Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
170/13.8TBNLS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
FALTA
INDEFERIMENTO LIMINAR
CONTRATO DE CRÉDITO
Data do Acordão: 11/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 45, 36, 50, 804, 812 E CPC
Sumário: 1. A manifesta falta de título executivo, consubstancia motivo de indeferimento liminar do requerimento inicial executivo, nos termos do art. 812º-E, nº1, al.a), do C.P.Civil, na redacção aplicável e que lhe foi dada pelo DL nº 226/2008, de 20 de Novembro.

2. É que a lei confere na vigência normativa em causa força executiva a todos os “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto” (art. 46º, nº1, al. c) do C.P.Civil).

3. Mas do título executivo devem resultar – dada a necessidade de se acautelar a certeza e segurança das obrigações – a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias, o que não sucede quando estão em causa quantitativos que emergem de situações de incumprimento contratual que dependem da alegação e prova de factos que não têm expressão no próprio título, isto é, não estão por ele documentados nos termos exigidos pelo referenciado artigo 46º, nº1, al. c) do C.P.Civil, estando consequentemente inviabilizado o “cálculo aritmético”.

4. Acrescendo que não resultando dos documentos dados como títulos, nem tendo sido alegado no requerimento executivo que o crédito solicitado haja sido, efectivamente, posto à disposição do executado, não obstante a consideração constante nas “cláusulas contratuais” ou “condições gerais” do contrato apresentado, não se pode entender que esse documento formalize ou evidencie um contrato de abertura de crédito.

6. Isto não pode ser substituído pela constatação do carácter plausível de ter efectivamente ocorrido a disponibilização/recebimento da quantia mutuada, pois o que interessa é a titulação efectiva dessa entrega, donde o mecanismo legal previsto no art. 804º, nºs 1 e 2 do C.P.Civil seria antes a solução legalmente estabelecida, e, como tal, a via mais segura a seguir e a não dispensar para este efeito.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
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            1 – RELATÓRIO
G (…), S.A.” propôs execução comum para pagamento de quantia certa contra S (…), sustentando ter legitimidade activa para este procedimento por via de um contrato de cessão de créditos do “Banco C (...), S.A.” (com a firma oportunamente alterada para “Banco PP (...), S.A.”) a seu favor, apresentando como título executivo um formulário com a designação de “proposta de crédito – condições particulares” assinado com o nome da Executada e um documento designado por “contrato de crédito – condições gerais”, e alegando, em síntese: que por documento particular foi celebrado pelo Banco C (...), S.A.. com o Executado, um contrato de crédito associado à aquisição de bens ou serviços, no montante inicial de 997,00 euros, nas condições que constam do título executivo; que o Executado comprometeu-se ao pagamento do valor mutuado em prestações mensais e sucessivas; que o Executado desde 2004-12-23 nada pagou, data em que o contrato foi resolvido, tendo ficado em dívida o valor de € 622,08; que esta quantia venceu juros legais desde a data atrás referida, até à data da propositura da presente execução, os quais são, neste momento, de € 470,49; que nos termos das cláusulas do contrato, em caso de resolução devido ao incumprimento do Executado, existirá um acréscimo de 6% sobre o capital em dívida, a título de cláusula penal, o qual representa o valor de € 310,67; que a  quantia de exequenda é de € 1 403,24, à qual acrescem juros vincendos até integral e efectivo pagamento, bem como as custas de parte, a apurar a final.
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Instada a Exma. Juíza titular dos autos a proferir um despacho de autorização do levantamento de sigilo bancário, a mesma por despacho prolatado em 19.06.2013, invocando poder oficiosamente conhecer das questões a que aludem os nºs 1 e 3 do art. 812ºE do C.P.Civil, cuidou de apreciar a questão de saber se os documentos apresentados configuravam título executivo, ao que deu resposta negativa, em consequência do que decidiu, a final, “rejeitar o requerimento executivo apresentado pela exequente e, em conformidade, ordenar a extinção da execução”.
