Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1/12.6GBMMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: INTERESSE EM AGIR
MINISTÉRIO PÚBLICO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 401º Nº 2 CPP E 50º CP
Sumário: 1.- O Ministério Público não tem interesse em agir, se, no recurso, concordando com medida concreta da pena aplicada, pretende apenas a alteração do enquadramento jurídico dos factos.

2.- A suspensão da execução da pena em crimes de tráfico de estupefacientes só deve ser determinada em casos muito particulares uma vez que a manutenção de traficantes em liberdade colide frontalmente com as exigências de prevenção geral.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal

1) Absolver o arguido A... da prática de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, pelo qual vinha acusado.

2) Condenar o arguido A...pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de 04 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual prazo, sob regime de prova; nos termos que forem considerados adequados no momento da elaboração do plano de reinserção social pelos respectivos serviços, sujeito a homologação judicial, e ainda às obrigações, deveres e regras de conduta de: abster-se do consumo de drogas; não acompanhar pessoas sobre as quais recaia suspeita relacionada com tráfico ou consumo de produtos estupefacientes; não frequentar estabelecimentos onde exista tráfico ou consumo de produtos estupefacientes; procurar activamente uma ocupação profissional; sujeitar-se a acompanhamento social e psicológico; responder às convocatórias que lhe forem feitas pelos serviços de reinserção social; receber as visitas do técnico de reinserção social e prestar-lhe todas as informações solicitadas; e informar o técnico de reinserção social sobre as alterações de emprego e de residência.

(…)

4) Declarar perdidos a favor do Estado todos os produtos estupefacientes apreendidos.

5) Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos indicados na fundamentação.

6) Ordenar a devolução dos telemóveis apreendidos ao arguido.

7) Ordenar a devolução do automóvel com a matrícula (...)JN à proprietária C....

Inconformado com o decidido, o Ministério Público interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

1. Recorre-se do douto acórdão do Tribunal de Círculo da Figueira da Foz, proferido a 2013-03-20, constante dos autos de Processo Comum Colectivo n.º 1/12.6GBMMV, do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho.

2. O recurso é restrito à matéria de direito.

3. Salvo o devido respeito, entende o M.P. “ que, face à factualidade provada, a conduta do arguido A...integra o crime de tráfico de estupefacientes, do artigo 21º, n. ° 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que lhe foi imputado na acusação, e não o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, do artigo 25°, alínea a), do mesmo diploma legal, por que veio a ser condenado.

4. Nos autos evidencia-se, para além da demais prova documental resultante dos Relatórios de Vigilância, da transcrição de imagens e Relatório Fotográfico (Anexo A) e da transcrição dos diversos conteúdos dos telemóveis apreendidos ao arguido e listagem dos contactos efetuados com utilização de tais telemóveis (Anexos B e C), que o arguido mantinha contactos permanentes com compradores/consumidores de cocaína e de heroína, que o procuravam para o efeito, desenvolvendo um verdadeiro comércio retalhista “ e de forma empiricamente organizado.

5. A natureza das substâncias, o “modus operandí”, a intensidade da conduta dolosa têm de ser entendidos no âmbito da comprovada atuação global do arguido, toda ela ligada á venda e distribuição de heroína e cocaína, com vista à obtenção de proventos económicos e modo de vida exclusivo.

6. Salvo o devido respeito, não há razões que fundamentem a integração dos factos provados num crime de tráfico de menor gravidade, nos termos definidos no art.º 25° do DL n.º 15/93, de 22/01, uma vez que a ilicitude não se mostra consideravelmente diminuída.

7. Ao invés, a factualidade provada integra a previsão do art.º 21º do referido diploma legal.

8. O Tribunal a quo parte de premissas não comprovadas e de circunstâncias que se prendem com a determinação concreta da pena (art.º 71º) para fundamentar a “ilicitude diminuída” e não dos factos provados para a avaliar.

9. A ausência de antecedentes criminais, a situação pessoal e familiar do arguido são circunstâncias que podem e devem ser atendidas na determinação da medida da pena, mas não na tipificação jurídica da conduta, sendo certo que aqueles fatores mostram-se relevantes para se defender a sua condenação pelo limite mínimo que cabe à previsão do art.° 21º do DL 15/93, mas não se confunde com a avaliação da ilicitude das condutas dolosas cometidas.

10. As quantidades de estupefaciente, a quantia monetária, os bens/objetos apreendidos numa só revista, numa só busca domiciliária e ao veículo de matrícula (...)JN, conjugados com as movimentações do arguido, aliadas aos relatórios de vigilância e à listagem dos contactos telefónicos efetuados com os telemóveis do arguido, aprendidos nos autos, são elucidativas da movimentação e proventos do negócio, que permitiam ao arguido sustentar um agregado familiar composto por si e pela companheira (ambos desempregados e sem auferirem quaisquer subsídios), bem como por dois menores.

11. Provou-se que o arguido nunca foi consumidor de cocaína, nem de heroína, não confessou os factos em julgamento, não demonstrou arrependimento e o Tribunal a quo valorou positivamente o seu depoimento prestado em sede de primeiro interrogatório de arguido detido, onde perante o JIC confessou que a prática do crime de tráfico de estupefacientes surgiu aos seus olhos como solução para os problemas financeiros que atravessava - dívidas acumuladas e desemprego do casal.

12. A atividade delituosa do arguido não se compara a outras situações conhecidas em juízo e transmitidas pelos meios de comunicação social, que vão revelando casos de transporte de toneladas de drogas duras, mas também por isso é que a moldura penal do ilícito do art.º 21º do DL 15/93 prevê uma moldura abstrata de 4 a 12 anos prisão, 5 a 15 e 1 a 5 (neste caso, dependente das características do produto), de acordo com as circunstâncias e agravado por aqueles outros que se encontram enunciados no art.º 24º do mesmo diploma legal.

13. No caso concreto, provou-se que o arguido, pelo menos, de Fevereiro de 2012 e até 25 de Abril do mesmo ano (porque foi detido) dedicou-se á venda de produtos estupefacientes - heroína e cocaína - que, após adquirir em quantidades não apuradas, transportava para a sua residência, em Montemor-o-Velho, onde habitava com a companheira e dois menores, e ali procedia ao corte, pesagem, separação e acondicionamento, conseguindo dessa forma encher vários pacotes, que vendia a quem os quisesse adquirir, mediante pagamento pelos adquirentes, usualmente consumidores da baixa de Coimbra (imediações da Estação de Comboios de Coimbra - A, parqueamentos limítrofes à margem direita do Rio Mondego, e junto à estação Rodoviária, na Avenida Fernão de Magalhães) para onde se deslocava, após prévio contacto telefónico para os telemóveis apreendidos nos autos, fazendo-se transportar no veículo automóvel de matrícula (...)JN, também apreendido nos autos.

