesta matéria, o que determina, nessa parte a sua nulidade.
Por esta razão procede a invocação da nulidade da sentença pela Expropriante, devendo a decisão proferida no segmento objecto de recurso ser declarada nula, o que se decide.
Decisão
Nos termos expostos, julgando-se procedente o recurso, declara-se nula a decisão recorrida no seguinte segmento:
b) condeno a expropriante A…, S.A. a pagar aos expropriados M… e marido V… o montante de € 31.018,00 (trinta e um mil e dezoito euros), a título de juros mora calculados à taxa de 4% por 142 dias de atraso no andamento do procedimento expropriativo.
Custas do recurso pelos Expropriados.
Coimbra, 22 de Outubro de 2013.

Sílvia Pires (Relatora)
Henrique Antunes
José Avelino