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   Inconformada com essa decisão, apresentou a Exequente recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«A) O documento apresentado à execução titula um contrato, celebrado entre a apelante e o apelado, através do qual a Exequente/apelante concedeu um crédito ao Executado, através do qual este se obrigou a reembolsar a Exequente da verba mutuada e efectivamente disponibilizada, mediante o pagamento de prestações mensais
determinadas no contrato;
B) O contrato de concessão de crédito constitui um documento particular assinado pelo Executado, constitutivo de uma obrigação por parte daquele, de restituição da quantia financiada/mutuada nos moldes acordados, a qual é aritmeticamente determinável;
C) Não obstante, interpelado para efectuar o pagamento das prestações em dívida, o Executado não pagou as mesmas e em consequência, incumprira definitivamente as condições de reembolso e o respectivo contrato, o que implicou o vencimento imediato de todas as prestações em dívida, nos termos do Art. 781º do Código Civil;
D) O Executado assumiu a obrigação do pagamento dessa quantia pecuniária mutuada, ainda que diluída num dado período temporal, mediante a aposição da sua assinatura no contrato, aceitando, assim, as condições particulares e gerais, aliás conforme declarado expressamente no contrato;
E) Pelo requerimento pretende-se obter o pagamento da quantia em dívida, atinente ao reembolso do crédito concedido. Tal reembolso constitui obrigação assumida expressa e pessoalmente pelos devedores no contrato que titula a execução;
F) A propositura de uma acção executiva implica que o pretenso Exequente disponha de título executivo, por um lado, e que a obrigação exequenda seja certa, líquida e exigível, por outro;
G) Do contrato de concessão de crédito resulta a certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação exequenda;
H) “Ao exequente mais não compete, relativamente à existência da obrigação, do que exibir o título executivo pelo qual ela é constituída ou reconhecida”; I) “Um contrato em que a entidade bancária concede a alguém um empréstimo, (...), alegando aquela entidade que este não pagou uma prestação vencida e todas as que lhe seguiram, pode servir de título executivo em execução a instaurar contra o devedor”;
I) O pagamento das mensalidades ora reclamadas constitui em facto extintivo do direito invocado pela Exequente, pelo que, nos termos do Art.342º, nº2 do CC, o respectivo ónus compete aos Executados, ou seja, àqueles contra quem o direito é invocado, em sede de eventual oposição;
J) A oposição à execução configura-se como uma contra – execução, cuja função essencial no núcleo da acção executiva é obstar aos normais efeitos do título executivo, sob o fundamento, por exemplo, da inexistência da obrigação exequenda.
L) Pelo que, os direitos de defesa dos executados não são prejudicados, agilizando-se uma eventual necessidade de apreciação do mérito da causa, sem perigar os direitos do credor/exequente, na garantia e eventual satisfação do seu crédito.
M) Do documento resulta ainda a aparência do direito invocado pela Exequente, direito que, por isso, é de presumir;
N) O Tribunal recorrido efectuou uma errada interpretação do Direito por si invocado, violando o disposto nos artigos 45º nº 1 e 46º nº 1 alínea c), ambos do C.P.C., na sua actual redacção, porquanto o contrato sub júdice constitui título executivo bastante.
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta sentença ser revogada, prosseguindo a execução intentada os seus termos até final, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! »
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Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Exequente/Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 684º, nº3 e 685º-A, nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (art. 660º, nº2, “in fine” do mesmo normativo):
- os documentos apresentados configuravam título executivo relativamente à quantia exequenda?
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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a apreciação das conclusões do recurso, para além do que resulta do precedente relatório, cumpre ter presente os seguintes factos que resultam dos autos:
I – Ao propôr a execução, a Exequente juntou a fotocópia de um documento que configura um formulário assinado com o nome da executada, com data de 09.12.2003, designada de “proposta de crédito – condições particulares”, do qual consta:
  • a identificação da executada;
  • no campo designado modalidade de crédito clássico, está escrito:
- bem ou serviço: televisão;
- preço de venda: 997,00 €;
- n.º de mensalidades: 12 – TAEG 28,24%;
- mensalidade sem seguro: 94,36 €;
- mensalidade com seguro: 140,31 €.
II – Mais juntou a Exequente a fotocópia de um documento designado “contrato de crédito – condições gerais”, do qual constam, entre outras, as seguintes cláusulas:
«3.2 O contrato só se considera perfeito com a aceitação expressa do C (...) da proposta subscrita pelo Titular, a qual se considera realizada com a entrega dos valores financiados ao titular ou a quem este indicar nas Condições Particulares.
5. Reembolso do crédito e pagamento de juros:
5.1 O titular obriga-se a reembolsar o crédito concedido pelo C (... )e ao pagamento dos juros, quando aplicável, no prazo e demais condições fixadas no presente contrato.