14. É a própria matéria de facto provada que permite estabelecer o nexo de causalidade adequada entre a utilização dos telemóveis/veículo automóvel de matrícula (...)JN e a atividade delituosa praticada pelo arguido.

15. Razão pela qual os telemóveis e o veículo automóvel, apreendidos nos autos devem ser declarados perdidos a favor do Estado, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 35° a 38° do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro e 7°da Lei n.º 5/2002, de 11/01.

16. O conjunto de factos dados por provados é de todo incompatível com o grau menor de ilicitude exigido pela previsão típica do artigo 25°, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

17. Acresce que tendo o crime de tráfico de estupefacientes consequências sociais e de saúde pública tão graves, só quando da factualidade provada resultar que a ilicitude se encontra consideravelmente mitigada é que será possível enquadrá-la no tráfico de menor gravidade, o que não é manifestamente o caso dos autos.

18. O crime de tráfico de estupefacientes constitui um crime de perigo abstracto ou presumido, consumando-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico-penalmente protegido (a saúde pública, quer fisica, quer moral), não se exigindo, assim, para a sua consumação a existência de um dano real e efectivo.

19. Entrando numa análise sucinta dos elementos do tipo do artigo 21°, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, dir-se-á que são elementos típicos do tipo objectivo do ilícito em análise: a prática não autorizada de qualquer das actividades descritas no normativo citado; a não verificação de detenção da substância estupefaciente com finalidade de consumo pessoal exclusivo; a existência de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I, II e III.

20. No que concerne ao elemento subjectivo, é necessário o dolo genérico, consistente na vontade de desenvolver sem autorização e sem ser para exclusivo consumo próprio, as actividades descritas no tipo objectivo, e a representação e o conhecimento por parte do agente da natureza e características estupefacientes do produto objecto da acção e uma actuação deliberada, livre e consciente da proibição da conduta empreendida.

21. Assim apresentado o crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21°, n.º l, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, forçoso é concluir estarem reunidos os pressupostos de que depende a sua imputação ao arguido A....

22. Tem-se por inquestionável, também, em face dos factos provados, o dolo directo do arguido - artigos 13° e 14°, n''L, ambos do Código Penal.

23. A matéria de facto provada é de todo incompatível com o grau menor de ilicitude exigido pela previsão típica do artigo 25°, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

24. Acresce que a actuação isolada do arguido, por sua conta e risco, não constitui, em si, índice de que a ilicitude do tráfico que praticava deva considerar-se diminuída e, muito menos, consideravelmente diminuída, como exige o artigo 25° a que se aludiu. É que, como se considerou no Acórdão do STJ de 24-02-2010, “a actuação criminosa individual, neste ou noutro domínio, poderá até ser mais eficaz, do ponto de vista da fuga à repressão, como a experiência da vida a cada passo nos mostra. As hipóteses de delação, por quebra de cumplicidade, são efectivamente remotas “.

25. Quais foram então as circunstâncias que determinaram o Tribunal a quo à decisão de suspender a execução da pena de prisão? Ausência de condenações criminais registadas, o apoio familiar e a perspectiva positiva quanto à reinserção social e profissional do arguido uma vez em liberdade.

26. Salvo o devido respeito, parece-nos muito pouco e muito vago!

27. Só especiais motivos podem justificar a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão no que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes. Trata-se de um domínio em que cumpre garantir que a pena de substituição não colida com as finalidades da punição, impondo-se que a comunidade não veja a suspensão como um sintoma de impunidade

28. Por outras palavras, a suspensão de execução da pena em crimes de tráfico de estupefacientes só se justifica em casos muito particulares, sob pena de saírem frustradas as exigências de prevenção geral

29. Pelo exposto, cremos que o Tribunal recorrido laborou em erro de interpretação ao integrar a conduta do arguido no artigo 25° do Decreto-Lei n. “ 15/93, de 22 de Janeiro, quando deveria, isso sim, ter tipificado a mesma pelo disposto no artigo 21°, do mesmo diploma legal, devendo, pois, ser este o normativo aplicado.

30. Decidindo diferentemente, violou o Tribunal a quo os artigos 21º, n. ° 1 e 25°, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro; o art.º 50°, n.º 1 do C. Penal; e os art.ºs 35° a 38° do DL n. “ 15/93, de 22 de Janeiro conjugados com o art.º 7°da Lei n.º 5/2002, de 11/01.

Nestes termos e naqueles mais que V.as Ex.as se dignarão suprir, deverá o presente recurso merecer provimento, revogando-se o douto Acórdão recorrido quanto à integração jurídico-penal e condenando-se o arguido A...como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, do artigo 21°, n. “ 1, do Decreto-Lei n. “ 15/93, de 22 de Janeiro, numa pena de 4 (quatro) anos de prisão efetiva e declarando-se perdidos a favor do Estado o veículo automóvel de matrícula (...)JN e os telemóveis, bens que se encontram apreendidos nos autos.

Respondeu o arguido A... defendendo a manutenção da decisão recorrida com as seguintes conclusões:

I- O presente recurso está centrado na impugnação da decisão sobre a matéria de facto relativo ao arguido ser condenado pelo o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, do art.º 25°, al a) do DL n 15/93, de 22 de Janeiro, e não pelo crime de tráfico de estupefacientes do art.º 21°, n.º 1, do mesmo diploma, que lhe foi imputado na acusação, e sobre o facto de ao arguido ter sido aplicada uma pena de quatro anos de prisão suspensa por igual período e ainda também sobre o facto da devolução do veículo automóvel e os dois telemóveis apreendidos nos autos, em virtude de não terem sido declarados perdidos a favor do estado.

II- Contemplemos o facto de o Tribunal a quo ter decidido que o arguido devia ser condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, do art.º 25°, al a) do DL n 15/93, de 22 de Janeiro, e não pelo crime de tráfico de estupefacientes do art.º 21°, n.º 1, do DL n 15/93, de 22 de Janeiro, que lhe foi imputado na acusação, pois na verdade, como o acima explanado pelos quer pelos meios utilizados pelo arguido, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, se percebe simplesmente que o arguido com a sua conduta assenta completamente no enquadramento jurídico- penal estipulado do art.º 25 al a) do DL n 15/93, de 22 de Janeiro, pelo que não poderia ser condenado através de outro qualquer dispositivo legal.

III- Ora, salvo devido respeito, a decisão do tribunal a quo não merece qualquer reparo, uma vez, que em toda a prova produzida acabou por se tornar insipiente e escassa, e nunca se conseguiu provar que efetivamente que teria existido tráfico de estupefacientes, pois durante todo o processo, não existiu por parte dos Órgãos de Policia Criminal qualquer interceção ao arguido num momento da eventual prática do tráfico de estupefacientes.

IV- No que concerne ao facto de ao arguido ter sido aplicada uma pena de quatro anos de prisão suspensa por igual período, corretamente aplicada, assenta no fato de o Tribunal a quo, entender que face ao arguido não ter nenhuma condenação anterior no seu registo criminal, encontra-se já a trabalhar na sua área de trabalho. Tem um grande suporte familiar, vive com a sua companheira e dois filhos, quer realmente mudar e ter uma vida melhor para a sua família, teve um relatório social completamente favorável à sua reintegração social. O arguido cumpriu aproximadamente um ano de detenção em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Leiria, este período temporal em que esteve a cumprir a pena na prisão, e a ameaça constante de poder voltar para lá como uma pena efetiva, bastaram para que o arguido sentisse que estava a ser punido pela prática dos seus atos.

V- No que diz respeito, à devolução do automóvel e dos telemóveis apreendidos nos autos, também esta decisão do Tribunal a quo fere de toda a correção e escrúpulo, pois, os bens não foram adquiridos para a prática do crime de tráfico de estupefacientes, não advierem de lucros da prática dos ilícitos, eram utilizados na vida do casal, e o automóvel é pertença de um terceiro de boa-fé, a companheira do arguido.

VI- Pelo exposto decidiu bem o tribunal a quo absolvendo o arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes do art.º 21, n.º 1, do DL n 15/93, de 22 de Janeiro, que lhe foi imputado na acusação, e condená-lo pela prática crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, do art.º 25 al a) do DL n 15/93, de 22 de Janeiro. Decidiu corretamente sobre o facto de ao arguido ter sido aplicada uma pena de quatro anos de prisão suspensa por igual período e também sobre o facto da devolução do veículo automóvel e os dois telemóveis apreendidos nos autos, em virtude de não terem sido declarados perdidos a favor do estado.

Termos em que deve a deve a sentença objeto de recurso ser confirmada, negando-se provimentos ao recurso interposto

 O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso, tendo escrito:

“(…) no sentido de se considerar que os factos provados se subsumem no tipo legal de crime previsto no artº 21 o do DL. nº 15/93, reconhecendo que se toma difícil em certas situações em concreto estabelecer a fronteira entre o tipo legal base (do art.º .º e o tipo privilegiado (do art.º 25º).

Não deixa de ser curiosa a conclusão a que chega o Ministério Público na sua motivação quanto à medida concreta da pena a aplicar, que coincide com a pena que foi aplicada pelo Tribunal a quo (pedindo, contudo, a aplicação de pena efectiva), embora com base em diferente tipo legal de crime.

Para dizer que, apesar de termos algumas dúvidas, propenderíamos para a solução defendida pelo Ministério Público quanto à subsunção legal a realizar dos factos provados, sendo certo que a actividade desenvolvida de venda de estupefacientes e toda a actividade envolvente, à mesma inerente, reflecte uma grande intensidade e persistência ao longo do tempo, bem assim em diferentes locais - de Coimbra e de Montemor-o-Novo - e com uma rede de contactos alargada.

3.1 - Quanto à medida concreta da pena - de 4 anos de prisão - não vem a mesma posta em causa pelo recorrente, mesmo para a hipótese de ver alterada a subsunção legal feita no douto acórdão recorrido, nem pelo arguido.

A razão da discordância situa-se ao nível da aplicada suspensão da execução da pena decretada.

Concordamos em absoluto com a posição assumida na motivação de recurso.

Com efeito, julgamos que não devem ser tratos todos os crimes de igual forma, dada a sua específica natureza, quando se avalia a situação pessoal, familiar ou de inserção social do arguido, ou quando se avaliam as necessidades de punição desde logo quanto às necessidades de prevenção geral e especial.

Não será feita do mesmo modo a avaliação da inserção social, familiar, profissional e económica de um arguido num crime de corrupção ou num crime de ofensas corporais ou de tráfico de estupefacientes, por exemplo.

É por isso, que nos parece mais acertada a opção jurisprudencial deste Tribunal da Relação de Coimbra - aliás citada (e rejeitada) pelo douto acórdão recorrido - bem assim, também referenciada na motivação de recurso, segundo a qual (no Ac. ReI. Coimbra, de 24-4- 2012, proc. n.º 468/l0.7T3AGD.C1, in www.dgsi.pt.). "a suspensão da execução da pena em crimes de tráfico de estupefacientes só deve ser determinada em casos muito particulares uma vez que a manutenção de traficantes em liberdade colide frontalmente com as exigências de prevenção geral”, a propósito de uma condenação por tráfico de menor gravidade numa pena de 2 anos de prisão.

No citado acórdão fundamenta-se esta opção do seguinte modo:

«... Para além disso, a suspensão da execução da pena em casos de tráfico de estupefacientes, dadas as consequências arrasadoras deste para a saúde pública e para a paz e harmonia social, é altamente desaconselhável por se mostrar aos olhos da sociedade como a falência da norma num campo onde o poder punitivo do Estado não pode dar sinais de fraqueza, muito mais num momento em que tal actividade não dá qualquer sinal de declínio.

Quer isto dizer que a suspensão da execução da pena em crimes de tráfico só deve ser determinada em casos muito particulares uma vez que a manutenção de traficantes em liberdade colide frontalmente com as exigências de prevenção geral pois que, como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2010, “o da prisão aplicada pela prática do crime de tráfico de estupefacientes por a tanto se oporem as expectativas comunitárias da validade da norma violada", porquanto "na falta de um quadro fortemente abonatório, razões de prevenção geral, consideradas as devastadoras consequências, designadamente para a saúde pública e para a coesão social, do tráfico de estupefacientes, sempre desaconselhariam a suspensão da execução da pena”.

Aliás, como tem vindo a ser decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça

Em face do exposto, há que concluir que razões de prevenção especial e geral obstam a que a pena de prisão aplicada ao recorrente seja suspensa na sua execução.»

Ora, no caso dos autos para além da elevada gravidade, patente na medida concreta da pena aplicada, no que toca à personalidade revelada pelo arguido no âmbito dos presentes autos e na sua relação com o Tribunal e com a realização da justiça, é por demais patente a não interiorização da gravidade da sua conduta, a não colaboração com o tribunal e o facto de não haver qualquer arrependimento.