7.1 Para além dos demais casos previstos na lei o C (...) poderá resolver imediatamente o contrato, considerar vencida a operação e exigir o pagamento imediato de todas as prestações emergentes do contrato e em geral de tudo quanto constituir o seu crédito, incluindo a penalidade por mora a que se refere a cláusula anterior, sem prejuízo dos juros que se vençam até integral pagamento, sempre que:
a) o titular incumpra qualquer das obrigações estabelecidas no presente contrato:
b) o pagamento de uma prestação estiver em mora por mais de 30 dias a contar da data do seu vencimento (…).»
III – O Exequente alega no requerimento executivo que “(…) o Executado desde 2004-12-23 nada pagou. Data em que o contrato foi resolvido”. “Tendo ficado em dívida o valor de € 622,08”; “Esta quantia venceu juros legais desde a data atrás referida, até à data da propositura da presente execução, os quais são, neste momento, de € 470,49”; “(…) em caso de resolução (…) existirá um acréscimo de 6% sobre o capital em dívida, a título de clausula penal, o qual representa o valor de € 310,67.
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4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Cumpre então entrar na apreciação da questão suscitada no recurso e que consiste na discordância frontal relativamente ao entendimento perfilhado no despacho recorrido no sentido de que os documentos apresentados não configuravam título executivo relativamente à quantia exequenda, sustentando a Exequente/Recorrente precisamente o inverso.
 No despacho recorrido – aliás, como do mesmo flui literalmente – invocou-se no essencial a seguinte linha de fundamentação:
«Em síntese, analisados os documentos apresentados como título executivo verifica-se que:
· deles não é possível extrair que a proposta de crédito tenha sido aceite pela mutuária e que tenha sido efectivamente disponibilizada à executada qualquer quantia;
· trata-se de meros documentos particulares, aos quais não é aplicável o disposto no artigo 50º do Código de Processo Civil;
· mesmo admitindo que a quantia solicitada foi disponibilizada à executada, não é possível aferir, mesmo com recurso a cálculos aritméticos, qual a quantia devida a título de capital e de juros vencidos, nem saber se ocorreu, ou não, uma resolução válida e eficaz do contrato, por força da qual sejam devidas as quantias peticionadas (nomeadamente, a título de cláusula penal).
Neste sentido, impõe-se concluir que os documentos apresentados à execução  não contêm a constituição ou reconhecimento de uma obrigação certa, líquida e exigível, que seja determinada por simples cálculo aritmético, conforme exige o artigo 46º, n.º 1, al. c) e 804º do Código de Processo Civil.
Em conformidade, não podemos senão considerar que no presente caso ocorre  uma manifesta falta de título executivo, impondo-se a rejeição da presente execução.»
Que dizer?
Desde logo que a Exequente/Recorrente nem sequer intentou rebater qualquer dos ditos alinhados argumentos com e nas suas alegações recursórias…
Antes e apenas almeja evidenciar a inadequação da conclusão a que com base neles o despacho recorrido afirmou, invocando, para começar, que do contrato de concessão de crédito invocado resulta a certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação exequenda.
Mas como é que insofismavelmente se pode nas circunstâncias ajuizadas sustentar que a “obrigação exequenda” se apresentava certa, líquida e exigível “em resultado” do contrato de concessão de crédito?
Então se se invoca que o valor do bem adquirido com o mútuo era de € 997,00, sendo acordado o seu reembolso em 12 prestações, como é que desse contrato resulta que ficou em dívida o valor de € 622,08?
Se é pela afirmação que “o Executado[1] desde 2004-12-13 nada pagou, ainda assim não vislumbramos base sólida e segura para fazer um tal “cálculo aritmético” (cf. art. 46º, nº1, al.c) do C.P.Civil), quando ficou por invocar a data de início de vigência do “contrato” – relativamente ao que o despacho recorrido doutamente sublinhou não se encontrar junto, na medida em que a “proposta de crédito” que acompanhou o requerimento executivo nem sequer se encontra assinada pela entidade mutuante “ C (...)”…
E depois, como é que desses documentos que acompanharam o requerimento executivo – “proposta de crédito-condições particulares” e “contrato de crédito-condições gerais[2] – resulta que foram efectivamente disponibilizados/entregues os valores financiados?
Porque essa entrega – na afirmação igualmente constante das alegações recursórias – se “presume”!?
E porque do documento “resulta a aparência” do direito invocado pela Exequente!?
Salvo o devido respeito, sustentar um tal modo de entendimento só se pode compreender como fruto de algum equívoco ou desconhecimento, quer dos requisitos jurídicos do contrato de mútuo, quer dos pressupostos processuais do título executivo.   