O único argumento no sentido do juízo de prognose favorável ao arguido e a que o Tribunal a quo dá ênfase é a ausência de antecedentes criminais - que é afinal o que é de esperar de todo e qualquer cidadão em termos de normalidade - o que não parece manifestamente insuficientes em face das demais circunstâncias a ponderar, para a aplicação do art.º 50º do C. P.

Aliás, o que em nossa opinião transparece é que o arguido ia fazendo tendencialmente modo de vida - com a angariação dos respectivos proventos económicos - com a actividade de venda de estupefacientes, atenta a regularidade com que o vinha fazendo até ser parado pelas autoridades policiais e preso ...

Tudo para dizer que também entendemos que a pena de prisão aplicada deve ser efectiva e não suspensa na sua execução.

3.2 - Por fim, quanto ao solicitado perdimento do veículo e dos telemóveis apreendidos, somos de parecer que não restam dúvidas que em face da matéria provada os mesmos objectos, todos eles, foram usados pelo arguido na prática do crime.

Acontece que o veículo automóvel usado pelo arguido e apreendido, conforme ponto n.º 20 da matéria provada, pertence a terceiro o que releva nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 110° do C. P., designadamente, no seu n.º 2.

Desse modo, não nos repugna aceitar a solução do douto acórdão recorrido quanto ao veículo automóvel, diferente devendo ser a solução a dar aos telemóveis do arguido usados como instrumento da prática do crime no que se concorda com a motivação de recurso.

x

Face ao exposto, sem necessidade de outros considerandos, somos de parecer que deverá obter procedência o recurso do Ministério Público, nos termos sobreditos.”

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido manteve a posição já assumida.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[1]].

Questões a decidir:

- Integração jurídica dos factos

- Suspensão da execução da pena

- Perdimento de objectos relacionados com o crime

Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):

1. Em período não concretamente apurado, mas pelo menos desde Fevereiro de 2012 e até ao dia 25 de Abril de 2012, o arguido A...dedicou-se à entrega de produtos estupefacientes, designadamente heroína e cocaína, mediante a obtenção de contrapartidas monetárias, com vista à obtenção de lucros.

2. Para tanto, e após adquirir os produtos estupefacientes, designadamente heroína e cocaína, em quantidades não apuradas, o arguido transportava os produtos estupefacientes para a sua residência, sita no n.º (...), em Montemor-o-Velho, onde, até 25 de Abril de 2012, habitou com a sua companheira e dois menores (um filho de ambos e outro apenas da companheira), e procedia ao seu corte, separação e acondicionamento, conseguindo desta forma encher vários pacotes, após o que entregava os mesmos a quem os quisesse adquirir, mediante o pagamento, pelos adquirentes, usualmente consumidores da cidade de Coimbra, de uma contrapartida pecuniária.

3. O arguido procedia a tais entregas de produtos estupefacientes na cidade de Coimbra, deslocando-se, por vezes, após prévia combinação com as pessoas que desejavam adquirir a heroína e/ou cocaína, habitualmente consumidores destes mesmos produtos.

4. Tais combinações prévias eram efectuadas por contacto telefónico com o arguido, para os telemóveis com os números (...) e (...), que lhe eram pertencentes, e visava quer a combinação quanto à quantidade de heroína e/ou cocaína que se pretendia adquirir e ao preço a pagar, quer quanto ao local de entrega.

5. Assim, entre Fevereiro e 25 de Abril de 2012, o arguido entregou a E... , em datas não concretamente apuradas, mas por duas a três vezes por dia, cerca de um pacote contendo cocaína ou heroína em quantidades não concretamente apuradas, mediante o pagamento por este do preço de €10,00 (dez euros) por cada pacote.

6. Entre Fevereiro e 25 de Abril de 2012, o arguido entregou a F... , em datas não concretamente apuradas, mas por uma a duas vezes por dia, cerca de um pacote contendo cocaína em quantidades não concretamente apuradas, mediante o pagamento por este do preço de €10,00 (dez euros) por cada pacote.

7. Entre Fevereiro e 25 de Abril de 2012, o arguido entregou a G... , em datas não concretamente apuradas, por duas a três vezes, cerca de um pacote contendo heroína ou cocaína em quantidades não concretamente apuradas, mediante o pagamento por esta do preço de €10,00 (dez euros) por cada pacote.

8. Entre Fevereiro e 25 de Abril de 2012, o arguido entregou a H... , por duas a três vezes, em datas não concretamente apuradas, sem qualquer contrapartida imediata, um pacote contendo cocaína em quantidades não concretamente apuradas.

9. Entre Fevereiro e 25 de Abril de 2012, o arguido entregou a I..., por duas a três vezes, em datas não concretamente apuradas, cerca de um pacote contendo heroína em quantidades não concretamente apuradas, mediante o pagamento por este do preço de €10,00 (dez euros) por cada pacote.

10. O arguido procedia às “supra” descritas transacções, habitualmente, nas imediações da Estação de Comboios de “Coimbra-Cidade” e dos parqueamentos limítrofes à margem direita do rio Mondego e, por vezes, junto à Estação Rodoviária sita na Avenida Fernão de Magalhães.

11. Em poder dos produtos estupefacientes já separados em doses individuais, o arguido, circulando no veículo automóvel com matrícula (...)JN, no período compreendido entre Fevereiro e 25 de Abril de 2012, dirigiu-se em diversas ocasiões à cidade de Coimbra onde contactou com diversos indivíduos consumidores de estupefacientes a quem entregou os estupefacientes que detinha, recebendo dinheiro como forma de pagamento.

12. Numa dessas ocasiões, a 24 de Abril de 2012, pelas 21h20m, na Rua Dr.ª Rosa Falcão, na baixa de Coimbra, o arguido foi interceptado por militares da Guarda Nacional Republicana tendo em seu poder os seguintes bens que lhe foram apreendidos:

– Dez panfletos de cor verde, devidamente embalados, contendo no interior heroína em pó em quantidade (peso líquido de 1,412 gramas) e com grau de pureza (18%) suficientes para

02(duas) doses médias individuais diárias [Portaria n.º 94/96, de 26/03];

– €80,00 (oitenta euros) em notas do Banco Central Europeu, distribuídos por uma nota de €50,00 (cinquenta euros), uma nota de €20,00 (vinte euros) e uma nota de €10,00 (dez euros) – quantias estas provenientes da actividade de venda de produtos estupefacientes a que o arguido se dedicava;

– Um telemóvel, da marca “NOKIA”, modelo “X3-00” (com o IMEI [“International Mobile Equipment

Identity” – identificação internacional de equipamento móvel] – 351 536 046 928 154; com cartão n.º 917 101 710; com o PIN [“Personal Identification Number” – número de identificação pessoal] – 5144); e

– Um telemóvel, da marca “SAMSUNG” (com o IMEI – 358 654 031 404 306, com cartão nº 939 121

140 – PIN – 1825);

Sendo que tais quantidades de heroína destinavam-se a serem vendidas pelo arguido.

13. De seguida, no mesmo dia 24 de Abril de 2012, o arguido detinha no interior do veículo automóvel com matrícula (...)JN, da marca “LANCIA”, modelo “Y”, de cor branca, por si conduzido, os seguintes bens que aí foram encontrados e apreendidos (busca ao automóvel

efectuada nas instalações da Guarda Nacional Republicana em Montemor-o-Velho):

 No interior do porta-luvas:

– Um invólucro em plástico contendo no seu interior cocaína(cloridrato), em diversas

“pedras”, com o peso líquido de 1,299 gramas, que se destinava a ser vendida pelo arguido;

– Um invólucro em plástico contendo no seu interior canabis(folhas e sumidades

floridas ou frutificadas da planta Cannabis sativa L.), (“cabeças de canabis”), com o peso líquido de 3,330 gramas.

14. O arguido, habitualmente, conduzia o veículo automóvel com matrícula (...)JN “supra” referido, o qual era por ele utilizado, também, para ir entregar heroína e cocaína em locais previamente combinados, fora de Montemor-o-Velho, com as pessoas que o contactavam por via telefónica para adquirir tais produtos.

15. Cerca das 23h00m, do mesmo dia 24 de Abril de 2012, o arguido detinha no interior da sua residência (sita no n.º (...), Montemor-o-Velho) os seguintes bens que aí foram encontrados (durante busca domiciliária) e apreendidos:

 No sótão:

 Em cima de uma mesa:

– Uma Balança de precisão electrónica;

– Cinco colheres de sopa, com sinais aparentes de serem utilizadas na preparação dos pacotes de cocaína, e com resíduos do produto estupefaciente;

– Uma colher de café, com sinais aparentes de ser utilizada para dosear as substâncias estupefacientes para posterior embalamento em pacotes;

– Dois X-actos e duas lâminas de X-acto;

– Três pequenos pedaços de plástico, incolores, recortados de forma circular, utilizados para a confecção de pacotes para acondicionamento de substâncias estupefacientes (heroína e cocaína);

– Três baterias de lítio, utilizadas para funcionamento electrónico da balança de precisão, encontrando-se duas embaladas e uma já utilizada;

– Um pequeno pedaço de plástico, incolor, recortado de forma circular, utilizado para a confecção de pacotes para acondicionamento de substâncias estupefacientes;

– Um invólucro de plástico de maior dimensão, incolor, utilizado para acondicionamento de maiores quantidades de produto estupefaciente;

– Meio comprimido de “ben-u-ron”, fora da embalagem própria, em cima da mesa e junto aos produtos estupefacientes, apto para ser utilizado no corte/mistura com o produto estupefaciente;

– Um frasco de amoníaco, apto para ser utilizado na preparação do produto estupefaciente, nomeadamente, a cocaína;

– Um aglomerado de cocaína (cloridrato), em vinte e seis pequenas “pedras”, com o peso líquido de 1,533 gramas;

– Um aglomerado de cocaína (cloridrato), em cinquenta pequenas “pedras”, em quantidade (peso líquido de 2,451 gramas) e com grau de pureza (91,6%) suficientes para 11(onze) doses médias individuais diárias [Portaria n.º 94/96, de 26/03];

– Uma folha de papel, de cor castanha, utilizada como base preparatória para a confecção e corte dos produtos estupefacientes, com resíduos dos mesmos;

– Uma tampa de uma balança de precisão que acondicionava diversos pacotes de cocaína e heroína, que se destinavam a serem vendidas pelo arguido, e que a seguir se descrevem;

– Vinte e dois pequenos pacotes, em plástico, de cor verde, contendo no seu

interior heroína em pó, em quantidade (peso líquido de 3,449 gramas) e com grau de pureza (19,5%) suficientes para 06(seis) doses médias individuais diárias [Portaria n.º 94/96, de 26/03];

– Quarenta e sete pequenos pacotes, em plástico, de cor branca, contendo no seu interior cocaína (cloridrato), em quantidade (peso líquido estimado de 2,540 gramas) e com grau de pureza (81,7%) suficientes para 10 (dez) doses médias individuais diárias [Portaria n.º 94/96, de 26/03];

 No chão:

– Diversos sacos de plástico, de cor verde, branco e incolor, com ausência de pedaços, recortados de forma circular;

– Uma placa de comprimidos da marca “ben-u-ron”, com capacidade para acondicionamento de 09(nove) comprimidos, contendo apenas 01(um), parcialmente utilizado; – Uma folha de papel, de cor castanha, utilizada como base preparatória para a confecção e corte dos produtos estupefacientes, com resíduos dos mesmos;

– Diversos invólucros de maior dimensão, de plástico, incolor, utilizados para acondicionamento de maiores quantidades de produto estupefaciente.

 No quarto do arguido:

 No interior de gaveta de uma das mesas-de-cabeceira:

– Três pequenos pacotes, em plástico, incolor, contendo no seu interior cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 0,133 gramas, que se destinava a ser vendida pelo arguido.

16. Todos os objectos acima elencados eram utilizados pelo arguido na sua actividade de divisão, acondicionamento e venda dos produtos estupefacientes, designadamente, heroína e cocaína.

17. O arguido agiu com o propósito de entregar os produtos estupefacientes, designadamente heroína e cocaína, a quem os quisesse adquirir, em regra, mediante contrapartidas monetárias, sem que para tal actividade estivesse autorizado, bem conhecendo as características da sua conduta e a natureza psicotrópica da heroína e da cocaína, e, não obstante, quis actuar da forma por que o fez.

18. O arguido actuou livre, deliberada e conscientemente.

19. Sabia o arguido que a sua conduta era proibida pela lei penal.

20. O automóvel da marca “LANCIA”, modelo “Y”, de cor branca, com a matrícula (...)JN, é propriedade de C... com quem o arguido vive em união de facto.

21. A motivação para a prática dos factos resulta das circunstâncias de arguido se encontrar desempregado e não conseguir encontrar emprego, ter dívidas acumuladas decorrentes da exploração mal sucedida de um estabelecimento comercial de bar, e de ter a seu cargo a companheira e dois menores.