Na verdade, em termos dogmáticos, o contrato de mútuo apenas se pode ter como concluído e perfeito com a entrega da coisa mutuada[3], quando é certo que, pelo recurso a elementos que resultam da (simples) inspecção do título, apenas resulta ou se pode concluir pela existência, quando muito, de uma mera proposta de um contrato de abertura de crédito…
Depois, porque quando no art. 45º do C.P.Civil se estatui que “Toda a execução tem por base um título executivo pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”, quer-se com tal significar que o título executivo é condição necessária da acção executiva (já que sem título não pode ser instaurada acção executiva); e que, por outro lado, o título executivo é também condição suficiente da acção executiva (dado que a sua apresentação faz presumir as características e os sujeitos da relação obrigacional, correspondendo à necessidade reclamada pelo processo executivo de se encontrar assegurada, com apreciável grau de probabilidade, a existência e o conteúdo da obrigação).
Dito de forma breve: a análise do título deve demonstrar, sem necessidade de outras indagações, tanto o fim como os limites da acção executiva[4].
Ora, isso é precisamente o que não se consegue fazer no caso vertente quando aos pontos já supra assinalados.
Como igualmente não se consegue fazer quanto ao alegado montante de juros vencidos (€ 470,49), nem quanto a ter operado com validade e eficácia jurídica a resolução do contrato e bem assim ser devido o parcial de € 310,67 a título de cláusula penal.
Na verdade, como é que pelo confronto dos dois ditos documentos – “proposta de crédito-condições particulares” e “contrato de crédito-condições gerais” – se pode considerar que estes outros aspectos (e seus necessários pressupostos de facto[5]) se encontravam certificados ou comprovados (designadamente para se efectuar o invocado “cálculo aritmético”)?
Acrescendo que na situação ajuizada a Exequente nem sequer poderia socorrer-se do regime “especial” constante do disposto no art. 50º do C.P.Civil (com epígrafe e estatuição respeitante à “Exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados”).    
Que o mesmo é dizer, se a Exequente, no requerimento inicial, liquidou a “obrigação exequenda”, fê-lo, com apelo – para efectuar o respectivo “cálculo aritmético” – a elementos que não resultam da simples inspecção do título.
Ora, como doutamente se sublinhou em aresto jurisprudencial, “Sendo a resolução o pressuposto da extinção da relação jurídica e a justificação para a invocação de um direito de indemnização, os documentos apresentados pela exequente no processo de execução não se mostram suficientes para configurar as posições jurídicas de cada uma das partes, exigindo uma actividade complementar a que não se ajustam os quadros limitados, as regras processuais e os objectivos da acção executiva virada para a exercitação coerciva de direitos certos e não tanto para a definição de direitos cujos contornos qualitativos e quantitativos sejam incertos e pressuponham uma actividade cognitiva.[6]
E nem se argumente[7] que basta ao Exequente exibir o título executivo pelo qual é constituída ou reconhecida a obrigação, e bem assim que o pagamento das mensalidades reclamadas constitui um facto extintivo do direito invocado pela Exequente, pelo que, nos termos do art. 342º, nº2 do C.Civil, o respectivo ónus competiria aos Executados.
Esta afirmação singela de alguma maneira representa até uma subversão da construção jurídico-processual do processo executivo e dos requisitos da existência e validade (da força) dos títulos executivos que o legislador laboriosamente cuidou de estabelecer nas várias alíneas do nº1 do art. 46º do C.P.Civil.
Nem aliás tal se encontra afirmado no aresto que a Exequente/recorrente invoca nas suas alegações recursórias[8], pois que a situação factual aí em causa tinha por base um título executivo constituído por uma mais ampla e específica concretização em documentos de suporte que foram juntos a tais autos.
Acrescendo que sempre teríamos de discordar da generalização que daí se parece poder extrair no sentido de que o recebimento da quantia mutuada não carece de se encontrar comprovada em algum outro documento assinado pelos devedores para que o título executivo apresentado – documento particular – tenha força executiva à luz do disposto no art. 46º, nº 1, al.c), do C.P.Civil, pois que, quanto a nós e ao invés, o mecanismo legal previsto no art. 804º, nºs 1 e 2 do C.P.Civil é antes a solução legalmente estabelecida, e, como tal, a via mais segura a seguir e a não dispensar!   