22. O arguido antes da reclusão era consumidor ocasional de canabis;

23. Do registo criminal do arguido não consta qualquer inscrição.

24. O arguido nasceu no seio de uma família integrada em meio rural, e é filho único; o progenitor, B..., foi cumprir serviço militar em Angola, na guerra do Ultramar, tendo desaparecido quando o arguido tinha 2 anos de idade, pelo que não tem quaisquer recordações deste; por este motivo, o arguido ficou entregue aos cuidados maternos; a progenitora, J..., de 64 anos, aufere uma pensão de invalidez; o relacionamento com a progenitora é-nos descrito como estável e equilibrado; a sua infância foi normativa, referindo que tem boas recordações desta altura e sem registo de dificuldades económicas; durante a sua infância, a sua progenitora refez a vida sentimental, vivendo em união de facto com um indivíduo que acabou por falecer, de acidente de viação, quando o arguido tinha 12 anos de idade; recorda esta morte como traumática, porque a sua referência parental circunscrevia-se ao seu padrasto; o arguido tem o 6.º ano de escolaridade, tendo estudado até aos 14 anos de idade; ingressou na escola em idade própria, referindo ter reprovado dois na escola primária, por motivo de doença; com 14 anos ingressou no mercado de trabalho, como soldador; casou-se com 19 anos de idade, mantendo este relacionamento durante 12 anos; deste relacionamento resultou uma filha, que tem 20 anos actualmente; no ano 1996, o agregado optou por emigrar para França, sendo que neste país o arguido desempenhou a profissão de agricultor e numa fase mais tardia executou funções de soldador; em 2002 decidiram regressar a Portugal, porque a filha do casal teve dificuldades de integração neste país; em 2006 ocorreu o divórcio, porque o arguido conheceu outra mulher, com quem viveu em união de facto até à data da reclusão; desde 2009, o arguido vive em união de facto com C... , de 30 anos; deste relacionamento resultou um filho, D... , de 11 meses; a companheira tem um filho de 5 anos de idade de outro relacionamento que também integra o agregado familiar; em 2011 o agregado decidiu alugar um bar em Montemor-o-Velho, mantendo residência nesta localidade até à data dos factos; o arguido ficou desempregado em Outubro de 2011, referindo que decidiu despedir-se porque a empresa não lhe pagava atempadamente; o agregado subsistia com os lucros do bar, que segundo o arguido eram escassos para fazer face às despesas mensais; desde que o arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional, a sua companheira optou por ir residir para a zona de Águeda, onde beneficia de apoio familiar, por parte da progenitora do arguido; reside com a mãe do arguido, numa habitação que possui adequadas condições de habitabilidade; actualmente C... trabalha como empregada de balcão e aufere o salário mínimo nacional, mencionando que consegue satisfazer as necessidades básicas; no Estabelecimento Prisional, o arguido adopta uma postura colaborante, mantendo um relacionamento interpessoal adequado com os restantes reclusos e funcionários daquele estabelecimento prisional; o presente processo é vivenciado pelo arguido com angústia e ansiedade, o mesmo assume o desvalor dos factos quando confrontado com factos semelhantes aos quais se encontra indiciado, revelando uma capacidade crítica face ao eventual comportamento delituoso; a reclusão foi entendida como uma oportunidade de reflexão, no sentido de forçar uma auto-avaliação sobre o seu modo de vida; a reclusão inibe-o de acompanhar o crescimento do filho, situação que relata com tristeza; no meio residencial, apesar da situação jurídico-penal, o arguido é referenciado pela sua postura correcta e educada, é conhecido por ter hábitos e rotinas regulares de trabalho; recebe visitas da companheira e da progenitora, sendo que estas verbalizam interesse em continuar a apoiá-lo; além deste facto, também informaram que o arguido tem uma proposta de emprego na empresa “L...”, onde poderá exercer funções na área da construção civil, cujo vencimento será o equivalente ao salário mínimo nacional.

******

Começamos por transcrever o seguinte extracto do parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto:

“Não deixa de ser curiosa a conclusão a que chega o Ministério Público na sua motivação quanto à medida concreta da pena a aplicar, que coincide com a pena que foi aplicada pelo Tribunal a quo (pedindo, contudo, a aplicação de pena efectiva), embora com base em diferente tipo legal de crime.

Para dizer que, apesar de termos algumas dúvidas, propenderíamos para a solução defendida pelo Ministério Público quanto à subsunção legal a realizar dos factos provados, sendo certo que a actividade desenvolvida de venda de estupefacientes e toda a actividade envolvente, à mesma inerente, reflecte uma grande intensidade e persistência ao longo do tempo, bem assim em diferentes locais - de Coimbra e de Montemor-o-Novo - e com uma rede de contactos alargada.”

Este excerto do parecer tem a ver com o facto de o arguido A...haver sido condenado na pena de 4 (quatro) anos de prisão (suspensa na sua execução e sob regime de prova) pela prática de factos que o tribunal “a quo” integrou num crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 25º, alínea a. do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, mas que o recorrente, embora peça a manutenção da pena (ainda que efectiva), entende integrar um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21º, n.º 1 do mesmo diploma legal, ou seja, nesta parte, o recurso incide apenas sobre o acerto da integração jurídico-criminal da decisão recorrida, mas sem qualquer consequência sobre a o quantum da pena.

Ora, diz-nos o art.º 401º, n.º 2 do Código de Processo Penal[[2]] que “não pode recorrer quem não tiver interesse em agir”, ou seja, não pode recorrer quem não tiver necessidade de lançar mão desse meio para reagir contra uma decisão que lhe traga uma desvantagem, que fruste uma sua espectativa ou interesses legítimos.

Ou como dizem Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 5ª edição 2002, pág. 53, pode “dizer-se, de forma genérica e em resumo, que o interesse em agir é o interesse em recorrer ao processo porque o direito do requerente foi afectado e está necessitado de tutela”, sendo certo que “a necessidade deste requisito é imposta por duas ordens de razões: o tempo e a actividade dos tribunais só devem ser tomados quando os direitos careçam efectivamente de tutela, para defesa da utilidade dessa mesma actividade” e porque “seria injusto que, sem mais, alguém pudesse solicitar tutela judiciária, com a consequente imposição à parte contrária dos correspondentes incómodos e ónus” e que “a utilidade prática com que se identifica o interesse em agir não é apreciada de acordo com a opinião pessoal do recorrente, mas sim em termos objectivos.”

Ou ainda como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2000, proc. n.º 2116/00-3[[3]], “o interesse em agir, (…) consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelamento de um direito ameaçado que precisa de tutela e só por essa via se logra obtê-la. Portanto, o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo. Trata-se, portanto, de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada «a posteriori»”.

Ora, não é pelo facto de o Ministério Público ter como função essencial a defesa da legalidade que, num recurso ordinário como é o caso “sub judice”, pode recorrer com a intenção de, sem qualquer efeito que perceptivelmente assegure algum direito merecedor de tutela, apenas queira que seja alterado o enquadramento jurídico-criminal decidido pelo tribunal “a quo” (daí que, como é constantemente declarado, os recursos sejam remédios jurídicos e não meios de refinamento jurisprudencial).

Assim, pretendendo o recorrente apenas a alteração do enquadramento jurídico dos factos sem que daí retire qualquer consequência útil — não a indica e nós não a vislumbramos —, temos que concluir que, nesta vertente do recurso, lhe falta interesse em agir, não podendo recorrer (art.º 401º, n.º 2).

 **

Entende o recorrente que a pena de quatro anos de prisão aplicada ao arguido não devia ter sido suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regime de prova.

Concordamos pelas razões já explanadas em diversos acórdãos por nós anteriormente relatados, nomeadamente no acórdão de 24 de Abril de 2012, proferido no recurso n.º 468/10.7T3AGD.C1 (in www.dgsi.pt) que seguiremos de perto.

Explicando:

Nos termos do nº 1 do art.º 50º do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Ora, como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2010[[4]], “na formulação desse prognóstico favorável, o tribunal, reportando-se ao momento da decisão e não ao momento da prática dos factos, atenderá especialmente às condições de vida do arguido e à sua conduta anterior e posterior ao facto. No entanto, mesmo quando razões de prevenção especial de socialização conduzam a esse prognóstico, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Não estão em causa quaisquer considerações de culpa mas apenas considerações de prevenção geral”.

Temos assim que tendo o recorrente sido condenado 4 (quatro) anos de prisão tinha que ser equacionar a possibilidade de substituir tal pena por pena de prisão com execução suspensa, mas a ponderação de tal substituição estava exclusivamente limitada a considerações de prevenção geral e especial, o que determinava que uma resposta positiva apenas poderia ter lugar se o tribunal concluísse que a suspensão bastaria para afastar o agente do cometimento de novos crimes e que não punha em causa a confiança colectiva no sistema penal.

O tribunal “a quo” entendeu que a substituição era adequada, mas sem razão visto que a suspensão da execução da pena em casos de tráfico de estupefacientes, dadas as consequências arrasadoras deste para a saúde pública e para a paz e harmonia social, é altamente desaconselhável por se mostrar aos olhos da sociedade como a falência da norma num campo onde o poder punitivo do Estado não pode dar sinais de fraqueza, muito mais num momento em que tal actividade não dá qualquer sinal de declínio.

Quer isto dizer que a suspensão da execução da pena em crimes de tráfico só deve ser determinada em casos muito particulares uma vez que a manutenção de traficantes em liberdade colide frontalmente com as exigências de prevenção geral pois que, como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2010, “não se verificando no caso circunstâncias excepcionais, não deve suspender-se a execução da prisão aplicada pela prática do crime de tráfico de estupefacientes por a tanto se oporem as expectativas comunitárias da validade da norma violada”, porquanto “na falta de um quadro fortemente abonatório, razões de prevenção geral, consideradas as devastadoras consequências, designadamente para a saúde pública e para a coesão social, do tráfico de estupefacientes, sempre desaconselhariam a suspensão da execução da pena”.

Aliás, como tem vindo a ser decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça (v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 2008, onde se escreve: “(…)  como se vem ajuizando uniformemente no STJ e segundo o que, para situação idêntica, se consignou no Ac. de 02/10/08, Rec. n.º 589/08 (relatado pelo Cons. Arménio Sottomayor e também subscrito pelo actual relator), “…nos crimes de tráfico de estupefacientes, as razões de prevenção geral só excepcionalmente se satisfazem com uma pena de substituição. Os efeitos nocivos para a saúde resultantes do tráfico, especialmente quando (como no caso) se trata de drogas duras, e as situações em que os actos de venda se prolongam no tempo e/ou atingem um elevado número de pessoas despertam “um sentimento de reprovação social do crime”, para usar as palavras do Prof. Beleza dos Santos, que impedem a aplicação da suspensão da execução da pena, sob pena de “…ser posta em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais” (Figueiredo Dias, op. cit, pag. 243). Por isso, razões de prevenção geral afastam a aplicabilidade deste instituto, por mais favorável que pudesse ser o juízo de prognose a formular acerca do arguido”.

Em face do exposto, há que concluir que razões de prevenção geral (e também especial, visto a facilidade com que o arguido se passou para o tráfico em face do seu desemprego) obstam a que a pena de prisão aplicada ao recorrente seja suspensa na sua execução.

Assim sendo, há que revogar o acórdão na parte em que suspendeu a execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado.

Terá por isso que cumprir a pena de 4 (quatro) anos de prisão.

**

Diz o recorrente que “o arguido, pelo menos, de Fevereiro de 2012 e até 25 de Abril do mesmo ano (porque foi detido) dedicou-se á venda de produtos estupefacientes - heroína e cocaína - que, após adquirir em quantidades não apuradas, transportava para a sua residência, em Montemor-o-Velho (…) e ali procedia ao corte, pesagem, separação e acondicionamento, conseguindo dessa forma encher vários pacotes, que vendia a quem os quisesse adquirir, mediante pagamento pelos adquirentes, usualmente consumidores da baixa de Coimbra (imediações da Estação de Comboios de Coimbra - A, parqueamentos limítrofes à margem direita do Rio Mondego, e junto à estação Rodoviária, na Avenida Fernão de Magalhães) para onde se deslocava, após prévio contacto telefónico para os telemóveis apreendidos nos autos, fazendo-se transportar no veículo automóvel de matrícula (...)JN, também apreendido nos autos”, pelo que devem-se declarar “perdidos a favor do Estado o veículo automóvel de matrícula (...)JN e os telemóveis, bens que se encontram apreendidos nos autos.”

Vejamos:

A respeito destes objectos e após transcrição de extractos de acórdãos desta Relação de Coimbra de 7 de Março de 2012 e do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2006, explicou-se no acórdão sob recurso:

(…)

No caso concreto:

Quanto ao automóvel, dado que se provou que o mesmo não é propriedade do arguido, nem é necessário recorrer aos critérios indicados no acórdão para concluir que não se verificam os pressupostos legais para a declaração de perda. Na verdade, à luz do artigo 110.º do Código Penal, seria imprescindível a imputação pelo Ministério Público e a prova de qualquer um dos fundamentos previstos nesse artigo para a perda do automóvel, o que não ocorreu.

Quanto aos telemóveis, a nosso ver, e salvo melhor juízo, não é possível afirmar um nexo de causalidade adequada que permita concluir que o crime não se teria verificado sem a utilização daqueles concretos telemóveis para estabelecer contactos.