Isto mesmo foi sustentado na decisão recorrida, aliás com apelo ao entendimento sufragado em douto aresto do Tribunal da Relação de Coimbra que a Exma. Juíza a quo reconheceu ter seguido de perto[9], e a que igualmente damos o nosso acolhimento, e que por paradigmático neste sentido vamos reproduzir quanto a dois pontos do seu sumário:
«IV - Não resultando do documento dado como título, nem resultando de qualquer outro documento que haja sido junto com o requerimento executivo, nem tendo sido alegado neste que o crédito solicitado haja sido, efectivamente, posto à disposição do executado, não obstante a consideração constante nas “cláusulas contratuais” ou “condições gerais” do contrato firmado, não se pode entender que esse documento formalize ou evidencie um contrato de abertura de crédito.
V - Isto não pode ser substituído pela constatação do carácter plausível de ter ocorrido a entrega do montante do crédito ao vendedor, pois o que interessa é a titulação efectiva dessa entrega (que, aliás, é fácil de demonstrar) e não as conjecturas que, com base em elementos absolutamente exteriores ao título, possamos fazer
Tudo para dizer que se nos afigura inteiramente correcto o enquadramento feito no despacho recorrido!
Termos em que improcede claramente toda a argumentação aduzida pela Exequente/recorrente como fundamento para a procedência do recurso.
                                                           *                    
5 – SÍNTESE CONCLUSIVA
I – A manifesta falta de título executivo, consubstancia motivo de indeferimento liminar do requerimento inicial executivo, nos termos do art. 812º-E, nº1, al.a), do C.P.Civil, na redacção aplicável e que lhe foi dada pelo DL nº 226/2008, de 20 de Novembro.
II – É que a lei confere na vigência normativa em causa força executiva a todos os “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto” (art. 46º, nº1, al. c) do C.P.Civil).
III – Mas do título executivo devem resultar – dada a necessidade de se acautelar a certeza e segurança das obrigações – a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias, o que não sucede quando estão em causa quantitativos que emergem de situações de incumprimento contratual que dependem da alegação e prova de factos que não têm expressão no próprio título, isto é, não estão por ele documentados nos termos exigidos pelo referenciado artigo 46º, nº1, al. c) do C.P.Civil, estando consequentemente inviabilizado o “cálculo aritmético”.
IV – Acrescendo que não resultando dos documentos dados como títulos, nem tendo sido alegado no requerimento executivo que o crédito solicitado haja sido, efectivamente, posto à disposição do executado, não obstante a consideração constante nas “cláusulas contratuais” ou “condições gerais” do contrato apresentado, não se pode entender que esse documento formalize ou evidencie um contrato de abertura de crédito.
V – Isto não pode ser substituído pela constatação do carácter plausível de ter efectivamente ocorrido a disponibilização/recebimento da quantia mutuada, pois o que interessa é a titulação efectiva dessa entrega, donde o mecanismo legal previsto no art. 804º, nºs 1 e 2 do C.P.Civil seria antes a solução legalmente estabelecida, e, como tal, a via mais segura a seguir e a não dispensar para este efeito.
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6 - DISPOSITIVO
Pelo exposto, decide-se a final julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida de indeferimento liminar/rejeição do requerimento executivo.
            Custas pela Exequente.

Coimbra, 12 de Novembro de 2013

Luís Filipe Cravo ( Relator )
Maria José Guerra
António Carvalho Martins

[1] Queria-se seguramente dizer “a Executada”, mas tal não passa afinal de um erro de escrita…
[2] Já se relevando aqui também uma outra dificuldade de base, qual seja, a de não se conseguir pelo mero confronto dos documentos, estabelecer uma relação segura entre estes dois documentos, que o mesmo é dizer, que os mesmos se reportam ao mesmo e único contrato…
[3] Cf. art. 1142º do C.Civil.
[4] Vincando este ponto, vide o Acórdão do T. da Rel. de Lisboa de 27-06-2007, no proc. nº 5194/2007-7, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
[5] Só em reforço do que se vem de dizer, e tomando por referência a “resolução”, é consabido que esta se faz mediante declaração à outra parte e é admitida quando fundada na lei ou em convenção (arts. 432º, nº1 e 436º, nº1, do Código Civil).
[6] Citámos novamente o já antes referenciado Acórdão do T. da Rel. de Lisboa de 27-06-2007, no proc. nº 5194/2007-7, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
[7] Como igualmente faz a Exequente/recorrente nas suas alegações recursórias!
[8] É o Acórdão do T. da Rel de Évora de 02-02-2012, no proc. nº 294/11.6, acessível em www.dgsi.pt/jtre.
[9] Estamos a reportar-nos ao Acórdão do T. da Rel. de Coimbra de 25-01-2011, no proc. nº 906/10.9TBACB.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.