Por outro lado, considerando que se tratam de telemóveis utilizados pelo arguido também no seu dia-a-dia, face à gravidade do crime, seria desproporcional tal declaração de perda.

Em síntese, deverão ser devolvidos ao arguido os telemóveis e o automóvel à sua proprietária.

Na sequência, decidiu o tribunal “a quo”:

6) Ordenar a devolução dos telemóveis apreendidos ao arguido.

7) Ordenar a devolução do automóvel com a matrícula (...)JN à proprietária C....

Vejamos:

A perda de instrumentos, produtos e vantagens, bem como a defesa dos direitos de terceiros relativos a infracções previstas na Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro[[5]], está submetida às regras específicas dos art.ºs 35º a 39º deste diploma legal[[6]].

Interpretando este normativo, mais propriamente o art.º 35º, n.º 1, tem o Supremo Tribunal de Justiça entendido que, para que seja decretado o perdimento do objecto, se exige que, para além de ter servido ou de se destinar a servir para a prática de infracção prevista no diploma, a sua relação com a infracção se revista de relevância significativa, no sentido de que haja uma relação de causalidade adequada entre o seu uso e a realização da infracção[[7]], tudo independentemente de quem seja o seu proprietário (que poderá lançar mão do art.º 36º)[[8]].

No caso em apreço e com relevância para a decisão, está provado que

(…) pelo menos desde Fevereiro de 2012 e até ao dia 25 de Abril de 2012” o arguido “dedicou-se à entrega de produtos estupefacientes” e “procedia a tais entregas de produtos estupefacientes na cidade de Coimbra, deslocando-se, por vezes, após prévia combinação com as pessoas que [os] desejavam adquirir”, sendo que “tais combinações prévias eram efectuadas por contacto telefónico com o arguido, para os telemóveis com os números (...) e (...), que lhe eram pertencentes, e visava quer a combinação quanto à quantidade de heroína e/ou cocaína que se pretendia adquirir e ao preço a pagar, quer quanto ao local de entrega

e que

O arguido procedia às “supra” descritas transacções, habitualmente, nas imediações da Estação de Comboios de “Coimbra-Cidade” e dos parqueamentos limítrofes à margem direita do rio Mondego e, por vezes, junto à Estação Rodoviária sita na Avenida Fernão de Magalhães”, sendo que “em poder dos produtos estupefacientes já separados em doses individuais, o arguido, circulando no veículo automóvel com matrícula (...)JN, no período compreendido entre Fevereiro e 25 de Abril de 2012, dirigiu-se em diversas ocasiões à cidade de Coimbra onde contactou com diversos indivíduos consumidores de estupefacientes a quem entregou os estupefacientes que detinha, recebendo dinheiro como forma de pagamento” e “numa dessas ocasiões, a 24 de Abril de 2012, pelas 21h20m, na Rua Dr.ª Rosa Falcão, na baixa de Coimbra, o arguido foi interceptado por militares da Guarda Nacional Republicana tendo em seu poder os seguintes bens que lhe foram apreendidos: “Dez panfletos de (…) heroína”, “€ 80,00 (oitenta euros) em notas do Banco Central Europeu”, “Um telemóvel, da marca “NOKIA”, modelo “X3-00” (com o IMEI [“International Mobile Equipment Identity” – identificação internacional de equipamento móvel] – 351 536 046 928 154; com cartão n.º 917 101 710; com o PIN [“Personal Identification Number” – número de identificação pessoal] – 5144)” e “Um telemóvel, da marca “SAMSUNG” (com o IMEI – 358 654 031 404 306, com cartão nº 939 121 140 – PIN – 1825)”, “tais quantidades de heroína destinavam-se a serem vendidas” e ainda “no mesmo dia 24 de Abril de 2012, o arguido detinha no interior do veículo automóvel com matrícula (...)JN, da marca “LANCIA”, modelo “Y”, de cor branca, por si conduzido (…) um invólucro em plástico contendo no seu interior cocaína (cloridrato), em diversas “pedras”, com o peso líquido de 1,299 gramas, que se destinava a ser vendida (…) um invólucro em plástico contendo no seu interior canábis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas da planta Cannabis sativa L.), (“cabeças de canabis”), com o peso líquido de 3,330 gramas.”

Ficou ainda provado que “o arguido, habitualmente, conduzia o veículo automóvel com matrícula (...)JN “supra” referido, o qual era por ele utilizado, também, para ir entregar heroína e cocaína em locais previamente combinados, fora de Montemor-o-Velho, com as pessoas que o contactavam por via telefónica para adquirir tais produtos

Ora, no caso em apreço verifica-se que o arguido utilizava com regularidade os telemóveis e o veículo apreendidos nos autos mas, se os primeiros eram importantíssimos para a concretização dos diversos negócios/transacções (a facilidade de contacto que os telemóveis permitiam permite-nos concluir que sem a sua utilização, as possibilidades de “negócio” se reduziriam drasticamente), já quanto ao veículo podemos dizer que a sua utilização pode ser entendida como um mero factor de comodidade nas deslocações e nunca como decisiva ou sequer suficientemente determinante para a realização do “negócio” (as quantidades de produto estupefaciente que transportava de cada vez eram pequenas e, até por isso, caso não tivesse o automóvel dos autos, o arguido sempre se poderia deslocar de outro modo de Montemor-o-Velho para Coimbra, nomeadamente em transporte público).

Assim sendo, andou bem o tribunal “a quo” ao não determinar o perdimento do veículo mas deveria ter declarado perdidos os telemóveis.

*

Face ao exposto, acorda-se em:

1) Por falta de interesse em agir do Ministério Público, não admitir o recurso na parte respeitante ao enquadramento jurídico-criminal dos factos

2) Revogar o acórdão:

– na parte em que suspendeu a execução da pena, ou seja, fica o arguido condenado em quatro anos de prisão efectiva e

– na parte em que não decretou o perdimento dos telemóveis apreendidos nos autos, ou seja, declaram-se perdidos a favor do Estado os telemóveis apreendidos nos autos

3) Mantém-se o acórdão em tudo o mais.

*

Sem tributação.

*

Coimbra, 18 de Dezembro de 2013

Luis Ramos (Relator)

Olga Maurício


[1] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011, acessível in www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada)
[2] Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem
[3] Citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Fevereiro de 2005
[4] Disponível in www.dgsi.pt
[5] Regras não totalmente coincidentes com as constantes dos art.ºs 109º a 112º do Código Penal
[6] Neste sentido, v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Janeiro de 2006, de 6 de Julho de 2012 e de 29 de Fevereiro de 2012 
[7] Neste sentido, entre muitos outros, v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2012
[8] Neste sentido, entre muitos outros, v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 2010